EntreContos

Detox Literário.

Céu de Preás (Rubem Cabral)

preas

I

Comunidade Quilombola Rio das Rãs – Bahia – Junho de 2055.

Caatinga, a mata branca. A paisagem de palheta de tons desmaiados seria provável reflexo da memória esclerosada de Deus, que, por ser tão velho, caducara de vez e não mais se recordava direito de todos os detalhes necessários, tendo pintado tal pouco inspirado pedaço de terra com tintas de nada e pinceladas de coisa alguma, compondo uma soma de ausências e de cores mortas, que tentava fazer sentido, porém em vão.

Dizer que fazia calor no lugar seria apenas martelar a paciência alheia com mais do mesmo, visto que fazia calor sempre, e o firmamento azul-anil, completamente límpido de nuvens, prometia que os meses seguiriam assim, ao menos até a distante estação das chuvas, que em verdade mal merecia tal nome.

Passavam poucos minutos das seis da manhã e o vento preguiçoso levantava nuvens de poeira muito vermelha, pó que tinha o mau costume de se infiltrar em tudo, ignorando janelas e portas invariavelmente seladas, apesar da necessidade quase desesperada dos moradores de algum frescor. As escolhas se resumiam a duas para as pessoas que viviam ali: ou se deixarem assar dentro das abafadas casas de taipa ou se entregarem de vez aos caprichos da natureza e se transformarem em estátuas vivas: bebendo barro, comendo telha, cuspindo tijolo.

***

A pequena Enzara, uma garota pequena mesmo, ao menos dois dedos abaixo da escala definida para seus nove anos, bocejou ao girar a tramela da porta da sala e ganhar o quintal, descalça, só trajando uma camiseta comprida até os joelhos por sobre a calcinha de motivo infantil. Lá fora o vira-lata Surubim latia e ela, que tinha sono leve, havia despertado. A menina encostou a porta com cuidado para não acordar os outros que ainda roncavam, esfregou os olhos remelentos, ajeitou o cabelo espigado e ralhou com o cão: — Vixe, Bimbim. S’aqueta! Me acordô, disgraça!

O cachorro cor de café pingado aproximou-se meio trôpego, com a cauda encolhida entre as pernas e vocalizou ruidosamente, abrindo e fechando a boca como se tivesse algo importante a dizer. Lambeu nervosamente a mãozinha cor de bronze da patroazinha, girou e voltou a ladrar, dirigindo-se até a entrada do terreno.

Zizinha seguiu Surubim até o portão quase tombado, junto da malfeita cerca de paus, bambus e arame farpado. Percebeu mesmo algo estranho lá fora, mas a poeirada não permitia definir bem o quê. Destravou o trinco e Surubim escapou rápido como um teiú através do vão entreaberto.

Correu então atrás da mascote, já pensando em lhe dar umas boas chineladas por ser tão desobediente.

Deu a volta ao redor do quintal de uma vizinha e de repente notou algo que em nada combinava com o restante do ex-quilombo parado no tempo. Sem voz, estancou boquiaberta com o que viu.

Um veículo flutuante, um charuto prateado e tão amplo quanto um ônibus pairava silencioso a um metro de altura do Poço Grande. Um androide com cara de plástico brilhante, com um congelado sorriso de falsos dentes brancos no rosto de mesma cor, içava alguma coisa lá de dentro. Havia um segundo autômato com a mesma cara engraçada e este talvez fizesse guarda e monitorasse o procedimento, pois tinha uma narcopistola na mão e estava em posição de sentido.

Surubim latia e rosnava muito bravo, seguramente não gostava de novidades, ou talvez de gente de mentirinha.

A menina já vira daqueles bonecos – feito seu pai os chamava – na flextevê. Já vira também um veículo do mesmo tipo certa vez, quando fora ao médico em Bom Jesus da Lapa, mas não ali, naquela comunidade esquecida pelo bom Deus, onde até a eletricidade ainda dependia de antiquadas células fotovoltaicas nos telhados. Por que tavam bulindo no poço? Será que Dona Agripina sabia disso? Oxe, mas tá na cara que ela não vai gostar!

Zizinha saiu do transe quando por reflexo estapeou-se ao sentir uma picada no ombro, dolorida feito as de mosquito-pólvora ou muriçoca. Mas era tão cedo para muriçocas, que só gostavam de sair para jantar à tardinha, pensou. Sentiu de repente uma moleza que não era desse mundo e resolveu deitar-se, ali mesmo, sobre o solo poeirento. Adormeceu até achando graça, pois o tinhoso Surubim aparentemente lhe obedecera e resolvera enfim calar a boca.

Meia hora depois foi encontrada pela mãe e despertou em casa, no sofá da sala, com os olhos de jabuticaba dos pais e irmãos observando-a igualzinho as corujas no juazeiro. Deram-lhe um copo de água fresca e molharam também a sua testa. Não se lembrava de nada e não tinha a mais remota ideia sobre como o cachorro desaparecera ou como fora dormir junto do poço.

(Os pais culparam ao calor e talvez algum preá ou tatupeba houvesse feito o danado do Bimbim escafeder-se – não seria a primeira vez).

Menos de uma semana depois, a menina teve uma febre de quarenta graus, sua barriga cobriu-se de bolhazinhas cheias de líquido arroxeado que iam do umbigo até dentro do xibiu, e ela fez xixi com sangue por uns três dias seguidos, contorcendo-se por uma cólica que parecia comer suas entranhas. A mãe e o pai pensaram em levá-la ao pronto-socorro de Bom Jesus, mas também ficaram prostrados de tanta febre. Aliás, parecia que todo mundo em Rio das Rãs também ficou.

Felizmente, com a graça do Senhor, fora a pobre Agripina – já tão idosa, de qualquer forma – em poucos dias todos os outros trezentos e treze moradores se recuperaram e passaram a vender saúde novamente.

Então, após uma quinzena de completo sumiço o levado vira-lata foi substituído pela nova cadela Piabinha, muito, muito mais comportada. E nunca mais se teve notícia de Bimbim por aquelas bandas.

II

Hospital Adonai – Brasília – Setor Obreira Maria do Céu – Maio de 2058.

— Enfermeira, enfermeira!

Apesar de muito enfraquecido, um homem de uns setenta anos, obeso, e com flácida papada, apertava sem parar a campainha ao lado de seu leito. O quarto particular, do melhor hospital do país, exibia luxos para poucos: confortáveis sofás de pelica de búfalo de Marajó, flores frescas flutuando em vasos de cristal supercondutor, tudo, distribuído em amplos sessenta metros quadrados decorados com gosto. O ar-condicionado ronronava mansamente e mantinha a temperatura interna em civilizados 20 graus enquanto lá fora, a plebe, assava nas avenidas calcinadas que as amplas janelas do quarto sadicamente descortinavam.

Estendida por toda a parede oposta à cama, uma tevê-película 16K reverberava o noticiário da tarde.

Na Bahia as autoridades sanitárias declararam quarentena por tempo indeterminado até que o novo surto de Síndrome Necrosante Autoimune – SINAI – seja debelado em duas comunidades quilombolas. É o terceiro surto esse ano no estado. A população está inquieta com a nova doença, já apelidada no sul e sudeste do país de “Maldição de Canaã”. Estima-se que pelo menos novecentas pessoas já ficaram estéreis em função da moléstia que, com a graça do Senhor, felizmente só causou duas fatalidades. Maiores detalhes no jornal das nove.

Política agora com o repórter Esaú Moreno… Paz em Cristo, Esaú, parece que o tempo está quente no congresso, não?

Paz em Cristo! Literalmente, Dalila! Está fazendo 40,5 graus aqui em Brasília, a umidade está em 25% e não será um dia fácil pra ninguém. É verdade: temos debates acirrados hoje por aqui. O nanico Partido por um Estado Laico, com o apoio do pouco expressivo Partido Católico-Apostólico Brasileiro e de outros ainda menores, entrou com um recurso contra a votação da PLC 1222, também conhecida como Lei do Povo Escolhido. Entrevisto agora o Deputado Rômulo Tenório, da Aliança da Tolerância PCAB/PEL.

— Senhor Deputado: qual a razão dessa tentativa de embargo?

— Ora, é um absurdo taxar em 3% e diretamente em folha os cidadãos não filiados aos Sete enquanto todos os outros serão isentos do novo imposto! É completamente inconstitucional!

— Mas a Bancada Alinhada dos Quatro tem mais de 50% do quórum e as Três Irmãzinhas somam talvez mais 7%. Vale à pena ainda assim insistir? Outra coisa: algumas fontes insinuam que os proscritos Movimento das Fés Afro-Indígenas e Brigada contra o Ópio do Povo estariam apoiando tal moção, o que seria altamente irregular. O que o senhor tem a declarar sobre o assunto?

Impaciente, o idoso fez um gesto e o aparelho se desligou e enrolou sobre si mesmo, escondendo-se a seguir numa ranhura de metal embutida à parede.

— Sim, senhor. Me desculpe, eu estava no andar de baixo atendendo outro paciente quando o senhor começou a me chamar – disse uma enfermeira, ao entrar esbaforida.

— Incompetente! Eu me cerco de gente incompetente! – Esbravejou.

O respirador de apoio e outros aparelhos que mediam pressão e pulsação saltaram de forma assustadora em suas escalas. A enfermeira, uma mulher bonita de uns trinta e poucos, já estava quase acostumada aos arroubos daquele paciente VIP mimado.

— O se-senhor deve se acalmar. Precisa descansar, para a sessão de quimio de amanhã. Hã, precisa de algo para dormir? Quer comer ou beber alguma coisa?

— Não! Eu não quero beber porra nenhuma! Ou agora vocês têm em estoque uísque dezoito anos também pros pacientes?

— O senhor bem sabe que não. Bebidas só são permitidas aos visitantes do setor VIP, não aos pacientes…

— Não importa! Já são três horas? – Ele tentou focar os números projetados na parede. — Minhas visitas chegaram?

— Um momento – ela acionou um botão minúsculo na armação dos óculos e seus olhos foram inundados por luzes azuis. — Sim, sim, três visitantes acabaram de tomar o elevador e os ícones sobre suas cabeças confirmam que eles se dirigem a esse quarto.

— Bom, chame um garçom depressa, mande trazer o que houver de melhor nessa pocilga. O vice-presidente em pessoa, o presidente do STF e o Ministro da Religião vieram enfim me ver!

Muito nervosa, a moça se retirou apressada. No fim do corredor, por pouco não teve uma síncope ao esbarrar com os famosos três, caminhando com passos largos e decididos – quase marchando – e olhando para o alto, ignorando os reles mortais.

O vice-presidente era um homenzinho atarracado e tinha os cabelos tingidos de negro-graúna, em enorme contraste com a pele pálida cheia de manchas senis. O presidente do STF, excepcionalmente vestido com sua toga fora de suas sessões solenes, era por certo descendente de orientais, embora atipicamente alto. A vestimenta insólita emprestava-lhe um ar de homem-morcego. Por fim, o Ministro da Religião, era o mais sinistro dos três: tinha o rosto sulcado repuxado do lado direito; sequelas de um antigo AVC. O nariz adunco fora talvez encaixado ao rosto por uma criança em idade pré-escolar e os cabelos lisos e ralos estavam esticados para trás, colados ao crânio sob uma camada fina e brilhante de gel. Seus olhos mortiços e empapuçados eram frios, de um tom cinza-rato que desconhecia emoções.

Sem dizer palavra, os três entraram no quarto e se aboletaram no sofá de couro, enquanto um androide de aparência juvenil série Davi servia bebidas e canapés.

Quase logo a seguir, com um gesto deselegante, o doente enxotou o garçom com cara de plástico e ordenou que este fechasse a porta atrás de si.

— Enfim, pastores – ele falou, elevando a cama ao apertar um botão virtual. — Depois de tantos convites solenemente ignorados, os senhores resolveram me atender. Posso saber o porquê da graça alcançada? Talvez por minhas ameaças veladas, ha, ha, de vazar tudo o que sei à imprensa estrangeira? Hum?

O Ministro fez sinal aos outros dois e se levantou. Caminhou languidamente até o leito do senhor obeso e segurou sua mão fria com suas manoplas hirsutas.

— Bispo Felisberto, meu velho amigo, ora, falando assim chega até a nos magoar! Imagine! O Senhor Deus – ele ergueu uma das mãos e olhou para o alto, teatralmente – tem conhecimento que somos muito ocupados, que só não viemos antes por conta dos mil compromissos que nossa vida abnegada nos obriga.

— Deixe de baboseiras, Pastor Nicolau! Ainda posso te chamar assim, ministro? Afinal, vocês foram meus primeiros obreiros… Não precisamos fingir que temos essa fé, não tem plateia aqui!

— Mas somos todos homens de fé aqui. Eu, o Apóstolo Antônio, o Arcanjo Vicente e você. Os Quatro Grandes! Deus sabe, Deus vê!

— Nós sabemos muito bem que Ele, esse deus que você usa como vírgula nas frases, aleluia, oh, Glória, salve… – Ele desdenhou e tossiu. — Que isso tudo é balela, é pra assustar as crianças e manipular a cobiça dos inescrupulosos. Teologia da Prosperidade Infinita, que piada! Nós criamos um negócio muito rentável tendo esse deus como pedra fundamental, e não precisamos ser falsos ou covardes ao encarar tal verdade.

— Foi então pra isso que você nos convocou? – Ele se fingia ofendido. — Pra tripudiar de nossa fé porque perdeu a sua? Logo você? É por isso? Pobre homem… Eu odeio o pecado, mas não o pecador…

— Não. Eu os chamei pra falar de minha confissão. Na falta de expressão melhor… Confessar, não a vocês, pois não são melhores ou mais dignos do que eu. Eu vou morrer, droga, muito em breve. Mesmo depois de dois transplantes e de terapias genéticas experimentais o puto do tumor que está me comendo por dentro não dá sinal que vá regredir, em verdade está se espalhando: pulmões, rins, fígado. Não adiantaram mais de seiscentos templos da minha igreja conclamando vigílias sem fim, não valeram de nada as milhares de ovelhinhas semianalfabetas acendendo velas, falando em línguas e se estrebuchando no chão, tomadas pelo fogo do Espírito Santo. Merda, eu vou morrer, penosamente, em bem pouco tempo, e isso muda a perspectiva, altera o modo de ver as coisas. Ao menos balançaria alguém que tenha uma fagulha mínima de consciência ou moral.

— Interessante! Continue…

— Um dia, nós quatro aqui, acreditamos uma vez no Cristo, todo perdão, todo amor, todo pureza e humildade. Tenho pensado muito nisso agora. Talvez, talvez ao deixarmos essa terra, do outro lado, Ele exista, de verdade, e espere por nós. Não, não me refiro ao deus-chuva-de-fogo-em-Sodoma-devorador-glutão-de-dízimos. Falo de outro, do aspecto gentil. Do deus que se fez homem pobre, que nunca teve posses materiais significantes, que apenas queria que as pessoas se amassem e fossem tolerantes umas com as outras, que tinha ideias modernas e muito além de seu tempo e dava voz às mulheres como iguais. Esse Deus, ele deve chorar sangue por tudo o que fizemos ao seu legado, percebem? Nós extorquimos os mais ignorantes, arrancamos vantagens a ferro e fogo, somente para nós e para nossa Elite Cristã. Eu, eu, e não pensem que é porque eu tenha medo de Inferno ou algo do tipo, pois bem sei que nem Satanás seria páreo pra nós. Ha, ha! Vocês me entendem? Se houver arrependimento verdadeiro, pode haver perdão. Se pudéssemos reverter pelo menos parte do mal que fizemos, poderia existir salvação para nossas almas…

Os três entreolharam-se e discretamente anuíram. O ministro a muito custo conteve o riso, ao notar lágrimas se insinuando nos olhos embaçados de Felisberto e fez um gesto mínimo para o presidente do STF, que tocou de leve nos óculos e desenhou com o dedo fino no ar: J, U, D, A, S.

— Entendo, Pastor. Então o seu desejo seria…

— Demitam todos os pastores-gerentes de vossas igrejas, pois farei isso com a minha! Contratem gente por sua empatia e amor ao próximo, e não por sua capacidade de angariar dinheiro, de atingir novas cotas de produtividade. Parem de contaminar águas de populações negras com a SINAI! Vamos investir parte de nossas fortunas no bem desse povo que esfolamos há tanto tempo, abandonemos nossos famigerados projetos de dominação total. Chega! Reformemos boa parte dos templos e os transformemos em universidades, bibliotecas, hospitais e teatros.

A porta do quarto se abriu abruptamente e uma enfermeira com máscara cirúrgica, que o Bispo Felisberto nunca vira antes, entrou com uma seringa em mãos.

— Você está muito agitado, pobre, pobre Felisberto, tão enfermo, tão senil. Irmã, digo, enfermeira, por favor, aplique no soro o medicamento milagroso que eu encomendei especialmente pro meu amigo, para dar cabo finalmente do seu câncer.

— Não, Nicolau! Is-isso não é preciso, pelo amor de Deus, somos amigos, seu filho da puta! Enfermeira, enfermeira! – Ele começou a apertar a campainha freneticamente.

— Eu nunca, nem que o demônio aparecesse pra mim em fogo e enxofre e chifres, e me ameaçasse com a danação eterna… Eu nunca abriria mão do que conseguimos depois de tanto esforço – o ministro rosnou em meio a perdigotos, no ouvido de Felisberto. — Você foi brilhante um dia, amigo. Quem sabe, se o seu redescoberto Jesus for mesmo tão misericordioso… Talvez então ele tenha amor em seu coração o suficiente até para perdoar sua alma tão corrompida, e isso tão-somente por suas boas intenções ao leito de morte, hã? Mas quer saber, meu querido? Eu bem sei que não há nada além! Adeus, Felisberto. Eu sempre soube que no fundo você era um fraco.

O rosto torto de Nicolau como por mágica endireitou-se por um segundo e depois se retorceu monstruosamente, num redemoinho grotesco de carne e pelanca. O mundo desceu pelo ralo e empreteceu. O bipe contínuo dos aparelhos sinalizou o momento exato do óbito.

III

Laboratório-Bunker Gideões do Punho Divino S/A – Dezembro de 2059.

Um holograma de altíssima definição do que se assemelhava a um icosaedro de cristal com pernas finas de arame era projetado para uma plateia de estrangeiros e especialistas de outros estados. A partir de movimentos discretos da palestrante a figura girava e ampliava seus detalhes.

— A versão 3.07 do subvírus SINAI – ou produto MC307 – é uma obra de arte, sem meias palavras – começou a falar a Dra. Ester, uma mulher muito magra, de aproximadamente quarenta anos. — Desde as versões betas que temos utilizado diversos marcadores genéticos das populações oriundas de várias partes da África. Usamos o bacteriófago MS2 como base, por ser um dos menores conhecidos e removemos seu RNA original. Combinamos alguns genes importantes de vírus diversos como o da caxumba e conseguimos intensificar sua produção de substâncias danosas às gônadas. Desde essa última release incluímos novos genes do influenza também. Embora, naturalmente, tenhamos restringido seu potencial de mutação. Em função disso, não precisamos mais usar a água como vetor, pois o vírus agora se espalha a partir do compartilhamento de objetos, tosse, contato com fluidos, etc. Reduzimos a quase zero o risco de morte dos afetados e logramos ao mesmo tempo diminuir em 63% o tempo até a necrose total dos folículos de Graaf nas mulheres e do epitélio germinativo nos homens. Após o período agudo da infecção inicia-se um processo de apoptose pré-programada que então elimina todos os microrganismos sintéticos e não deixa pistas detectáveis.

Um cientista chinês levantou a mão e recebeu permissão para falar. O tradutor ativou-se automaticamente, substituindo sua voz fanhosa original por outra de locutor, muito mais elegante.

— Já houve algum teste de campo dessa nova versão? Seria possível adaptá-la a outros marcadores genéticos, como os dos japoneses, por exemplo?

— Depois de seis meses de complexas simulações computacionais fizemos o primeiro teste numa comunidade quilombola no Maranhão há três semanas. Foi um sucesso retumbante! Foi tão rápido e indolor que nem notaram o que se passou!

O público gargalhou ruidosamente e chegou a ensaiar palmas.

— Quanto à sua outra pergunta, a resposta é sim, embora seja bem mais complexo, pois a proximidade genética entre chineses e japoneses é possivelmente maior. Talvez com tibetanos fosse mais fácil, ao menos para testar as primeiras versões. Taí, que tal a sugestão?

Novos risos e cabeças anuindo animadamente, em toda a comissão chinesa.

— As Testemunhas Vigilantes do Advento dos Últimos Dias, do Texas, inclusive já encomendaram uma variedade que seja fulminante aos gays. Variedade esta que já está em desenvolvimento e, de acordo com o projeto, tem teste agendado para o bairro de Castro em São Francisco dentro de dois anos. Algumas organizações do sul dos EUA estão, de qualquer forma, interessadas em nossa última versão do MC307.

— Isso é maravilhoso! Resolveremos problemas políticos e morais e numa tacada só reduziremos os riscos futuros de superpopulação – comentou um cientista russo, já sonhando com chechenos e ucranianos.

— É verdade! Em pensar que inicialmente apenas queríamos debelar os adoradores de demônios da umbanda e do candomblé. Em função dos boatos que espalhamos sobre a tal “Maldição de Canaã”, acreditamos que esses cultos ilegais irão se extinguir em breve. Graças ao Profeta Felisberto, que agora se senta à esquerda do Pai!

Os óculos inteligentes da doutora começaram a piscar e seus olhos foram tomados por pontos azuis.

— Os senhores todos, por favor, me escusem, continuem aqui com o Dr. Sansão. Os que quiserem registrar encomendas hoje, aproveitem o desconto: um lote de MC307 sai por apenas cinquenta milhões de Siclos.

***

— Estão loucos? Como me interrompem durante uma apresentação aos clientes?

— Veja, doutora: preste atenção! Eu vou repetir o telejornal.

…abortos espontâneos de todas as grávidas. Aproximadamente trezentas mil pessoas no Maranhão já foram afetadas. No entanto, desta vez indivíduos de todas as etnias estão sendo vitimados. O sistema de saúde entrou em colapso… Há relatos de casos semelhantes no Piauí, Pará, Amapá e suspeita-se que em cidades fronteiriças das Guianas também…

— Impossível! Mutação?!

IV

Comunidade Quilombola Rio das Rãs – Bahia – Janeiro de 2173.

O androide série Jônata aproximou-se delicadamente.

— Dona Enzara, seu café da manhã está servido. Meus colegas série Golias informaram que terminaram de preparar o terreno para a plantação de macaxeira e batata-doce. O milho e o feijão de corda poderão ser colhidos em duas semanas. As cabras já foram ordenhadas e a produção hoje foi de exatos 63,73 litros.

A idosa miúda levantou-se com dificuldade da cama. Olhou o homem de plástico e passou a mão em seu rosto, tão formoso. Nem todos eram maus, ela aprendera depois.

— Brigada! Avisa aos teus colegas que não carece mais cuidar das cabritas. Que eu quero que sejam soltas do chiqueirinho. Me leva até a varanda antes do café, bonitão? Tô sentindo nos ossos que hoje vai chover. Cadê a Lelé?

A máquina levou a senhora no colo até uma cadeira de balanço do lado de fora e se desculpou:

— Ela está brincando no quintal. Gostaria que eu a trouxesse?

— Não, deixa a bichinha s’adiverti. Oxe, eu não falei? Olha lá no céu, que tantão!

O firmamento descortinava inúmeras nuvens gordas e escuras feito fumo de rolo. Uma cadelinha vira-lata branca chegou do fundo do terreno, latindo, saltando muito alegre e lambeu a mão encarquilhada de Enzara.

— Lelé, minha neguinha…

— Senhora, recebi há pouco a confirmação de que o homem mais velho da Terra faleceu ontem à noite, no Japão. Chamava-se Naoto Fukusawa e tinha 117 anos incompletos.

— Tão novinho!

— Eu sinto muito: a senhora é agora a última humana e a mulher mais velha da história. Mas não se preocupe, nunca ficará sozinha: terá sempre a nós e a Lelé também!

— Vocês vão cuidar do mundo quando não existirmos mais, né misera? Cuidem direitinho!

— Continuaremos com as pesquisas até encontrar uma cura. Ficou triste, senhora? Posso alegrá-la com alguma poesia hoje? Patativa do Assaré, talvez?

— Não, não. Tem aquele bonito da primavera e dos passarinhos… Um duma gringa.

— Sara Teasdale? “Chegarão chuvas suaves e o perfume do solo, as andorinhas adejando, com seu canto estridente. E sapos nos charcos cantando de noite, e ameixeiras silvestres, trêmulas e pálidas. Tordos vestirão sua plumagem de fogo, assoviando suas fantasias numa cerca baixa. E ninguém saberá que há guerra, ninguém se preocupará quando ela tiver fim. Ninguém se importará, seja pássaro ou árvore, se a humanidade perecer totalmente. E a própria Primavera, quando despertar ao amanhecer, nem suspeitará do nosso desaparecimento”.

— Que boniteza. Vo…

O androide observou a anciã e notou que sua cabeça descia lentamente até se apoiar no peito. Segurou o punho da mulher e atestou que ainda havia pulso.

Quando as gotas pesadas de chuva começaram a cair, Baleia, ou Lelé, se encantou com os preás que, expulsos pelo aguaceiro de suas tocas, pulularam por todo lugar: gordos, enormes. A cadelinha só sossegou o facho quando depois se aninhou aos pés da patroazinha, com a barriga redonda e lambendo o focinho manchado de vermelho.

“O Céu deveria ser assim, cheio de preás”, ela sonhou.

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42 comentários em “Céu de Preás (Rubem Cabral)

  1. Hugo Cântara
    4 de abril de 2014

    O conto é muito bem escrito, e gostei bastante do início, com uma descrição preciosa da comunidade. No entanto, ao longo do texto as descrições tornaram-se enfadonhas (como a entrevista na televisão, por exemplo) e fui perdendo a motivação inicial. Notei algumas incongruências na construção da personagem do velho do hospital.
    O fim, tal como o início, foi inspirador.
    Parabéns e boa sorte!

    Hugo Cântara

  2. Gustavo Araujo
    3 de abril de 2014

    O motivo do fim me lembrou o excelente filme “Filhos da Esperança” (Children of Men), de Alfonso Cuarón, em que a humanidade se defronta com sua extinção advinda da infertilidade da raça humana. Aqui o desdobramento segue outro viés, mas não menos interessante. Gostei muito das descrições regionalistas – especialmente das falas e das caracterizações dos personagens respectivos – mas o mesmo não ocorreu em relação aos ministros e ao velho moribundo. A profundidade cativante de Zizinha se transforma numa abordagem caricata do velho preso à cama do hospital. Imaginei Edir Macedo, cercado por Silas Malafaia e Valdomiro Santiago, jurando arrependimento enquanto é assassinado pelos demais. Isso – o arrependimento – me incomodou pela inverossimilhança, até porque o homem segue sendo um babaca de primeira. Mas, tirando isso – essa abordagem superficial do núcleo religioso – posso dizer que o conto é ótimo. Naveguei tranquilamente pela narrativa, absorvendo as descrições ricas e as metáforas oportunas. É um conto que entretém, embora falte alguém por quem torcer, falte, devo dizer, emoção. Quanto à parte gramatical enxerguei apenas uma crase errada em “vale à pena”. De resto, nota dez. Um conto, evidentemente, acima da média. Boa sorte, ainda que o autor não seja alguém que precise disso 😉

  3. Tom Lima
    3 de abril de 2014

    Interessante.
    Tem potencial. Mas acho que tem elementos de mais para um conto.

    Parabéns ao auto.

  4. Vívian Ferreira
    3 de abril de 2014

    Gostei do conto, principalmente da parte regional. Já a do hospital não funcionou muito bem, talvez pelo comportamento do enfermo ou a apresentação caricata, não sei, destoou do belo trabalho que o autor fez no restante do conto. Parabéns e boa sorte.

  5. Fernando Abreu
    31 de março de 2014

    Bom, vamos lá! Começando a jornada na Entrecontos, rs. Meus comentários serão breves, pois são muitos contos para ler.

    Esse conto é bom, extremamente bem escrito e o mundo criado é realmente muito rico e criativo. Mas há um porém. Os personagens estão extremamente caricatos, por alguns momentos pensei estar vendo um quadro do Zorra Total, além dos diálogos estarem longos demais. Enfim, há dois contos aqui, que destoam completamente, um é descritivo, rico, com personagens simples e cativantes, como vemos na parte que se passa na comunidade. Já o outro, onde vemos discussões estranhas num hospital, não me agrada. Portanto, achei mediano. Não estará nos meus 10 preferidos, creio. Nossa, esse comentário não foi nada breve.

  6. Wilson Coelho
    26 de março de 2014

    A leitura foi prazerosa e achei os diálogos muito bem escritos. Sinceramente, precisaria ainda de mais caracteres para explorar melhor esse MUNDO, não?

    Muito legal!

  7. Felipe França
    23 de março de 2014

    Este conto é primoroso e merece uma continuação. O autor conseguiu passar por vários estágios temporais e interligá-los de forma surpreendente. Não irei comentar sobre a escrita, pois a mesma já foi saudada e elogiada pelos colegas… e uno-me aos amigos. As personagens são muito bem construídas, por ser várias, e interagem com o cenário como se aqueles fossem realmente suas casas nas linhas de “espaço-tempo”. A técnica de narração é uma mistura Gracilano Ramos com algum autor de “sci-fi”. Creio que apenas o final ficou corrido, contudo precisamos acreditar o porquê.
    Abraços e Parabéns!

  8. Ryan Mso
    23 de março de 2014

    Excelente conto, infelizmente estou com pouco tempo, e também me parece que já foram feitos os comentários mais pertinentes, desta maneira, eu gostaria apenas de parabenizar o autor, gostei bastante da história, da escrita, e do conto como um todo.

  9. José Geraldo Gouvêa
    22 de março de 2014

    Apesar de bem escrito e de ser uma ótima história, este conto não funcionou para mim (tanto quanto o meu não funcionará para muita gente que o lerá, e pelo mesmo motivo). Acredito que 4000 palavras são pouco para narrar esta história do jeito que ela precisa ser narrada, ou então que para narrar tal história seria necessário usar um recorte temporal diferente, deixando de fora partes da história, como, por exemplo, a cena do hospital, que quebra o ritmo de tudo.

  10. Eduardo B.
    19 de março de 2014

    Sou péssimo comentarista, mas vou destacar os pontos que mais me chamaram a atenção:

    1 – Escrita idiscutivelmente primorosa.
    2 – Boa história.
    3 – O último capítulo que, ao meu ver, foi muito bem bonito e executado.

    Penso que só pecou um pouquinho na construção dos personagens, mas nada que desmereça a qualidade (repito: indiscutível) do conto.

    Parabéns!

    • Eduardo B.
      19 de março de 2014

      Ops.

      bonito e bem executado*

  11. Ricardo Gnecco Falco
    15 de março de 2014

    Um início de Desafio “de peso”! (rs!)
    Muito bem escrito e desenvolvido. Até a ilustração casou de forma primorosa com o conto. Não sou muito fã de narrativas curtas (Conto) com segmentações, mas confesso que a história ficou tão bem paramentada assim que terei de repensar a respeito disso…
    Parabéns pelo belo trabalho apresentado!
    😉

  12. Brian Oliveira Lancaster
    14 de março de 2014

    Gostei de linguagem rebuscada (um tanto difícil de digerir, mas impressiona) e da súbita quebra do início, além das quebras temporais. O clima “nordestino” tem seu charme. Mas, no geral, achei “levemente complicado” entendê-lo por completo.

  13. Fabio Baptista
    12 de março de 2014

    Muito bem escrito, sem um erro sequer (pelo menos não encontrei), técnica bastante apurada.

    Porém o enredo não me agradou e o desenvolvimento da trama ficou enfadonho. Acho bacana críticas sociais embutidas nas histórias, mas de uma maneira mais sutil. Aqui tudo ficou muito “descarado”, principalmente na parte do diálogo no hospital (muito artificial na minha opinião).

    Não li as obras que o texto faz referência (segundo os comentários dos colegas), então talvez isso tenha prejudicado minha apreciação.

    Abraço!

  14. Ana Paula Lemes
    10 de março de 2014

    A escrita é muito primorosa! O autor é elegante com as palavras, sabe misturar elementos, tem total domínio das palavras. O adjetivo pra esse conto seria “perfeição”, se não fosse algo que me incomodou bastante: a caricatura pintada pelos personagens. São muito óbvios, planos… Isso me incomodou um tanto além do que eu esperava. Penso que o autor precisava entregar de cara quem eram os personagens, dividi-los em “bem” ou “mal”, porque não sobrou muito espaço para trabalha-los mais a fundo. Mas claro que compreendo que essa história seria muito mais enriquecida se pudesse ser desenvolvida por completo em um livro, pois ficou um gostinho de quero mais.

    Não gostei dessa parte: “(Os pais culparam ao calor e talvez algum preá ou tatupeba houvesse feito o danado do Bimbim escafeder-se – não seria a primeira vez)”. Os parênteses cortaram o clima do texto, basta retirá-lo que muda os ares!

    Parabéns pela obra primorosa!

  15. Leandro B.
    10 de março de 2014

    Não é só uma boa história. É uma boa história bem contada. Gostei de tudo; o texto não se deixou levar por um sci-fi hard, tornando toda a trama entendível para aqueles que, como eu, não são do nível jedi da ficção científica, os saltos temporais funcionam bem, bem como a caça as bruxas, o que parece ser o verdadeiro pano de fundo do conto. Muito bacana.

    Só achei que o bispo Felisberto foi extremamente inocente ao achar que os famosos três não estariam disposto a cometer homicídio para silenciá-lo. Um homem daqueles deveria ser mais esperto, ainda que pudesse estar afetado com medo da morte.

    De resto, vocabulário, fluxo narrativo, cuidado com o mundo criado… tudo pareceu funcionar muito bem.

    Bom conto.

  16. Thales
    8 de março de 2014

    Nossa, eu não tinha percebido a existência desse conto no blog. Não sei pq, mas eu tina certeza que o Cinco Pragas havia sido o primeiro conto postado neste Desafio. Por sorte, o Jefferson me avisou sobre este.

    Bom, agora indo ao que interessa, com toda certeza o texto foi escrito magnificamente bem. Contudo, não é do tipo que mais me agrada. Me sinto até um pouco sobrecarregado com tantos detalhes, algo bastante pessoal, não estou desmerecendo o imenso talento do autor.
    Fiquei muito feliz ao ver que a história foi dividida em capítulos! isso me permitiu ir na cozinha comer um bombom para descansar, ai pude voltar com altas expectativas e dar continuidade a minha leitura.
    O final foi bom, digno ao resto do texto. Parabens.

  17. piscies
    8 de março de 2014

    Cacetada! Que bela abertura para o desafio! Isto aqui é material de primeira!

    Gostei demais do conto. Escrita linda e impecável. Li de forma fluida, sem sentir que estava chegando no fim. A história é interessante… gostei demais mesmo. Vejo este conto publicado em uma coletânea facilmente.

    Não sei se me farei entender direito, mas a única coisa que não me agradou muito foi a sinceridade dos “vilões”. Todos eles meio que rindo e zombando do mundo em voz alta, admitindo a plenos pulmões: “Sou mal mesmo, Deus não existe, estamos enganando a todos, mwahaha”. Rs. Não sei por que mas não vejo isto acontecendo esta forma.

    De resto, foi uma leitura excelente, que me tirou do mundo real por alguns interessantes minutos.

    parabéns!

  18. Bia Machado
    7 de março de 2014

    Gostei bastante, essa estrutura e esse estilo me soaram bem familiares. Inclusive o pseudônimo, falando de chuva, e de suave, me lembrou uma certa postagem no Orkut de um texto de um autor do qual gosto muito. E foi por esse texto que perdi o medo de ler Bradbury, depois da primeira tentativa, sem muito sucesso, de ler “As Crônicas Marcianas”, rs. Essa crítica política e religiosa também me fez lembrar certo autor, que anda um pouco apreensivo com livros escritos sob pseudônimo, rsss… Enfim, eu gostei do texto, inclusive homenagem a Vidas Secas, que me surgiu na memória desde a parte I, com o Surubim… =)

    Um conto muito bom, uma abertura de peso para o Desafio!

    • Claudia Roberta Angst
      7 de março de 2014

      Eu também fiz quase as mesmas associações. O receio com o pseudônimo e eventuais encrencas…rs. Acho que já matamos essa,né, Bia?

    • Anorkinda Neide
      7 de março de 2014

      Amada, desta vez eu tb matei quem é autor.. sou péssima nisso, mas dessa vez, acertarei! 🙂
      rsrsrs

  19. Abelardo
    7 de março de 2014

    Bem, escrito, com algumas passagens poéticas (sou honesto em falar que não curto poesia), então sou honesto em falar que não gostei dessas passagens, achei sinceramente desnecessárias. Na segunda parte do conto quando os quatro “poderosos” se reúnem o(a) autor(a) usa de algumas frases mais fortes. Ok, não deve haver ninguém por aqui com 10 anos de idade, mas que essas palavras, muito usadas no dia a dia, e eu uso muito, ficam deselegantes quando escritas, bom eu acho que ficam. Gostei, e muito, da parte técnica e científica do conto, que enfim nos demonstra o que está acontecendo e aquilo que devemos esperar. Quanto ao final com a velha senhora sendo cuidada por andróides e sendo a “mulher mais velha do mundo”, fica a pergunta: QUANTOS ANOS? No final ela está só tirando uma soneca (afinal o andróide mediu o pulso e pelo que entendi está viva) ou ela também morreu? Acho que o limite pequeno de palavras (4000) não permitiu um desenvolvimento legal principalmente da parte III. Talvez uma diminuição da parte I e da parte II pudessem deixar espaço para um melhor desenvolvimento dessa parte técnica que para mim é a principal do texto. Agora quanto ao final, o que preás e uma cadela tem a ver com isso tudo? Esse final ficou solto demais, perdido demais e pior de tudo é que é exatamente essa cena final, sem sentido na minha opinião que dá nome ao texto….como se tudo que foi escrito antes fosse apenas uma preparação para o final…se foi essa a intenção do(a) autor(a) na minha opinião não deu muito certo. Mas como digo é apenas a minha opinião.

  20. vitorts
    7 de março de 2014

    Excelente texto! Escrita rica e bem estruturada. A pitada de regionalismo ficou ótima, sem exageros. Segue fiel ao que pede uma boa FC.

    Estranhei um pouco a redenção do personagem acamado, que um instante trata mal a enfermeira para depois dizer que pretende abrir mão de todo seu império. Um pouco abrupto. Também não entendi bem as bases da eugenia.Do ponto de vista econômico, um maior número de fiéis equivale a uma maior receita para os pastores. Mesmo havendo grupos que perpetuem o rito de religiões africanas, creio que seja uma parcela muito inferior aos que abraçaram o cristianismo, religiões neo-pentecostais inclusas. Ainda assim, a conversão seria mais interessante. Mas vá, não posso esquecer que essa é uma obra ficcional. Talvez o universo em questão não tenha ocorrido processo semelhante ao daqui. Sendo este o caso, penso que talvez caberia uma breve explicação sobre o fato.

    Muito bom o final, também! Me deixou com um gosto do Virão Chuvas Suaves, do Bradbury. E imagino que essa tenha sido sua intenção. 🙂

  21. Leonardo Stockler
    7 de março de 2014

    Esse conto tem tudo pra me agradar: escrita impecável (dá pra ver que foi cuidadosamente lapidado) que absorveu muito da oralidade; o teor político; o regionalismo, e sua homenagem à essa nossa tradição literária, misturado com o futurismo da ficção científica. Tinha tudo pra ser perfeito, e quase é. O que impede de sê-lo? O que me impede de gostar mais ainda? Talvez a narrativa seja um tanto burocrática demais, ordeira demais, e os personagens (vilões e mocinhos) tenham ficado muito caricatos, muito óbvios, como os personagens das novelas da Globo. A trama peca por ser de um maniqueísmo quase pueril. Uma pena, porque a história e a ambientação são realmente muito boas. De qualquer forma, isso aqui é uma pequena jóia, e, extrapolando os limites do conto, acho que daria um grande livro. Parabéns!

    • Leonardo Stockler
      7 de março de 2014

      Ah, e uma dica: quando forem ler o conto, leiam ao som do disco “O Africanto dos Tincoãs”, do grupo Os Tincoãs.

  22. Eduardo Selga
    7 de março de 2014

    O texto é perfeito do ponto de vista formal e, embora ajam núcleos diversos, existe unidade de tom, conferindo à trama uma grande coesão e, na construção textual, elegância e fluidez.

    O autor demonstra grande habilidade em manipular discursos bem diversos entre si, como o telejornalístico e sua falsa atmosfera de intimidade forçada com o telespectador, e o científico.

    Todo o conto é um grande protesto à possível futura dominação das facções fundamentalistas do cristianismo contemporâneo quanto ao Estado e a seus aparelhos. Ou seja, há uma preocupação estetizada de caráter social. Apesar disso, pareceu-me que a fala do personagem hospitalizado esteja beirando o panfletário.

    Parabenizo o autor pela sensibilidade de homenagear Graciliano Ramos, em Vidas Secas, com um intertexto relativo à famosa cena da cachorra Baleia. Aqui como lá demonstra o desejo de o futuro seja melhor.

  23. Felipe Rodriguez
    7 de março de 2014

    Gostei do conto, principalmente do final. Não consigo condenar a quantidade de informações amontoadas, já que o autor quer, evidentemente, não deixar pontas soltas. O que mais gostei foi da parte que ocorre no nordeste, o ar fatal – numa esfera pessimista em relação ao progresso – junto às personagens simples foi uma mistura interessante. Se eu sei quem é o autor, e creio que sei, esse é um daqueles seus contos ganham a gente como um artesão eficiente ganha seus clientes. Mas prefiro outros dele, mais sinestésicos e despreocupados com as dúvidas que pode vir a criar.

  24. Marcelo Porto
    6 de março de 2014

    Grande conto!

    Abriu o desafio em grande estilo. O autor conseguiu sintetizar uma trama altamente complexa no limite imposto de forma magistral. Os saltos temporais e a introdução dos personagens ficaram fluidos tornando a leitura fácil e prazerosa.

    O autor não sucumbiu ao clichê de colocar uma trama de manipulação genética em laboratórios e cenários futurísticos, o diferencial, em minha opinião, é a regionalização que dá verossimilhança à história e efetivamente nos faz pensar se isso realmente não pode acontecer.

    Parabéns!

  25. Felipe Moreira
    6 de março de 2014

    Fascinante! De todos os aspectos do conto, foi justamente a sua narrativa que mais me envolveu até o fim, sem imaginar um destino tão cruel desse universo. Críticas pertinentes e detalhes perfeitamente distribuídos deixaram seu texto primoroso.

    Parabéns.

  26. Rodrigo Arcadia
    6 de março de 2014

    Um conto bem interessante. tá certo que a narrativa e explicações cientificas, fica um tanto chata e cansativa a leitura, mas isso é necessário ter na narrativa. Mas que o enredo, é bom, isso é sim.
    Abraço!

  27. Paula Mello
    5 de março de 2014

    Ótimo conto,muito bem escrito e a narrativa nos permite uma viajem dentro do texto.
    Os detalhes estão muito distribuídos durante o texto, isso não o torna cansativo.
    Parabéns por esse conto tão enriquecido.

    Boa Sorte!

  28. Thata Pereira
    5 de março de 2014

    O conto assusta haha’ Assusta porque não esperamos que o primeiro conto venha tão bem escrito e estruturado. Isso me faz até pensar que o(a) autor(a) já tinha escrito esse conto. Talvez tenha até sido a pessoa que pediu para que o limite de palavras aumentasse para 4000 rsrs’

    Bom, mas falando sobre o conto: a primeira e última parte ganharam destaque para mim. Gosto desses contos regionais e esperava que isso continuasse ao longo do conto. Talvez seja por isso que desanimei ao ler a segunda e terceira parte, principalmente por conta dos diálogos muito longos. Felizmente, na hora de arrematar tudo consegui entender a história e entre uma leitura e outra dos contos aqui pretendo voltar para ler a segunda e terceira parte. Mas como sempre deixo comentário na primeira leitura… talvez seja só o susto que não colaborou rs’ Não esperava encontrar logo de cara um conto com quase 4000 palavras.

    Boa Sorte!

  29. Rubem Cabral
    5 de março de 2014

    Gostei bastante do conto. Minha crítica principal seria quanto ao segmento “III”, um tanto corrido e frio, talvez pela necessidade do limite de palavras.

    Tive a impressão que o narrador tenha ficado mais “doce” nos segmentos da Enzara (I e IV), mas pode ser coisa da minha cabeça. 😀

    O mundo criado ficou bem interessante. Só não entendi muito bem pq algumas personagens tinham nomes bíblicos eqto outras não.

    Assim como a Anorkinda eu reconheci a homenagem à “Vidas Secas” (e acho que à “Crônicas Marcianas” tbm).

  30. Weslley Reis
    5 de março de 2014

    Além de bem escrito a questão da crítica de um assunto tão recorrente, de uma forma tão criativa, me fez comprar a história. Pode não empolgar com a falta do clímax, mas compensa no restante.

    Parabéns

  31. bellatrizfernandes
    4 de março de 2014

    Olá!

    Eu não costumo gostar de contos regionalistas, mas este teve um quê de… De universo! Adorei!
    E apesar da crítica aplicada ser um pouco dramática – dando a entender que a situação vai ficar muito pior – eu realmente gostei!
    Vamos ao que me incomodou no que toca gramática e fonética (falei bonito agora):
    -Logo na primeira parte: “Passavam poucos minutos das seis da manhã e o vento preguiçoso levantava nuvens de poeira muito vermelha”. Não é algo que incomodaria qualquer um, mas por alguma razão me incomodou: A oposição do poucos e do muitos na mesma frase soou, de alguma forma, bobo ou redundante, embora eu não possa lhe dar uma explicação concreta do porquê. (não se importe tanto, portanto, com esse tópico).
    -“Surubim latia e rosnava muito bravo, seguramente não gostava de novidades, ou talvez de gente de mentirinha.” -> A frase entre aspas caracteriza um aposto, ou seja, algo que serve para explicar a frase mas que poderia ser facilmente retirado, o que não é o caso. O mais correto teria sido terminar a frase em “bravo” e começar uma nova logo após. (Mas, novamente, se eu estiver falando bobagens, ignore o tópico).
    -“Talvez por minhas ameaças veladas, ha, ha, de vazar tudo o que sei à imprensa estrangeira?” -> Qual foi a da risada no meio?
    Acho que essas foram as minhas observações, e como dá para ver, não foi nada prejudicasse a qualidade do texto.
    Parabéns!

  32. Anorkinda Neide
    4 de março de 2014

    Gostei muito. Como um sonho do povo que quer ver os poderosos dando-se mal, acontece uma catarse no leitor.. rsrsrs
    Há referências à obra de Graciliano Ramos, não é? eu não li, mas muito já ouvi falar. Amei a Enzara ser a última humana e essa frase matou a pau!!! :
    ‘-Vocês vão cuidar do mundo quando não existirmos mais, né misera? ‘

    só fiquei me perguntado sobre as plantações dos robôs.. plantando pra quem? pros animais? enfim, fico pensando pq gostei da história… 🙂

    Parabens!

  33. Marcellus
    4 de março de 2014

    Parabéns pela coragem de ser o primeiro!

    O texto me pareceu bem amarrado, com destaque para a notícia do telejornal, bem ao estilo Frank Miller em “The Dark Knight” ou Paul Verhoeven em “Robocop”. Muito bom!

    A crítica social, especialmente no que toca às bancadas religiosas é claramente verossímil e importante, por mais que incomode. Aliás, o objetivo de um bom texto é mesmo esse: incomodar.

    O único senão vai para a primeira parte do conto, que me pareceu mais caricata que regional, o que foi amenizado na última. De qualquer forma, um texto muito bom! Mais uma vez, parabéns!

  34. adriane dias bueno
    4 de março de 2014

    Gostei das imagens criadas pelo escritor. Bastante futuristas e com uma linguagem bonita. As críticas sociais também são bem interessantes. Mas a questão religiosa me deixou incomodada no sentido de ser algo já bastante usual, chega a ser corriqueira. Contudo, devo parabenizar o autor por escrever tão bem.

  35. Alan Machado de Almeida
    4 de março de 2014

    Sci-fi com critica social geralmente dão uma boa combinação. Bom conto.

  36. Pétrya Bischoff
    3 de março de 2014

    Acho que gostei, sabe? Bom, essa realidade científica-futurista não me agrada, mas a estória é muito boa mesmo! Daria um filme, penso. A escrita é maravilhosa, bem como a narrativa. E essa possibilidade de dominação por parte dos religiosos faz total sentido, chega a dar raiva ao longo do texto. Só posso parabenizar o/a autor/a e desejar-lhe sorte 😉

  37. Claudia Roberta Angst
    3 de março de 2014

    Parabéns pelo feito de ser o primeiro(a) a expor seu conto. Acho que o texto já estava aguardando em uma gaveta. Só acho.
    A linguagem é mesmo primorosa, com imagens muito bem trabalhadas e poéticas, eu diria.
    Particularmente, gostei mais da primeira parte, sem termos técnicos ou explicações científicas. Isso é, claro, uma questão de gosto.
    A qualidade do conto é indiscutível e reconheci o estilo, mas não vou me aprofundar em descobrir quem é o(a) autor(a). Prefiro a surpresa.
    Como tão sabiamente disse o colega Jefferson: o bicho vai pegar!
    Boa sorte a todos nós.

  38. Jefferson Lemos
    3 de março de 2014

    Não sei ao certo se essa história funcionou comigo. Mas o que posso dizer, com toda certeza, é que essa escrita primorosa enriqueceu o texto. Dá gosto de ler algo assim, tão bem escrito.
    Parabéns por ser o primeiro, parabéns pela escrita primorosa, e parabéns pela qualidade. Começamos o desafio com o pé direito, e esse texto já dá uma ideia do que iremos enfrentar esse mês.
    O bicho vai pegar! hahaha

    Parabéns e boa sorte!

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Publicado às 3 de março de 2014 por em Fim do Mundo e marcado .
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