Já estava sentada ali há quase duas horas. Na verdade, começava a temer que algum garçom sugerisse que ela desocupasse aquela mesa. Não, eles não poderiam fazer isso. Seria indelicado e espantaria para sempre a freguesa fiel de tantos anos.
Carolina tomou outro gole de café e continuou a brincar com a caneta entre os dedos. Inspiração era algo que lhe vinha quando menos esperava. Às vezes, surgia no meio de uma conversa com colegas da faculdade. Nessas ocasiões, ela sentia-se pressionada a escrever imediatamente. Claro que isso já lhe rendera a fama de “coleguinha bipolar surtada”.
A cafeteria estava mais cheia do que o habitual, mas aos poucos, as mesas eram abandonadas repletas de xícaras e pratos sujos. Carolina olhou para os seus pertences sobre a toalha azul. Sentiu um certo orgulho. Era mesmo uma lady. Nada fora do lugar, tudo bem posicionado esperando a tal inspiração. Até mesmo a xícara parecia delicadamente posta para ser fotografada.
− Deseja mais uma xícara de café?
O garçom já era bem conhecido por ela. Matheus era o seu nome e beleza seu sobrenome. Alto, mas sem exageros, com incríveis olhos escuros como o café servido. Seu avô dizia sempre que olhos negros não existiam, que eram íris castanhas mergulhadas nas sombras de cílios espessos. Vô Alberto era mesmo um poeta.
− Não, obrigada. Acho que já esgotei a minha cota de cafeína por hoje.
Sorriu e esperou que o jovem se afastasse para novamente encarar a folha em branco do caderno. Não, nada de elementos eletrônicos naquela fase de criação. Estava no clima dos grandes mestres da literatura: papel e caneta eram os instrumentos ideais.
De uma das mesas, levantou-se um senhor carregando presença e bastante idade. Paletó de linho branco um tanto amassado e chapéu de abas moles protegendo o olhar cansado. Carregava uma bengala de madeira envelhecida que lhe sustentava o andar algo claudicante. Ninguém parecia notar o ancião que lentamente tentava se desviar das mesas e dos garçons distraídos.
De repente, Carolina sentiu-se corar. Instintivamente, olhou para trás e deu de cara com uma parede com a pintura descascando. Voltou o rosto para frente e sorriu embaraçada. O elegante senhor estava ali na sua frente apoiado em sua bengala. Sem uma única palavra, tomou sua mão direita e a levou aos lábios cobertos por um bigode farto e totalmente branco. Carolina sentiu o roçar de um leve beijo.
Carolina tremia, envolvida com seus sentimentos mais conflitantes. Seu padrinho chegara. Era ele. O cavalheiro sorriu e a olhou como se abençoasse cada um dos seus pensamentos. Soltou sua mão com delicadeza e se afastou juntamente com dois homens um pouco mais jovens que o seguiam com reverência.
− Viu isso, Matheus? − Perguntou Carolina ainda tentando recobrar o fôlego.
− O que?
− Aquele senhor de branco que veio até mim?
− Quem?
− O todo vestido de branco, chapéu, bengala. Juraria que era Jorge Amado.
Carolina podia perceber o espanto tomando conta da fisionomia de Matheus. Logo mais ele lhe recomendaria um bom psiquiatra e menos cafeína.
− Não, não vi ninguém assim hoje. E olha que aparecem sujeitos bem esquisitos por aqui.
Ela suspirou frustrada. Teria sido uma alucinação? Não teria coragem de indagar às pessoas das mesas mais próximas. Receava ficar péssima na combinação do branco com a camisa de força.
− Mas ele saiu agora … Como você não viu?
− Jorge Amado? − Perguntou o gentil garçom já recolhendo xícara e pires.
− Sim. – Respondeu Carolina entre impaciente e confusa.
− Mas ele faleceu há mais de dez anos, moça. − Disse o rapaz se afastando com um sorriso compassivo. Cada uma que me aparece, pensou ao dar suas passadas longas em direção à cozinha.
Carolina suspirou três vezes seguidas como se assim pudesse desfazer qualquer encanto sobre ela. Ah, a tal inspiração estava brincando com a sua mente. Olhou para baixo tentando esconder o rosto que ameaçava choro e loucura. Rabiscos ambicionando letras pousavam sobre o branco do papel. Algumas linhas preenchidas com uma caligrafia desconhecida. Levou a mão ao rosto e a cheirou. Sândalo.
O autor nitidamente tem experiência. Está bem escrito. O texto, contudo, não me cativou. Não senti que algo aconteceu e a possível presença de Jorge Amado, simplesmente, não se deu de maneira muito interessante, no meu ponto de vista.
Realmente. Pequeno demais para um conto, se fosse uma crônica sobre a morte do Jorge Amado, legal, mas seria impossível, já que crônicas são sobre acontecimentos recentes. Não tenho como falar se gostei ou não, pois está incompleto, e se o escritor achar que não, eu poderia até chamá-lo de pedante, mas não o farei.
Uma bela homenagem, um belo conto e uma idéia que poderia ser melhor desenvolvida. Curto, mas a aparição de Jorge nos faz pensar na possibilidade do encontro, de um novo e inédito romance sussurrado ao pé do ouvido, e que seria compartilhado conosco…
Sua escrita denuncia que você pode muito mais do que nos mostrou.
Parabéns pelo conto e boa sorte!
O problema não é exatamente a brevidade, mas sim que dentro dessa brevidade acontece muito pouco. O que o conto nos dá é apenas uma imagem delicada, uma aparição da Musa inspiradora (Jorge Amado). É impossível reprimir a sensação de que isto é apenas um início, que precisa de continuação para construir um sentido menos banal.
Concordo com o dito anteriormente por outrem. É uma boa ideia, mas a execução deixou a desejar, pois fiquei esperando algo a mais… Porém, parabenizo ao autor pelo trabalho.
Sempre gostei de contos com personagens escritores, apesar da personagem desse ter me dado a impressão de uma psicopata perfeccionista, rs. Gostei da narrativa, da situação, do cenário, mas achei o texto curto demais para causar envolvimento ao leitor. Parabéns, de qualquer modo e, antes que eu me esqueça, só mais uma nota: ótima a ideia de um fantasma escritor assombrando escritores em busca de inspiração. Sir Tolkien, where are you?
A leitura e bem leve e dinâmica.
O texto foi bem rápido e cru, faltou aquele gostinho de quero mais.
Boa Sorte!
Após ler uma série de observações sobre os comentários por mim postados neste concurso e suas respectivas respostas (infelizmente) concluí que fui tomado de certa pobreza de espírito. Em certos momentos nem fui técnico, muito menos humilde. Peço perdão a este escritor pelo comentário até maldoso por mim desferido. Se alguém estava “batizado” ao redigir palavras tão grosseiras, fui eu!Sendo assim, apenas me resta ser breve: apenas achei o texto curto, poderia ter se alongado um pouco mais. Mas seu esforço (e como disse, tem seu charme) é louvável e deposito esperança em sua próxima obra.
É uma boa leitura. Leve e dinâmica.
Não me causou muitas emoções nem me fez pensar demais, mas ainda assim, é um bom conto.
Acho que é só questão de gosto.
Uma história breve e gostosa de ler. A frase do avô é muito bacana. Quanto à história, acho que o mote está aí e pode ser melhor aproveitado no futuro.
Uma narrativa muito gostosa. As falhas já foram apontadas pelos colegas, faltou o impacto também. Mesmo assim, eu gostei. Parabéns!
Como cursei Letras no milênio passado, claro que estudei Jorge Amado e sua obra. Lembro bem dos trabalhos que meu grupo desenvolveu sobre Jubiabá, Capitães de Areia, entre outros. No começo, eu não curtia muito os temas, mas depois me apaixonei, claro. Já até sonhei com Jorge Amado. Conto curto com tema abordado de forma sutil, sem grandes explicações, com cara de “a seguir cenas dos próximos capítulos”. Valeu. Boa sorte.
Gostei da escrita do texto, mas achei a história muito fraca.
Faltou algo, além da boa escrita, para prender o leitor.
Eu não gostei, mas espero que outros gostem!
Parabéns e boa sorte!
Bem escrito, mas cadê a história? Outro conto que fiquei ansioso por uma trama, acontecimentos, e não veio nada. Na minha opinião, é uma história que precisava continuar. Sei que o autor é que decide o ponto final, mas como leitor, não consegui me envolver com o que foi apresentado.
Senti uma intenção “legal” no apadrinhamento de Jorge Amado. Um texto bem escrito, mas a estória não me agradou. Boa sorte 😉
Olá. É uma ideia agradável, e está benfeito. Não tem muito no que o leitor se segurar, o enredo é simples e os personagens não chegam a ser realmente elaborados. Não acho que seja o tamanho, mas o conceito mesmo, não tem muita pretensão, e não que seja uma coisa ruim, é só que as reações a algo despretensioso naturalmente são mornas. Acho que ‘agradável’ é mesmo a palavra pra esse conto…
Não dá pra saber qual o seu gosto por um texto só, mas se for mesmo pelo menos gritante, um parenteses:
Conhece JD Salinger? Se não, te recomendo, que ele escrevia histórias quase sem enredo nenhum e que ainda te dão muito pra se prender, através dos personagens. Podia ser um caminho interessante… Nem toda história tem que ser heroica ou explosiva pra ser impactante, e pra mim ele é um ótimo exemplo disso
Mais um texto que não se sabe onde e quando ocorreu… E a pergunta é: a jovem foi inspirada a escrever o quê? Um conto erótico ou uma tese de engenharia nuclear? O texto de tão curto que é não dá tempo nem para o deleite. Mas, depois de tantos textos lidos neste desafio, tem (a princípio) um fantasma… A menos que a cafeína da jovem esteja batizada!
Onde? Em uma cafeteria. Quando? Nos dias atuais. Note que o garçom afirma que Jorge Amado faleceu há mais de dez anos. Por que? Ora, qual a graça de se obter todas as explicações para um fato fantasmagórico?
Duvido que o fantasma – se fosse Jorge Amado como insinuado – fosse inspirar uma tese de engenharia nuclear, mas é uma possibilidade interessante.
O texto curto tem seu charme – não desperdiça o tempo do leitor. Meu fantasma foi breve.
Quanto à natureza da cafeína ingerida – Carolina confessa que já havia ultrapassado a sua cota diária da substância. Batizada? Com muito axé. Saravá.
Agradeço o comentário.
Um texto gosto de se ler e muito bem escrito. Uma pena ser breve, mas também acho que não funcionaria se fosse longo. É um ótimo conto, mas infelizmente acredito que será nublado por outros do desafio.
Bem escrito, envolvente e cativante. Todo mundo aqui gostaria de passar por experência semelhante. Sugiro uma viagem a Salvador só para ver o que acontece, rs.
Agora, sério, este conto precisa continuar. A história é boa demais para ficar só nisso. Por que não entrelaçar os enredos de um livro do Jorge Amado com uma algo que a própria protagonista estivesse escrevendo?
Pela qualidade da escrita, creio que isso seria perfeitamente possível.
Sobre o título… Gostei. Simples e efetivo.
Sobre a técnica… Bela narrativa onisciente, com uma ortografia limpíssima e um leve lirismo que caiu de forma perfeita ao texto.
Sobre a história… Simples, bem intencionada. Apresenta-nos a inspiração trazida pelo espírito bom de um mestre da literatura. Não duvido que houvesse, ali, um fantasma fantasioso, muito mais elaborado pela mente criativa dela, enfim abandonando o hiato criativo, do que realmente ter sido uma aparição. Para mais ou menos, funcionou direitinho. Sinto que o texto, e a bela narrativa, tinham forças para mais história, para descrever mais coisas e contar mais sobre a aparição. Mas não reclamo do tamanho, porque, mesmo pequeno e direto, passou o que queria passar.
Sobre o final… Nada além do que já foi dito. Bem direto. Talvez não configure dentre o meu top5, a depender das próximas histórias adicionadas, mas, como conto, é uma delícia de se ler.
Gostei da leitura, mas acabou muito rapido. Renderia muito mais.
Parabens.
Como um bom baiano (e leitor de Jorge Amado) gostei muito do texto.
Porém ficou muito mais parecido uma crônica ou um artigo de algum jornal que leio diariamente.
O fiapo de história poderia ser esticado e se transformar num lindo conto, desenvolvendo essa “paranormalidade” demonstrada pela protagonista e nos envolvendo ainda mais na aparente relação cordial/sedutora com o garçom.
Esse é o primeiro ato de uma história que deveria continuar.
Um texto gostoso, surpreendente e bem escrito.
O(a) autor(a) soube muito bem incorporar essa alma curiosa e meio dramática do escritor com bloqueio (quantos já não estivemos lá?).
Justo quando achei que teria algo para reclamar – o final previsível – fui novamente surpreendida com a psicografação (psicogração?) das palavras de Jorge Amado por outras mãos. Será que fomos presenteados com mais um tiquinho do seu trabalho?
Ainda senti falta de alguma coisa, não sei exatamente o que…
Mas que está bom, está.
Muuuuuito bom!
Parabéns e boa sorte!
Gostei da leitura, mas senti como se o conto fosse o “começo” de algo que poderia ser maior. Quando a coisa estava começando a ficar interessando… terminou. Faltou um conflito, digamos, algo que me prendesse mais. Mas está bem escrito!
Corrigindo: não é “interessando”, quis dizer “interessante”, rs.
Gostei da sutilidade da menção quanto à psicografia e, quanto ao corpo do texto, tem frases fortes, como a do avô. Também gostei da “aparição” do Jorge Amado, já que sou fã do mesmo.
Mas não sei explicar bem, a história não me tocou em seu conjunto! Não sei se foi a maneira com que foi escrita (técnica) ou se foi o enredo que não me convenceu, embora a última frase seja particularmente boa!
De qualquer forma, parabéns!
Ps.> “Matheus era o seu nome e beleza seu sobrenome”. -> Esse “beleza” não teria que ser “Beleza” (com B maiúsculo)?
Ana, assim que li Jorge Amado, lembrei de você!
Pareceu-me mais o fotografar, por assim dizer, de um momento que uma história em si. No entanto, encontra-se muito bem escrita e deu gosto em ler.
Amei! Divino! Muito bem escrito, breve, instigante! O final, maravilhoso! Deixa o leitor interpretar e pensar. o inclui no texto, dando-lhe mais que a simples tarefa de passar o olhos sobre o papel (ou tela…rs). Aquelas palavras do avô, espetacular! Muito criativo. Papel e caneta, sou eu, com certeza! Sempre digo que é difícil obter inspiração diante de uma tela fria de um computador. prefiro o tradicional método de papel e caneta, minhas fontes inspiradoras. Enfim, um texto muito bem elaborado, bastante simples e ao mesmo tempo envolvente. Acho que está a caminho dos primeiros lugares! Parabéns!
Ah, sou eu ali nesse café, com papel e caneta, buscando inspiração. É claro que ainda não vi nenhum fantasma, mas nada é mais gostoso do que escrever em uma Cafeteria, com caligrafia.
A história é simples, mas gostosa de ler. Penso que poderia ser estendida um pouquinho. Penso que poderia ter mais sentimento. Mas adorei a leitura!
Boa Sorte!
Um conto agradável de ler, bem escrito, coerente, fluido… mas que não me empolgou. A autora sabe escrever e bem, talvez eu esteja num dia ruim, porque o conto até tem um ritmo gostoso, de escrita despretensiosa dominical.
É isso.
Um texto muito bem “psicografado”. 😉
Algumas descrições bem gostosas de se ler. Mas, confesso, ao contrário do ocorrido com a mão da protagonista, a história (leia-se fantasma) não chegou a me tocar. Sei lá… Esperava algo diferente, até mesmo por ter gostado bastante das metáforas e da forma com que o/a autor/a veio conduzindo sua encantadora escrita. Enfim… Foi isso. Gostei da escrita, mas não gostei da história.
De qualquer forma, valeu a leitura!
Parabéns!
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