EntreContos

Detox Literário.

Paredes Pintadas de Lombadas (Anderson Prado)

V

E

R

T

I

C

A

I

S,

lado a lado,

HORIZONTAIS,

uns

sobre

os

outros,

punham em dúvida a engenharia da casa,

faziam as vezes de paredes?

quase.sem.espaço,sem.vão,chão.ao.teto,teto.ao.chão,

QUASETUDOPREENCHIDO quase,

pequenos uns, GRANDES OUTROS, ora escondendo as _prateleiras_, ora _m_o_s_t_r_a_n_d_o_, EnvergandO,

uma só que cedesse sendo capaz de ESMagar.

                                                                                       §

Art. 3º Ficam proibidas as obras literárias ficcionais cuja elaboração da forma, hermetismo ou exacerbado eruditismo possam mascarar perigosos sentidos, ou cujo conteúdo, por qualquer motivo, incluída a sofisticada metáfora, não se depreenda facilmente da leitura.

                                                                                       §

O bebê embaixo, pequetito, espreitando,

o pai severo, terrífico, fulminando, 

livros em todas as paredes, o filho engatinhando,

às suas mãos, na primeira _prateleira_: _literatura_infantil_.

                                                                                       §

Art. 1º É livre a criação, a procura, o recebimento e a difusão de obras ficcionais de natureza literária voltadas ao público infantil.

                                                                                       §

Primeira _prateleira_ livros plásticos_ dobráveis_ amassáveis_ mastigáveis_ molháveis_ páginas coloridas_ palavras travestidas de imagens_ primeiras lições_ objetos_ animais_ corpos humanos e outros corpos_ lugares_. O bebê, interesse e curiosidade, mãos e boca em tudo, novidades, mundo a conhecer e explorar.

A casa sem paredes, feita toda de prateleiras e livros, chão e teto, algumas portas, algumas janelas, fechada em si, a casa, nunca aberta, fora: a bisbilhotice e a denúncia, dentro: o proibido e o mundo.

Incentivado pelo pai, o bebê: lendo. Primeiro, os livros baixos, na _prateleira_ junto ao chão, o pai permissivo, sem censura, liberdade, livros permitidos, próprios da idade.

Nenhum quadro, nenhum espelho, sem televisão, poucos armários. Onde um dia houve, não há mais. Espaços cedidos, irreparáveis, pros livros. Nenhum móvel que ocupava paredes subsistiu. Lento, gradual, imperceptível aos de fora, como quem descarta um sofá velho, cristaleira fora de moda, armário retorcido, bambo, e as _prateleiras_ entrando.

qual era mesmo a cor daquela parede? o desenho daquele papel?

Organização e hierarquia, pra si e pro filho, a literatura categorizada, ao alcance do bebê, de seu engatinhar, do encostar e se erguer, do ficar nas pontas dos pés, do pular, do subir em almofadas. Sem uma mesinha, um sofá, uma cadeira, um apoio, as _prateleiras_ valeram, sustentaram a criança, seu primeiro ficar de pé, atingiu a segunda _prateleira_ livros de páginas grossas, protegidos de serem rasgados_ manuseáveis_ texturizados_ musicais_ lições de contar 1 2 3_ de soletrar A B C_ histórias curtas_.

O bebê se fazendo menino, alcançando as _prateleiras_ do meio, _histórias longas_ personagens_ enredo_ trama_ aventuras_ mistérios_ ação_.

O pai, a cara séria, as rugas velhas, o ar sisudo, censor, do ministério das diversões públicas.

Na repartição, cumpria obrigação, rigoroso, detalhista, lendo nas entrelinhas da subversão.

                                                                                       §

Art. 4º Ficam igualmente proibidas as obras literárias ficcionais:

I – capazes de influenciar o pensamento, a arte e a cultura em afronta à moralidade, aos bons costumes e aos valores religiosos das famílias;

II – que convidem à reflexão profunda e ociosa, ferindo o valor ético do trabalho;

III – que se ponham a serviço de planos nacionais ou estrangeiros de subversão da ordem política, social ou econômica.

                                                                                       §

Fascínio, do pai: os livros.

Alto funcionário, quando o -ismo se instaurou, se reinventou, se fez -ista. Encontrou seu lugar, escondido, no ministério das diversões públicas, secretaria das artes ficcionais impressas. No trabalho, o que antes fazia em casa, por prazer: leitor. Encarregado do setor de obras proibidas: censor. Separando o joio do trigo: estranha espécie de agricultor.

Ler para proibir que leiam, separar, amealhar, inteligência posta a serviço da desinteligência.

Nada escapava, seria arriscado, havia outras maneiras de revolucionar.

Andava na linha, lendo entrelinhas, o único, por autorizado, censor, perscrutador dos tropeços, desvios e insubordinações.

O volume amostra, apresentado pelas editoras, apanhado em livrarias, amealhado por bibliotecários, era logo feito raro, por sua decisão. [CENSURADO]. Na capa e contracapa, o destino carimbado.

Impedidos de circular, apreendidos, postos em camburão, viaturas, comboios, siderúrgica, combustão. Banimento absoluto, não fosse uma mão, a do censor, e sua valise. Na primeira vez deixando o ministério com aquele objeto proibido, se agitou, suou, até fedeu.

                                                                                       §

Art. 6º A distribuição, venda, exposição ou detenção de obras literárias ficcionais que não tenham sido liberadas ou que tenham sido proibidas, sujeita os infratores, sem prejuízo da responsabilização civil e administrativa:

I – à pena de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de reclusão;

II – à multa no valor igual a cem vezes o preço de venda da obra;

III – à perda de todos os exemplares da publicação, que serão incinerados a sua custa.

                                                                                       §

Em casa, armazenou o surrupiado num quartinho proibido à esposa, um cômodo censurado. Logo os volumes se acumularam.

 PILH

 PIL

 PILH

PILHAS desordenadas. Providenciou as primeiras _prateleiras_, a esposa já percebendo a infração, logo a invasão, o cômodo cada vez mais -inho, _prateleiras_ em fuga, invadindo outros espaços, corredor, sala, quartos, móveis saindo, espelhos, quadros, armários.

A esposa assustada, cerrando janelas, portas, aquele marido inteligente e por isso louco, e a barriga dela crescendo cada dia um pouco, em breve um bebê e seus quereres, engatinhar, andar, pegar e, céus, ler.

vamos reorganizar.

Revolução doméstica, quase poética, livros subindo para _prateleiras_ mais altas, junto ao teto, o marido mais louco, trazendo novos livros, agora os permitidos, infantis, infanto-juvenis e outros, reocupando as _prateleiras_ mais baixas, junto ao chão e intermédias.

                                                                                       §

Art. 2º É livre a criação, a procura, o recebimento e a difusão de obras literárias ficcionais centradas no entretenimento, em especial os romances eróticos, a literatura policial e as ficções especulativas, assim entendidas a fantasia, o terror, a ficção científica e as de história alternativa, desde que não versem, as duas últimas, sobre a forma de organização política, social ou econômica contemporâneas, nem ataquem ou questionem a observância das leis e o avanço científico e tecnológico.

                                                                                       §

está bom assim?

a escada…

sim, a escada, bem lembrado.

Corrente, cadeado. O filho poderia nascer, poderia crescer, sem nunca tão cedo alcançar a literatura proibida, posta alta, na última _prateleira_. Foram-se as cadeiras, bancos, mesa, sofá, poltrona. Espalharam tapetes, almofadas, casa à prova de bebê, que o garoto conhecesse, em primeiro, apenas a conformada verdade permitida.

                                                                                       §

Art. 5º Ficam ainda proibidas as obras literárias ficcionais cujo realismo explicite contradições e disfuncionalidades ínsitas e insuperáveis das formas de organização humana.

                                                                                       §

Fascínio, do filho: o pai.

As almofadas, o chão da sala, as paredes pintadas de lombadas, livros. O pai concentrado, lentes grossas, o levar as mãos aos óculos, ajustar, nos olhos a única mobilidade, percorrendo linhas, alheio ao tempo e aos perigos do mundo em um universo só deles. A um canto da cozinha, a escada trancada a cadeado e corrente ao pé do botijão.

E o garoto crescendo, adolescendo, alcançando _prateleira_ à _prateleira_ os livros mais altos, num processo natural. Curioso, inteligente, espelho do pai, criativo e construtor de soluções. Como tijolos, dispôs, deitadas, as primeiras coloridas leituras. Sobrepôs seus segundos e seguintes passos, fantasias, horrores, ficções científicas, romances policiais, histórias alternativas. Avermelhou quando avançou sobre os romances eróticos, companhias secretas da adolescência excitada. Tudo encaixava, emprestava sentido, degraus a levá-lo às prateleiras mais altas, uma escada de

L

LI

LIV

LIVR

LIVRO

LIVROS.

Alcançou a literatura proibida, posta alta, mas sub, subterrânea e subversiva, vilipendiada nas fogueiras de todos os autoritarismos, literatura que incomoda, assusta, tagarela, falando pelas entrelinhas, engana, escamoteia sentidos, desafia leitores, faz pensar, explicita horrores e contradições, milita, confronta governos, tudo junto ou uma coisa ou outra, indefinível, mas sempre a mesma quando queimando nas ruas esquerdas e direitas de todas as ditaduras.

Quando o pai chegasse do ministério, encontraria aquela estranha construção e o orgulho. Na cozinha, faria estalar, livres, cadeado, escada, corrente.

ao meu lado, venha, se sente.

Explicaria. O que faz, por que faz, como faz. A revolução poética seguiria em frente.

Sobre Fabio Baptista

Avatar de Desconhecido

23 comentários em “Paredes Pintadas de Lombadas (Anderson Prado)

  1. André Lima
    13 de setembro de 2025
    Avatar de André Lima

    Este foi o conto que mais demorei a conseguir analisar e formular um comentário. Tenho pouco a falar e muito a absorver. A poesia construtivista nos deixou um legado importantíssimo. É algo disruptivo para a época, aliás, tudo que vem do Modernismo é. Mas, esticando a corda demais, podemos cair no erro (Daí minha crítica ao pós-modernismo, mas aqui não é o espaço para isso). É um terreno perigoso de se pisar, arriscado, que requer muita acurácia para conseguir dar uma boa experiência ao leitor.

    Considero que o autor aqui conseguiu. Objetivo atingido.

    O conto nos imerge em um universo onde a censura e a liberdade de expressão são os pilares de uma narrativa profundamente simbólica.

    A trama é muito bem construída em torno da figura do pai, um “alto funcionário” e censor que, paradoxalmente, rouba volumesproibidos do ministério e os cultiva clandestinamente em seu lar. A intercalação dos parágrafos narrativos com os “Art.” que detalham as proibições literárias é um recurso engenhoso. Essa estrutura não apenas descreve as leis, mas também dialoga com a própria forma do conto. Por exemplo, a prosa densa e fragmentada no início ou a fusão de palavras como podme ser interpretadas como uma subversão estilística que, ironicamente, desafia o Art. 3º.

    A jornada do filho, desde bebê e lendo “livros permitidos”, até o adolescente que, impulsionado pela curiosidade e inteligência herdadas do pai, constrói sua própria “escada de LIVROS” para a “literatura proibida”, é um arco narrativo bem original e impactante. O fascínio do filho estabelece uma conexão profunda, e a culminação da história, com o pai sentindo orgulho ao encontrar o filho com a literatura subversiva,  amarra toda a história.

    O ritmo pode até ser identificado como truncado por alguns, mas a narrativa é ambiciosa, original, intensa e arrisca onde deve arriscar.

    Gostei muito. Parabéns pelo ótimo trabalho.

  2. Bia Machado
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Bia Machado

    Me pegou desde o início? Sim, prendeu minha atenção desde a primeira linha, cansada eu que estava de ler outros contos aqui que não fizeram o mesmo. A estrutura diferenciada também foi uma grata surpresa.

    Desenvolveu bem o enredo? Sim. É possível acompanhar o texto sabendo toda a sequência do enredo, me instigando a pensar na forma como fez isso, o significado das palavras todas em maiúscula, como uma escada foi montada com as letras de uma palavra, enfim, aqui a forma ajudou totalmente a esse conto não ser apenas mais um entre os da série.

    O desfecho foi adequado? Sim, fecha com chave de ouro. Como se ao final só bastasse isso mesmo, concluir essa história que é muito sobre pai e filho do que sobre literatura, na verdade.

    E o conjunto da obra? Tudo funciona muito bem e ainda temos uma experiência dupla, que é ler um conto e uma poesia ao mesmo tempo.

    Deu match? Sim, totalmente. Que bom! 

  3. Alexandre Costa Moraes
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Olá, Entrecontista.

    O seu conto “Paredes pintadas de lombadas” começa com uma proposta concretista que estranha à primeira vista, mas que logo se organiza, fazendo o leitor entender e imergir na história. Uma abertura provocativa que funcionou. A casa tomada por livros vira cenário e motor do enredo. O arco é mais conceitual que emocional, mas se mantém coerente até o fechamento.

    Na técnica, a manipulação sintática e visual funciona dentro da ideia. O subtexto de livros como prisão e refúgio aparece com clareza. O ritmo começa truncado e um pouco chato (por oras até demais) e depois se estabiliza, entregando uma leitura mais fluida do meio pra fim.

    O impacto é menos emocional e mais intelectual, marcado pela ousadia formal. Curti os personagens e o enredo (o contraste é interessante).

    Na ficha, destaquei este conto como “a”melhor técnica”. A trama me tocou menos, mas a alta literatura está aí. Parabéns pela ousadia (principalmente do começo)!

    Boa sorte no desafio.

  4. Thales Soares
    13 de setembro de 2025
    Avatar de Thales Soares

    Este conto tem uma construção majestosa, e certamente vai ganhar na série B, pois vai ganhar os votos de “Melhor Tecnica” e “Melhor Conto” de praticamente todo mundo. E realmente, não dá para negar que esteticamente ele ficou charmoso, criativo até, de uma forma quase experimental. O tamanho mais reduzido também ajudou bastante a não torná-lo cansativo.

    A história se passa em uma casa onde as paredes foram quase totalmente substituídas por prateleiras de livros, do chão até o teto (casa do Anderson?). O morador é bem rígido (deve ser o Anderson mesmo), e é um funcionário do ministério das diversões públicas. Sua função é ler e proibir obras consideradas subversivas pelo regime autoritário vigente, cujas leis são citadas ao longo do texto.

    Apesar de cuidar da censura, o Anderson… quero dizer… o protagonista é um ávido leitor, e ama livros. Ele pega os volumes proibidos que deveria destruir e os esconde em um quarto secreto em sua casa. Com o tempo a coleção cresce tanto que invade toda a residência. Moveis, quadros e espelhos são removidos para dar lugar a mais prateleiras. Quando seu bebê nasce, Anderson e sua esposa reorganizam a casa, deixando os livros infantis e permitidos nas prateleiras de baixo, e os proibidões são colocados no teto, só dando pra pegar com escada.

    O filho admira o pai e os livros. Ele cresce em meio àquela biblioteca. Ele sobe naturalmente na hierarquia da leitura: dos livros infantis passa para os infano-juvenis (do desafio passado), depois romances policiais, terror, ficção cientifica e sabrinescos (mas somente os permitidos pelo regime). Mas ele fica curioso com os livros proibidões. Então ele constroi uma escada com livros que já leu, e alcança as prateleiras mais altas, onde ele tem acesso a obras complexas, realistas e subversivas, que desafiam o autoritarismo. Quando o pai chefe do trabalho e vê o que o filho está aprontando, ele não fica puto. Na verdade, ele apenas libera a escada e convida o filho pra se sentar ao lado dele, com um certo orgulho até. É como se o pai no fundo queria que o filho descobrisse aquela verdade, herdando a missão de preservar o pensamento crítico.

    A história ficou bem da hora, e com uma construção interessante, usando a formatação do conto para criar a imagem dos livros nas prateleiras. Deve ser uma das primeiras vezes que eu admiro um conto do Anderson. Espero que este realmente vença.

  5. Jorge Santos
    11 de setembro de 2025
    Avatar de Jorge Santos

    Há textos que exigem leituras múltiplas, e mesmo assim os seus sentidos seguem enclausurados em algum lugar ao qual só o autor tem acesso. Depois, há aqueles textos que exigem uma segunda leitura, mais demorada, porque o leitor nota que a sua qualidade assim exige. Este seu texto encaixa-se nesta segunda categoria. É uma viagem pela paixão da leitura, vivida pelas duas personagens principais, o pai e o filho. O papel menor da mãe é algo incómodo, deveria ter havido um maior equilíbrio narrativo. Não acontecendo, ficámos apenas com as duas personagens principais. Um homem que ama os livros e os tornou no seu objeto de trabalho, da forma mais contraditória: é censor. Parte desta censura a magia do texto. Ele leva os livros proibidos para casa e constrói uma biblioteca com esse espólio. É o seu tesouro. Na vertente oposta, temos o filho que, à medida que vai crescendo, vai ganhando o mesmo apetite literário do pai, evoluindo através dos diferentes livros. É uma forma simples de ilustrar o próprio passado do pai, a sua infância e adolescência, vividas no meio dos livros. Desdobrando-o em duas personagens, torna a sua vida menos aborrecida. Em termos de adequação ao tema, este é, até agora, a mais fantástica interpretação do tema Alta Literatura, quer pela forma, quer pelo conteúdo.

  6. toniluismc
    10 de setembro de 2025
    Avatar de toniluismc

    Este conto radicaliza o conceito de forma: brinca com a diagramação visual, estrutura sintática e convenções textuais — e o faz com pleno domínio estético, não por amadorismo. O autor:

    • Inaugura o texto com o embate gráfico entre “VERTICAIS” e “HORIZONTAIS”, que já encena visualmente o conflito estrutural do espaço da casa, prenunciando a tensão entre liberdade e controle.
    • Usa a linguagem jurídica como elemento de pasticho, mimetizando os artigos de uma legislação repressiva, mas invertendo suas lógicas internas. A inversão da ordem dos artigos (começa pelo Art. 3º, depois vai ao Art. 1º, Art. 4º, etc.) não é um erro, mas um gesto simbólico de resistência contra a rigidez hierárquica da norma. A própria estrutura é uma desobediência.
    • Omite pontuação propositadamente, criando fluxo contínuo de linguagem, remetendo à oralidade e à simultaneidade de pensamento. Em vez de dificultar a leitura, isso aproxima o texto da experiência sensorial e da fisicalidade da casa, como se estivéssemos também engatinhando pelas prateleiras com o menino.
    • Utiliza neologismos e palavras compostas com underscores ou repetições tipográficas (“literatura_infantil”, “PILH PIL PILH PILHAS”) que funcionam como elementos gráficos de sentido, como no concretismo ou na poesia visual.

    É, tecnicamente, um texto de alto risco — e que acerta.
    As quebras, omissões e transgressões são funcionais, não arbitrárias. Exigem um leitor sofisticado e ativo.

    Aqui temos um caso raro de criação verdadeiramente original, com múltiplos registros simbólicos:

    1. Narrativo: a história de um censor que vai transformando sua casa em uma biblioteca clandestina, preparando o terreno para que o filho herde não só os livros proibidos, mas também o gesto da desobediência.
    2. Metafórico: a casa feita de prateleiras, sem paredes, onde os livros sustentam a infância, a juventude, o corpo e o pensamento. Os livros como estrutura literal e simbólica de formação.
    3. Visual e espacial: as prateleiras são marcos de tempo e desenvolvimento físico do menino. A casa se curva à presença dos livros, como o corpo se curva à linguagem. A escada feita de livros, culminando na última prateleira — a da literatura subversiva — é de uma beleza e potência simbólica raras.
    4. Intertextual: referências a sistemas de censura, aos regimes totalitários, à literatura como resistência (em especial, o trecho “literatura que incomoda… queimando nas ruas esquerdas e direitas de todas as ditaduras”) evoca a memória histórica de forma crítica e sofisticada.
    5. Autoconsciente: ao simular artigos de lei que proíbem justamente aquilo que o texto encarna — a linguagem poética, a metáfora, o pensamento — o autor nos convida a pensar o próprio ato de escrita como crime político.

    A fusão entre lirismo, narrativa, denúncia e ironia cria um efeito raro: um manifesto poético que nunca perde sua potência literária.

    O impacto se dá em múltiplos níveis:

    • Estético: o leitor é imediatamente desestabilizado pela forma gráfica e pela ausência de pontuação. Não há conforto aqui — o texto exige esforço, e recompensa com sentido.
    • Narrativo: a jornada do menino pelas prateleiras, culminando na escada de livros, é uma metáfora poderosa da formação crítica, do acesso ao pensamento proibido como emancipação subjetiva.
    • Político: ao construir uma distopia crível, que imita com precisão os mecanismos da censura real, o texto relembra os perigos da normalização da proibição, dos discursos de proteção à infância que escondem o controle ideológico.
    • Emocional: o momento final — “ao meu lado, venha, se sente” — é um gesto de reconciliação entre gerações, de passagem do bastão da resistência, sem sentimentalismo, mas com força simbólica imensa.

    Trata-se de um texto que permanece depois da leitura, que suscita reflexão, inquietação, admiração e um desejo genuíno de reler.

    Se você buscar meus comentários nos outros contos, verá que este foi o único que não tive crítica a colocar. Isto significa que ele é perfeito? Quem sabe…não sou eu quem vou definir. Apenas para não surpreender a ausência da nota máxima, desta vez vou fazer o que a maioria faz e não admite, que é levar o fato subjetivo em consideração. Neste caso em específico, mesmo reconhecendo todas as qualidades descritas acima, o texto não me tocou e acredito que seu autor poderia teria sido mais ousado se tivesse saído da sua zona de conforto e trabalhado a outra proposta da rodada com essa qualidade de texto.

    De todo modo, deixo-lhe mais um parabéns diante dos muitos que virão!

  7. Fabio Baptista
    9 de setembro de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    Cara, da primeira vez que li não entendi nada, pareceu só um amontoado gratuito de disposição de palavras para causar um impacto visual.
    Mas agora, na segunda leitura… parecia que ainda tava na primeira.
    Não, zoeira. Esse texto é prova viva das maravilhas de uma segunda leitura. Só com a mente mais calma e um panorama geral já definido é que se pode assimilar a beleza e até mesmo a genialidade desse texto.

    Assim como o conto do céu para cavalos, é uma pena que não esteja na A, brigaria por pódio facilmente.

  8. danielreis1973
    7 de setembro de 2025
    Avatar de danielreis1973

    Paredes Pintadas de Lombadas (Vate)

    Prezado autor(a):

    Sem dúvida, seu texto é o mais experimental e complexo que encontrei até aqui, nas minhas leituras deste desafio. A estrutura fragmentada, que às vezes dificulta a leitura e obriga a gente a voltar e ler novamente, também reflete a fragmentação da realidade sob censura. Tudo é meio dito, meio escondido, mostrando que escrever abertamente sobre as coisas pode perigoso, numa sociedade repressiva, que nem está tão distante da nossa. Gostei principalmente do uso dos § como artigos legais fictícios, intercalando trechos da história, como recurso de crítica social e política. Acho que o papel do pai, apesar de ambíguo (como censor e ao mesmo tempo facilitador), é muito forte e faz a gente se colocar entre o momento dele e do filho, na vida. Deixo aqui meus parabéns e desejo sucesso neste desafio.

  9. claudiaangst
    5 de setembro de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Como vai, autor(a)? Pleno(a) na criação literária?

    Temos aqui um conto que exige mais dos nossos sentidos. A percepção visual é essencial para que se compreenda o contexto do conto. Um flerte com a poesia concreta?

    A opção em ressaltar a forma além do conteúdo foi arriscada, mas produziu um bom resultado. Talvez por essa razão, não pude perceber falhas de revisão. Claro que algo deve ter me escapado, mas a leitura de um texto diferenciado me fez deixar essa questão de lado. Voltar a ler para somente catar possíveis erros não me apetece. Prefiro ficar com o primeiro impacto recebido.

    A narrativa é desenvolvida de forma pouco linear, mas aborda a exploração do universo da literatura, desde os primeiros anos. O proibido revela-se mais interessante. Acredito que esse enredo já foi abordado em outras obras, o que não invalida esse conto.

    Achei a leitura bastante “entretiva” e diferente da maioria dos textos aqui publicados.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  10. Gustavo Araujo
    5 de setembro de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Um conto experimental e, como tal, corajoso. No geral, temos uma história interessante: o homem que trabalha como censor do Estado, proibindo e banindo livros, mas que não consegue deles se desfazer, preferindo guardá-los em um quarto trancado à cadeado. Paralelamente, vê-se seu filho, desde bebê até adolescente, dividindo com o pai a paixão pelas obras e que, ao fim e ao cabo, descobre (para a alegria secreta do homem) os livros que haviam sido escondidos.

    Poderia ser mais uma história sobre ditadura, ainda que bem escrita, mas aqui o(a) autor(a) consegue um efeito criativo, que é justamente a maneira como a contou, entremeando efeitos visuais bem montados com artigos de uma norma tão reacionária quanto possível. É, como se viu, como se vê, o Estado tentando imiscuir-se na vida privada das pessoas, aspecto que me fez lembrar, em especial, de Farenheit 451, de Ray Bradbury.

    Alguns poderiam torcer o nariz para o conto por considerá-lo pretensamente polêmico, já que toca numa ferida ainda não cicatrizada. Mas é exatamente aí que este trabalho ganha pontos comigo, já que demonstra ousadia. É por essa razão, até mais do que a maneira criativa como foi concebido, que a história faz pensar. Vale dizer, não é um conto de absorção fácil, imediatista, mas sim uma obra que decanta aos poucos e que, quando o faz, termina por causar o enlevo esperado.

    Há coisas a acertar? Certamente. O uso de “pro” e “pra”, por exemplo, me pareceu destoante do resto do conto, quebrando o ritmo de leitura. A ausência da mãe também me soou estranha, já que a criança parece ter uma independência meio sobrenatural.

    De qualquer maneira, é um conto excelente. Creio que será bem lembrado e bem avaliado pelos demais leitores. Parabéns e boa sorte no desafio.

  11. Pedro Paulo
    31 de agosto de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    Compartilhei no grupo do whatsapp quando comecei este conto, pego de surpresa pelo seu caráter experimental. Indaguei se o texto se pagaria. Pagou-se. Eu, certamente, comprei.

    É um conto que desde o começo se utiliza de sua forma para passar o contexto, preferindo essa abordagem para ambientar o caráter distópico do mundo em que estão os seus personagens e delinear essa casa de paredes literárias e a família que reside nela. Assim, há uma alternância entre atualizações narrativas que se centram em pai, filho e, eventualmente, esposa, e os trechos legislativos que delineiam a censura e os seus limites, palavras que assumem concretude nas ações legalistas e transgressoras do personagem, aí caracterizado pela sua dubiedade e por uma paternidade que envolve o filho em uma criação revolucionária e literata. O jogo de palavras é forte e muito bem conduzido, escrevendo uma prosa consistente. A brincadeira chega ao ápice (haha) quando as prateleiras concretizam a “alta literatura”, mas investem nela o sentido contestador e reflexivo das letras engajadas, temidas por todas as ditaduras e tão ignoradas nas democracias. Redesenha o personagem do pai, induz suspense ao futuro do filho, engrandece o texto. Coloca-o nas alturas.

    Usei uma figurinha da última interpretação do “Superman” para sinalizar o meu receio. Bem, aqui eu olhei para cima.

    Cordiais abraços, boa sorte neste desafio!

  12. Luis Guilherme Banzi Florido
    28 de agosto de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Bom dia! Tudo bem? Tô lendo os contos na ordem de postagem do site, sem ter conferido quais são minhas leituras obrigatórias. Bom, vamos lá pro seu conto.

    Um título bastante interessante, especialmente quando descobrimos seu significado. Foi muito visual e até poético. Alias, aqui, o poético ocupa papel central. Desde a forma, um tanto experimental, até as implicações da poesia, da linguagem literária como ferramente de revolução. Parai sso funcionar tão bem, sua tecnica apurada fpo essencial. Sua tecnica é muito apurada, profissional até, e sem isso seria impossivel consdtruir a narrativa de forma tão visual e metaforica. Nota 100 aqui, em técnica e construção.

    O problema pra mim é que a história é um pouco entediante, não sei. A leitura não me pegou, e, mesmo sendo um texto curto, eu senti que não terminava nunca. Acho que o fator muito tecnico e experimental me afastou um pouco da historia, que não me envolveu emocionalmente, especialmente por nao ter conseguido criar uma conexão com os personagens.

    No entanto, a historia é profunda em significados e mensagem. Se por um lado não me envolvi emocionante com os personagens, me envolvi com a profundidade social e as implicações que o conto traz.

    Isso tudo me deixa numa sinuca de bico. Por um lado, acheio uma leitura meio chata, pouco envolvente e lenta. Por outro, a tecnica é otima, existe profundidade e critica social bem construida, e a alta literatura funciona à perfeição. Assim, vou te dar uma nota alta, mesmo que a leitura em si nao tenha sido divertida ou do meu gosto particular.

    Pareabens e boa sorte!

  13. Léo Augusto Tarilonte Júnior
    23 de agosto de 2025
    Avatar de Léo Augusto Tarilonte Júnior

    Eu até poderia classificar o seu texto no tema alta literatura, se eu dissesse que fala sobre a própria literatura ou meta literatura. 

    Não fique chateado comigo, mas na minha humilde concepção ele não é uma narrativa. Não consegui identificar elementos da narrativa no seu texto. Ainda que haja alguns personagens e um espaço onde a história aconteça. Mas não percebi uma história sendo contada uma sequência de eventos 

    Confesso que não entendi o que você quis propor no seu texto.ficou bastante confuso para mim pessoalmente.

    • andersondopradosilva
      17 de setembro de 2025
      Avatar de andersondopradosilva

      Leo, durante o desafio eu fiquei tentado a lhe explicar o conto. Infelizmente, a forma desse texto é tão ou mais importante que o conteúdo. Sou grato pela ajuda dos colegas que se propuseram a lhe dar explicações. Espero que tenham sido bastante. Há uma narrativa, espero que ao final você tenha conseguido perceber. De qualquer maneira, se o problema tiver persistindo e, mesmo com todas as explicações, você tiver persistido não gostando, está tudo bem, viu?

      Hoje lembrei de você ao ler sobre uma confusão envolvendo a Claudia Raia. Durante uma apresentação em uma peça, ela se queixou de um telespectador que estava usando celular e fone de ouvido. Ocorre que era áudio descrição. Ela tentou e ainda está tentando pedir desculpas, mas parece que está se atrapalhando um pouco.

      Enfim, muito obrigado por sua leitura e comentário. E desculpa não ter lhe respondido durante o desafio. Eu não saberia fazer isso sem entregar a autoria.

      Abraço.

  14. Amanda Gomez
    22 de agosto de 2025
    Avatar de Amanda Gomez

    Oi, bem?

    Gostei muito da forma como o conto foi construído. A escolha de brincar com a estrutura, com os cortes e a disposição das palavras, dá uma sensação diferente, a gente se sente dentro daquela casa formada por livros e de certa forma sufocada por eles a medida que avança.

    A ideia das paredes se transformando em lombadas é muito boa, passa bem a sensação de como a literatura pode ocupar tudo ao redor, marcar memórias e até substituir lembranças reais. É criativo. Os livros dando lugar aos moveis, como se corroece aquela casa de dentro pra fora.

    Não é um texto fácil, mas justamente por isso ele prende e faz pensar. Achei interessante como mostra o crescimento da criança em meio às prateleiras, escalando de gênero em gênero, como se a vida fosse medida pelos livros que ele alcança. A prensença do pai, autoritaria, delimitado, ao mesmo tempo em que ele deixa tudo a disposição. Ele teme o conhecimento que aqueles livros podem trazer, mas algo impede ele de parar de querê-los.

    É simbolico, a criança indo das primeiras pratelerias até o topo, passando por generos diferentes que fazem logica pra atual fase de crescimento desse individuo.

    Um conto inventivo, que foge do comum e passa uma mensagem bonita sobre como a leitura molda a gente. Sem deixar de abordar os perigos que o conhecimento certo, na hora errada e vice e versa pode mudar quem somos de alguma forma.

    É um texto que homenageia a literatura como um todo. O autor foi muito feliz na escolha. Geralmente me empolgo em textos experimentais.

    Boa sorte no desafio!

  15. Priscila Pereira
    19 de agosto de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Vate! Tudo bem?

    Muito bom o seu conto!

    A forma diferenciada combinou muito bem com a história. O enredo é bem pensado e bem desenvolvido. Me passou mais a ideia de uma fábula do que de um conto, porque o foco do texto é a lição. De que só a “alta literatura” é perigosa e que a literatura de “entretenimento” é usada apenas para manipular, amansar, anestesiar as massas. Eu não consigo diferenciar alta literatura de entretenimento sinceramente, e acredito que se a literatura não entreter, dificilmente poderá mudar a vida, a história, de alguém. Digo entreter no sentido de gerar interesse. Li algumas pretensas altas literaturas no desafio que achei tão chatas que quase não consigo chegar ao fim, e por maior filosofia que tivessem, geraram o interesse. Então para mim, uma literatura de verdade tem que fazer pensar e entreter ao mesmo tempo. Bem, estou divagando aqui… Li seu conto com muito interesse, tentando entender tudo, achei bem legal e inteligente! Gostei da metáfora da estante, em que os livros estão dispostos de acordo com a idade e altura da criança. É um ótimo conto! Entreteve e fez pensar! Gostei bastante!

    Parabéns! Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  16. Givago Domingues Thimoti
    18 de agosto de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Paredes Pintadas de Lombadas — (Vate)

    Olá, autor(a)! Espero que esteja bem no momento da leitura! Parabéns por participar do Desafio EntreContos! Sempre um prazer ler e comentar o trabalho dos colegas. Espero sinceramente que, ao final da leitura, você sinta que esse comentário tenha contribuído para você de alguma forma! Caso contrário, não leve para o pessoal ou crie ressentimentos. Lembre-se que escrevi com o maior cuidado que pude.

    Sobre o tema, em relação aos demais desafios, optei por mudar alguns critérios na avaliação. Diminui para 4 critérios, dando uma nota maior para adequação ao tema (está valendo 2). A lógica será: 0 para contos sem tema, 1 para contos que tangenciaram o tema e 2 para contos que o tema aparece claro e cristalino.

    Além disso, tomando as definições sugeridas pela Moderação, eu considerei sabrinesco como aquele conto que, por mais que tenha sexo nele (embora não seja obrigatório que tenha), você mostraria tranquilamente para uma pessoa da sua família que é bem careta. Já um conto de alta literatura eu interpreto como um conto mais rebuscado, que instiga o leitor tanto nas ideias (fazendo-o pesquisar sobre algum elemento do texto)  quanto na técnica empregada (podendo ser um ou outro).

    Resumo da história

    Temos um conto de Alta-Literatura sobre um censor de uma ditadura, que apanha os livros proibidos pelo Estado e os guarda deliberadamente em casa. Seu filho cresce rodeado pelos livros proibidos e caminha para ser um poético revolucionário, aparentemente. 

    Aspectos positivos e negativos

    Aspectos positivos: Esse conto imediatamente me lembrou das aulas de literatura, em especial do movimento do dadaísmo (Caracterizado pela sua oposição à lógica, ao racionalismo e aos valores tradicionais da sociedade burguesa, o dadaísmo buscava a destruição da arte estabelecida e a liberdade criativa através do absurdo, do acaso e do irracional) e do cubismo (se manifestou através da fragmentação da linguagem, do uso do verso livre, da simultaneidade de ideias e da exploração de múltiplas perspectivas, muitas vezes com um tom humorístico e ilógico)
    Aspectos negativos: paradoxalmente, a preocupação com a liberdade gramatical e a ausência de uma forma propriamente dita, sem abandonar a lógica por trás, acabou colocando o aspecto emocional do conto em segundo plano. Além disso, pessoalmente, achei que algumas subversões nas regras gramaticais atrapalharam a leitura.

    Avaliação por critérios (pontuação total: 5,0)
    Adequação ao tema (máx. 2,0):
    O conto aborda de forma clara, criativa e relevante o(s) tema(s) proposto(s)? Há relação explícita ou simbólica (mas detectável) com o tema indicado? Nota: 2

    Já acabei me adiantando nos aspectos. Trata-se de um conto experimental em termos de formato, que dialoga com 2 escolas do modernismo do século passado (dadaísmo e cubismo), conectando-as a uma história que se passa dentro de uma ditadura. A técnica de escrita por vezes transformou as linhas do conto em versos de poemas. Instigante, bem trabalhado em boa parte e muito bem pensado! Alta literatura na veia!

    Correção gramatical (máx. 1,0): O texto segue a norma culta da língua portuguesa? Se sim, há erros gramaticais, ortográficos ou de pontuação que prejudiquem a leitura? Se optou pelo coloquialismo ou regionalismo, deu para sentir que foi uma boa imitação? Soou forçado? Nota: 0,9

    Pela opção do autor de não seguir a norma culta da gramática, sou forçado a contextualizar a intenção por trás do conto. Caso contrário, eu deturparia o sentido da narrativa e cometeria uma injustiça. 

    Bom, eu resolvi deduzir apenas um décimo pelas repetições gramaticais. Tenho em mente que foram um recurso estilístico, mas foram exageradas demais por diversas vezes, causando uma certa canseira na leitura. 

    Construção narrativa (máx. 1,0): A estrutura do conto é bem organizada (início, desenvolvimento, clímax e desfecho)? Estica demais, apertou demais? Caso tenha optado por um conto não linear, deu para entender/acompanhar a história? O estilo de escrita é adequado? A técnica chama a atenção? Há fluidez, ritmo e coesão textual? Nota: 0,5

    Num aspecto que avalio técnica (dentre outros pontos), em um conto bom como esse, parece um paradoxo injusto tirar décimos por construção narrativa. Entretanto, por uma de suas características ser exatamente essa subversão em termos de estrutura padrão de conto, é natural que se perca pontos aqui.

    Bom, Às vezes, menos é mais. Ao brincar demais com algumas construções, como por exemplo a repetição do termo “_prateleiras_”, eu senti um esvaziamento do porquê daquilo. No início, boa parte das palavras eram grafadas com um underline na primeira e na última letra. Imediatamente, pensei naqueles teclados antigos que as pessoas escreviam. Como se o underline fosse algum marcador de espaço/ênfase. Um instrumento para pausar a leitura… Foram muitos, especialmente ali no início.

    Aos poucos, foram sumindo, sendo trocadas por vírgulas, exceto “prateleira” (que ao final do conto já foi escrita normal). Meu palpite (e, autor/autora, pode me corrigir se eu estiver enganado), é que esses underlines serviam para algo (talvez traçar uma ideia de proteção ou alguma outra função que me escapou). Ao fim, pareceram perder totalmente sua função, mais atrapalhando do que ajudando, já que prejudicaram bastante a fluidez, o ritmo e a coesão do texto. 

     
    Impacto pessoal (máx. 1,0): O conto provoca reflexão, emoção ou surpresa? Causa uma impressão duradoura ou significativa? Nota: 0,8

    Eu gostei bastante das reflexões que o conto me proporcionou! Vira e mexe, no EntreContos, surgem contos que me cativam muito mais pelo esmero por trás da escrita do que pela história em si.  

    É perceptível o esforço do autor em demonstrar ao leitor que esse conto é um texto de Alta Literatura, mais preocupado em construir uma versão própria de forma e estrutura, única para essa narrativa em específico. Aqui percebe-se técnica (haja vista o aspecto lírico de alguns trechos do conto), uma boa utilização do vocabulário (por vezes rebuscada, mas não chega ser aquela escrita pedante), uma preocupação em ambientar o leitor e situá-lo dentro dessa lógica autoritária. Isso tudo é obviamente positivo e digno de nota.

    Minha dedução de décimos nesse aspecto se dá muito mais pela sensação ao final da leitura que tive de um considerável desequilíbrio entre dedicação à estrutura/técnica  e à narrativa. Pessoalmente, sinto que lá pelo meio até o desfecho, a história perde espaço para fatores estilísticos e vira refém da técnica. Não gosto quando parece que a narrativa é explorada de uma forma tão unidimensional, como me pareceu ser o caso. Entendo também que é um fato que pode acontecer em contos mais técnicos.

    Vejamos. O pai, censor-amante da literatura/carrasco e guardião da literatura, transforma sua casa nessa espécie de biblioteca dos livros censurados. O garoto cresce no meio desse livro-lar. Nos vãos entre as capas e contracapas dessa história, há um subtexto riquíssimo; um agente do Estado, responsável pela censura, cria em sua residência um espaço “livre” de tudo aquilo que o autoritarismo renega sua existência. É um não-espaço rico e fértil, no qual um garoto nasce, cresce e inicia seus primeiros passos de questionamento quando alcança, pela primeira vez, a literatura proibida pelo Estado. Como o próprio conto destaca, uma revolução poética se caminha: o pai fica responsável por passar o legado da Literatura  ao filho. Muito bom, só que…

    Há nuances não exploradas e escondidas diante da linguagem técnica que valiam a pena serem contadas, concatenando técnica e narrativa. E por não serem contadas, dá um gosto amargo de ter lido algo bom que poderia ter sido mais. Por exemplo, a mãe surge assim como desaparece da narrativa. Pareceu-me um tanto descartável, embora seja mãe. Por sua vez, o fascínio do filho pelo pai é apenas citado, ficando a cargo do leitor imaginar como se dá. É uma pena… Ler que nem o pai lê? Além disso, me parece óbvio o futuro problema: o filho de um censor, abastecido por revolução, irá enfrentar tanto o pai (pelo menos o pai na figura de censor e agente burocrata-repressivo) quanto o Estado. E agora?

    Bom, para não me alongar ainda mais no comentário, tornando-o enfadonho (se é que já não está), eu diria que esse conto é um diamante, que ainda carece de algumas lapidações. Ainda assim, do jeito que está, é um dos melhores contos do certame.

    Nota final (máx. 5,0): 4,2

    • andersondopradosilva
      17 de setembro de 2025
      Avatar de andersondopradosilva

      Givago, eu tentei imprimir uma forma a algumas palavras. Pra prateleira, eu usei o subtraço. No início do conto eu até falo sobre esconder e mostrar as prateleiras, sempre usando o subtraço. Quando eu enumerava os livros, eu os enumerava ladeados pelos subtraço, ou seja, como se estivessem dispostos numa prateleira. Mas, de fato, houve um momento a partir do qual eu esqueci de usar o subtraço, né? Foi um erro mesmo. Abraço.

      • Givago Domingues Thimoti
        17 de setembro de 2025
        Avatar de Givago Domingues Thimoti

        OK, Anderson! Obrigado! Parabéns pelo trabalho! Abraço.

  17. cyro eduardo fernandes
    18 de agosto de 2025
    Avatar de cyro eduardo fernandes

    Conto original no conteúdo e no formato. Boa técnica. Desejo sucesso no desafio.

  18. Kelly Hatanaka
    11 de agosto de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá!

    Neste desafio, vou avaliar os contos da seguinte forma: Tema vai valer 2 pontos, Forma, 2 pontos, Enredo, 3 e Impacto também 3. Como o tema Sabrinesco parece ter sido especialmente desafiador, vou dar um ponto extra para Sabrinescos bem executados. É pessoal? É. Mas os critérios de avaliação são pessoais mesmo, então paciência.

    Tema

    Alta literatura, com certeza. Uma forma bem inovadora e uma discussão que infelizmente se mantem atual na figura do censor que ama livros.

    Forma

    Uma forma instigante que, de início me incomodou. Preconceito meu, não gosto de “concretismos”. Mas, passado o estranhamento inicial, o conto se revela, por entre os artigos e agrada em cheio. Aliás, por que os artigos estão fora de ordem?

    Gostei especialmente da frase: “Alto funcionário, quando o -ismo se instaurou, se reinventou, se fez -ista”. Um jeito sagaz de falar dos desvarios possíveis em qualquer espectro da política sem mencionar nenhum em particular

    Enredo

    Um homem apaixonado por livros se torna censor. Ele faz seu trabalho, acima de qualquer suspeita, mas aproveita de sua posição para salvar os mesmos livros que proíbe. Em sua casa, os esconde nas prateleiras mais inacessíveis e tranca a escada. Mas o filho cresce, alcança os livros e se torna, para o pai, um parceiro de revolução.

    Impacto

    Alto. Uma temática atual, um personagem interessante, tentando fazer o certo numa situação incerta, aquele tipo de herói anônimo, que, em seu anonimato, faz muito. O filho que vai alcançando as prateleiras mais altas, até chegar aos livros subversivos, uma metáfora da esperança, da verdade. Gostei muito.

  19. marco.saraiva
    8 de agosto de 2025
    Avatar de marco.saraiva

    Um texto interessante por diversos ângulos. O que chama a atenção no início é, obviamente, a forma. A brincadeira com as palavras, os recursos da língua, a manipulação da forma para passar ideias que vão além do que é expresso nas palavras escritas. O conto abre assim, como se gritasse para o leitor “o que você está lendo não é uma leitura comum. Preste atenção no que vem a seguir”.

    O enredo é parecido com 1984: um homem que trabalha no departamento de censura, logo apaixona-se pelo material que é obrigado a ler e censurar. Acumula livros proibidos em casa, sabendo do peso das palavras que carregam. Quando um filho está para nascer, ele e a esposa organizam a casa para que o filho inicialmente tenha acesso apenas à literatura que é para ele acessível: livros infantis, abecedários, livros didáticos que ensinam a contar, etc.

    É aqui que o conto assume um tom crítico, uma “agenda” por assim dizer, e expressa de forma nada sutil que a tal “alta literatura” está no topo das estantes, e que o bebê inicia a leitura nas estantes de baixo, e deve aos poucos crescer para poder ler a “alta literatura”, aquela que, para o autor deste conto, é a única que pode quebrar regras, expressar ideias revolucionárias, influenciar o povo, analisar a psique humana. O conto fala da leitura como uma escada evolutiva, até mesmo usa a escada como metáfora. Inicia-se lendo livros infantis, termina-se com o eruditismo maior ao ler a tal “alta literatura”. No meio, para os adolescentes, encontram-se a Fantasia, o Horror, as histórias eróticas.

    Acho que, por assumir esta posição, o autor acaba arriscando ser polêmico no desafio. Mas talvez esta seja mesmo a intenção.

    Eu discordo veementemente da ideia aqui expressa, mas já expressei as minhas opiniões sobre o assunto antes no Entre Contos e não vou me repetir aqui neste comentário.

    No geral, um conto muitíssimo bem escrito, feito por alguém que tem pleno controle da escrita, e está aberto(a) a experimentar com a linguagem. Um conto com uma mensagem clara que, imagino eu, deve dividir opiniões.

    Parabéns, um trabalho bonito!

  20. Thiago Amaral
    5 de agosto de 2025
    Avatar de Thiago Amaral

    Temos aqui um conto Alta Literatura na sua mais alta expressão kkk

    De início, já estava eu pensando: “é poesia, não história, não vale, vou rechaçar!”

    Contudo, ao longo da viagem, vi que ali uma narrativa se formava, um pouco estranha, mas ainda assim interessante e original.

    O pai trabalho como censor, mas em casa guarda um arcabouço de obras literárias proibidas, prometidas ao filho, caso esse fosse capaz e interessado em alcançá-las quando estivesse pronto.

    Aqui, o uso da linguagem é notável, bem como o significado da história. Não só um conto de alta literatura (vou usar essa péssima categorização até o fim do certame), mas que fala da alta literatura e a exalta, metalinguisticamente! Difícil imaginar um conto que vença desse na série B… mas espero que consigam! hehehe

    Só posso parabenizar a autoria pela ótima construção e criatividade.

    Ainda sou um mero iniciante na criação de histórias, e me preocupo com a trama e seus significados. Talvez um dia, se ficar muito bom, talvez eu possa também me dedicar à forma das coisas, como esse conto faz tão bem.

    Até a próxima!

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Publicado às 2 de agosto de 2025 por em Liga 2025 - 3B, Liga 2025 - Rodada 3 e marcado .