Decidido: nada de seguir técnicas de resenha. Quero que este texto seja um retrato de todas as minhas sensações com essa leitura. Talvez uma forma de aliviar tudo o que estou sentindo após o término dela? Acredito que sim. Acho que vai ajudar.
Tenho uma história com esse livro. Que começou em 2007, quando li o outro livro de Hosseini: “A Cidade do Sol”. Naquele tempo, nem pensava em escrever sobre minhas leituras. Guardava as sensações apenas para mim. Quando terminei de ler “A Cidade…” lembro exatamente de ter fechado o livro, abraçado-o e chorado. Chorado, chorado muito, como se meu próprio coração estivesse doendo. E estava, de tanto aperto. De pensar que do outro lado do mundo havia muitas mulheres, muitas meninas, passando por situações como as personagens do livro também tinham passado.
Uma vez peguei “O Caçador de Pipas” em uma troca, há uns quatro anos. Mas não consegui lê-lo. Acho que nem o abri. Ficava me perguntando se estava preparada para mais sofrimento. Sim, mesmo sem ter visto o filme (e até hoje não o assisti), tinha medo do contato com mais sofrimento. Não que eu seja alheia aos sofrimentos do mundo, mas quando temos a escolha de não passar por eles, o que fazemos? Às vezes aceitamos o que vamos sentir, mas às vezes não queremos, queremos ficar longe do que pode nos remeter a situações tristes e revoltantes. As duas opções são perfeitamente explicáveis, totalmente compreensíveis. Escolhi a segunda opção e troquei o livro por outro.
Ano passado ganhei “O Silêncio das Montanhas”, o mais atual do Hosseini, nos sorteios do Skoob. Talvez por estar determinada a não ler mais nada do autor, também o troquei sem pensar duas vezes. E, nesse começo de ano, recebi “O Caçador de Pipas” do EntreContos, pela vitória no concurso mensal de tema “Fantasma”. Já tinha o livro que fora ofertado a quem ganhasse o concurso, e o Gustavo Araujo, dono do site e organizador dos desafios leu um comentário meu a respeito de eu nunca ter lido “O Caçador…”, perguntou se podia enviá-lo a mim, pois ele tinha gostado muito do livro. Aceitei o desafio, pensando: “Agora vou ter que ler essa história de vez, não é possível!” Sabia que seria bom, sabia que gostaria. E tinha certeza de que sofreria. Mas cheguei à conclusão de que era hora de dar um basta a isso. Ler logo. Sofrer logo, rs.
A edição que ganhei é a da foto, comemorativa dos 10 anos de publicação, em 2013 e, por isso, tem um prefácio do autor contando sua experiência de retornar a Cabul e rever a casa de de seu pai. Li esse prefácio antes da leitura da história principal e também o li depois de terminar. Que bom que fiz a releitura, foi uma sensação bem diferente da primeira leitura.
Na história conhecemos Amir e Hassan, dois garotos mais ou menos da mesma idade que crescem juntos. Amir é o filho do patrão, um menino que busca a aceitação do pai, e é quem nos narra os acontecimentos, sem poupar a si mesmo, sem nos esconder coisa alguma. Hassan é o filho do serviçal chamado Ali, que cresceu servindo ao pai de Amir. Os dois meninos têm uma relação muito forte, e é visível a devoção de Hassan para com Amir, que por sua vez demonstra não corresponder aos sentimentos do amigo. A forma como Amir trata Hassan é o que desencadeia todas as questões do livro, quando o narrador, ainda um menino, presencia um ato covarde e violento contra seu fiel amigo. A história começa a ser contada bem antes disso, mas é esse fato presenciado e negligenciado que vai mostrar a nós, leitores, sem nos deixar dúvida alguma, o caráter dos dois garotos. E como é triste essa descoberta… Antes desse fato, vamos aos poucos sendo apresentados a isso, em doses gradativas, mas essa parte nos mostra bem quem é Amir, ou o que ele não consegue evitar ser. É difícil entender a situação, mas aceitar… É muito complicado.
O livro também mostra o Afeganistão após a queda da monarquia e a chegada dos talibãs, o sofrimento dos que ficaram lá e o que aconteceu aos muitos que deixaram o país. Amir e o pai vão para os Estados Unidos e reconstroem suas vidas, mas Amir nunca ficará em paz com sua consciência. Não somente ele, outras personagens também descobrimos carregarem um peso maior do que os ombros poderiam suportar, mas como Rahim Khan afirma, para Amir “ainda há um jeito de ser bom outra vez”. Amir então volta ao Afeganistão, e esse jeito se mostra extremamente doloroso. Talvez como devesse mesmo ser.
Termino esse texto registrando a construção dos personagens realizada por Khaled. São personagens que jamais esquecerei. Por eles, leria o livro mil vezes, se fosse preciso, apenas para reler seus pensamentos e suas atitudes. Mas não será. Vão me acompanhar daqui em diante. Por tudo isso que vivi com o livro, não preciso ver o filme.
Curioso Bia, me senti exatamente como vc ao terminar o livro. Não quis ler outro livro do autor. Não quis ver o filme. Só que ainda mantenho a minha decisão decidida (rsrsr) de não ler outros do autor.
Gostei da resenha, Bia. Eu só li o “Caçador de Pipas” e vi o filme também, que é bastante bom. Minha reação principal com o Amir foi ter muita raiva dele: da sua covardia e falta de amor pelo amigo. Já o Hasan passava uma maturidade afetiva e resignação que estavam muito além de sua idade; ele é admirável.
Efetivamente, os personagens são muito bem construídos e o pano de fundo histórico também enriquece muito o livro.
E sim, o autor não poupa o leitor de dor, dor esta que é sentida pelo narrador também.
Ah, é verdade, dá muita raiva do Amir, como eu disse em uma postagem, se fosse filho meu, nem sei o que faria… Mas depois a gente pensa que ele é criança, que é produto do meio em que vive e está em um grande conflito interior… Como você disse, mérito do autor, que com seu texto desencadeou tantas sensações…
Diante do relato tão emocional da sua rota de fuga para evitar o sofrimento que encontraria em cada página deste livro, fiquei com vontade de reler palavra por palavra.
Confesso que não chorei, não abracei o volume de folhas, não amaldiçoei os vilões da narrativa. Doeu? Claro que doeu, mas o sofrimento foi aquarelado pelo espanto diante do talento do escritor. Mas esta sou eu, colocando florzinha e estrelinha em tudo.
Agora lendo a sua bela resenha, pude sentir tudo de novo só que de uma forma muito diferente. O livro continua espetacular. A leitora é que deve ter envelhecido e amolecido. Parabéns.
Com esse livro o autor ganhou meu respeito, rs. Eu costumo ler também procurando ver essas questões de estilo etc., mas confesso que a narrativa nesse caso me absorveu totalmente.