Aquele não foi meu primeiro caso. Já tinha certa fama na cidade, uma reputação, por assim dizer. Sabe como é: interior de Minas, todo mundo se conhece, é meio aparentado.
Era uma época difícil: a inflação corria solta, a gente comprava um pãozinho pela manhã e, à tarde, o preço já era outro. Loucura.
Devia ter meus quatorze anos e estudava na melhor escola do lugar. Não que isso tenha me valido grande coisa, como você pode notar. Os pais sempre acham que a educação dos filhos é a coisa mais importante, certo? De qualquer forma, os muros pichados e as carteiras em frangalhos demonstravam como a situação estava ruim. As únicas pessoas que me pareciam verdadeiramente felizes eram as professoras. Talvez por causa dos empregos públicos.
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Este conto faz parte da coletânea “Devaneios Improváveis“, Primeira Antologia EntreContos, cujo download gratuito pode ser feito AQUI.
Como da última vez, vou sintetizar as respostas num único comentário, para simplificar. Ah! E obrigado a todos que leram, comentaram e/ou votaram!
Bem, eu tentei me distanciar um pouco do clichê névoa/detetive-anti-herói/mulher fatal/investigação. Mas fazer isso deslocaria qualquer conto para longe da classificação “noir”. A solução então foi parodiar o gênero. Como tenho uma menina que acabou de descobrir a “Série Vaga-lume” (deixando examplares espalhados pela casa toda), fiquei encarando “Um cadável ouve rádio” e “O escaravelho do diabo”, lembrando como havia sido legal ler aqueles livros e… PAM! Tela azul. Por que não escrever um “noir juvenil”?
A outra metade da ideia, a “Loira do Banheiro” apareceu logo depois, numa discussaõ entre amigos sobre como a ciência explica algumas lendas urbanas e crendices… e falamos, justamente, da tal moça. Daí para a frente, a coisa tomou corpo.
Alguns pontos bacanas que podem ter passado despercebidos para alguns:
* o texto é, na verdade, um monólogo de Renner, dirigido à sua “vítima”, que já está presa do outro lado do espelho;
* a fantasia da Hannah, o vestido com a etiqueta “Gilda”, é referência direta ao filme homônimo, estrelado pela fabulosa Rita Hayworth;
* A rainha inglesa Maria I ficou conhecida como “Bloody Mary” por perseguir (e executar) protestantes. Foi casada com o rei de Portugal e Espanha, Filipe. E “Bloody Mary” é como os estadunidenses chamam nossa simpática loira;
* não havia uma forma “aceitável” ou “politicamente correta” de fazer os protagonistas fumarem. E o cigarro é clichê no tema “noir”. Daí, a solução foi causar um câncer de pulmão na pobre bibliotecária.
Quanto ao comentário final “Te vejo daqui a trinta anos, boneca!”, acho que se encaixaria melhor se eu tivesse levado a cabo a ideia de fazer nosso paciente Renner perseguir Hannah, depois de cozinhar sua vingança por trinta anos. Daí, ele poderia supor que a jovem Allylla faria o mesmo, no futuro…
E, por fim, o “furo” relatado pelo Davide: trinta anos é muito tempo. Dá para se aprender qualquer língua, especialmente com “janelas” para milhares de residÊncias em qualquer país. É praticamente um curso de imersão extremamente longo. 🙂 Hannah, então, depois de escolher sua vítima (e aprender a língua nativa) apareceu “do nada” na casa dos pais. A mãe teve um AVC, o pai entendeu a história e tratou de trazê-la para a cidade do Renner, passando antes pela capital (há trinta anos, talvez nem BH tivesse um consulado francês), para “acertar os papéis”.
A matrícula na rede pública de ensino, AINDA HOJE, é facilmente conseguida, especialmente para alunos “especiais”, que vieram de outra cidade ou país. Os detalhes da transferência podem levar mais de noventa dias e Hannah poderia enrolar a diretora, já que concluiria seu plano em menos de uma semana. Não valia a pena explicar no conto, porque seria só mecânica, sem avançar a história.
É isso. Mais uma vez, muito obrigado a todos! E vou levar as críticas muito a sério, para melhorar no próximo desafio!
Genial!
Usou o gênero de uma maneira muito criativa e achei bem escrito. Um dos melhores que li. =)
Só acho que peguei um “furo”. Se a Hanna vinha da França (quando ainda era criança) como ela aprendeu a falar português e, mais importante, como ela conseguiu se fazer passar por uma aluna? Afinal, como foi estabelecido no início do conto, a história se passa no interior de Minas, e acho que ela teria tido bastante dificuldade com essa situação.
Mas é algo até bem fácil de explicar! Apenas poderia ter sido mencionado dentro do conto.
PS: Naquele diálogo da Hanna explicando tudo pro Renner, use aspas no início e fim de cada parágrafo, para indicar que é ela que continua falando.
Excelente conto, original, mas na minha opinião faltou o clima de um conto noir.
Ahhhh! Adorei!!!!!!! Parabéns!!!
Nesse desafio, resolvi adotar um novo estilo de feedback para os autores. Estou usando uma estrutura padronizada para todos os comentários (“PONTO FORTE” / “SUGESTÕES” / “TRECHO FAVORITO”). Escolhi usar esse estilo para deixar cada comentário o mais útil possível para o próprio autor, que é quem tem maior interesse no feedback em relação à sua obra. Levo em mente que o propósito do desafio é propriamente o aprendizado e o crescimento dos autores, e é isso que busco potencializar com os comentários.
Além disso, coloquei como regra pessoal não ler nenhum comentário antes de tecer os meus, pra tentar dar uma opinião sincera e imediata da minha leitura em si, sem me deixar influenciar pelas demais perspectivas.
Dito isso, vamos aos comentários.
PONTO FORTE
Sacada genial a de misturar o Noir com um ambiente colegial. Quem nunca brincou que era detetive quando criança? Eu adorava, e me identifiquei muito. Também gostei da maneira como as crianças foram desenvolvidas. Nem todo autor consegue lidar com protagonistas mirins sem idiotizá-los. Não sei se é por eu ter sido um pirralho meio precoce, mas consigo imaginar o “Andrey de 14 anos” lendo isso e se identificando, sem sobressaltos.
SUGESTÕES
Sugiro que o nome do protagonista seja apresentado antes da revelação de que o ritual exige um palíndromo. Seria uma dica gratuita que dificilmente iria entregar o final, mas que aumentaria o impacto da revelação, na minha opinião. Adicionar pelo menos mais um trecho referenciando o fato de que o narrador dirige a história a uma mulher (além do “não que a sua não seja incrível também, mas a dela era simplesmente perfeita”) também complementariam melhor a revelação final de que o Renner estaria a contar aquilo para sua vítima.
TRECHO FAVORITO
“Débora era dessas pessoas rancorosas, que sempre enxergam o pior dos outros. Não sou psicólogo, mas acho que isso revelava muito sobre ela.”
Brilhante! Um mundo adolescente “em forma” de adulto. Gostei muito deste conto! Desde a ambientação, os personagens e a inserção de lendas, acredito eu, conhecidas por muitos de nós. O conto soa inocente com uma pitada de malícia. Quem de nós, quando crianças, nunca imaginou o nosso próprio mundo? Um mundo em que somos protagonistas? Mais um para os meus favoritos!
É um dos contos que me lembra como é alto o nível do desafio. Gostei do humor leve construído pela narrativa do jovem detetive. Ponto muito positivo também aos personagens, com um background muito bacana, tendo em vista a limitação de palavras. Uma perspectiva muito interessante de um Noir.
Enfim, um excelente trabalho. Parabens!
Gostei muito. Achei legal essa passagem de um noir para o clima escolar, o detetive mirim é um personagem cativante, assim como Hanna (belo nome). De dessalva, deixo somente a sugestão de inclusão de alguns elementos macabros antes da metade do texto, para já ir criando um clima de tensão, que, até por isso, seria ampliado no final, que é muito bom.
Este conto é uma prova de que o clima “noir” pode escapar do paradigma bar, meia-luz, cigarro, fumaça, detetive gótico ou “dark”, “femme fatale” e outros aos quais associamos o tema. Impecável no desenrolar, na exploração das situações e da linguagem juvenil. Obrigado ao autor pelo brinde agradável. Parabéns!
Esse conto me deixou um tanto… desconcertado.
Acho que de todos os cenários possíveis o último que me passaria pela cabeça seria um noir adolescente.
Pensando bem…não. O último cenário que me passaria pela cabeça seria um noir com a loira do banheiro!
E o mais bizarro é que essa mistura ficou boa, rs.
Ok, a atmosfera noir ficou meio pálida no texto. Mas o conto funciona como uma espécie de sátira ao gênero. Tem alguns elementos que costumam compor o cenário noir pincelados pelo texto, que reforçam bem esse clima de paródia. Destaque para o clássico ventilador rodando devagar.
O clima infanto juvenil foi muito bem construído. Achei excelente esse trecho: “A mente de um garoto pode ser uma máquina formidável quando quer. Eu e ela, sozinhos no banheiro feminino, à noite… poderia acontecer de tudo. Ainda não sabia exatamente o quê poderia ser “tudo”, mas o que viesse já seria lucro.” Muito bom.
Só uma coisa me incomodou na trama: por que a Hannah não deu um jeito de empurrar o Renner no espelho quando a Débora saiu correndo de lá? Ok, a Débora ia chamar um monte de gente pra lá. Mas deu tempo de ela apagar o nome, explicar a lenda para ele e ainda ouvir a teoria dele sobre ser a Débora a autora do “crime”. Então ficou meio ilógico ela não aproveitar logo a oportunidade.
Não gostei muito do título. Acho que seria mais legal descobrir do que se trata o texto durante a leitura. Mas sou péssimo com títulos, então não tenho moral nenhum pra falar, hehe.
De qualquer forma, é um bom conto. Divertido, prazeroso de ler. Gostei sobretudo da ousadia de subverter o gênero. E de usar a loira do banheiro. É uma lenda tão tosca que é muito difícil utilizá-la sem ficar ridículo. Falo por experiência própria, inclusive. Uma vez fui tentar brincar com ela e falhei miseravelmente, rs. E você conseguiu fazer a coisa funcionar muito bem.
Parabéns! 🙂
Nota 8,75! kkkk! Achei um “ninho” de cobras na internet.
Eu gostei muito do conto, mas sem querer ser chatão, e já sendo, não tem muitas características Noir. Na minha cabeça, existem certos aspectos que os contos precisam ter, mesmo aqueles mais inovadores, para entrarem no tema. No entanto, ler bons textos sempre é um prazer. Eu curti muito e achei a ideia de botar um Detetive estudante bem bacana, estilo filmes da sessão da tarde ou cinema em casa. kk..massa. Parabéns. 🙂
Gostei do detetive teen e achei a trama bem bolada e divertida. Recordei de antigos livros da Coleção Vagalume. Trazer a Loura do Banheiro e palíndromos numa mesma história me fez suspeitar sobre quem seja o autor.
Faltou, no entanto, mais clima noir.
De qq forma, um conto muito bom!
Achei a história bem bolada. A personagem da Hannah era um pouco previsível e, de fato, algumas passagens podiam ter sido melhor elaboradas. Não acho que o final tenha sido desnecessário, mas poderia ter sido mais sombrio, mais detalhado. Gostei muito do ambiente da escola, do detetive juvenil, e acho que você tinha um material aí muito rico pra elaborar coisas, mais detalhes, da vida, do ambiente escolar, dos amigos, amigas, professores etc. De qualquer forma, é um ótimo conto! Muito criativo. Parabéns!
Criativo e bem executado! Leitura prazerosa e diversão garantida. Parabéns!
Muito bom! Achei legal essa mistura terror de lenda urbana com Noir.
Bem escrito e a leitura foi tão fluída que eu nem percebi.
Parabéns!
Esse é um daqueles contos que gostaria de ter escrito. Genial misturar noir com uma lenda urbana … muito divertido, bem escrito, interessante. Até o momento o melhor que foi postado no desafio, sem sombra de dúvida.
Adorei! Muito, muito bom mesmo!! Um cenário diferente do esperado, com personagens diferentes do esperado, explorando algo inesperado rsrs’
A ideia do palíndromo foi muito interessante! Parabéns!
Bem criativa a ideia de colocar essa lenda da Loira – , uhhh, dava arrepios – e salpicar o texto de elementos associados ao tema. A narrativa é leve, despretensiosa e como o Gustavo reforçou, esse enfoque infanto-juvenil acaba por dar uma qualidade a mais ao texto.
Apreciado!
Eu gostei de tudo aqui. Da estrutura do texto, dos diálogos, da narração… Da lenda urbana, do espírito infanto-juvenil… Tudo na medida certa. Esse é um dos contos que gostei mais.
Conto bem montado, que mesmo pegando carona em uma lenda urbana bastante conhecida conseguiu dar a ela uma leitura criativa e original. Essa ideia dos palíndromos ficou perfeita. Gostei bastante. A narrativa também é prazerosa, como se lêssemos algo dedicado ao público infanto-juvenil, e isso é, para mim, uma qualidade e tanto. Do mesmo modo, achei bem sacada a ideia de fazer do detetive necessário num conto noir um adolescente. Isso abriu caminho para que a história fosse explorada de maneira peculiar, destacando-se de outras no desafio. Como pontos passíveis de aperfeiçoamento, eu indicaria a supressão de alguns trechos no início, onde o narrador-protagonista dirige seus pensamentos ao leitor com o incômodo “não é?”. Também suprimiria o último parágrafo – a meu ver desnecessário. No geral, enfim, é uma ótima leitura. Parabéns.
gostei muito. bem escrito, prende a atenção. parabens!
Ontem mesmo revi um episódio de Ghost Whisperer que tratava do tema Bloody Mary. A lenda urbana da loira do banheiro revisitada. Prendeu minha atenção e me fez lembrar dos tempos de escola. O lance do palíndromo também ficou legal por causa do jogo de espelhos. Gostei!
Muito bom! 🙂
Mais um conto que levou meu “like”!
… Pra dentro do espelho!
😉