Era minha última entrega de uma procuração judicial naquele dia. Faltavam poucos meses para sair de uma vez por todas do tribunal de justiça e finalmente aposentar minha carcaça. O documento fora endereçado para Gregori Náfilas Enoque, um produtor musical, dono do passe de uma dúzia das mais meteóricas cantoras de salão àquela altura. O sujeito era também agenciador de novos talentos, um figurão viciado em calmantes, de temperamento forte e aparência singular. Questionei meu superior sobre a marcação no relatório em que lia, estavam circuladas em vermelho as palavras “aparência singular”; e ele apenas apontou para o telefone em minha mesa. Imediatamente liguei para Virgilio Camelo, o detetive responsável por aqueles dados. Ele lembrou imediatamente do motivo do destaque.
— Chico, esse tal de Gregori Náfilas, esse cara é suspeito de agressão sexual contra pelo menos duas cantoras, basicamente este é o motivo de você ir entregar a intimação judicial. Os promotores já estão ansiosos, com três testemunhas guardadinhas pra queimar o homem. Por conta da influencia do sujeito, as coisas estão correndo de modo discreto. Você vai, entrega e cai fora sem dar um pio.
— Eu entendi essa parte, Camelo. Quero saber sobre a singularidade.
— O cara é enorme. Enormemente gordo. Um obeso estapafúrdio.
— Você deveria ter descrito isso.
— Agora está sabendo. Você nunca vai perder esse cara de vista. Até segui ele por uns dias, bem de perto. Foi divertido.
— Tudo bem, Camelo, já entendi.
— Boa sorte, Chico.
Saí da tribuna e um policial chamado Jeferson Ferro me aguardava nas escadarias, um jovem franzino, sempre com a mão direita reticente em direção ao coldre.
— O que é isso, rapaz? Vai sacar o revólver?
— Não, não senhor. Desculpe.
— Então relaxe o braço.
— Está relaxado, senhor. Desculpe.
— Pare de se desculpar. Você se daria bem no velho oeste, rapaz.
Como praxe, apesar de não ser obrigatório, ele me acompanharia até o momento da entrega do envelope. Só o fato de estar com alguém de distintivo e uniforme, acalmava as coisas e a verdade era que entregar intimações nunca dera qualquer problema, pelo menos não em meu distrito. E, pelo menos, não enquanto eu também carregava uma arma.
Quinta feira abafada de verão, final de expediente e começo da noite, nós estávamos num endereço que fervilhava com a classe alta dos jovens artistas e agitadores culturais. Artistas que vagavam pelas madrugadas nos bares de bossa, acendendo longos cigarros para madames escorregadias e ébrias, tanto quanto eles próprios. Antes da noite realmente abraçar essas figuras e em um andar muito acima daquele onde se perpetuavam as longas galerias de entretenimento, precisamente no vigésimo andar, estava o meu destinatário.
O hall de entrada do edifício era portentoso, toda a decoração assimilava tons de vinho e azul escuro e um balcão de mármore tomava uma ponta a outra do local. Uma parte dos funcionários registravam os visitantes, outra parte ciceroneava o fluxo que ia aos restaurantes e salões musicais.
— É grande o suficiente pra esse cara — Falei sozinho enquanto caminhava em direção a uma das recepcionistas.
— Pra quem, senhor? — Perguntou-me Jeferson, colado em meu ombro.
Apontei para o envelope.
— O destinatário.
Encostei-me ao balcão com o semblante cansado, tentava passar certa austeridade para a atendente, ela mal olhou para minha cara enrugada.
— Estamos no inicio da noite, não sei se o senhor Enóque irá recebê-lo, ele pediu para que ninguém mais subisse, além da senhorita Barbara Cinnamon.
— Informou com petulância a pequena recepcionista dos cabelos repuxados.
— Vou chamar nosso gerente.
Então ele estava acompanhado da musa, cantora maravilhosa, meu sonho de consumo. Isso era um motivo a mais para chegar lá o quanto antes. Eu não poderia passar por nenhuma chateação a partir daquele momento.
— Não importa em qual horário eu venha, pequena, a lei exige o cumprimento da entrega, sem o seu empecilho. Segundo, não precisa anunciar, ou quem sabe ele vai fugir. Apesar quê, nós dois sabemos que isso não vai acontecer. – Bati com o envelope na mesa – Acho que você não quer uma noite amarga de serviço tentando me provocar com a ajuda de um gerente bobalhão que vai escutar a mesma coisa que acabo de te falar, você quer?
— Cobertura, senhor. Mil e um. – Suspirou a recepcionista ajeitando os óculos para ler meu nome no distintivo que eu esfregava em seu nariz. — Escutem vocês dois, aprendam que sempre é possível subornar o ascensorista e assim evitar tornar a minha noite de serviço, amarga. Tá bom? Passar bem e boa noite.
— Eu pensei que não iria simpatizar com você, pequena. Gostei. Vamos, Jeferson. Por que está com a mão no revólver?
O ascensorista girou uma chave especial para liberar o acesso ao último andar. Ele sorriu por toda a subida, sem tirar os olhos de nós dois. Eu estava sem grana para suborno e sem paciência para gorjetas. No entanto, subia uma leve graça em mim, por saber da pequena rusga corrupta entre ele e a recepcionista. Ambos esperando ou uma gorjeta ou um suborno. Danem-se os dois.
— Cobertura, cavalheiros. Boa noite, cavalheiros. Até breve, cavalheiros.
Caberia todo um batalhão de jornalistas com seus equipamentos naquele corredor acarpetado, caso um escândalo irrompesse para o lado do produtor. Eu conheço bastante sobre música. Sou um apaixonado por cantoras solitárias com vozes embargantes. Penélope Húdus, Silvia Star, Francine Docinho, Sandra Lear Mossí, Barbara Cinnamon, dentre outras, todas com tanta potência, todas em minha prateleira, espalhadas musicalmente nos LP’s. Minha pasta de recortes de jornal sobre essas divas iria ganhar mais riqueza com minhas impressões sobre um breve encontro com um desses peixes podres que as rondam na noite, bancando toda a sorte de luxúria. O suposto predador sexual deveria estar confortável, aliviando o calor com um champanhe dos mais caros. A porta do apartamento mil estava aberta e um homem calvo num roupão de veludo azul olhava em direção ao fim do caminho.
— Boa noite, senhor. Algum problema mais pra frente?
O homem calvo nos olhou perifericamente e jogou o nariz para frente, como que apontando.
— Eu não sei. Acabo de escutar um estouro.
Bati com a mão na parede.
— As paredes parecem bem grossas. Uma garrafa de champanhe não faz tanto estardalhaço. — Carreguei ironia na voz.
O homem então se virou para nós e, firmando o laço do roupão, gaguejou:
— Então é o que ambos pensamos e parece que a policia já está na área — Olhou com desprezo para Jeferson — O preço que eu pago nessa porcaria, ainda têm dessas.
Fechou a porta em nossa cara. Jeferson tomou minha frente, com o braço estendido e a arma chacoalhando na mão. Seu rosto alternava as expressões, entre a rudeza de uma estátua militar e o cacoete nervoso de um virgem. Inicialmente, demonstrei confiar no novato e assim fomos para o apartamento mil e um, com ele na dianteira. Poucos passos antes, a porta abriu e um vulto no vão pareceu saltar novamente para dentro. A porta foi rapidamente fechada. Apertei o braço de Jeferson de modo gentil, descendo a certo custo sua empunhadura.
— Pare um pouco, jovem. Vamos ter cautela. Está com o rádio? Chame alguns reforços.
Ele parecia ter se atrapalhado com minha interrupção e mesmo com minha cara feia em sua frente, tentava não tirar os olhos da porta — Veja só — Abri o paletó o suficiente para que ele pudesse ver meu revolver no coldre, junto ao coração. — Eu cuido das coisas enquanto você desce até a recepção. Chame sua turma e, por favor, ligue para o Detetive Camelo. Se minha aspereza fizesse efeito, ficaria ao menos cara a cara com a cantora.
— Senhor, como autoridade maior, eu preciso ficar no local, você pode fazer isso.
Enquanto ele falava, eu batia na porta por três vezes, de modo firme. O policial recuou surpreso com as batidas.
— Tarde demais. Vá logo fazer isso, eu seguro as coisas aqui. Ou você pode começar uma negociação, seja lá o que for que tenha ocorrido aqui. Vá — Empurrei-o nervosamente — Ora, vamos, inventamos uma história depois e você sai por cima — Aliviei.
Pela fresta inferior da porta passava um facho de luz. Bati novamente. O facho de luz sumiu e então achei melhor ficar de lado, diminuindo meu corpo como alvo, caso quisessem varar balas por ele. É uma fantasia comum, passar o tempo todo na expectativa de uma chuva de balas, apesar de que, recebo-as de verdade é na forma de palavrões. Acendi um cigarro e baforei fumaça sobre a madeira, esperando que ela penetrasse como um aviso. Ser um oficial de justiça, uma espécie de garoto de recados de um juiz, nunca foi das profissões mais perigosas, mas ao menos era agitada. A pose que assumi naquele momento, vinha atada ao corpo da profissão. De qualquer modo, algumas vezes, era melhor molhar as canelas no lodo dos outros, garantido serviço completo. Apesar de que, em minha idade, quase na aposentadoria, os pontos com os juízes já não contavam e nem importavam mais. Credito isso a minha personalidade ranzinza de justiceiro. Dane-se essa droga.
— Senhor Gregori Náfilas Enoque? Francisco Carpa, oficial de justiça. Incumbido da entrega de uma intimação. Preciso da sua assinatura, preferencialmente antes das oito da noite, assim o expediente é respeitado. Poderia por favor, apressar o meu lado?
Soltei mais uma longa baforada de fumaça. E uma voz rouca subiu, vinda de longe, pelo lado de dentro.
— Então… Entre logo e vamos acabar com isto.
Girei a maçaneta e abri toda a porta de uma só vez. A luz do corredor projetou minha sombra no ambiente. A claridade somou-se a apenas dois abajures, um deles sobre uma mesa ao lado de um telefone preto, o outro, mais alto, em uma espécie de pedestal, ao lado da figura distinta de Enoque. Não o vi por completo, mesmo com todo o tamanho daquele homem. Encerravam-se mais sombras do que luz naquela que parecia uma espécie de sala conjugada com um escritório. Calculei vinte passos até ele, sentado numa poltrona de couro negro que pareceu muito confortável, guardando aquela morbidez de gordura. Sai da soleira e me adiantei o suficiente para livrar a porta, levei o envelope com a intimação até a linha da minha cintura, deixei a mão direita livre. Pedi licença e fechei a porta com o pé, suavemente. Próxima à janela, que estava com as cortinas semicerradas, havia uma mesa de mogno escuro com uma pequena cadeira, na parede contrária havia uma pilha de dinheiro, ao lado de um cofre entreaberto e embutido por entre duas prateleiras saltadas do que parecia uma espécie de biblioteca, mesclando livros com discos. Atrás de Enoque, percebi o brilho das garrafas de um bar e uma mesinha apoiando uma vitrola antiquada, que pude definir pelo dourado de sua cornucópia e o bonito som que ressoava em volume mediano. A música eriçou minha nuca e então, neste momento, senti a presença de uma segunda pessoa, parada a cerca de um metro, do meu lado direito.
No rol das cantoras famosas, sem dúvidas, Barbara Cinnamon havia sido por muitos anos a melhor de todas. Tinha dois compactos dela em minha coleção. Por muitas vezes cantarolei no caminho do trabalho as suas baladas sôfregas e amorosas, “Ninguém é obrigado a fazer o impossível” e “Noite finda sempre linda”. E foi nela em quem parei meu olhar assustado, naquela meia penumbra. Loira de corpo esguio, pele dourada contrastando com o vestido longo, todo prateado, com riscos que lembravam pequenos cometas cintilantes. Lábios coloridos de um vermelho intenso, nariz empinado, brilhando com uma maquilagem também rosácea, delineada até a altura das finas sobrancelhas, arqueadas num sorriso invertido, suportando aquele olhar. Um olhar de íris verde, que mirava em um ponto fixo, do outro lado do ambiente. Sua posição é que me partira o coração naquele momento. Estava com as costas coladas em um espelho que recheava toda a parede, terminando pouco antes da porta de entrada. Os joelhos virados, um de frente para o outro, e os saltos firmemente cravados no carpete enrugado. Claramente havia tombado, obviamente por conta do furo em seu dorso, um ponto cor de vinho no meio do avultado decote. Um filete de sangue descia lentamente, gotejando no chão.
Toda essa percepção durou não mais que alguns segundos. Aprumei minha postura, redobrando a atenção, neste ponto, a música se fez mais presente. Rodava suas notas no ar desde o momento em que bati à porta, aquela melodia vazando sussurrada. No entanto, eu a relevei, não fez presença em minha cabeça até aquele momento, as preocupações eram somáticas. Mas agora, sabendo da tragédia ao meu lado, as ligações firmaram-se.
“Ninguém é obrigado a fazer o impossível. Lutamos todo dia, esperamos lado a lado. Eu quero que você nunca me esqueça. Deu tanto trabalho, te ter, merecer. Assim é pra mim, tudo é um sonho feliz, a chuva a cair, apenas as penas, o choro correndo e o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
— Você pode ter duas escolhas razoáveis vindas de mim. Pode levantar sua bunda gorda e contar o que aconteceu na altura dos meus olhos ou pode apenas dizer que a matou e então fechar os olhos enquanto eu miro em sua cabeça.
Eu estava nervoso, irracionalmente nervoso. Mesmo sem resposta eu poderia matar ele.
— Espere, por favor. Você não tem ideia. Você não sabe nada a meu respeito, eu não faria , não faria… Nunca, jamais. Eu tenho contatos, sou um homem milionário.
Andei até a mesa de escritório e nela arremessei o envelope com a intimação. Com estes poucos passos, pude ver melhor aquela figura. Um homem nojento, vazando suor de todos os poros, com um terno riscado em pleno verão e a braguilha escancarada com um contorno repugnante de seu sexo a mostra. Graças a Deus que aquilo não estava claro aos meus olhos.
— Você usou as palavras erradas, seu desgraçado. Acha que vou te dar tempo para a policia chegar até aqui?
Ele recrudesceu na poltrona e o couro rangeu muito alto. Enoque gemeu por alguns segundos antes de tentar aplacar minha fúria.
— Por favor, você não sabe o que aconteceu aqui. Veja, leve o dinheiro embora contigo. Eu assino a intimação, vamos esquecer isso. Por favor, seja rápido. Você não compreende.
Por um momento, mesmo num insano espiral vingativo, o tom de urgência naquela voz pastosa me pôs novamente a raciocinar. Recuei até voltar ao espelho, agora ao lado de Barbara. Olhei rapidamente para ela, os olhos ainda estáticos, julguei estar morta. Olhei para o produtor musical, sua boca balbuciava, ressoava um gemido e a poltrona rangendo, tudo sobreposto a canção que chegava aos versos finais na vitrola.
“Ninguém é obrigado a fazer o impossível. Olhar nos teus olhos vazios. Eu sei que está lá, o olho é a alma, a calma perdida, agora partida, aos cacos ferida. Me olhe, me olhe, não esqueça que a vida o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
— Você falou novamente as palavras erradas. Vou lhe dar mais uma chance. Aproveite.
Saquei minha arma e imediatamente bati com o cabo no espelho, partindo-o por inteiro. Não chegou a desmoronar em mil pedaços como imaginei em minha cabeça, mas ficou inteiramente rachado. Ergui a palma das mãos com a arma pensa entre os dedos, sacudi-as no ar, como que esperando algo do sujeito. Então ele pareceu compreender o que fiz e, sem voz, soletrou sua mensagem. Pude então ler seus lábios, que foram breves e desesperadamente trêmulos.
“Ele/está/atrás/de/mim”.
O mais rápido que minhas pernas puderam, corri em direção a ele, o revolver teso na frente, o corpo indo de lado, reflexo da “chuva de balas”. Passei Enoque e então saltei, girando o ombro e mirando na escuridão total que reinava por detrás daquele monumento vivo. Meu calculo exagerado acabou por me arremessar na prateleira de bebidas. Cuspindo Bourbon que se espatifara em minha cabeça, chacoalhava a arma enquanto balbuciava palavras de ordem. Aquela não era minha vida, realmente. Do menor dos males, não havia nada atrás daquele homem obeso, grudado no assento. Constatara isso com toda certeza, após puxar com um dos pés o pedestal do abajur.
— Você está me fazendo de palhaço, seu filho da puta. — Bufei de joelhos, pronto a me levantar.
Enoque gemeu mais alto do que antes, pus-me de pé e estava pronto a esmurrar seu pescoço quando um tiro abafado foi disparado. A vitrola tombada ajudou a estimular o silencio sepulcral que se seguiu. Fiquei ao lado de Enoque e então, após ver a marca da bala em sua barriga, voltei com tudo para a estante de bebidas quebradas. Naquele momento eu precisava de um abrigo melhor, mas nem ao menos fazia ideia de onde estava escondida uma terceira pessoa. Se aquilo já não era estimulo suficiente para um enfarto, a porta da frente foi estourada.
— Largue a arma. Saia das sombras.
Pelo susto, larguei o revolver no chão.
— Sou eu, Camelo. Chico.
O detetive baixou sua guarda e abriu espaço para Jeferson entrar. De fora vinha o murmúrio de mais policiais.
— Este, sentado bem à moda, é o senhor Gregori Náfilas Enoque. E esta ao lado de vocês, infelizmente, é a cantora, a linda, senhorita Barbara Cinnamon.
— Sim, os reconheço, Chico. Mas, também infelizmente, a cantora Barbara Cinnamon, não é, ou era, aparentemente, senhorita. É, ou era, uma senhora.
Pendi os lábios, secos do recente pavor e stress ao qual havia me submetido, respondendo na defensiva.
— É ou era, veja só, ela está morta. Já era. Não importa, Camelo, senhora ou senhorita.
O detetive passou a mão na barba rala e devolveu:
— Importa muito, Chico. Pois ela era mulher de um escroque safado, um estelionatário chamado Juliano Frei, conhecido nos inferninhos como Fininho. E é fácil aumentar a importância deste vagabundo. Pois foi só apertar o pescoço do ascensorista, que não parava de rir de nossa cara no elevador, que o bossa mole desembuchou. Contando a aventura de um cara magérrimo que chegara hoje no final da tarde com duas notas de cem cruzados pedindo pra ser introduzido sem rodeios diretamente ao último andar. Pouco depois de uma madame linda e cheirosa subir e pouco antes de um velhaco mal humorado e um policial com cara de bobo também subirem. Palavras dele, juro. Tá bom pra você, Chico?
Minha mente vagava, tentando conectar a informação. Jeferson caminhou até o meio da sala e acendeu a luz principal do ambiente. Na claridade, olhei pela última vez para aqueles olhos enormes e verdes do outro lado da sala . Eles lentamente se moveram, suavemente, pouco antes das pálpebras descerem, aqueles olhos fixaram-se em um novo ponto. Na barriga furada de Enoque. Acompanhei aquela direção, voltei minha visão para Barbara e acima de sua cabeça loira, num dos trincos do espelho, brilhou o cano de um revolver, saindo debaixo do braço direito do cadáver obeso.
— Saiam daí. Vai atirar, ele está…
Uma chuva de balas varou a sala. Jeferson havia se jogado no chão e o detetive Camelo pulado para fora. O espelho finalmente vinha ao chão com seus milhares de cacos. Empunhei o revolver novamente e disparei três tiros nas costas da poltrona de couro. O show acabava ali. Logo entraram uma multidão de policiais e detetives.
— Venha, Jeferson. Levante-se. Hoje foi seu dia de sorte.
Foi preciso quatro homens para levantar o cadáver de Gregori Náfilas Enoque. A cena era feia. O marido, absurdamente marido daquela estrela, era um homem mirrado, violentamente feio e destripado pelos meus três tiros. Justo. Jeferson o descolou do couro, banhado em duplo suor, dele e do seu escudo humano.
— Que ideia, hein, Chico? Esconder-se na bunda de um gordão. Porra, vemos de tudo nessa profissão.
— Na sua profissão, Camelo. Na minha, não.
Ele apertou meu ombro com camaradagem.
— Você até deu tiro hoje, Chico. Que eu saiba, na sua vida, só tinha disparado outras quatro vezes.
— Imagina, cara. — Ri sem graça, correndo os olhos pelos policiais que faziam o isolamento da cena. — Foram apenas outras duas vezes.
— Contando com o ascensorista?
Rimos juntos.
— Ah, sim. O ascensorista será agora na descida.
Grande conto.
Já está entre os meus 3 melhores, brigando feio pela primeira colocação.
Achei descrições espetaculares, detalhista sem ser maçante. Pelo contrário, contribuiu bastante para a minha imersão na história. E que história!
Parabéns.
Parabéns pelo conto. Não me agradou muito, mas com certeza foi uma boa leitura. O que me incomodou foi o ascensorista ter entregado toda a trama…gostei dos momentos de ação.
Bem envolvente e muito bem escrito. Prendeu minha atenção o tempo todo. Parabéns!
Gostei do conto, especialmente das cenas de ação no final. Mas também achei um pouco confuso, tortuoso em algumas partes, faltando uma pequena revisão. Mas no geral o autor está de parabéns!
Nesse desafio, resolvi adotar um novo estilo de feedback para os autores. Estou usando uma estrutura padronizada para todos os comentários (“PONTO FORTE” / “SUGESTÕES” / “TRECHO FAVORITO”). Escolhi usar esse estilo para deixar cada comentário o mais útil possível para o próprio autor, que é quem tem maior interesse no feedback em relação à sua obra. Levo em mente que o propósito do desafio é propriamente o aprendizado e o crescimento dos autores, e é isso que busco potencializar com os comentários.
Além disso, coloquei como regra pessoal não ler nenhum comentário antes de tecer os meus, pra tentar dar uma opinião sincera e imediata da minha leitura em si, sem me deixar influenciar pelas demais perspectivas.
Dito isso, vamos aos comentários.
PONTO FORTE
Gostei muita da ação no conto. Os tiroteios no final foram frenéticos, e o esconderijo do vilão foi bastante inesperado. Também achei bacana o protagonista ser um oficial de justiça (não costumo ver muitos contos que tenham oficiais de justiça como protagonistas). A letra de música ficou muito bacana!
SUGESTÕES
Achei a maneira como alguns diálogos foram apresentados um pouco bagunçada. Não consegui captar direito quem estava falando em alguns casos (tive que reler), e em outros tive dificuldade em discernir o que era diálogo e o que era narração (como no parágrafo que inicia com “Ele parecia ter se atrapalhado com minha interrupção”). Isso dá pra corrigir fácil, mas é o que tenho a sugerir.
TRECHO FAVORITO
“Eu sei que está lá, o olho é a alma, a calma perdida, agora partida, aos cacos ferida. Me olhe, me olhe, não esqueça que a vida o vento assovia, sorria, sorria, sorria.”
OOOO Seu sistema de comentários é perfeito. Vou adotar tbm. Pode? Em outro concurso, senão vou entregar a autoria neste rs. É muito sério isso, acho que o sistema q vc bolou é o q faltava. Valew pelo comentário! o/
Parabéns pelo texto! Gostei bastante. A trama “clichezão” não me agrada muito, mas não tira o mérito do autor, que conseguiu fazer um bom texto “noir”! Abraço!
Belo conto. Me prendeu até o final. Parabens!
Um excelente conto! Ele é a essência do estilo Noir. Os personagens estão muito bem caracterizados, a trama e o detalhamento do cenário são os destaques do texto. Alguns trechos ficaram meio vagos, entretanto, eu entendo que é muito difícil explanar de forma concisa com delimitações de caracteres. Parabéns ao autor.
O conto é bom, apesar de confuso em alguns trechos, prende a atenção com a criação de lugares sombrios e personagens bem construídos. Gostei da inserção das cantoras como musas noir, só achei exageradas as letras de músicas. Notei que a palavra rosácea foi empregada de forma equivocada, já que não significa rosada, e sim uma doença. Não está entre meus preferidos, mas é uma boa trama.
Tem que ler cantando (as letras) hehehe
Pô, gostei muito desse conto!
Ter um personagem central que te dá vontade de acompanhar é talvez a chave mestra para um conto nesse gênero. E eu teria gosto de acompanhar o Chico por várias outras páginas.
Gostei também do estilo de escrita. A maneira como as coisas são vistas e descritas, os diálogos, os momentos heroicos/patéticos do protagonista. Enfim, da tecitura do conto em si.
As inserções do time de cantoras e letras de músicas imaginárias deram um tempero interessante à narrativa.
Por fim, gostei da situação maluca do final. É inverossímil, mas é exatamente o desfecho que pede o espírito do conto.
Como ponto negativa, apenas a palidez do noir na trama. Mas indubitavelmente este conto estará entre meus favoritos.
Parabéns ao autor. =)
Gosto de contos que criam pequenos “universos” particulares, feito neste, com a citação de nomes de cantoras inventados, letras de música e etc. Há algumas falhas, feito a já citada “procuração” e o controverso porte de arma do oficial.
Achei um tanto confusa toda cena da entrada no prédio até a chegada na sala onde o oficial encontrou o gordo e a cantora baleada.
Há um humor ácido bacana, que dá certo clima ao texto, há tbm algumas descrições inspiradas. Somando prós e contras achei um conto bom.
Poderia ter sido um ótimo conto não houvesse os tropeços de ordem legal. No conteúdo geral passariam desapercebidos exceto a um time de comentaristas atento. Bem trabalhado este conto pode vale a pena como um bom fato policial.
Pô, tbm acho. Ele já está sendo lustrado em seus pequenos ajustes e está maravilhoso. hehehe Obrigado.
Não me incomodei com o Oficial de Justiça e até admiro o fato de querer buscar algo diferente. Não intendo muito da profissão para julgar se houveram ou não furos, então apenas posso dizer que gostei da ousadia.
Mas alguns trechos no conto me desagradaram, pois tive que voltar a leitura uma ou duas vezes para buscar entendê-los. Isso quebra o ritmo. Boa sorte!
Fora o início que foge da realidade, de poucos momentos de humor, vi um bom texto… Não podemos nos esquecer que pesquisas eletrônicas na internet perdem o calor humano…
Poucos momentos de humor?
Isso é (ou devia ser) um conto “noir”, cara.
Creio que o autor soube utilizar bem o limite de 3500 palavras, concentrando o conto em um só ato. Gostei da tensão gerada e do suspense que, por vezes, permeia o texto. Gostei principalmente da descrição da femme fatale do conto – para mim, até agora, este texto foi o melhor nesse quesito.
Todavia, receio que a utilização de um oficial de justiça para inovar a narrativa (uma clara tentativa de fugir do lugar comum que caracteriza a literatura noir) não se revelou apropriada. Com o sumiço do detetive perdeu-se o apelo natural que esse tipo de trama normalmente oferece. Ninguém “torce” por um oficial de justiça (até por desconhecimento das dificuldades da profissão, mas isso é outra conversa). O que eu quero dizer é que a utilização de um detetive durão – ainda que um clichê típico – cairia melhor na história.
Demais disso – e agora vem a parte chata de minha crítica – oficiais de justiça não têm permissão para portar armas. Do mesmo modo, não entregam “procurações judiciais”, como consta do primeiro parágrafo. Acho que se a ideia é manter o protagonista como tal, ou seja, como oficial de justiça (ao invés de um detetive), é válido pesquisar um pouco mais sobre essa profissão muitas vezes ingrata, especialmente no que diz respeito ao trabalho conjunto com a polícia – algo que só ocorre mediante autorização do juiz da causa.
De todo modo, um bom conto. Uma boa história.
Tendo em vista que o termo “oficial de justiça” funciona como um arco para funções, sim eles saem para entregar, no caso do conto, intimações. E sim, eles podem “”””conseguir”””” um porte de arma. Há meios para se conseguir um porte de arma. Mas como posso ir até tão longe como vc parece querer “de ter que esmiuçar no conto o trâmite de um velho oficial para conseguir seu porte”, além de não ter dado importância se aquilo é ‘legal’ ou não. Enfim, vou discordar, não por não aceitar criticas, rs, oras. Discordo pq pelo que estudei brevemente, neste link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Oficial_de_justi%C3%A7a
Vi o leque se abrindo e a função:
“É comum se dizer, no âmbito jurídico, que o “Oficial de Justiça” é a longa manus do Magistrado, ou seja, as mãos do Juiz. Isso porque é ele quem executa, de forma efetiva e material, as determinações que o Juiz registra no mandado. É esse servidor executante de mandados quem transforma as palavras do Juiz em ações concretas, visando a efetivação material por meio do processo.
Trata-se do cargo mais importante na classe dos serventuários da justiça, uma vez que, se o Analista Judiciário – Execução de Mandados Portanto, está é a nomenclatura especifica da função, dentro da carreira, dentro do cargo “oficial de justiça”. Então, posso mudar posteriormente e especificar ainda mais.
Agora, só uma última coisa, não foi inovar, o intuito de colocar um oficial de justiça. Não sei como as pessoas criam histórias, mas dentro de minha cabeça, o desenrolar da história só poderia ter um gatilho efetivo caso um oficial de justiça tivesse q entregar o papel na hora certa. Basicamente isso foi que guiou os elementos.
Fontes aqui tbm:
http://www.infoescola.com/profissoes/oficial-justica/
No mais, obrigado pela leitura.
Também outra coisa que trocarei, vou especificar que a entrega é de uma “citação por mandado”. Salvaguardando a realidade do conto. Acho q fica melhor. Hum, olha aí, pequenas melhoras!!! Onde escrevi intimação no comentario acima, errei: procuração. ufa…termos e termos…
Pois é, foi justamente isso que me chamou a atenção num primeiro momento: a confusão entre “procuração” e “intimação”. Oficiais de fato entregam intimações, mas procuração é outra coisa, bem diferente: é o documento em que uma pessoa outorga poderes a outra. É a ferramenta de que os advogados se utilizam para agir em juízo em nome daqueles que os contratam. Nada a ver, percebe-se, com as missões desempenhadas por oficiais de justiça.
Bom, sem querer entrar em tecnicismos, mas com o intuito de ajudá-lo a aprimorar o lado jurídico de seu conto, não acho muito confiável a utilização da Wikipedia como fonte de pesquisa séria. Nessa questão do porte de arma, p.ex, o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) é o que deve servir de base para o aprofundamento correto – a meu ver – da questão. Esse diploma legal, repare, deixa o oficial de justiça de fora do rol de servidores públicos que têm direito a andar armado, conforme dispõe seu art. 6º. Logo, não poderiam andar armados…
Claro, é possível considerar, como vc disse, que a arma foi obtida por “outros meios”, e que não valeria a pena citá-los, especialmente considerando o limite de 3500 palavas. Isso desvirtuaria o conto, concordo plenamente. Porém, uma alusão à obtenção ilícita da arma poderia suprir essa lacuna. Em uma ou duas linhas, o protagonista comentaria que para missões de alto risco, o melhor seria confiar em si mesmo e em sua pistola, mesmo que seus superiores não concordassem. Algo assim. Acho que isso ajudaria a moldar a face humana do seu protagonista, mostrando-o como um sujeito com qualidades mas tbm com defeitos.
Por fim, respeitando totalmente sua opção por ter escolhido um oficial de justiça, deixe-me dizer que o “gatilho efetivo para entrega do papel na hora certa” poderia ser obtido com a necessidade de investigadores em promover um flagrante. Isso os obrigaria a estar no local certo, na hora certa, com todo o desencadeamento formulado por vc.
Sim, sim. Bom, hora dos ajustes! 🙂
Acho que algumas passagens obscuras interferiram no entendimento da sequência de acontecimento, deixando o conto um tanto confuso a ponto de me ver voltando no texto várias vezes para tentar entender o que estava acontecendo. Foi bem escrito, sem dúvida, tem características noir … mas precisa ser melhor trabalhado. Agora, o que pegou para mim foi substituir o tradicional detetive por um … oficial de justiça … não acho que foi uma boa estratégia.
Pô, que pena. Qual passagem achou ‘obscura’? Gostaria de ler ela pra ver se posso mudar a abordagem. Pois as vezes pode ser mesmo ou pode ser uma questão pessoal. Agradeço se puder explicitar.
Narrativa em primeira pessoa e contos policiais noir são como queijo e goiabada. São amor. ❤
Por favor, leitores, a concordância daquela parte já está devidamente posta e oportunamente respondida. Obrigado pelos comentários e que venham mais.
É sempre um desafio perigoso escrever na primeira pessoa, mas acho que o autor conseguiu vencer qualquer obstáculo nesse quesito. Apesar do desconforto com a concordância no plural para multidão (controversa), de resto achei a leitura fácil. Boa sorte!
Esse conto só tem dois erros de linguagem, uma simples vírgula e uma concordância verbo-nominal (esta controversa, embora eu sempre use diferente do que o autor usou).
Mas eu não o achei tão bom. A linguagem é um tanto seca demais, apesar da criatividade da cena. Talvez numa terceira leitura eu me descubra gostando mais do conto em si, porque da história eu já gosto de graça.
Foi muito bem escrito, e como foi dito pelo Ricardo Gnecco, narrativas em primeira pessoa são difíceis, mas você conseguiu passar isso de um forma onde todos possam experimentar das emoções da personagem, e da situação.
Parabéns!
Este/conto/está/muito/bem/escrito! 😀
Tiro o chapéu para quem consegue passar a sensação de estar bem à vontade escrevendo na primeira pessoa. Em momento algum da leitura senti-me de fora da trama e, mesmo com o final “clássico”, nem a piadinha infame conseguiu me fazer “desgostar” do conto.
Parabéns pelo domínio da pena e pela ótima escrita! 🙂
Inclusive, vou aproveitar o espaço para questionar sobre uma dúvida gramatical que fiquei durante a leitura e que adoraria que algum dos nobres colegas de pena daqui me ajudassem na resolução.
Em uma passagem deste (exímio) conto, consta a seguinte frase:
“Logo entraram uma multidão de policiais e detetives.”
Creio que, gramaticalmente, o verbo “entraram” possa estar se adequando ao “e” existente entre “policiais E detetives”. Contudo, se “a” multidão é apenas “uma” (mesmo contendo policiais “E” detetives), não cairia melhor ao verbo aproximar-se mais da multidão e transformar-se em “entrou”…?
Exemplo: “Logo ENTROU uma multidão de policiais e detetives.”
Alguém me ajudaria…???
Desde já peço desculpas ao autor pelo “aluguel” do espaço e agradeço aos nobres colegas! 🙂
Abrax!
Rick, acho que essa explicação aqui ajuda:
Se o verbo estiver distante do sujeito coletivo, ou se este vier seguido de palavra que mencione os elementos nele contidos, poderá o verbo ir para o singular ou para o plural, conforme se queira destacar mais a ideia de todo ou a presença dos elementos que compõem o sujeito coletivo.
Exemplos:
O grupo de pivetes fugiu correndo, mais adiante, porém, foi preso (ou foram presos).
Um bando de pardais pousou (ou pousaram) naquela árvore ali.
Nesses dias modernos, uma imensidade de problemas nos aflige (ou nos afligem).
Uma turma de meninas cantava (ou cantavam) alegremente no clube.
Um milhão de jovens participou (ou participaram) da passeata.
Fonte: projetosat.com (mas já vi em outros lugares, inclusive gramáticas “físicas” falando sobre isso =D).
Eu usaria o verbo na terceira pessoa do singular – ENTROU – concordando com o sujeito (uma multidão). Multidão é coletivo, mas substantivo singular. Uma multidão entrou.
Valeu Bia e Claudia! (Ou será “valeram”?) Rs! 🙂
Eu sei que a frase está correta… É que, como a Claudia também confirmou isso, soa tão mais natural aos meus ouvidos o verbo no singular, concordando com a multidão… Mas, enfim, em nosso querido e belo “Portuga” existem muito mais coisas do que pode supor a nossa vã filosofia! (rs!)
Obrigado mais uma vez pela interação – e que o autor nos desculpe pelo alugue de seu espaço! Hauhauhauaau!
Abrax!
😉