EntreContos

Detox Literário.

Psicose (Hitchpobre)

À noite, Léo caminhava pela calçada, pensando no dia em que havia ganhado, de sua falecida mãe, um conjunto de pintura e livros. A cena de Aslan, o leão, sendo morto e depois ressuscitando foi reproduzida. Achara que tinha talento e mostrara na escola, mas as crianças de sua classe riram. Com os dedos manchados com tinta imaginária, desenhou no ar a sua mãe voltando à vida, quando foi surpreendido por um homem que saiu da sombra de uma árvore e apontou um revólver para sua cabeça.  

— Passa tudo, vagabundo… — disse o ladrão. Porém, antes que pudesse terminar, o som da sirene de uma viatura policial o fez fugir. 

O crime parecia não o surpreender, afinal, trabalhava como frentista e já estava acostumado com assaltos. Mas, de repente, colocou as mãos sobre a testa e outra realidade tomou conta de si: viu, de fato, todo o seu horror. Foi demais. Jogou-se no chão numa crise de choro devido à perda das memórias desenhadas que nunca teriam um final feliz.

— Minhas intenções de despertar serão sempre ignoradas? — perguntou-se amargamente. Então levantou-se como se buscasse respostas e pintou no ar: — Sou cercado por sonhos que nunca se realizam.

Preso no mundo nostálgico, não percebeu alguns pingos caírem. Quando a chuva finalmente começou, ele praguejou:

— Tempo malvado! Já perdi minhas obras para aquele ladrão inescrupuloso e agora a chuva está destruindo minha frase! — gritou e correu para a loja de conveniência mais próxima. A cada passo que dava, lembrava o quão delicado era o mundo que havia criado dentro da cabeça. As imagens que ele tinha em mente começaram a desaparecer.

Ao chegar, respirou pão quente, olhou para a garçonete robusta e simpática que estava sozinha no lugar, devolvendo carinhosamente o olhar. Ricamente uniformizada, usava um boné para prender o cabelo castanho.

— Boa noite — falou enquanto passava pano no balcão.

O cumprimento da moça, carregado de simplicidade, fizeram os lábios de Léo babarem de admiração, nutrindo, no mesmo instante, todo o corpo por uma atração intensa. Enquanto se preparava para pedir o café, tentava desenhar mentalmente a garçonete.

— Começo pela boca, depois faço o rosto e o corpo.

Em sua imaginação, a moça o observava com certo interesse, e acreditava que ela sentia uma conexão inexplicável por ele que ia além do físico.

Com os olhos cravados no crachá da garçonete, não percebeu o interesse real que ela demonstrava. Pediu café. Ela, ao notar que estava sendo filmada pelos olhos do estranho, sentiu gelo e fogo no ventre secreto.

Hipnotizado pela mulher e pelo nome “Clara” estampado no crachá, Léo esperava ouvir alguma palavra de afeto vinda por parte da moça. Não ouviu nada. Mas, contrariando as expectativas, vozes começaram a tocar em sua cabeça, cada uma pintando um cenário diferente sobre o que deveria fazer. Uma voz suave sussurrou para ele se apresentar; outra mais cautelosa, lhe disse para esperar; enquanto uma terceira voz, sem limites, zombava de suas escolhas. Ele tentou silenciá-las, mas as personas continuaram a lutar para serem ouvidas. O aroma do café saído da xícara, misturado com o perfume de alfazema emanado da moça, abriu uma brecha no espaço-tempo, levando Léo para uma dimensão romântica, silenciando as vozes por um momento. A timidez que o engolia não o deixava interagir com ela. Quem sabe uma boa conversa não o libertasse da solidão? Mas ao pegar a xícara estampando a obra de Picasso, “Garota diante de um Espelho”, e examinar os traços e cores que desafiavam a realidade, quis tacá-la na parede. No entanto, estancou a fúria antes do ato. Foi por Clara que se acalmou? Foi ela que restaurou seu espírito de inveja e trouxe a lucidez da criatividade? Léo não sabia. Mais calmo, ele queria falar sobre o assalto, sobre a chuva, sobre as cores que desapareciam nas poças d’água, mas nada vinha ao mundo em forma de palavras por medo de rejeição.

Clara prestava atenção no moço, curiosa; mas sempre discreta, perguntava-se sobre o que ele carregava na mente.

Naquele momento, Léo teve uma revelação. No lugar da obra de Picasso estampada na xícara, colocou a de Clara, o que o fez perceber algo que ainda não tinha reparado: as barreiras que o separavam dela, o medo de expressar seus sentimentos, a monotonia da vida, tudo parecia tão ínfimo diante daquela nova perspectiva. Com movimentos delicados, a partir da boca, ele traçou o contorno de Clara com o indicador na xícara, ajustando o boné em sua cabeça com uma destreza que parecia além do comum. Seus olhos brilhavam com uma intensidade nova, fixando-se na moça como se estivesse capturando sua essência em um gesto final de admiração.

— O que acha disso? — murmurou para si. “Você superou Picasso”, respondeu em pensamento, com um misto de orgulho e desafio.

Quando a chuva passou, Léo tentava resolver um dilema silencioso. As vozes em sua cabeça gritavam, uma mais do que outras, para ele convidar a moça para sair; imagens deles dois se beijando desfilavam na sua visão periférica, distorcendo a realidade ao redor; sentia-se perdido, preso naquele romance que só ele podia ver. A frustração o consumia e a impotência o deixava sem forças para lutar. Tentava concentrar-se numa forma de falar com ela, mas sua mente, respirando paixão, não o deixava manter o foco em nada.

Num momento de rara conexão, os dois olharam-se e, por um momento, Léo percebeu que não estava sozinho. Clientes começaram a entrar, atrapalhando uma grande história de amor.

Em pensamentos, Léo despediu-se apaixonado, prometendo a si que voltaria, e reparou o olhar da moça refletir certa esperança e alguma reciprocidade.

Ela, a seu modo, permaneceu atrás do balcão, com o olhar seguindo a figura do rapaz até desaparecer no nascer do dia, respirando a possibilidade de um futuro encontro.

— Tudo que não é dito não muda a ordem natural das coisas. E por que não?

Frustrado por não conseguir dizer a Clara o que sentia, a cada passo que dava, Léo inventava palavras. Pensava em silêncio enquanto olhava as ruas cheirando a escape, com carros indo e vindo.

— Por que sou tão covarde? — O desejo de voltar à cafeteria surgiu como um pequeno girino. Ganhava força a cada palavra pensada, e, numa atitude impulsiva, voltou fingindo ter esquecido algo.

Ao entrar, seus olhos fixaram-se na moça como um sapo olha para uma mosca. Ela preparava pão na chapa e, de dentro do balcão, observava-o surpresa. Dominado pelo nervosismo que o impedia de falar, tentou disfarçar fingindo procurar algo em seus bolsos. Após uns segundos, criou coragem e aproximou-se do balcão. Com uma pausa carregada de tensão, disse:

— Acho que… esqueci meu número de telefone aqui. — Sua voz tremendo com hesitação.

Clara sorriu, seus olhos transmitiam uma compreensão gentil.

— Não se preocupe — respondeu ela. — Posso anotar o meu.

Pegou um guardanapo e, com a mão macia, escreveu o número dela. Ao lado, rabiscou o desenho de um coração, numa tentativa de expressar seu amor.

— Espero que você ligue — disse Clara, seus olhos fixos nos dele.

Léo sentiu o coração bater forte.

— Eu ligo — respondeu com o timbre suave, uma promessa que faria questão de cumprir.

Despediu-se, saindo da loja com um sentimento de esperança renovada. Ele sabia que a possibilidade de um encontro com Clara mudaria o brejo de sua vida.

Léo chegou em casa, ansioso para marcar o encontro, mas não tinha coragem.

Para deixar a covardia de lado, começou a pesquisar na internet algo que retirasse seus medos e alucinações.

Leu a história de um artista que encontrou a cura ao criar esculturas. Lembrou-se de que, quando era adolescente, um psicólogo o havia sugerido espelhar a dor e esperança esculpindo algo, mas ele nunca havia praticado em nada. Movido por aquela lembrança, foi até a loja de artes comprar argila.

Mais tarde, o cheiro da massa inspirava-o e, apaixonado do jeito que estava, decidiu esculpir um cupido. Quando os dedos de Léo começaram a deslizar o estilete na argila, ficou mais concentrado, menos atormentado por vozes e imagens que o acompanhavam. Cheio de gozo no fazer, dava forma à cabeça e sentia a tão sonhada paz interior. As vozes aquietavam-se, as sombras desvaneciam-se e, após um longo período, experimentava um momento de serenidade.

Quando a obra ficou pronta, ele notou que as asas não eram nada parecidas com a dos anjos. Desapontado, destruiu a escultura contra o chão. Cansado, foi dormir… Depois de duas horas, pouco a pouco, como alguém que acorda de um pesadelo, foi voltando a si e, ao mesmo tempo, os pensamentos atormentadores voltaram a consumi-lo. Levantou-se tomado por um misto de coragem e medo, pegou o telefone e ligou para Clara.

— Quem é? — falou ela, ansiosa para ouvir um convite. Ele acalmou-se, mas ficou sem palavras.

— Meu café está demorando — gritou um dos muitos clientes. Dessa vez, Clara tinha sido apressada a desligar.

— Quem é? — perguntou outra vez.

— É o Léo, peguei seu telefone hoje.

— Eu sei, é o moço sonhador, né?

— Mais ou menos. Eu… eu quero te ver.

— Saio meio-dia. Amanhã me encontre na frente da loja. Aqui tá lotado, tenho de desligar. Até mais.

— Até!

Faltavam dois minutos para o encontro. Léo, do outro lado da rua, olhava para a entrada da cafeteria. Nervoso, andava em círculos pela calçada, cada volta um prelúdio de futuros improváveis. Enfim, viu Clara sair do estabelecimento, impaciente, com o celular na mão. Seu coração batia cantarolando enquanto olhava para ela.

Clara esperava por ele receosa, pensando em esconder o celular no bolso, já que aquela calçada era um “enxame” de assaltos. Mas quando viu Léo, distraiu-se e começou a atravessar a rua com o aparelho na mão.

De repente, uma moto bloqueou o caminho da moça. O motoqueiro apontou um revólver em sua direção, com a voz faminta:

— Me dá o celular, rápido!

Léo viu o terror estampado nos olhos de Clara. O ladrão insistiu, com a arma cada vez mais próxima do rosto dela. No momento em que ela estendeu o braço para entregar o celular, o revólver disparou.

Após um barulho alto e seco, o motoqueiro fugiu e um grito de socorro cortou o ar. Clara caiu com força no asfalto. Léo, que assistiu tudo do outro lado da rua, gritou sem poder fazer nada e correu até ela. Tremendo, ele notou o ferimento grave.

Outras pessoas se aproximaram. Uma delas gritou:

— Alguém chama uma ambulância!

Clara fechou os olhos. Léo estava ali, ao lado dela, olhando-a com olhos doentes de paixão. Ele estendeu a mão. Clara a segurou. E de mãos dadas, ela deixou este mundo.

Minutos depois, a ambulância chegou, o médico confirmou o que já se sabia. Léo permaneceu na rua, seu coração batendo tão forte que ele o escutava no ouvido. O mundo pareceu desaparecer enquanto ele acompanhava o desenrolar da tragédia: Clara, que sorrira para ele momentos antes, naquele momento estava estatelada no chão.

Léo ficou em estado de desespero. Tentou revivê-la fazendo massagem cardíaca, mas o médico o afastou. Então, ele estava sozinho, pensando em outra forma de trazê-la de volta. Obcecado por essa ideia, se despediu dizendo “até breve, meu amor.”

Eram quatro da tarde de uma quinta-feira. Havia umas cem pessoas no cemitério e o  céu nublado derrubava pingos de coragem e tristeza. Guiado por esse misto caindo sobre si, Léo teve a corajosa ideia de fazer um discurso sobre a cova.

— Clara, esse pessoal não me conhece, nem eu conheço ninguém, mesmo assim digo com todas as forças que te amo, meu amor.

Alguns dos enlutados riram, outros ficavam se perguntando de onde vinha aquele sujeito asqueroso. A família dela odiava a cena.

— O céu está chorando por você, meu amor. Eu te conheci pouco, mas foi o suficiente para juntos irmos a eternida…

— Alguém tira esse cara daí! — gritou a mãe de Clara antes de Léo terminar o discurso.

Dois tios de Clara estavam próximos de Léo e o convidaram a se retirar. Um padre tomou a palavra entoando o Pai-Nosso, e a oração desfez o caos, trazendo paz.

— Eu te amo, Clara… — Ele foi para casa gritando na chuva. — Clara, por que tenho tantas visões e não te vejo, meu amor?!

Algo dentro dele, que não era a chuva, respondia:

— Reviva Clara numa escultura de barro, reviva Clara numa escultura de barro.

— Mas como faço isso? — Léo perguntou à voz.

— Você vai precisar do coração dela para colocar dentro da argila antes de modelar.

— Nunca! — respondeu Léo, desapontado.

Em sua cabeça, os outros egos assistiam, uns aparvalhados, outros atônitos, ao verem onde aquela ideia absurda chegaria. No resto da tarde, com aquele pensamento martelando na cabeça, veio uma visão arrebatadora que transcendia o tempo e o espaço.

Ele viu Pigmalião, em toda a sua magnificência, moldando Galateia. Seus dedos, ágeis e precisos, davam forma ao marfim, esculpindo cada curva, cada detalhe com amor e carinho. A cena era tão real, tão vívida, que ele se sentiu transportado para outro plano, testemunhando o nascimento da própria vida.

No outro dia, Léo chegou ao cemitério com uma flanela na mão procurando o túmulo de Clara. Esquivo, com capuz na cabeça para disfarçar, escondeu-se das pessoas. Após procurar por alguns minutos, chegou ao local. Sentou-se e disse a Clara que estava com saudades, e que ela não deveria preocupar-se, pois logo a traria de volta à vida. E lá estava Léo, sozinho, cheirando o aroma das flores murchas e limpando vagarosamente a placa com os nomes dos vários parentes da amada que ali também descansavam em paz.

— Clara, você é mais que minha respiração. Volta para mim — disse ele, suas artérias pulsando tão forte quanto suas mãos esfregando pano no tampo de granito. Mas nada comparado à sua obsessão em trazê-la de volta. Uma voz em sua mente interrompia a cena pigmaliónica.

— Você realmente acha que pode trazê-la de volta, Léo? — perguntou a voz, lançando dúvidas sobre seu desejo. Indeciso, despediu-se dos mortos, de Clara, e se foi, deixando para trás a calmaria da arte tumular.

— Vamos voltar ao escurecer, seus tolos! — falou outra voz em sua consciência, ecoando as risadas zombeteiras dos outros inquilinos.

Ao cair da noite, as dúvidas morreram. O desejo de reviver Clara ganhou força. Léo seguiu rumo ao cemitério debatendo com as vozes em sua cabeça de onde surgiu a ideia macabra. Sem descobrir o gatilho da origem, caminhou com uma marreta numa mão, talhadeira na outra, e faca enfiada na calça.

— Anda logo, vagabundo!

— Vagabundo é seu pai, filho duma puta!

— Silêncio, seus embaixadores do inferno! — falou Léo, e os egos calaram-se.

Ao encostar no muro baixo do cemitério, jogou as ferramentas do outro lado e pulou para dentro.

Esgueirando-se por entre arvoredos e sombras, chegou ao túmulo da família de Clara e olhou para os lados.

— Vai, pede perdão à musa e estoura o tampo de granito — ordenou uma voz interna. Léo pediu perdão a Clara e deu uma forte marretada, bateu no granito mais duas vezes seguidas, três, quatro, cinco… na décima pancada, o tampo estourou e ele caiu no fundo da cova ao lado das várias gavetas.

Estava escuro, fedia a roupa esquecida na máquina de lavar e ele não sabia qual era a gaveta da amada.

— Qual parede devo quebrar, pessoal?

— Quebra qualquer uma que a energia de Clara vai te atrair — respondeu uma voz interior.

Léo, sem pensar, obedeceu e meteu a marreta até quebrar a parede e o caixão ficar exposto. Quando sua mão puxou o objeto, tudo ficou ainda mais escuro e claustrofóbico. Abriu o caixão, viu um defunto.

— É você, meu amor? — Um odor desagradável foi a resposta. Prendeu a respiração e bateu com a marreta na talhadeira até quebrar os ossos da costela, depois pegou a faca e, sem piedade, arrancou o coração da amada.

— Clara, meu amor, é para te reviver, me perdoa — falou com o órgão na mão, e depois saiu correndo para respirar ar puro longe dali.

Duas horas após escapar do perigo, Léo chegou em casa com uma intensidade diferente. Cheias de adrenalina, suas mãos molhadas davam forma ao corpo.

— Clara, você sempre usava o boné para prender o cabelo, igual no dia que te conheci — falava com a escultura. Caprichava na boca. — Sua boca… sempre tão expressiva. — Colocando a alma no trabalho, alisou o peito com dedos molhados, pegou o coração jogado em cima da mesa, enfiou na argila, fechando suavemente. — Pronto, agora só falta bater.

Subiu os dedos acariciando o rosto e tocou nos olhos fechados.

— Seus olhos… sempre tão cheios de vida.

Ficou extasiado diante de sua obra pronta.

— Clara, volta para mim — suplicou pela ressurreição. — Como te reviver, meu amor?

Cansado de filosofar sobre morte e vida, soprou as narinas da amada, pegou um sedativo em cima da geladeira, tomou e foi dormir.

Sonhou que a escultura de Clara ganhara vida e gritou em seu sonho.

— Clara, seus olhos… eles estão abertos! Te amo!

Acordou apressado e correu para ver a escultura.

— Clara, por favor, diga algo!

Ela continuava inanimada e silenciosa.

— Você pode ter pegado o coração errado, imbecil! — falou uma voz na cabeça dele.

— Será…? — respondeu Léo, encucado.

Passou o dia de folga indiferente ao mundo, não ficou sabendo das notícias que corriam na cidade sobre a violação da sepultura. Apenas molhava os dedos no balde de tinta-fantasia e traçava no ar que naquele dia não ouviria mais nenhuma voz da cabeça. Sozinho, planejou voltar no outro dia à cena do crime.

Às vinte horas em ponto, Léo caminhava devagar e leve. Seus passos eram favos com larvas prestes a se tornarem zangões. Entrou no cemitério, decidido a arrombar todos os caixões que visse pela frente até encontrar o de Clara. Chegando ao destino, analisou uma forma de retirar o tapume provisório que substituía o granito destroçado.

— Léo, não faça isso, volte pra casa — ouviu a voz de Clara. Ele ficou fora do ar…

Após uma denúncia de arruaceiros nas redondezas, os guardas municipais faziam ronda para prender algum meliante. Chegaram de mansinho, e Léo assustou-se com a mão do sargento batendo em suas costas.

— O que está fazendo aqui tão tarde?— perguntou o sargento enquanto o revistava. Léo saiu do transe e viu a imagem de Clara desaparecer dizendo “até breve”. Intrigado, virou os olhos e encarou o homem.

— Fiquei sabendo das notícias que algum vagabundo arrombou o túmulo da família da minha amada.

— Era sua namorada?

— Sim, o amor da minha vida, agora mesmo ela falava comigo.  

O barulho de um objeto metálico caindo no chão chamou atenção dos guardas. Dois homens vestidos de preto saíram correndo, se escondendo e pulando túmulos. O sargento ficou segurando Léo, os outros saíram em disparada atrás dos arruaceiros, mas não conseguiram apanhá-los. Voltaram ao encontro do sargento, cochicharam em particular. Sem evidências concretas de vandalismo, eles o deixaram ir.

O estado de espírito de Léo mudou completamente, de uma hora para outra. De repente, pensou que a amada pudesse ter aparecido.

Quando voltou para casa, ele encontrou Clara, de braços abertos. A escultura que ele havia criado transformara-se em uma mulher viva.

— Clara! Clara!  — Ele a envolveu em um abraço apertado, lágrimas escorrendo pelo rosto. — Você veio me encontrar — sussurrou, a voz embargada, ao pé do ouvido da amada. Seus dedos traçavam um caminho suave por seu pescoço. — Cometi erros, muitos… me perdoa, por favor.

Elevando-se nas pontas dos pés, ela permaneceu em silêncio. Sua boca encontrou a dele em um toque suave. As mãos dela, firmes em suas costas, o puxaram para mais perto. E então, sem aviso, ela o beijou, pegando-o totalmente de surpresa.

Sobre Fabio Baptista

13 comentários em “Psicose (Hitchpobre)

  1. Givago Thimoti
    11 de maio de 2024

    PSICOSE (HITCHPOBRE)

    Bom dia, boa tarde, boa noite!

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Viagem/Roubo – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, inspirado pelo Marco Saraiva, também optei por adotar um estilo mais explícito de avaliação, deixando um pouco mais organizado quando comparado com o último desafio. E também peguei emprestado do que o Leo Jardim fazia antes, com categorias e estrelinhas, e também deixando no final um “trecho inspirado”, que é uma parte do conto que achei particularmente digno de destaque.

    Mesmo diante de tudo isso, as notas e os comentários podem desagradar, como percebi hoje, dia 29/04/24. Como já está no meio do desafio, e eu já avaliei alguns participantes, eu vou manter o estilo de avaliação, “anunciando” a nota e tecendo minha opinião do mesmo jeito. A diferença é que essa nota é provisória e sujeita a alterações. Obviamente isso se estende aos contos já avaliados.

    Outra coisa que eu percebi que deu ruído até o momento também foram os critérios. Vamos lá, para tentar esclarecer: refleti bastante sobre o assunto e a minha conclusão é a seguinte: não consigo avaliar um texto literário como um conto, dentro desses critérios, sem considerá-los como um todo.  Afinal, uma técnica apurada pode beneficiar a história do mesmo jeito que o contrário pode ocorrer; um conto com a escrita não tão boa pode afetar a história, seu desenvolvimento e seu impacto e assim por diante.

    Por fim, é isso! Meu critério é esse e não sofrerá mais alteração. Creio que é o mais justo entre meu jeito de avaliar, a lisura do certame e o respeito e a consideração pelo autor/pela autora.

    AVALIAÇÃO + IMPRESSÕES INICIAIS

    O CAPS está perdendo alguns pacientes nesses contos do desafio.

    Que? Que? Que?????

    A confusão nesse texto é igual quando a gente faz um prato de comida com molho e o molho fica meio salgado. Se você considerar só o molho, tá salgado. Quando você mistura com o restante da comida, passa e melhora a experiência. É um conto que você precisa se lembrar: tem um doido ali.

    Beirou o non sense. Mas é uma boa história.

    HISTÓRIA  (3/3)

             Psicose é um conto que fala sobre Júlio, um frentista que sofre de esquizofrenia (pelo menos foi o que senti) e se apaixona por Clara, uma garçonete. Bem no momento que os dois vão se encontrar, Júlio assiste sua amada ser assaltada e morta por conta de um celular. O que se segue na história para o leitor é ler Júlio tentar lidar com esse evento traumatizante.

             Júlio, em seus devaneios, se imagina roubando o coração da amada para revivê-la. E sua imaginação é muito poderosa. A sacada do autor/ da autora nesse ponto foi muito boa: realmente, havia saqueadores de túmulos. É um desfecho fechado-aberto. Fechado porque aos olhos da lei, Júlio é inocentado. Aberto porque pode ser que ele tenha aberto antes o mausoléu da família de Clara. Pode ser que não.

             A história é boa e, eu devo dizer, desafiadora. Acho que abordar uma pessoa com transtorno psiquiátrico, com uma visão de realidade diferente do que consideramos “normal”, é um dos maiores desafios para o escritor, porque você precisa trazer algum fio de normalidade para conduzir o leitor de um ponto para outro.

             Achei muito interessante mostrar uma pessoa com um transtorno psiquiátrico sério como a esquizofrenia enfrentar um evento traumatizante. Júlio é um personagem que a gente se compadece e de alguma forma faz com que torcemos por ele.

    TÉCNICA  (1,75/3)

    Confesso que achei a escrita um tanto confusa por algumas vezes, especialmente depois do falecimento de Clara, tanto que eu fiquei falando “quê” várias vezes durante a leitura. Foi proposital, mas sem dúvida, acho que ficou um tanto exagerado em alguns pontos.

    O conto está escrito em 3ª pessoa, como um narrador observador e onisciente (porque ele compreende os sentimentos do personagem). E acho que, durante o desenrolar da escrita, o próprio narrador se perde nos devaneios do Júlio. Isso vai para o bem, com uma escrita bem lúdica, e para o mal, porque a escrita fica muito confusa.

    No mais, a técnica (por pouco) não prejudicou a história. Faltou p, na minha opinião, trabalhar melhor essa parte pós falecimento da Clara, porque ela não flui direito e provoca um “quê” insistente na leitura. Podia ser um pouquinho mais claro.

    Em termos de gramática, não percebi grandes deslizes.

    TEMA  (1 /1)

             Conto adequado ao tema proposto no desafio. Roubo de celular, roubo de túmulos…

    IMPACTO  (1,5/2)

             Eu gostei do conto, o meu “ah” reclamão vai para a confusão do conto, acho que poderia ter sido dosado melhor, porque por muito pouco o conto não flertou com o non sense.

    ORIGINALIDADE  (1/1)

             Eu achei um conto original. Esquizofrenia, escrita boa e estranha, confusa no ponto certo.

    Trecho interessante: Faltavam dois minutos para o encontro. Léo, do outro lado da rua, olhava para a entrada da cafeteria. Nervoso, andava em círculos pela calçada, cada volta um prelúdio de futuros improváveis. Enfim, viu Clara sair do estabelecimento, impaciente, com o celular na mão. Seu coração batia cantarolando enquanto olhava para ela.

    Clara esperava por ele receosa, pensando em esconder o celular no bolso, já que aquela calçada era um “enxame” de assaltos. Mas quando viu Léo, distraiu-se e começou a atravessar a rua com o aparelho na mão.

    De repente, uma moto bloqueou o caminho da moça. O motoqueiro apontou um revólver em sua direção, com a voz faminta:

    — Me dá o celular, rápido!

    Léo viu o terror estampado nos olhos de Clara. O ladrão insistiu, com a arma cada vez mais próxima do rosto dela. No momento em que ela estendeu o braço para entregar o celular, o revólver disparou.

    Nota: 7,25 (como não pode notas com 2 casas decimais, a nota será arredondada para 7,3)

  2. Mauro Dillmann
    11 de maio de 2024

    O conto tem uma trama dinâmica, mas mesclado por linguagem mais tradicional/clássica (palavras como amargamente, nostálgico, praguejou, inescrupuloso, prelúdio, aparvalhados, pigmaliónica), o que torna a leitura mais vagarosa.

    Pareceu-me prolixo em várias passagens ao narrar os pensamentos do personagem Léo.

    No meu entender, o conto poderia ser escrito com bem menos palavras.

    Tem um ápice: o momento em que a personagem Clara leva um tiro. Mas depois, outro: o coração de Clara arrancado.

    Essa imagem é interessante: “fedia a roupa esquecida na máquina de lavar”.

    A narrativa é linear. O narrador está em terceira pessoa, estamos distantes da ação propriamente.

    Uma coisa é certa: autor/a deixou a imaginação fluir.

    Parabéns!

  3. Queli
    4 de maio de 2024

    Tema está ok. Escrita fluida, clara.
    O enredo é que pega… são muitos desdobramentos pra um único conto.

    Não que não possa haver, mas são desdobramentos tão inusitados que cada um renderia um conto por si só.

    O caso de amor entre alguém tão pé no chão e cheia de vida com alguém tão sonhador, lunático e frágil. O fim trágico desse amor.

    O roubo do coração do cadáver.

    E, por fim, a estátua cria vida e o beija, em sua imaginação.

    Eu gostei do conto. Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

  4. Regina Ruth Rincon Caires
    3 de maio de 2024

    Hitchpobre, caro autor, desculpe-me por ter postado um comentário e ter pedido para retirar. Eu imprimo os contos para fazer a leitura no papel e ir fazendo anotações da avaliação (copia/cola). Acontece que quando fui copiar o seu texto, eu não copiei integralmente. Imprimi parte do texto, só até onde acontece a morte de Clara. E fiz a leitura até aí, e, consequentemente, fiz minha avaliação até aí também.  Depois disso. Comecei a perceber os comentários que falavam do cemitério, violar a tumba, e levei um susto! Mas não precisa se assustar. Eu apronto dessas, sou “ótima” para lidar com computador, impressora e todas essas coisinhas.

    Mas, vamos ao tento INTEGRAL . O conto inicia com o desejo impossível de Léo: ter a mãe de volta à vida. E, a partir daí, há suspense, há drama. Que maravilhosa é a descrição das cenas de um mundo fictício desenhadas no ar, sonhos que nunca se realizariam. Mundo frágil que até mesmo a chuva apagava. Parte da a trama é descrita com sobreposição de palavras e expressões doces, o lírico sobre a realidade. Há uma suavidade no narrar, na percepção dos ambientes. Gosto de observar o jeito de expressar sentimentos, opiniões; e, logicamente, percebo o uso do palavreado terno, ameno. É um contraste que o autor consegue manter diante de um drama tamanho como há neste conto. O texto é forte, dolorido, mas inicialmente é contado sem instigar a ira.

     “Simplicidade – admiração – afeto – cautelosa – perfume de alfazema – dimensão romântica – lucidez – movimentos delicados – respirando paixão – percebeu que não estava sozinho – certa esperança e alguma reciprocidade – respirando a possibilidade de um futuro encontro”… se eu for citar  as palavras brandas, vou copiar/colar toda a parte inicial do texto.

    “— Tudo que não é dito não muda a ordem natural das coisas”. –  Aqui é exigida uma pausa para reflexão.

    O amor “instantâneo” de Léo e Clara é tão bem construído na trama que prende o leitor. Poucas palavras ditas, faladas, e tanto amor criado. Convincente e lindo. E a colocação da argila na história, o manuseio, o cheiro. Bah! A psicologia, a santa psicologia.

    E o moço sonhador ganhou coragem, o idealizado estava pronto a acontecer. Declararia seu amor, seria correspondido, e viveriam “felizes para sempre”. E mais uma vez, a realidade nua e crua se impõe. E apaga todo o cenário que parecia ter o final feliz. Desenhado no ar, com os dedos manchados em tintas imaginárias?! Desfecho comovente, enternecedor.

     “— Sou cercado por sonhos que nunca se realizam.”

    E, em certa altura do conto, Clara morre. A partir daí, a insanidade de Léo aflora totalmente. Ouve vozes, muitas vozes, discute com esses “companheiros” imaginários e os obedece.  Não sei se esquizofrenia, mas é um problema psiquiátrico que o atordoa. Então, dentro de sua loucura, ele planeja roubar o coração de Clara. De maneira literal. E, assim, numa noite ele quebra o túmulo, arranca o coração da amada e o coloca numa escultura de argila. E ela revive.

    Neta segunda parte, que conheci depois, o conto saiu do caminho que eu estava enxergando. E o conto perdeu aquele fio que me encantava. Acho que ficou fictício, fantasioso. Mas não perdeu o valor. Há leitores e leitores. A escrita continua boa, perdeu um pouco a poesia.

    Parabéns, Hitchpobre!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço.

  5. Sem Noção
    2 de maio de 2024

    Esse Léo precisa ter uma conversa séria com as vozes da sua cabeça. Falam tanto, só botam ele em encrenca. E na hora quem vêm um assaltante chegando perto ficam quietinhas, é?

    Sem Noção.

  6. Priscila Pereira
    1 de maio de 2024

    Olá, Hitchpobre! Tudo bem?

    Vou deixar minhas impressões sobre seu conto, lembrando que é a minha opinião e não a verdade absoluta. (Obviamente)

    Seu conto é bem psicótico mesmo… Desde o começo já mergulhamos na cabeça do Léo (nome de um dos meus sobrinhos), só que ainda de uma forma lúdica, inocente, quase mágica, com a tinta invisível e o mundo imaginário. Aí vemos o início de uma obsessão pela garçonete, e não sei se ela corresponde mesmo ou se não passa de uma alucinação.

    Aí vemos que os problemas mentais de Léo não são tão mágicos e inocentes assim, e que a coisa vai ficar muito macabra, com arrombamento de túmulo e violação de cadáver. E o final, bem, parece óbvio que ela não voltou a vida de verdade e que o coitado do Léo está precisando de uma intervenção psiquiátrica.

    A escrita é muito boa exatamente porque parece refletir a mente psicótica do personagem.

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  7. Thales Soares
    1 de maio de 2024

    O filho que era a mãe. Existia uma lenda de que esse era o título do filme Psicose lá em Portugal. Inclusive, se você procurar no Google, vai ter essa confirmação. No entanto… alguém no EC me informou de que isso é apenas um mito, e isso abalou minha crença a respeito de um título tão inusitado que destrói toda a experiência por divulgar o desfecho da história já em seu nome. Esse pensamento me veio à mente, obviamente, devido ao título desse conto, que faz referência à obra de Alfred Hitchcock. E devido a essa referência, eu fiquei com uma expectativa a respeito deste conto que… não foi atendida. A história foi absolutamente diferente do que eu imaginei que seria. Mas vamos falar sobre isso com calma.

    A trama trata a respeito de um artista bunda mole e frustrado que vive numa cidade mais corrupta do que Gothan City, onde ocorrem roubos, estupros e assassinatos a cada esquina, e os personagens agem como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Não sei se esse cinismo todo foi inserido de forma proposital na história, ou se foi colocado aqui apenas para atender à proposta do tema, que era Roubo… mas ficou um pouco exagerado, meio mal calibrado. Tanto é que, ao meu ver, no momento do assassinado do amor da vida do protagonista, a cena causou uma sensação oposta ao esperado, pois tudo pareceu muito inverossímil. Inverossimilhança é algo que, para mim, assombrou este conto. Não consegui acreditar em nada que estava diante dos meus olhos, exceto nas personalidades internas do protagonista… achei elas bem interessantes e simpáticas, me lembrou até da época que eu lia os quadrinhos do Deadpool, e ficava fascinado vendo todas aquelas vozes dentro da cabeça dele. Acho que essa questão da esquizofrenia, que mostrou ser a parte mais divertida da história, poderia até ganhar mais foco, pois eu gostaria de ver mais participações dessas múltiplas personalidades tentando se sobressair na mente do cara. Se elas entrassem em conflito consigo mesmas, e entrassem em dilemas, como o Cara e o Coroa dos comentários do Sidney, a história, para mim, teria um brilho muito maior!

    A parte do romance… na minha opinião, foi bem piegas. Tudo bem que o artista apaixonado tende a ser meio brega. Mas a forma como as coisas se desenrolaram eu achei um tanto chata e cansativa. Eu dormi lendo esse conto, mas não por culpa do autor, mas sim por culpa minha mesmo, pois eu estava muito cansado… mas foi bem nessa parte em que a garçonete está sendo descrita como um anjo. Depois eu acordei, li o conto até o final, e dormi de novo… o segundo sono foi melhor, porque dormi refletindo sobre este conto. Ele não me desagradou totalmente, mas algumas partes confessor que foram bem maçantes, e outras achei um tanto sem pé nem cabeça. Por exemplo, na hora em que o protagonista está no velório, e decidi fazer um discurso para a falecida… por mais que as pessoas ali não o conhecessem, acho difícil eles se comportarem da forma como se comportaram, rindo e caçoando, ficando com raiva pelas palavras dele. Ele não estava ofendendo o defunto, estava apenas tentando expressar sua dor e sentimento de perda, que era algo que todos ali compartilhavam. Achei muito estranho isso. A forma como a garçonete aceitou o convite do cara achei um pouco estranha também… ela me pareceu fácil demais… era como se ela estivesse no cardápio, junto com o misto quente e o café, é só pedir e já ganhou! Outra coisa que eu não consegui engolir foi o ladrão do começo da história (o primeiro de muitos que viriam depois). Quem diria que teríamos ladrões de artes… afinal, até mesmo bandidos apreciam um quadro feito com esmero, não é mesmo? Pois, pelo que eu entendi, o ladrão roubou as artes do cara… é… não a carteira, nem o celular… mas as pinturas! Malditos ladrões de artistas!

    Uma parte que eu gostei muito foi quando o protagonista decide desenterrar o corpo da amada. Aliás… antes disso, quero dizer que achei toda essa questão de “amor da minha vida” extremamente forçada e irreal mesmo para os padrões de um maluco esquizofrênico. A história não mostrou vínculo nenhum entre os dois. Talvez tenha mostrado um ou outro desejo dentro da cabeça do protagonista, mas não o suficiente para convencer o leitor de que ele agiria daquela forma… só porque uma voz em sua cabeça lhe ordenou? Usar a esquizofrenia como muleta, e justificar tudo dizendo “Ah, é que ele é louco, suas atitudes não precisam fazer sentido”, eu acho uma explicação um pouco fraca. Mesmo os loucos possuem sua lógica torpe… e a lógica deste nosso louquinho aqui me pareceu um tanto aleatória… o texto até tenta justificar suas atitudes, através de seus sonhos inalcançáveis e das vozes, mas eu achei insuficiente. Mas enfim… vamos voltar a falar sobre a violação do túmulo da garçonete! Eu achei muito divertido tudo o que ocorreu aqui! As vozes falando com ele, pra ele pegar…. o coração dela!!!! E então ele chega na casa, tenta enfiar o coração na maçaroca de argila que ele fez, e nada acontece. Ai ele pensa “Puta merda, acho que pegamos o corpo errado!”. Essa parte da história me conquistou! Aí ele volta para o necrotério, e então vemos…… mais ladrões?! Sério?

    Por fim, chegamos no desfecho!

    “— Clara! Clara!  — Ele a envolveu em um abraço apertado, lágrimas escorrendo pelo rosto. — Você veio me encontrar — sussurrou, a voz embargada, ao pé do ouvido da amada. Seus dedos traçavam um caminho suave por seu pescoço. — Cometi erros, muitos… me perdoa, por favor.”

    Que erros são esses que o protagonista pensa ter cometido? Não vi demonstrações de arrependimento por parte dele ao longo da história. Na verdade, ele não teve nem culpa de Clara ter morrido. Então aqui não entendi ao certo pelo quê ele está se desculpando. Acho, inclusive, que seria interessante as vozes da cabeça dele aparecerem em mais momentos, como aqui, por exemplo, dizendo “Boa campeão!! Conseguiu sua garota de volta!!”, “Hoje a noite vai ser quente, uhull!!”. E então temos a frase de conclusão:

    “Elevando-se nas pontas dos pés, ela permaneceu em silêncio. Sua boca encontrou a dele em um toque suave. As mãos dela, firmes em suas costas, o puxaram para mais perto. E então, sem aviso, ela o beijou, pegando-o totalmente de surpresa.”

    Ok. O protagonista endoidou de vez. Mas…. só isso? Senti como se o conto tivesse acabado na metade. A história acabou de verdade? Ou foi o limite de palavras do autor que acabou? E o que tudo isso tem a ver com Alfred Hitchcock, ao qual o conto prometeu fazer referência logo no título? Norman Bates não era artista, era apenas um louco que sofria de Complexo de Édipo, mas esta história vai por uma linha completamente diferente, onde a única similaridade com o genial Psicose é… um personagem com transtornos mentais? Não era bem isso o que eu esperava. Mas enfim, boa sorte no desafio!

  8. Angelo Rodrigues
    27 de abril de 2024

    Olá, Hitchpobre.
    Comentários:
    O pseudônimo escolhido pelo autor remete a uma ideia que talvez se revele: um Hitchcock dos pobres.
    Leo ouve vozes.
    Sério e curioso esse ouvir vozes. Ninguém pensa no vazio de sons. Todos pensam com uma voz organizadora, talvez a própria voz – certamente imaginada – materializada em fluxos de pensamentos. Não se pensa o inimaginável, o que não tem nome. O pensamento tem uma prerrogativa que é o nome das coisas. Alguns especialistas dizem que esse ouvir vozes está diretamente relacionado ao descompasso entre o pensamento e a sua percepção, fruto de um hiato entre esses dois eventos, gerando a impressão de que o que é ouvido é uma voz exterior, uma voz ouvida, mas não pensada. O nome que se costuma dar a isso é esquizofrenia. “A esquizofrenia é um transtorno mental caracterizado pela perda do contato com a realidade (psicose), alucinações (é comum ouvir vozes), falsas convicções (delírios), pensamentos e comportamento anômalo, redução das demonstrações de emoções, diminuição da motivação, uma piora da função mental (cognição) e problemas no desempenho diário, incluindo no âmbito profissional, social, relacionamentos e autocuidado.”  (texto de especialistas).
    Leo ouve muitas vozes. Talvez muitos pensamentos.
    O texto percorre uma série de vias, passando pela tragédia, quando Clara é atropelada e morta, depois por velhos arquétipos de terror ao abordar violações de tumba, posteriormente vai em direção aos gregos, com a Pigmaleão e Galatea, quando a deusa Afrodite, penalizada com o artista-escultor, transforma sua obra em uma mulher de carne e osso.
    O texto percorre nessa toada um longo caminho e o que nos entrega é o arranjo final de uma satisfação enlouquecida quando Leo admite verdadeiramente a transformação do barro em carne.
    Um tremendo drama, mas confesso que, sendo um apreciador de Hitchcock, nada vi que remetesse a seus filmes. Não sei se era intenção do autor ou o nome Hitchpobre foi apenas uma gag de momento.
    O texto tem alguns problemas de escrita, mas tudo bem, pode ser consertado.
    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

  9. Antonio Stegues Batista
    26 de abril de 2024

    Leo e suas vozes internas. O título remete ao filme de Alfred Hitchcock, Psicose, mas não passa nem perto do enredo. Tendo referência também no pseudônimo Hitchcock “dos pobres”, mas nem tanto assim, o autor tem talento. Leo é diminutivo de Leonardo, que significa “leão forte” e faz referência ao leão de Nárnia, Aslam. Tem até um leão no Pigma. O conto começa com uma metáfora, e a esquizofrenia de Leo e as vozes em sua cabeça. realidade e sonhos lúcidos se misturando em seus gestos e pinturas metafísicas. A narrativa começa de um jeito e aos poucos vai se transformando, metamorfoseando em outra coisa com pinceladas de bom humor em meio ao horror da solidão humana e termina naquilo que todos nós almejamos, que nossos sonhos se tornem realidade. Muito bom.

  10. Vladimir Ferrari
    26 de abril de 2024

    Psicótico, com toda a certeza. Mas é preciso ao leitor, viajar nas frases e parágrafos, pois o tema está NA MINHA OPINIÃO, “subtextualizado”. É um romance, com desvarios psicológicos do protagonista e ponto.
    Muito bem escrito e com frases muito belas, como “Nervoso, andava em círculos pela calçada, cada volta um prelúdio de futuros improváveis.” Para mim, no entanto, não atendeu a premissa do desafio, apesar de citar o assassinato de Clara como resultado de um roubo frustrado. Talvez, a premissa ficou um tanto esquecida.
    NA MINHA OPINIÃO, há um certo excesso em algumas frases, mas isso é realmente variante, dependendo do estilo narrativo de cada autor. Eu, por exemplo, não escreveria: “Clara prestava atenção no moço, curiosa; mas sempre discreta, perguntava-se sobre o que ele carregava na mente.” No lugar, usaria “perguntava-se sobre o que ia na mente”, visto que ela já estava prestando “atenção ao moço”. Mas isso é MINHA OPINIÃO, e portanto, perfeitamente descartável.
    Gostei do início. A ideia de um artista atormentado, pintando o cotidiano em sua imaginação enquanto vai vivendo o seu dia.
    Sucesso no desafio.

  11. Kelly Hatanaka
    26 de abril de 2024

    Costumo avaliar os contos com base nos seguintes quesitos: Tema, valendo 1 ponto, Escrita, valendo 2, Enredo, valendo 3 e Impacto, valendo 4. Abaixo, meus comentários.

    Tema
    É… o roubo é o elemento central do texto? Não. Mas ô lugar pra ter assalto hein. Caramba. Centrão de São Paulo está chorando de inveja em posição fetal.

    Escrita
    O ponto alto do texto. Escrita correta, uma linguagem simples e direta, gostosa de ler.

    Enredo
    Leo sofre de um distúrbio mental (esquizofrenia?) que o faz ver o mundo de forma peculiar e ouvir vozes. Ele se interessa por uma garçonete, marca um encontro e, quando vão se falar, um assaltante a mata. Ele tenta trazê-la de volta à vida através de uma escultura e, para isso, as vozes mandam que ele roube seu coração.
    Achei os assaltos meio excessivos. Talvez tenha sido uma preocupação em manter o tema em foco.
    Também estranhei as pessoas rirem do discurso dele no funeral. Não me pareceu natural. Foi uma alucinação dele?

    Impacto
    Acho que o fato da narrativa ser em terceira pessoa tornou tudo mais distante e descritivo. Devido ao estado mental de Leo, tudo ficou BEM descritivo. Num dado momento, achei cansativo seguir os pensamentos dele.
    Fiquei com dó dele nem ter tido chance de falar com a Clara.

  12. Emanuel Maurin
    26 de abril de 2024

    Um rapaz que fala com vozes da cabeça se apaixona loucamente por uma estranha, ela morre e ele tenta revivê-la. A narrativa é fluida, bem detalhada, não encontrei erros e o autor transmitiu a ideia de forma simples e direta. O final foi legal. Gostei.

  13. Cícero Robson Pereira
    25 de abril de 2024

    Conto interessante, que aborda encontros fortuitos e as fragilidades da vida. Na minha opinião, faltou um pouco mais de consistência na construção dos personagens e nas motivações do protagonista. Nota 8

E Então? O que achou?

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Informação

Publicado em 25 de abril de 2024 por em Viagem / Roubo.