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Detox Literário.

Capitu (Claudia Roberta Angst)

Logo que Waldo atravessou a rua, deparou com o animal. Já há alguns dias, aquela pequena felina rondava o cemitério. Ele a olhou com certa inquietação e se pôs a acelerar os passos. Não era aquela, mas em muito se assemelhava à verdadeira. Ele não tinha mais em mente a intenção de rezar pela mãezinha há meses falecida, mas somente o seu plano, estranho e urgente. Entrou no cemitério com passos largos quase em marcha. Não prestou atenção aos vários monumentos e lápides quer emprestavam poesia mórbida ao local. Tudo parecia um enorme cenário de filme abandonado, com direito a fantasmas e sustos pelos cantos.

Ao se deparar com o túmulo da mãe, percebeu um tremor percorrer seu corpo franzino. As flores murchas emprestavam um ar de desolação ao retrato desgastado de D. Júlia. Pétalas caiam sobre a lápide escura como lágrimas perdidas no tempo. Trocou as flores pelas frescas que trazia. Rosas amarelas, as preferidas da mãezinha. Juntou as flores murchas com as pétalas e começou a formar um bolo de recordações. Tudo parecia tão recente e doloroso. A morte da mãe, o desaparecimento daquela… Era melhor não se perder naquelas lembranças. A teia de aranha seria maior e mais forte dessa vez.

Saiu quase correndo dali, tropeçando nos próprios pensamentos. Encontrou Glicério junto ao portão.

− E então?

− Nem sinal.

O diálogo já revelava tensão. O céu parecia entender e estendia nuvens pesadas sobre os dois personagens daquela peça tétrica. Waldo apenas fazia perguntas de forma automática e não parecia muito satisfeito com as respostas obtidas. Quando havia respostas. Nem sempre o homem simples, sem grande entendimento, prestava atenção ao que ele dizia.

Às vezes, parecia nem existir, só figurar quando necessário através de seu corpo pesado e lento. − Eu a quero morta e hoje. Glicério afastou-se alguns passos, entre assustado e admirado com a determinação . Não entendia o porquê daquela perseguição. Apenas obedecia fielmente as instruções do professor. Ele era tão inteligente, devia saber o que estava fazendo. Ao fim daquele segundo mês de perseguição, Glicério já não podia conter a curiosidade. Afinal, o que levava Waldo a pensar que a morte da gata resultaria em algo bom? Temia, contudo, a reação explosiva do professor.

Tentou então, encontrar um meio de questionar a existência daquele ódio tão enigmático. − Mas, afinal, Professor, por que essa gata te perturba tanto? − Ela é Capitu. A resposta era sempre a mesma por mais que Glicério mudasse a formulação da pergunta. Sempre as mesmas três palavras. Os olhos de Waldo brilhavam de forma intensa, cega e louca. Entre dúvidas e poucas respostas, Waldo e Glicério continuaram com a busca. Havia sede de vingança sem que houvesse um crime punível. Glicério já não se espantava com a determinação do professor.

Considerava tudo uma brincadeira qualquer, um jogo de investigação, coisas de um intelectual frustrado. Uma tarde, Waldo apareceu subitamente na casa de Glicério. Parecia agitado e febril. Não quis entrar, apenas chamou o amigo para fora. Estavam atrasados e Glicério perguntava-se para o quê e porque. Há muito não mais fazia perguntas. Estavam naquilo há três semanas. Após longos minutos, Waldo e Glicério chegaram ao cemitério, que mais lembrava um descampado abandonado. Estavam ambos calados diante da noite que tingia tudo de luto.

− Será hoje!

− Hoje?

Waldo sorria com os olhos brilhantes e notava divertido o espanto de Glicério. Sorria mostrando toda a sua loucura em dentes e olhos. Logo desviou o olhar para o lado. Lá estava Capitu, negra e felina. Seus grandes olhos verdes também brilhavam.

− Agora!

Glicério assustou-se. Cego pela obediência, agarrou o pequeno felino com suas mãos grossas e pesadas. O pelo negro parecia queimar sob seus dedos.

− Então, Capitu, finalmente nos encontramos!

Imediatamente, o professor tirou o canivete de seu bolso. Era uma arma simples, mas perigosa. A lâmina brilhava contra a luz do luar.

− Não vai fazer isso, não é?

− Não. Você o fará.

Glicério quis fugir. Talvez fosse melhor largar o animal lá mesmo e correr. Waldo jamais o alcançaria. Pretendia correr, mas por uma razão desconhecida, tomou o canivete das mãos do professor. Em menos de um minto, ouviu-se um gemido alto e felino. − Por que, Professor? O professor não pôde responder. Caiu de joelhos diante do animal inanimado. Parecia rezar e , ao mesmo tempo, entoar uma cantiga de ninar.

− Por que, Professor? Por que?

Quando Waldo levantou o rosto, a luz bateu em seus olhos escuros. Esses já não brilhavam tanto. Pareciam sorrir tranquilos e doces, apesar das lágrimas.

− Conhece a razão.

Glicério procurou entender o que aquilo significava. Todo aquele sangue, toda aquela loucura derramada. O professor, a gata e a morte. Parecia-lhe sacrifício inútil. O seu próprio sacrifício. Não estava satisfeito. Não poderia estar.

− Por favor, Professor, diga a verdade. Por que queria esta gata morta?

Waldo deu uma última olhada no quadro criado pela noite e levantou-se. Já não tremia tanto. Os olhos enjeitados, vermelhos sem rumo. Sorriu para o amigo e em seguida, deu-lhe as costas como se um enterro acompanhasse em silêncio. Apenas, virou-se por um segundo ou dois para encontrar Glicério de joelhos quase a implorar por uma resposta. Lançou sua voz arrastada e fúnebre como a noite.

− Ela era Capitu.

20 comentários em “Capitu (Claudia Roberta Angst)

  1. Claudia Roberta Angst
    29 de setembro de 2013
    Avatar de Claudia Roberta Angst

    Conto trabalhado às pressas, sem a devida caracterização dos personagens. O título remete logo à Capitu de Machado de Assis, o que de fato é só coincidência. Intenção de causar estranhamento mesmo às custas da qualidade do texto. Nem tudo é para ser entendido, talvez só despertar o que ainda está por vir.

  2. vitorts
    28 de setembro de 2013
    Avatar de vitorts

    Sabe aquelas piadas que, depois do interlocutor terminá-la, fica todo mundo aguardando a continuidade inexistente? Então…

    Não sei se esse non-sense foi proposital ou não, mas não gosto de ficar nesse alheamento.

  3. Fernando Abreu
    28 de setembro de 2013
    Avatar de Fernando Abreu

    Olha, não gostei. Acho errado falar assim de um texto, mas não me sobrou outra alternativa. Sempre tento relevar alguns aspectos, exaltar outros. Mas não encontrei nada. Uma coisa é certa, causa uma sensação estranha ao final. É. Está aí um aspecto bacana.

  4. Diogo Bernadelli
    26 de setembro de 2013
    Avatar de Diogo Bernadelli

    Eu não sei o que dizer… não há traço técnico algum… o texto despretensioso já, desde o início, era promessa de coisa nenhuma e, no final, tal suspeita se revela uma terrível verdade… E, mesmo assim, parece conservar valor. Não como texto; como experiência. Eu seria incapaz de dizer que não gostei do que acabei de… presenciar.

  5. Maria Inês Menezes
    26 de setembro de 2013
    Avatar de Maria Inês Menezes

    Começou bem mas fiquei sem entender a razao para a morte da pobre gata. Só por ser Capitu? Final sem um propósito

  6. Sandra
    24 de setembro de 2013
    Avatar de Sandra

    Ambiente mórbido, doentio muito bem construído. A leitura prende, mas a curiosidade transborda: quem era Capitu? Qual o motivo de Waldo sustentar essa fixação? Quis nos arremessar na mesma escuridão, abismo impostos pelo Machado? Talvez, uma pistazinha nas entrelinhas desmanchasse a ânsia desses por quês…

  7. Bia Machado
    24 de setembro de 2013
    Avatar de Amana

    hahahahaha, gostei da narrativa, cara, saí zonza disso tudo aí! Acho que agora vou dormir, com essa imagem do cara repetindo: “Ela era Capitu”, haahha… Não é possível que alguém tenha escrito um conto desse tipo sem um motivo pra esse clima todo de nonsense… Depois quero saber! 😛

  8. piscies
    23 de setembro de 2013
    Avatar de piscies

    Como todos já falaram: viajei. Não entendi o sentido do conto. Mas gostei da leitura até chegar ao final, quando percebi que não tinha sentido nenhum e fiquei irritado.

    Também não gostei como você coloca os diálogos misturados ao parágrafo. Isso confunde.

    A escrita tem potencial. Gostei de ler, não foi cansativo, e fiquei me mordendo para saber o que diabos era o gato. Nisso, você me fisgou. Mas a falta de uma dica sobre o que diabos era a gata me deixou perdido.

  9. Emerson Braga
    23 de setembro de 2013
    Avatar de Emerson Braga

    Não sei qual a intenção do contista ao apresentar essa narrativa. Se realmente tinha algum propósito, mesmo que nas entrelinhas, acho que se perdeu…

  10. José Geraldo Gouvea (@jggouvea)
    22 de setembro de 2013
    Avatar de José Geraldo Gouvea (@jggouvea)

    Não achei o conto “bem escrito”. Na verdade, longe disso, muito longe. Logo no começo temos um corte violento na ação, sem nenhum aviso, que deixa o leitor completamente perdido. Esse é um texto que você lê aos solavancos e tropeções.

    A ideia é boa. A obsessão em sacrificar a gata, a louca justificativa para isso, o misterioso pacto entre os dois. Isso é bom. E talvez não fosse tão bom se o autor desse mais detalhes. O que falta não é tanto explicar a ação, mas construir os personagens. Você consegue fazer maravilhas sem precisar ser didático com os comos e os porquês se conseguir fazer o leitor se situar em relação aos personagens.

    Não é texto para ganhar o concurso, fica no meio do bolo. Mas longe, bem longe, do rodapé.

  11. Martha Angelo
    22 de setembro de 2013
    Avatar de Martha Angelo

    Um texto curioso, interessante, mas creio que algumas lacunas na caracterização dos personagens tornam sua compreensão difícil. Confesso que não entendi bem…

  12. Gustavo Araujo
    22 de setembro de 2013
    Avatar de Gustavo Araujo

    Também achei bem escrito, já que o autor consegue nos levar a um desvario completamente non-sense. Contudo, não é o tipo de história que me apetece: é aberta demais, sujeita a interpretações infinitas. Capitu? A gata o traiu de alguma forma? Teve relação com a morte da mãe? Uma linha, ainda que tênue, seria interessante para ligar esses elementos. Ou não, rs.

  13. Thais Lemes Pereira (@ThataLPereira)
    21 de setembro de 2013
    Avatar de Thais Lemes Pereira (@ThataLPereira)

    Infelizmente, também não entendi.

  14. Rubem Cabral
    21 de setembro de 2013
    Avatar de Rubem Cabral

    Conto bem escrito, mas não gostei do final aberto e achei que faltou melhor caracterização dos personagens.

  15. lu261292
    20 de setembro de 2013
    Avatar de lu261292

    Infelizmente não consegui me envolver na história

  16. Lúcia M Almeida
    19 de setembro de 2013
    Avatar de Lúcia M Almeida

    Não entendi. Seria a gata reencarnação de Capitu do romance de Machado de Assis ?

  17. Marcelo Porto
    19 de setembro de 2013
    Avatar de Marcelo Porto

    Um conto interessante, mas não consegui captar a mensagem. Mesmo gostando de contos onde o leitor preenche as lacunas, não consigo imaginar qual o motivo do sacrifício da pobre gata.

  18. feliper.
    19 de setembro de 2013
    Avatar de Rodrigues

    Gostei. Os dois personagens me lembram a família bizarra do primeiro filme do Massacre da Serra Elétrica, perdidos em sua própria bizarrice e semcaminho de volta. Nesse ponto, acho que faltou uma carcterização que conferisse maior estranheza aos dois. Nesse ambiente psicótico envolvendo o cemitério, gostei do final. No começo até senti necessidade de explicação, mas depois de digerido o conto, vi que essa falta de sentido só aumenta mais o tom doentio que envolve todos os elementos do texto.

  19. Reury Bacurau
    19 de setembro de 2013
    Avatar de Reury Bacurau

    Também não entendi…

  20. selma
    19 de setembro de 2013
    Avatar de selma

    não achei nada! quem era capitu? alguem que virava uma gata? o cara era louco? deveria haver uma explicação mesmo que sutil, porque parece que o autor apenas brincou conosco.

E Então? O que achou?

Informação

Publicado às 18 de setembro de 2013 por em Cemitérios e marcado .