Com a mesma leveza com que passeava pelas ruas de nossa cidade, o Dr. Egídio deixou este mundo. Não foi como costuma ser. A vida não lhe castigou o corpo para que desejasse a morte. O doutor emendou um sono no outro.
Dr. Egídio não era médico, era advogado. Tinha 86 anos e um cachorro. Homero, o labrador contemplativo é que foi adotado pelo médico. O Dr. Egídio foi o homem de letras da pequena Arcádia. Publicava em jornais da capital que não líamos, embora o soubéssemos porque as notícias correm. A cidade inteira o pranteou. Nós o amávamos como a um tio, um avô, mas tivemos que enterrá-lo.
A vida seguiu. Para nós e para o obstinado Dr. Egídio, que passou a assombrar a biblioteca municipal. Foi lá que sepultamos os seus livros e discos que ninguém entendia.
Levamos muito tempo para descobrir o fantasma. Ninguém ia à biblioteca, que antes de ser o orgulho da cidade era uma farmácia. Amaral, o bibliotecário, sempre foi íntimo da garrafa, e quando dizia que encontrava livros abertos nas mesas, ninguém queria acreditar. Até o dia em que o Amaral não aguentou e chamou o padre.
O padre foi o primeiro a correr. O Amaral estava bêbado e tropeçou. Ninguém viu muita coisa, exceto dois livros que se abriram sozinhos. Eles estavam em fileiras, cobrindo as mesas.
O padre, um homem sagaz, entendeu que era caso de chamar o diretor da escola. O professor ficou admirado com o bom gosto do fantasma. Os livros abertos eram a nata. Havia o Hamlet, O Paraíso Perdido e a Divina Comédia. E sentenciou: “Esta é a obra do Dr. Egídio”.
Em cidades pequenas, a novidade pode ser preservada durante anos. Até que venha outra. Dois ou três verões depois, o filho do Juca – o Juquinha – casou com a filha do prefeito sob as bênçãos do padre, da Santa Igreja e de um trinta e oito carregado. Uma tensão horrenda, somente a noiva sorria. Mas a festa foi tão boa que o noivo dançou com a sogra. Durou três dias e todo mundo foi. O caçula, que ainda não tinha nascido e hoje está um rapagão enorme, também foi.
Depois da festa veio a vida, e a vida seguiu. Essa vida besta que a gente leva em cidades pequenas, não queira experimentar. Quem sonha morar no interior nunca morou. E se realiza o sonho, a vontade passa na primeira dor de dentes. O Dr. Egídio já não assombrava, mas não queria ir embora. O Amaral guardava os livros e eles amanheciam abertos. Até que o Amaral parou de guardar, embora o fantasma os trocasse quando ninguém via.
Um dia, o Amaral acordou meio tonto. Tomou café com a família, almoçou com a turma boa do botequim e jantou com São José. Me ofereceram o lugar dele e eu nem pisquei. Saí do banco e vim pra cá.
Preciso confessar que no banco eu não fazia nada. Na biblioteca, menos ainda. Aceitei as sugestões do fantasma e comecei a ler. No início, com dificuldade. Depois, por hábito. Hoje, com alegria. Consegui a verba para a vitrola e toquei os discos. Mais pelos temas das obras do que propriamente por sua beleza, me apaixonei por Liszt.
Convivendo com o fantasma do Dr. Egídio, entendi porque ele não quer ir embora. O Universo inteiro cabe aqui, na Biblioteca Municipal de Arcádia. Entendi também o seu propósito: fechado na estante, o livro está morto; aberto, vivem o autor e quem o lê.
Entendi tudo. E quando morri, fiquei.
Aparentemente um autor já bem desenvolvido, com um estilo seguro. Infelizmente, me desagradam histórias em que existe uma espécie de ‘distanciamento’ dos personagens. Mais um caso em que não posso dar pitaco no texto, já que isso diz respeito a um gosto muito particular.
De todo modo, achei bem escrito, embora não tenha entendido algumas passagens, como a brincadeira com os termos médico, doutor e labrador. Talvez outra falha minha. Quanto ao final, esse sim me cativou. Apesar de não ser muito meu estilo, fez parecer que o conto como um todo valeu a leitura.
Biblioteca, um enredo fantástico, quer mais o quê? Leitura gostosa que dá vontade de agradecer ao autor no final. PS – gostaria de ter um doutor Egídio me orientando em meio ao mar de lixo que existe hoje em dia…
Excelente. Conto curto que nem parece curto. Achei bonitão. Gostei muito 🙂
Adorei o conto, em alguns momentos me senti na biblioteca com o fantasma, rs.
Muito bem escrito e os detalhes muito bem encaixados no decorrer da historia.
O final ” O Universo inteiro cabe aqui, na Biblioteca Municipal de Arcádia”, foi sem comparação,e bem essa a visão que tenho sobre as bibliotecas.
Parabéns!
Boa Sorte!
Leve e divertido, bem legal. A forma muito natural com que se narra a assombração do Dr. Egídio na biblioteca, como uma “novidade” em meio a outras na cidadezinha e no conto, e o final, que fecha o círculo e é como uma piada bem terminada. Catando piolho: a questão sobre o dono do cachorro ficou mesmo um pouco confusa, assim do jeito que as frases estão formuladas, tão concisas, não me dei conta logo de cara de que o cão tinha sido adotado por um outro Dr. Egídio, este sim médico (é isso?).
Uma leitura fácil e gostosa.
O autor esbanja a competência de um bom contador de “causos”, retratando de forma leve a vida numa cidade pequena do interior.
Com um humor fino e uma critica sagaz, este conto/crônica nos prende do inicio ao fim.
Parabéns!
Conto bacana, tom leve de crônica, com uma mensagem interessante. Gostei.
Conto leve, simples, leitura prazerosa. Como já disseram, tem mesmo um jeito de causo. Dos minicontos que li até agora no desafio esse é o melhor, porém, como já admiti aqui, não consigo dar crédito a minicontos, então, provavelmente, não ganhará meus votos. No entanto, o(a) autor(a) merece ser parabenizado(a)!
Uma biblioteca vazia ao som de Liszt! Posso tomar o lugar de bibliotecário da Biblioteca Municipal de Arcádia?
Gostei bastante.
Pra mim ficou claro que o médico adotou o labrador após a morte do advogado.
Leitura leve e agradável com um pouco de crítica ao abandono das bibliotecas Brasil a fora.
Parabéns!
Outro excelente conto. Gostei bastante da narrativa. Deu gosto de ler, nada pesado. Parabenizo ao autor pelo escrito. Outro que quero ler mais coisas.
Gostei da leveza do conto. Da fácil leitura e compreensão.
Por outro lado, achei a história vaga sem grandes impactos. Talvez seja o vício de esperar que alguma coisa forte aconteça.
Não me agradou por gostos pessoais, mas não há como crítica-lo como algo ruim.
Após ler uma série de observações sobre os comentários por mim postados neste concurso e suas respectivas respostas (infelizmente) concluí que fui tomado de certa pobreza de espírito. Em certos momentos nem fui técnico, muito menos humilde. Peço perdão a este escritor pelo comentário até maldoso por mim desferido. Farco fui eu em definir tão negativamente tal obra. Texto leve, incentivador, gostoso de ler. Seu mérito é louvável e deposito esperança em sua próxima obra.
Gunther, não se preocupe. Os autores não estão em julgamento: são os textos. Um abraço e obrigado por esse gesto cavalheiresco.
Ah, que texto lindo!!! Despretencioso, leve, adorável de ler.
Parabéns!!! Gostei particularmente dos dois últimos parágrafos.
Olá. Ahn, achei meio diluído, que não tenta se destacar. Eu tive momentos de “esse cara é bom”, tem frases e pequenas escolhas bem legais, te achei bom mesmo. Minha filosofia de vida passa longe do meio termo, no entanto, e essa de existir por existir me desanima. A mensagem no final é legal, mas ah, só legal.
Esse foi o ponto que mais me chamou a atenção, mas acho que é de cada um, né? A habilidade tá aí. Abraços
Mais um texto sem espaço ou tempo… Mais um texto que não causa surpresa para identificar o fantasma… Mais um texto que não deu um susto… Fraco.
Achei bem legal, não tão forte quanto outros que vi aqui, mas no geral é leve e gostoso de ler.
Parabéns ao autor, e boa sorte!
A escrita segue um bom ritmo, que facilita a leitura. Gostei da ideia de um fantasma culto numa biblioteca, mas os detalhes secundários sem dúvida tiveram a sua quota-parte de enriquecimento do conto.
Mais um fantasma assombrando bibliotecas *-* Estou com vontade de por logo no papel a primeira ideia que tive para esse desafio, ambientada justamente em uma biblioteca.
Uma graça! Muito bom de ler!!
Boa Sorte!!
Gostei do conto. Despretensioso, tem um ritmo fácil, leve. E é claro que a questão da leitura e das bibliotecas toca fundo a todos os concorrentes… 😉
Parabéns e boa sorte!
Bem… O que dizer deste conto? Fiquei com medo de cair na pieguice. Mas o que posso fazer se adorei a estória?
Pra mim, uma pequena obra-prima. Achei que não é despretensiosa, muito pelo contrário. Ela tem a ousadia de querer constar entre as grandes estórias.
Por que? Tem um que de Machado de Assis, de Graciliano Ramos e outros autores brasileiros inesquecíveis que vou parar de citar, justamente pra não cair na pieguice.
Li umas cinco vezes e percebi cada sutileza que tinha deixado passar na vez anterior. Então não resisti e li mais cinco. Achei irresistível.
Infelizmente não participarei deste concurso porque o tema não me é fácil, senão esta seria a minha primeira escolha.
Parabéns ao autor!
Simples, com tom de causo. Gostoso, no geral, mas não é muito forte.
Fluido, despretensioso facim de ler e ser absorvido pela leitura. Só fiquei meio encafifada com o 4º parágrafo, na segunda oração, em que o narrador nos conta que a biblioteca era o orgulho da cidade, mas ninguém ia lá… O Dr Egídio tinha que assombrá-la mesmo…
Apreciado!
Possui lá seus pecados, é claro… Quem de nós não possui? Contudo, é um conto gostoso de se ler pela boa prosa.
Parabéns ao autor!
🙂
Exatamente! 😉
Conto leve, despretensioso e por isso mesmo gostoso de ler. Possui lá seus erros, é verdade, mas nada que tore o prazer da leitura. Gostei especialmente da questão cultural envolvida. Dr. Egídio, médico ou advogado, não importa, mas um fantasma cheio de cultura, influenciando gerações. Muito bom.
Gustavo, querido, tenho por princípio jamais responder críticas. Se a obra não se defende sozinha é porque a crítica é pertinente. Mas aqui se trata de corrigir um equívoco que não admite interpretação. O pretérito-mais-que-perfeito designa uma ação anterior a uma outra já citada, sendo, portanto, o “passado do passado”. Logo, o médico herda o cão porque o advogado morreu. Em termos gramaticais, o texto está correto. E não existem pleonasmos no parágrafo em questão.
Obrigado por sua paciência e amabilidade.
Meu caro Franz, quem sou eu para discutir o emprego do pretérito, rsrsrs
O pequeno erro a que me referi consta do segundo parágrafo, quando o Sr. Egídio é descrito como advogado e depois como médico. Nada que tire o brilho da narrativa, como eu disse antes 😉
Abraços!
Estou me referindo, justamente, ao segundo parágrafo. (“Dr. Egídio não era médico, era advogado. Tinha 86 anos e um cachorro. Homero, o labrador contemplativo é que foi adotado pelo médico.) Obviamente, após a morte do dono, pois foi adotado. Se não for observada a sequência dos fatos, não haverá entendimento do pretérito-mais-que-perfeito. Obrigado.
O autor não sabe empregar os pretéritos. Muitos dos tempos verbais do segundo parágrafo estão errados, além de alguns pleonasmos e uma contradição gritante.
“Dr. Egídio não era médico, mas advogado. Tinha 86 anos e um cachorro. Homero, o labrador contemplativo é que fora adotado pelo médico (pera lá, você não acabou de dizer que ele não era médico. O Dr. Egídio fora o homem de letras da pequena Arcádia. Publicava em jornais da capital, que não líamos, embora o soubéssemos porque as notícias correm. A cidade inteira o pranteou. Nós o amávamos como a um tio, um avô, mas tivemos que enterrá-lo.”
Fantasma assombrando com cultura, incentivando a leitura. Adorei isso. Narrativa leve, fácil, interessante. Nem longo nem curto demais, na medida. Também acho que reconheci algo do autor, mas ainda não estou bem certa… aliás, nada certa. Boa sorte!
Ah, que legal! Adorei, muito bom! E o autor é suspeito! Esse penúltimo parágrafo me disse muita coisa, rs… =) Bom trabalho! 😉
Agora voltando para comentar “de verdade”, gostei muito desse conto pela construção dos personagens e da forma como eles foram apresentados ao leitor. Visualizei essa situação toda contada na trama, que é bem simples, como um filme. O pessoal já apontou o que pode ser modificado, e não me causou estranheza essa questão da biblioteca ser o orgulho, mas estar às moscas, pra mim isso quis dizer que a biblioteca era mais um “enfeite” da qual a cidade se orgulhava, talvez por isso o advogado resolveu ir para lá, rs. 😉