EntreContos

Detox Literário.

Psicose (Emanuel Maurin)

À noite, Léo caminhava pela calçada, pensando no dia em que havia ganhado, de sua falecida mãe, um conjunto de pintura e livros. A cena de Aslan, o leão, sendo morto e depois ressuscitando foi reproduzida. Achara que tinha talento e mostrara na escola, mas as crianças de sua classe riram. Com os dedos manchados com tinta imaginária, desenhou no ar a sua mãe voltando à vida, quando foi surpreendido por um homem que saiu da sombra de uma árvore e apontou um revólver para sua cabeça.  

— Passa tudo, vagabundo… — disse o ladrão. Porém, antes que pudesse terminar, o som da sirene de uma viatura policial o fez fugir. 

O crime parecia não o surpreender, afinal, trabalhava como frentista e já estava acostumado com assaltos. Mas, de repente, colocou as mãos sobre a testa e outra realidade tomou conta de si: viu, de fato, todo o seu horror. Foi demais. Jogou-se no chão numa crise de choro devido à perda das memórias desenhadas que nunca teriam um final feliz.

— Minhas intenções de despertar serão sempre ignoradas? — perguntou-se amargamente. Então levantou-se como se buscasse respostas e pintou no ar: — Sou cercado por sonhos que nunca se realizam.

Preso no mundo nostálgico, não percebeu alguns pingos caírem. Quando a chuva finalmente começou, ele praguejou:

— Tempo malvado! Já perdi minhas obras para aquele ladrão inescrupuloso e agora a chuva está destruindo minha frase! — gritou e correu para a loja de conveniência mais próxima. A cada passo que dava, lembrava o quão delicado era o mundo que havia criado dentro da cabeça. As imagens que ele tinha em mente começaram a desaparecer.

Ao chegar, respirou pão quente, olhou para a garçonete robusta e simpática que estava sozinha no lugar, devolvendo carinhosamente o olhar. Ricamente uniformizada, usava um boné para prender o cabelo castanho.

— Boa noite — falou enquanto passava pano no balcão.

O cumprimento da moça, carregado de simplicidade, fizeram os lábios de Léo babarem de admiração, nutrindo, no mesmo instante, todo o corpo por uma atração intensa. Enquanto se preparava para pedir o café, tentava desenhar mentalmente a garçonete.

— Começo pela boca, depois faço o rosto e o corpo.

Em sua imaginação, a moça o observava com certo interesse, e acreditava que ela sentia uma conexão inexplicável por ele que ia além do físico.

Com os olhos cravados no crachá da garçonete, não percebeu o interesse real que ela demonstrava. Pediu café. Ela, ao notar que estava sendo filmada pelos olhos do estranho, sentiu gelo e fogo no ventre secreto.

Hipnotizado pela mulher e pelo nome “Clara” estampado no crachá, Léo esperava ouvir alguma palavra de afeto vinda por parte da moça. Não ouviu nada. Mas, contrariando as expectativas, vozes começaram a tocar em sua cabeça, cada uma pintando um cenário diferente sobre o que deveria fazer. Uma voz suave sussurrou para ele se apresentar; outra mais cautelosa, lhe disse para esperar; enquanto uma terceira voz, sem limites, zombava de suas escolhas. Ele tentou silenciá-las, mas as personas continuaram a lutar para serem ouvidas. O aroma do café saído da xícara, misturado com o perfume de alfazema emanado da moça, abriu uma brecha no espaço-tempo, levando Léo para uma dimensão romântica, silenciando as vozes por um momento. A timidez que o engolia não o deixava interagir com ela. Quem sabe uma boa conversa não o libertasse da solidão? Mas ao pegar a xícara estampando a obra de Picasso, “Garota diante de um Espelho”, e examinar os traços e cores que desafiavam a realidade, quis tacá-la na parede. No entanto, estancou a fúria antes do ato. Foi por Clara que se acalmou? Foi ela que restaurou seu espírito de inveja e trouxe a lucidez da criatividade? Léo não sabia. Mais calmo, ele queria falar sobre o assalto, sobre a chuva, sobre as cores que desapareciam nas poças d’água, mas nada vinha ao mundo em forma de palavras por medo de rejeição.

Clara prestava atenção no moço, curiosa; mas sempre discreta, perguntava-se sobre o que ele carregava na mente.

Naquele momento, Léo teve uma revelação. No lugar da obra de Picasso estampada na xícara, colocou a de Clara, o que o fez perceber algo que ainda não tinha reparado: as barreiras que o separavam dela, o medo de expressar seus sentimentos, a monotonia da vida, tudo parecia tão ínfimo diante daquela nova perspectiva. Com movimentos delicados, a partir da boca, ele traçou o contorno de Clara com o indicador na xícara, ajustando o boné em sua cabeça com uma destreza que parecia além do comum. Seus olhos brilhavam com uma intensidade nova, fixando-se na moça como se estivesse capturando sua essência em um gesto final de admiração.

— O que acha disso? — murmurou para si. “Você superou Picasso”, respondeu em pensamento, com um misto de orgulho e desafio.

Quando a chuva passou, Léo tentava resolver um dilema silencioso. As vozes em sua cabeça gritavam, uma mais do que outras, para ele convidar a moça para sair; imagens deles dois se beijando desfilavam na sua visão periférica, distorcendo a realidade ao redor; sentia-se perdido, preso naquele romance que só ele podia ver. A frustração o consumia e a impotência o deixava sem forças para lutar. Tentava concentrar-se numa forma de falar com ela, mas sua mente, respirando paixão, não o deixava manter o foco em nada.

Num momento de rara conexão, os dois olharam-se e, por um momento, Léo percebeu que não estava sozinho. Clientes começaram a entrar, atrapalhando uma grande história de amor.

Em pensamentos, Léo despediu-se apaixonado, prometendo a si que voltaria, e reparou o olhar da moça refletir certa esperança e alguma reciprocidade.

Ela, a seu modo, permaneceu atrás do balcão, com o olhar seguindo a figura do rapaz até desaparecer no nascer do dia, respirando a possibilidade de um futuro encontro.

— Tudo que não é dito não muda a ordem natural das coisas. E por que não?

Frustrado por não conseguir dizer a Clara o que sentia, a cada passo que dava, Léo inventava palavras. Pensava em silêncio enquanto olhava as ruas cheirando a escape, com carros indo e vindo.

— Por que sou tão covarde? — O desejo de voltar à cafeteria surgiu como um pequeno girino. Ganhava força a cada palavra pensada, e, numa atitude impulsiva, voltou fingindo ter esquecido algo.

Ao entrar, seus olhos fixaram-se na moça como um sapo olha para uma mosca. Ela preparava pão na chapa e, de dentro do balcão, observava-o surpresa. Dominado pelo nervosismo que o impedia de falar, tentou disfarçar fingindo procurar algo em seus bolsos. Após uns segundos, criou coragem e aproximou-se do balcão. Com uma pausa carregada de tensão, disse:

— Acho que… esqueci meu número de telefone aqui. — Sua voz tremendo com hesitação.

Clara sorriu, seus olhos transmitiam uma compreensão gentil.

— Não se preocupe — respondeu ela. — Posso anotar o meu.

Pegou um guardanapo e, com a mão macia, escreveu o número dela. Ao lado, rabiscou o desenho de um coração, numa tentativa de expressar seu amor.

— Espero que você ligue — disse Clara, seus olhos fixos nos dele.

Léo sentiu o coração bater forte.

— Eu ligo — respondeu com o timbre suave, uma promessa que faria questão de cumprir.

Despediu-se, saindo da loja com um sentimento de esperança renovada. Ele sabia que a possibilidade de um encontro com Clara mudaria o brejo de sua vida.

Léo chegou em casa, ansioso para marcar o encontro, mas não tinha coragem.

Para deixar a covardia de lado, começou a pesquisar na internet algo que retirasse seus medos e alucinações.

Leu a história de um artista que encontrou a cura ao criar esculturas. Lembrou-se de que, quando era adolescente, um psicólogo o havia sugerido espelhar a dor e esperança esculpindo algo, mas ele nunca havia praticado em nada. Movido por aquela lembrança, foi até a loja de artes comprar argila.

Mais tarde, o cheiro da massa inspirava-o e, apaixonado do jeito que estava, decidiu esculpir um cupido. Quando os dedos de Léo começaram a deslizar o estilete na argila, ficou mais concentrado, menos atormentado por vozes e imagens que o acompanhavam. Cheio de gozo no fazer, dava forma à cabeça e sentia a tão sonhada paz interior. As vozes aquietavam-se, as sombras desvaneciam-se e, após um longo período, experimentava um momento de serenidade.

Quando a obra ficou pronta, ele notou que as asas não eram nada parecidas com a dos anjos. Desapontado, destruiu a escultura contra o chão. Cansado, foi dormir… Depois de duas horas, pouco a pouco, como alguém que acorda de um pesadelo, foi voltando a si e, ao mesmo tempo, os pensamentos atormentadores voltaram a consumi-lo. Levantou-se tomado por um misto de coragem e medo, pegou o telefone e ligou para Clara.

— Quem é? — falou ela, ansiosa para ouvir um convite. Ele acalmou-se, mas ficou sem palavras.

— Meu café está demorando — gritou um dos muitos clientes. Dessa vez, Clara tinha sido apressada a desligar.

— Quem é? — perguntou outra vez.

— É o Léo, peguei seu telefone hoje.

— Eu sei, é o moço sonhador, né?

— Mais ou menos. Eu… eu quero te ver.

— Saio meio-dia. Amanhã me encontre na frente da loja. Aqui tá lotado, tenho de desligar. Até mais.

— Até!

Faltavam dois minutos para o encontro. Léo, do outro lado da rua, olhava para a entrada da cafeteria. Nervoso, andava em círculos pela calçada, cada volta um prelúdio de futuros improváveis. Enfim, viu Clara sair do estabelecimento, impaciente, com o celular na mão. Seu coração batia cantarolando enquanto olhava para ela.

Clara esperava por ele receosa, pensando em esconder o celular no bolso, já que aquela calçada era um “enxame” de assaltos. Mas quando viu Léo, distraiu-se e começou a atravessar a rua com o aparelho na mão.

De repente, uma moto bloqueou o caminho da moça. O motoqueiro apontou um revólver em sua direção, com a voz faminta:

— Me dá o celular, rápido!

Léo viu o terror estampado nos olhos de Clara. O ladrão insistiu, com a arma cada vez mais próxima do rosto dela. No momento em que ela estendeu o braço para entregar o celular, o revólver disparou.

Após um barulho alto e seco, o motoqueiro fugiu e um grito de socorro cortou o ar. Clara caiu com força no asfalto. Léo, que assistiu tudo do outro lado da rua, gritou sem poder fazer nada e correu até ela. Tremendo, ele notou o ferimento grave.

Outras pessoas se aproximaram. Uma delas gritou:

— Alguém chama uma ambulância!

Clara fechou os olhos. Léo estava ali, ao lado dela, olhando-a com olhos doentes de paixão. Ele estendeu a mão. Clara a segurou. E de mãos dadas, ela deixou este mundo.

Minutos depois, a ambulância chegou, o médico confirmou o que já se sabia. Léo permaneceu na rua, seu coração batendo tão forte que ele o escutava no ouvido. O mundo pareceu desaparecer enquanto ele acompanhava o desenrolar da tragédia: Clara, que sorrira para ele momentos antes, naquele momento estava estatelada no chão.

Léo ficou em estado de desespero. Tentou revivê-la fazendo massagem cardíaca, mas o médico o afastou. Então, ele estava sozinho, pensando em outra forma de trazê-la de volta. Obcecado por essa ideia, se despediu dizendo “até breve, meu amor.”

Eram quatro da tarde de uma quinta-feira. Havia umas cem pessoas no cemitério e o  céu nublado derrubava pingos de coragem e tristeza. Guiado por esse misto caindo sobre si, Léo teve a corajosa ideia de fazer um discurso sobre a cova.

— Clara, esse pessoal não me conhece, nem eu conheço ninguém, mesmo assim digo com todas as forças que te amo, meu amor.

Alguns dos enlutados riram, outros ficavam se perguntando de onde vinha aquele sujeito asqueroso. A família dela odiava a cena.

— O céu está chorando por você, meu amor. Eu te conheci pouco, mas foi o suficiente para juntos irmos a eternida…

— Alguém tira esse cara daí! — gritou a mãe de Clara antes de Léo terminar o discurso.

Dois tios de Clara estavam próximos de Léo e o convidaram a se retirar. Um padre tomou a palavra entoando o Pai-Nosso, e a oração desfez o caos, trazendo paz.

— Eu te amo, Clara… — Ele foi para casa gritando na chuva. — Clara, por que tenho tantas visões e não te vejo, meu amor?!

Algo dentro dele, que não era a chuva, respondia:

— Reviva Clara numa escultura de barro, reviva Clara numa escultura de barro.

— Mas como faço isso? — Léo perguntou à voz.

— Você vai precisar do coração dela para colocar dentro da argila antes de modelar.

— Nunca! — respondeu Léo, desapontado.

Em sua cabeça, os outros egos assistiam, uns aparvalhados, outros atônitos, ao verem onde aquela ideia absurda chegaria. No resto da tarde, com aquele pensamento martelando na cabeça, veio uma visão arrebatadora que transcendia o tempo e o espaço.

Ele viu Pigmalião, em toda a sua magnificência, moldando Galateia. Seus dedos, ágeis e precisos, davam forma ao marfim, esculpindo cada curva, cada detalhe com amor e carinho. A cena era tão real, tão vívida, que ele se sentiu transportado para outro plano, testemunhando o nascimento da própria vida.

No outro dia, Léo chegou ao cemitério com uma flanela na mão procurando o túmulo de Clara. Esquivo, com capuz na cabeça para disfarçar, escondeu-se das pessoas. Após procurar por alguns minutos, chegou ao local. Sentou-se e disse a Clara que estava com saudades, e que ela não deveria preocupar-se, pois logo a traria de volta à vida. E lá estava Léo, sozinho, cheirando o aroma das flores murchas e limpando vagarosamente a placa com os nomes dos vários parentes da amada que ali também descansavam em paz.

— Clara, você é mais que minha respiração. Volta para mim — disse ele, suas artérias pulsando tão forte quanto suas mãos esfregando pano no tampo de granito. Mas nada comparado à sua obsessão em trazê-la de volta. Uma voz em sua mente interrompia a cena pigmaliónica.

— Você realmente acha que pode trazê-la de volta, Léo? — perguntou a voz, lançando dúvidas sobre seu desejo. Indeciso, despediu-se dos mortos, de Clara, e se foi, deixando para trás a calmaria da arte tumular.

— Vamos voltar ao escurecer, seus tolos! — falou outra voz em sua consciência, ecoando as risadas zombeteiras dos outros inquilinos.

Ao cair da noite, as dúvidas morreram. O desejo de reviver Clara ganhou força. Léo seguiu rumo ao cemitério debatendo com as vozes em sua cabeça de onde surgiu a ideia macabra. Sem descobrir o gatilho da origem, caminhou com uma marreta numa mão, talhadeira na outra, e faca enfiada na calça.

— Anda logo, vagabundo!

— Vagabundo é seu pai, filho duma puta!

— Silêncio, seus embaixadores do inferno! — falou Léo, e os egos calaram-se.

Ao encostar no muro baixo do cemitério, jogou as ferramentas do outro lado e pulou para dentro.

Esgueirando-se por entre arvoredos e sombras, chegou ao túmulo da família de Clara e olhou para os lados.

— Vai, pede perdão à musa e estoura o tampo de granito — ordenou uma voz interna. Léo pediu perdão a Clara e deu uma forte marretada, bateu no granito mais duas vezes seguidas, três, quatro, cinco… na décima pancada, o tampo estourou e ele caiu no fundo da cova ao lado das várias gavetas.

Estava escuro, fedia a roupa esquecida na máquina de lavar e ele não sabia qual era a gaveta da amada.

— Qual parede devo quebrar, pessoal?

— Quebra qualquer uma que a energia de Clara vai te atrair — respondeu uma voz interior.

Léo, sem pensar, obedeceu e meteu a marreta até quebrar a parede e o caixão ficar exposto. Quando sua mão puxou o objeto, tudo ficou ainda mais escuro e claustrofóbico. Abriu o caixão, viu um defunto.

— É você, meu amor? — Um odor desagradável foi a resposta. Prendeu a respiração e bateu com a marreta na talhadeira até quebrar os ossos da costela, depois pegou a faca e, sem piedade, arrancou o coração da amada.

— Clara, meu amor, é para te reviver, me perdoa — falou com o órgão na mão, e depois saiu correndo para respirar ar puro longe dali.

Duas horas após escapar do perigo, Léo chegou em casa com uma intensidade diferente. Cheias de adrenalina, suas mãos molhadas davam forma ao corpo.

— Clara, você sempre usava o boné para prender o cabelo, igual no dia que te conheci — falava com a escultura. Caprichava na boca. — Sua boca… sempre tão expressiva. — Colocando a alma no trabalho, alisou o peito com dedos molhados, pegou o coração jogado em cima da mesa, enfiou na argila, fechando suavemente. — Pronto, agora só falta bater.

Subiu os dedos acariciando o rosto e tocou nos olhos fechados.

— Seus olhos… sempre tão cheios de vida.

Ficou extasiado diante de sua obra pronta.

— Clara, volta para mim — suplicou pela ressurreição. — Como te reviver, meu amor?

Cansado de filosofar sobre morte e vida, soprou as narinas da amada, pegou um sedativo em cima da geladeira, tomou e foi dormir.

Sonhou que a escultura de Clara ganhara vida e gritou em seu sonho.

— Clara, seus olhos… eles estão abertos! Te amo!

Acordou apressado e correu para ver a escultura.

— Clara, por favor, diga algo!

Ela continuava inanimada e silenciosa.

— Você pode ter pegado o coração errado, imbecil! — falou uma voz na cabeça dele.

— Será…? — respondeu Léo, encucado.

Passou o dia de folga indiferente ao mundo, não ficou sabendo das notícias que corriam na cidade sobre a violação da sepultura. Apenas molhava os dedos no balde de tinta-fantasia e traçava no ar que naquele dia não ouviria mais nenhuma voz da cabeça. Sozinho, planejou voltar no outro dia à cena do crime.

Às vinte horas em ponto, Léo caminhava devagar e leve. Seus passos eram favos com larvas prestes a se tornarem zangões. Entrou no cemitério, decidido a arrombar todos os caixões que visse pela frente até encontrar o de Clara. Chegando ao destino, analisou uma forma de retirar o tapume provisório que substituía o granito destroçado.

— Léo, não faça isso, volte pra casa — ouviu a voz de Clara. Ele ficou fora do ar…

Após uma denúncia de arruaceiros nas redondezas, os guardas municipais faziam ronda para prender algum meliante. Chegaram de mansinho, e Léo assustou-se com a mão do sargento batendo em suas costas.

— O que está fazendo aqui tão tarde?— perguntou o sargento enquanto o revistava. Léo saiu do transe e viu a imagem de Clara desaparecer dizendo “até breve”. Intrigado, virou os olhos e encarou o homem.

— Fiquei sabendo das notícias que algum vagabundo arrombou o túmulo da família da minha amada.

— Era sua namorada?

— Sim, o amor da minha vida, agora mesmo ela falava comigo.  

O barulho de um objeto metálico caindo no chão chamou atenção dos guardas. Dois homens vestidos de preto saíram correndo, se escondendo e pulando túmulos. O sargento ficou segurando Léo, os outros saíram em disparada atrás dos arruaceiros, mas não conseguiram apanhá-los. Voltaram ao encontro do sargento, cochicharam em particular. Sem evidências concretas de vandalismo, eles o deixaram ir.

O estado de espírito de Léo mudou completamente, de uma hora para outra. De repente, pensou que a amada pudesse ter aparecido.

Quando voltou para casa, ele encontrou Clara, de braços abertos. A escultura que ele havia criado transformara-se em uma mulher viva.

— Clara! Clara!  — Ele a envolveu em um abraço apertado, lágrimas escorrendo pelo rosto. — Você veio me encontrar — sussurrou, a voz embargada, ao pé do ouvido da amada. Seus dedos traçavam um caminho suave por seu pescoço. — Cometi erros, muitos… me perdoa, por favor.

Elevando-se nas pontas dos pés, ela permaneceu em silêncio. Sua boca encontrou a dele em um toque suave. As mãos dela, firmes em suas costas, o puxaram para mais perto. E então, sem aviso, ela o beijou, pegando-o totalmente de surpresa.

Sobre Fabio Baptista

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24 comentários em “Psicose (Emanuel Maurin)

  1. Renato Silva
    1 de junho de 2024
    Avatar de Renato Silva

    Olá, tudo bem?

    Eu realmente senti muito pelas perdas do Léo e sua falta de sorte na vida. Gostei das descrições das cenas e também do seu estado psicológico. Não me convenceu muito ele conquistando a jovem, não tão facilmente. Geralmente, esses caras são “esquisitões”. Mesmo não sendo esteticamente feios, apresentam linguagem corporal que espanta qualquer uma. Talvez Clara fosse uma moça bem carente e se sentiu atraída por Léo por isso, já que nem sempre beleza é tudo. Nem toda mulher com baixa confiança e que aceite “pegar” qualquer cara é feia, mas tem problemas de autoestima.

    Acho que a cena que culminou com o assassinato de Clara foi um pouco “forçada”, ali, em plena luz do dia, quando ela nem colocou os pés na rua. Penso que poderia ter sido mais elaborada.

    Daí pra frente, o rapaz entrou numa espiral de loucura. E as sequências seguintes foram bem interessantes, até seu final.

    No geral, eu gostei do conto. Você tem grande habilidade com a escrita.

    Boa sorte.

  2. Sílvio Vinhal
    1 de junho de 2024
    Avatar de Sílvio Vinhal

    O texto é rico e desenvolve uma boa ideia, capaz de cativar o leitor. A escrita revela potencial, embora haja alguns probleminhas na construção do texto, nas concordâncias verbais, falta de pontuação, principalmente vírgulas, e na hierarquização dos parágrafos. Pontos que enriqueceriam muito o texto e ajudariam o leitor a apreciar melhor a obra. Não chegam a comprometer o resultado, porém, uma maior atenção a eles vai fazer o autor/autora voar bem mais alto, merecidamente.
    As descrições são muito boas, por várias vezes eu pude imaginar as cenas e os desenhos de Léo sendo projetados no ar, como realidade aumentada. Um indício de que o texto pode resultar num belo curta, quem sabe?
    Há alguns poucos excessos e repetições que talvez, pudessem ser evitados, fazendo ganhar mais força os elementos bacanas presentes na trama. Nesse caso, menos é mais.
    Perfume de alfazema? Parece algo tão retrô… será que entrega a idade do autor/autora? Ou seria algo vintage?
    Uma frase com dois “nãos” já é bastante confusa. Com três, fica quase impossível. Como dizer isso de outra forma?
    “— Tudo que não é dito não muda a ordem natural das coisas. E por que não?”
    Tirando a citação ao perfume de alfazema, o texto parece ser de um autor/autora jovem, com um potencial incrível. Parabéns e boa sorte no desafio.

  3. Pedro Paulo
    1 de junho de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    RESUMO: Léo viaja em si mesmo e embarca metade de uma garota para viajar junto dele.
    COMENTÁRIO: A abordagem deste texto é interessante, interpretei como uma viagem no interior de si mesmo, por águas incertas e perigosas em que há criaturas submersas. Há dois assaltos marcando dois pontos da narrativa, o que toca apenas levemente o tema de roubo, viagem sendo realmente o centro da narrativa. A escrita é hábil em nos conscientizar do que acontece dentro e fora do personagem conforme a narrativa avança, e aí jaz o conflito, nos deixando no limiar entre realidade e delírio e imaginando se haverá sossego para essa mente irrequieta. Apesar de uma abordagem acertada e uma narrativa bem estruturada e bem escrita, confesso que o texto não me cativou. Entrego a uma preferência pessoal. Acho que do ponto de vista técnico a história funciona, angustiante, romântica, esperançosa, trágica e, então, sinistra. Mas acho que a maneira como foi desenvolvida, sobretudo nos diálogos e, também, em certa artificialidade nos eventos (o primeiro contato e o último entre os dois amantes me pareceram artifícios para colocar o personagem em determinada situação, mais do que uma progressão orgânica, afetando a verossimilhança. Apesar disso, em um conto que é filtrado pelo ponto de vista não confiável do protagonista, isso que chamo de artificial pode ser resultado dessa escolha narrativa) me tirou um pouco do texto. Ainda assim, um bom conto, sobretudo em disputa com os demais do certame.

  4. Mariana Carolo
    31 de maio de 2024
    Avatar de Mariana Carolo

    História: Um rapaz esquizofrênico se aproxima de uma moça. Há um roubo banal, de um celular, também um roubo muito mais nobre. É um conto que começa engraçado, passa para o romântico, dramalhão (digo com o maior respeito, pareceu cena de novela da Globo) e acaba triste/perturbador. Foi curioso de acompanhar. 4/5
    Escrita: É bastante complicado construir questões psiquiátricas, são como labirintos, mas o autor se saiu relativamente bem. O final ficou um pouco abaixo do tom do começo, pareceu apressado. No geral, uma boa escrita. 3,5/5
    Título e imagem: psicose cabe como título, mas me incomodou a referência ao Hitchcok e o seu psicose, motivações bem distintas. A imagem é lega. 0,8/1

  5. Gustavo Araujo
    24 de maio de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Um conto que convida o leitor a viajar com o protagonista. Não sei se todos topam a empreitada, mas quem se jogar de cabeça vai acabar gostando. Leo é um sujeito que não tem clara percepção da realidade, que mistura fatos, pensamentos e percepções. Enxerga sinais, ouve vozes, tira conclusões de onde não há nada. Tudo isso poderia levar a uma trama confusa, chata até, mas a habilidade do autor evitou que isso acontecesse. Talvez porque haja um fio interessante nessa saga, o amor de Leo pela Clara.

    Ao perceber isso, esse sentimento autêntico, legítimo e até certo ponto inocente, acabamos nos identificando com ele, torcemos por ele e pela Clara e, obviamente, ficamos entristecidos com o fim inglório dela. Então vem a parte do fantástico — algo que lembra a “Noiva Cadáver” do Tim Burton — e a gente, leitores, permanecemos na torcida, apesar de sabermos, no fundo, que não vaio funcionar, que não vai dar certo, que toda essa loucura é fruto da mente perturbada do Leo. O fim do texto abraça esse lado onírico: para Leo, o coração funcionou. Bem, pelo menos o coração dele funcionou e isso lhe basta.

    Enfim, gostei do conto pq me fez viajar de verdade. A maneira um tanto confusa como os pensamentos e as palavras surgem colaborou para isso. De repente, me transformei no Leo — aliás, queria ver o Leo Jardim lendo este conto — me transformei no protagonista, e isso é algo raro de acontecer.

    Ótimo trabalho. Parabéns e boa sorte no desafio.

  6. Amanda Gomez
    22 de maio de 2024
    Avatar de Amanda Gomez

    Oi, bem?

    O conto por si só é uma viagem. 

    Acompanhamos um homem com problemas psicológicos graves em sua rotina. Ele tem um trabalho ou não, ele foi assaltado ou não. Digo isso pela peculiaridade da narrativa, o que é real ou não temo como saber nessa história. 

    O conto me prendeu, fiquei curiosa com o desenrolar dos acontecimentos. Assisti recentemente Bebê Rena, e achei engraçada a coincidência da cena do bar com a garçonete. Temos que ter cuidado com quem somos simpáticos mesmo. 

    Achei interessante como o autor abordou todos os seus devaneios, ele narrava uma coisa e eu automaticamente imaginava outra uma vez que se tratava de um olhar fantasioso. Senti empatia pelo personagem, pelo apego que ele demonstrava com suas criações imaginarias. 

    Acho que podíamos ter um pouco de vislumbre sobre como o personagem que se transformava na cabeça dele realmente era. Os diálogos ficaram confusos…mas acho que é proposital, certo?

    Ficou bem macabra a cena do roubo do coração. Um tanto inverossímil mas, acredito que licença poética sempre que o personagem principal não é confiável. 

    Um ótimo conto, narrado de forma agil e dinamica. 

    Parabéns. 

  7. claudiaangst
    20 de maio de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Oi, Hitchpobre, tudo bem?

    O pseudônimo e o título apresentam forte ligação com Alfred Hitchcock, remetendo ao filme Psicoce, dirigido pelo renomado diretor: após roubar elevada quantia para se casar com o namorado, uma mulher foge durante uma tempestade e acaba em um hotel que encontra pelo caminho.

    O conto aborda um dos temas propostos pelo desafio, embora seja uma espécie de pano de fundo para a trama narrada. Talvez ainda haja a possibilidade de se incluir uma viagem psicótica no pacote.

    Como Léo ouve vozes, pressumo que ele sofra de algum distúrbio psicológica, talvez esquizofrenia. Ou, quem sabe, tudo seja fruto de uma imaginação excessivamente fértil.

    Por essa suposição de perfil esquizofrênico, não há como questionar a verossimilhança sem levar em conta os elementos imaginosos ou fantásticos que dominam o texto. Dentro de toda a loucura, existe uma certa coerência.

    O conto no geral está bem escrito, linguagem direta com momentos de construção poética. Algumas falhas que escaparam à revisão:

    O cumprimento da moça, carregado de simplicidade, fizeram > O cumprimento da moça, carregado de simplicidade, FEZ

    Léo, que assistiu tudo > Léo, que assistiu A tudo

    cena pigmaliónica > cena pigmaliônica (nem sei se a palavra “pigmaliônica” existe, mas pela lógica o acento seria circunflexo)

    Não sei por que, mas o desfecho me fez lembrar de Branca de Neve, o caçador com a incumbência de conseguir o coração da jovem. Também me fez lembrar daquela história macabra do empréstimo do coração de Dom Pedro para comemoração dos 200 anos da independência do Brasil. Acho que o conto afetou minha saúde mental, só acho.

    Boa sorte!

  8. Luis Guilherme Banzi Florido
    19 de maio de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Olá, Hitchpobre. Tudo bem?

    Acho que consigo entender a relação do seu conto com o clássico do Hitchrico, hehehe. Um homem, com sérios problemas psicológicos, incapaz de aceitar a perda de uma mulher que ama, procura um meio de mantê-la viva. Parece que existem diversos paralelos nesse sentido.

    A história começa bastante confusa, e eu tive que reler algumas vezes os trechos iniciais, e parece que numa dessas leituras o conto “clicou” pra mim, e eu entendi o que estava acontecendo e viajei na sua história de modo agradável e divertido. Tenho a impressão de que muitos leitores ficaram meio perdidos na leitura, mas eu achei que foi tranquilo pra entender os acontecimentos. Até achei que a confusão geral do texto combina perfeitamente com a mente do protagonista. Talvez eu me identifique mais com esse tipo de escrita por ser o tipo de coisa que eu mesmo escrevo. Gosto de leituras mais desafiadoras, menos lineares, e confusas e complexas, quando elas são bem executadas, como foi o caso aqui. Dá uma sensação boa quando a gente liga os pontos e se localiza na história. Pelo menos foi assim comigo.

    O enredo é bem bom, com um homem, com sérios problemas mentais, se apaixonando e ficando obcecado por uma moça que acabou de conhecer e que acaba morrendo na frente dele. Parece que ele, que já tinha dificuldades em manter um raciocínio claro, sofre um duro impacto com a perda da “amada”, e isso serve de gatilho para ele ter um rompante esquisofrênico. Eu gosto do tom insano e rápido da história pois, novamrnte, acredito que combinou com o estado mental do protagonista. Foi quase como viajar de carona na mente dele.

    A história também é bastante triste, pois é possível imaginar e se colocar no lugar do personagem. Ele me fez sentir empatia, e em vários momentos eu fiquei imaginando como deve ser horrível viver dessa forma. Essa empatia geral é um merito total do autor.

    Enfim, gostei bastante, senti empatia, embarquei na viagem, e tive uma otima experiencia na leitura. Parabéns!

    Só não entendi bem quem eram os dois ladrões que apareceram no cemitério no final e livraram ele da polícia. Eram outros assaltantes que coincidentemente apareceram ali, e ele deu sorte? Ou algo diferente que fui incapaz de captar?

    O desfecho parece ser o rompimento total da mente dele, bem trágico.

    Construção de personagens: 10,0
    Enredo: 8,5
    Ritmo: 8,0
    Técnica: 9,0
    Desfecho : 9,0

    Nota final: 8,9

    Parabéns e boa sorte!

  9. Marco Aurélio Saraiva
    18 de maio de 2024
    Avatar de Marco Aurélio Saraiva

    Resolvi adotar um estilo mais explícito de avaliação, pegando emprestado do que o Leo Jardim fazia antes, com categorias e estrelinhas, e também deixando no final um “trecho inspirado”, que é uma parte do conto que achei particularmente bela ou marcante.

    ——————————————–

    Avaliação

    Rapaz… que viagem, ein!

    Léo parece ser um esquizofrênico, que vive na sua própria realidade e conversa com as vozes na sua cabeça. Ele se apaixona por Clara sem trocar uma única palavra com ela e, quando ela retribui certo interesse, ele a considera o amor da sua vida. Infelizmente Clara é vítima de um assalto violento e morre, e agora Léo tenta reconstruí-la em uma estátua de argila.
    É um conto triste, que mergulha na mente de uma pessoa com problemas mentais sérios, mas que é negligenciada pela sociedade. Também é um conto bem confuso, em algumas partes um tanto inocente, em outras bastante sóbrio, e ainda em algumas outras bastante onírico.

    Não entendi o que aconteceu com ele no início. O assaltante não roubou os seus pertences, mas sim as suas memórias do que havia pintado mentalmente durante a vida? Ache que isso ia levar para algum lugar mas logo em seguida o enredo se torna a história de amor entre Léo e Clara e este “assalto de memórias” fica para escanteio, nunca mais sendo abordado!

    TÉCNICA ●●◌ (2/3)
    No geral, gostei da escrita. As descrições são muito boas, especialmente a forma como você usa os cheiros para ambientar as cenas. Há alguns trechos no conto que são verdadeiras obras-primas. A confusão de alguns trechos foi interessante (e acredito que até proposital) por que reflete a confusão que ocorre na mente de uma pessoa com esquizofrenia. Mas outros trechos são confusos demais, e me atrapalharam.
    Por exemplo, segue um trecho logo no início: “À noite, Léo caminhava pela calçada, pensando no dia em que havia ganhado, de sua falecida mãe, um conjunto de pintura e livros. A cena de Aslan, o leão, sendo morto e depois ressuscitando foi reproduzida”. Esta cena foi reproduzida onde? Quando? Foi reproduzida por ele quando criança? Estava reproduzida na capa do conjunto de pintura? E o que é um conjunto de “pintura e livros”? Livros com imagens para pintar? Livros sobre pintura?
    Todo o primeiro parágrafo ficou bem confuso para mim. Ele prossegue: “Achara que tinha talento e mostrara na escola, mas as crianças de sua classe riram. Com os dedos manchados com tinta imaginária, desenhou no ar a sua mãe voltando à vida, quando foi surpreendido por um homem que saiu da sombra de uma árvore e apontou um revólver para sua cabeça”. Com os dedos no ar ele desenhou a mãe… quando era criança e sofria bullying? Ou desenhou a mãe já adulto, andando pela calçada antes de ser assaltado? Na primeira leitura, achei que ele havia sido assaltado quando criança!

    HISTÓRIA ●●◌ (2/3)
    É uma história com início, meio e fim, com uma boa conclusão e bom desenvolvimento. Para ser sincero, não me pegou tanto assim, então tirei um pontinho mais por quesito pessoal, mesmo.
    Uma nota que curti na história é que ela tem um certo elemento de terror também. Léo não era escultor e mal aprendera a criar estátuas de argila quando decide recriar um ser humano. Então, na minha cabeça, a “Clara” que o recebe de volta em casa e o beija é um ser disformem, mal reproduzido, uma espécie de monstro de argila.

    TEMA ●◌ (1/2)
    A história tem roubos e assaltos, e um deles é um evento importante na trama, mas “roubo” não é exatamente o tema do conto.

    IMPACTO ◒ (0.5/1)
    Rapaz… este conto é engraçado! Ficou comigo mesmo depois de ter terminado de ler. Fiquei confuso, mas gostei, achei estranho… quanta sensação única vindo desta leitura!

    ORIGINALIDADE ● (1/1)
    Não tem como negar que este conto é bastante criativo e original.

    TRECHO INSPIRADO (escolhi mais de um!)
    “Com os olhos cravados no crachá da garçonete, não percebeu o interesse real que ela demonstrava. Pediu café. Ela, ao notar que estava sendo filmada pelos olhos do estranho, sentiu gelo e fogo no ventre secreto”
    Este “gelo e fogo no ventre secreto” foi um trecho inesperadamente belo. Muito bom!

    “Frustrado por não conseguir dizer a Clara o que sentia, a cada passo que dava, Léo inventava palavras. Pensava em silêncio enquanto olhava as ruas cheirando a escape, com carros indo e vindo.”
    Gostei deste trecho por que as ruas cheiravam a “escape”. Isto pode ser lido como o cheiro do cano de escape dos carros, ou da própria fuga de Léo a uma situação que o tirou da sua zona de conforto.

  10. Jorge Santos
    14 de maio de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá, hitchpobre. Acabei de ler o seu conto. Gostei da atmosfera de profunda desorientação. Os sinais claros de esquizofrenia dão interesse ao enredo, com o leitor a nunca saber se o que está a ler é real ou fantasia. A adequação ao tem é conseguida pelo roubo do coração. Há algo de poético nisto tudo, para quem goste de poesia mórbida. O problema é que não bastam as ideias para conseguir um bom texto. Falta no seu conto elegância e fluidez, essenciais para prender ainda mais o leitor e para separar um bom texto de um texto excelente.

  11. Thiago Amaral
    14 de maio de 2024
    Avatar de Thiago Amaral

    Olá, Hitchpobre!

    Consigo dividir seu conto em duas partes: Antes e após Clara.

    Na verdade, li o seu conto em duas partes. Da primeira vez, fui até pouco antes da morte da menina. Estava gostando do conto e me identificando com o Léo. O texto tinha um romance teen bacana, temperado com as características psicológicas do protagonista, que não pareciam ser tão sérias de início. Tudo tinha um tom poético.

    No entanto, na segunda leitura, após Clara morrer num assalto Diabo Ex Machina, o conto rapidamente descarrila e começa um delírio absurdo. Parecem dois contos diferentes, até hahahah

    A partir do momento em que Léo começa a discursar no enterro de Clara, a história parece seguir uma linha de humor nonsense.

    Se a intenção não era essa, é necessário investigar por quê não se pode passar uma impressão mais séria a partir desse ponto. Acho que um dos motivos é a velocidade com que as coisas começam a acontecer. Muita coisa muito rápido, na minha opinião. Como no trecho:

    “Quando a obra ficou pronta, ele notou que as asas não eram nada parecidas com a dos anjos. Desapontado, destruiu a escultura contra o chão. Cansado, foi dormir… ”

    As coisas vão sendo contadas de forma en passant, sem entrar em detalhes, e uma mais doida que a outra… Acredito que, se nos aprofundássemos nas motivações e no ponto de vista do protagonista, deixando tudo fazer mais sentido para o leitor, poderia tornar a leitura mais séria. Do jeito que está, parece apenas que o autor queria colocar situações chocantes na história. Uma dramaticidade que, no fundo, não se sente, como o amor de Léo por Clara.

    Nos momentos em que ele invade o cemitério, eu já não ligava mais tanto pro que aconteceria, não levava Léo a sério… ele era só uma caricatura, um personagem perdido em desvarios.

    Os trechos que remetem à mitologia parecem tentar colocar um significado mais profundo na história, mas acho que o conto em geral não tem força para convencer o leitor de que há algo a ser dito.

    Por fim, acho que em geral está bem escrito. Meus problemas são apenas com os acontecimentos exagerados, um após o outro. Mas acredito que você possa escrever coisas interessantes.

    Obrigado, e até a próxima!

  12. Givago Thimoti
    11 de maio de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    PSICOSE (HITCHPOBRE)

    Bom dia, boa tarde, boa noite!

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Viagem/Roubo – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, inspirado pelo Marco Saraiva, também optei por adotar um estilo mais explícito de avaliação, deixando um pouco mais organizado quando comparado com o último desafio. E também peguei emprestado do que o Leo Jardim fazia antes, com categorias e estrelinhas, e também deixando no final um “trecho inspirado”, que é uma parte do conto que achei particularmente digno de destaque.

    Mesmo diante de tudo isso, as notas e os comentários podem desagradar, como percebi hoje, dia 29/04/24. Como já está no meio do desafio, e eu já avaliei alguns participantes, eu vou manter o estilo de avaliação, “anunciando” a nota e tecendo minha opinião do mesmo jeito. A diferença é que essa nota é provisória e sujeita a alterações. Obviamente isso se estende aos contos já avaliados.

    Outra coisa que eu percebi que deu ruído até o momento também foram os critérios. Vamos lá, para tentar esclarecer: refleti bastante sobre o assunto e a minha conclusão é a seguinte: não consigo avaliar um texto literário como um conto, dentro desses critérios, sem considerá-los como um todo.  Afinal, uma técnica apurada pode beneficiar a história do mesmo jeito que o contrário pode ocorrer; um conto com a escrita não tão boa pode afetar a história, seu desenvolvimento e seu impacto e assim por diante.

    Por fim, é isso! Meu critério é esse e não sofrerá mais alteração. Creio que é o mais justo entre meu jeito de avaliar, a lisura do certame e o respeito e a consideração pelo autor/pela autora.

    AVALIAÇÃO + IMPRESSÕES INICIAIS

    O CAPS está perdendo alguns pacientes nesses contos do desafio.

    Que? Que? Que?????

    A confusão nesse texto é igual quando a gente faz um prato de comida com molho e o molho fica meio salgado. Se você considerar só o molho, tá salgado. Quando você mistura com o restante da comida, passa e melhora a experiência. É um conto que você precisa se lembrar: tem um doido ali.

    Beirou o non sense. Mas é uma boa história.

    HISTÓRIA  (3/3)

             Psicose é um conto que fala sobre Júlio, um frentista que sofre de esquizofrenia (pelo menos foi o que senti) e se apaixona por Clara, uma garçonete. Bem no momento que os dois vão se encontrar, Júlio assiste sua amada ser assaltada e morta por conta de um celular. O que se segue na história para o leitor é ler Júlio tentar lidar com esse evento traumatizante.

             Júlio, em seus devaneios, se imagina roubando o coração da amada para revivê-la. E sua imaginação é muito poderosa. A sacada do autor/ da autora nesse ponto foi muito boa: realmente, havia saqueadores de túmulos. É um desfecho fechado-aberto. Fechado porque aos olhos da lei, Júlio é inocentado. Aberto porque pode ser que ele tenha aberto antes o mausoléu da família de Clara. Pode ser que não.

             A história é boa e, eu devo dizer, desafiadora. Acho que abordar uma pessoa com transtorno psiquiátrico, com uma visão de realidade diferente do que consideramos “normal”, é um dos maiores desafios para o escritor, porque você precisa trazer algum fio de normalidade para conduzir o leitor de um ponto para outro.

             Achei muito interessante mostrar uma pessoa com um transtorno psiquiátrico sério como a esquizofrenia enfrentar um evento traumatizante. Júlio é um personagem que a gente se compadece e de alguma forma faz com que torcemos por ele.

    TÉCNICA  (1,75/3)

    Confesso que achei a escrita um tanto confusa por algumas vezes, especialmente depois do falecimento de Clara, tanto que eu fiquei falando “quê” várias vezes durante a leitura. Foi proposital, mas sem dúvida, acho que ficou um tanto exagerado em alguns pontos.

    O conto está escrito em 3ª pessoa, como um narrador observador e onisciente (porque ele compreende os sentimentos do personagem). E acho que, durante o desenrolar da escrita, o próprio narrador se perde nos devaneios do Júlio. Isso vai para o bem, com uma escrita bem lúdica, e para o mal, porque a escrita fica muito confusa.

    No mais, a técnica (por pouco) não prejudicou a história. Faltou p, na minha opinião, trabalhar melhor essa parte pós falecimento da Clara, porque ela não flui direito e provoca um “quê” insistente na leitura. Podia ser um pouquinho mais claro.

    Em termos de gramática, não percebi grandes deslizes.

    TEMA  (1 /1)

             Conto adequado ao tema proposto no desafio. Roubo de celular, roubo de túmulos…

    IMPACTO  (1,5/2)

             Eu gostei do conto, o meu “ah” reclamão vai para a confusão do conto, acho que poderia ter sido dosado melhor, porque por muito pouco o conto não flertou com o non sense.

    ORIGINALIDADE  (1/1)

             Eu achei um conto original. Esquizofrenia, escrita boa e estranha, confusa no ponto certo.

    Trecho interessante: Faltavam dois minutos para o encontro. Léo, do outro lado da rua, olhava para a entrada da cafeteria. Nervoso, andava em círculos pela calçada, cada volta um prelúdio de futuros improváveis. Enfim, viu Clara sair do estabelecimento, impaciente, com o celular na mão. Seu coração batia cantarolando enquanto olhava para ela.

    Clara esperava por ele receosa, pensando em esconder o celular no bolso, já que aquela calçada era um “enxame” de assaltos. Mas quando viu Léo, distraiu-se e começou a atravessar a rua com o aparelho na mão.

    De repente, uma moto bloqueou o caminho da moça. O motoqueiro apontou um revólver em sua direção, com a voz faminta:

    — Me dá o celular, rápido!

    Léo viu o terror estampado nos olhos de Clara. O ladrão insistiu, com a arma cada vez mais próxima do rosto dela. No momento em que ela estendeu o braço para entregar o celular, o revólver disparou.

    Nota: 7,25 (como não pode notas com 2 casas decimais, a nota será arredondada para 7,3)

  13. Mauro Dillmann
    11 de maio de 2024
    Avatar de Mauro Dillmann

    O conto tem uma trama dinâmica, mas mesclado por linguagem mais tradicional/clássica (palavras como amargamente, nostálgico, praguejou, inescrupuloso, prelúdio, aparvalhados, pigmaliónica), o que torna a leitura mais vagarosa.

    Pareceu-me prolixo em várias passagens ao narrar os pensamentos do personagem Léo.

    No meu entender, o conto poderia ser escrito com bem menos palavras.

    Tem um ápice: o momento em que a personagem Clara leva um tiro. Mas depois, outro: o coração de Clara arrancado.

    Essa imagem é interessante: “fedia a roupa esquecida na máquina de lavar”.

    A narrativa é linear. O narrador está em terceira pessoa, estamos distantes da ação propriamente.

    Uma coisa é certa: autor/a deixou a imaginação fluir.

    Parabéns!

  14. Queli
    4 de maio de 2024
    Avatar de Queli

    Tema está ok. Escrita fluida, clara.
    O enredo é que pega… são muitos desdobramentos pra um único conto.

    Não que não possa haver, mas são desdobramentos tão inusitados que cada um renderia um conto por si só.

    O caso de amor entre alguém tão pé no chão e cheia de vida com alguém tão sonhador, lunático e frágil. O fim trágico desse amor.

    O roubo do coração do cadáver.

    E, por fim, a estátua cria vida e o beija, em sua imaginação.

    Eu gostei do conto. Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

  15. Regina Ruth Rincon Caires
    3 de maio de 2024
    Avatar de Regina Ruth Rincon Caires

    Hitchpobre, caro autor, desculpe-me por ter postado um comentário e ter pedido para retirar. Eu imprimo os contos para fazer a leitura no papel e ir fazendo anotações da avaliação (copia/cola). Acontece que quando fui copiar o seu texto, eu não copiei integralmente. Imprimi parte do texto, só até onde acontece a morte de Clara. E fiz a leitura até aí, e, consequentemente, fiz minha avaliação até aí também.  Depois disso. Comecei a perceber os comentários que falavam do cemitério, violar a tumba, e levei um susto! Mas não precisa se assustar. Eu apronto dessas, sou “ótima” para lidar com computador, impressora e todas essas coisinhas.

    Mas, vamos ao tento INTEGRAL . O conto inicia com o desejo impossível de Léo: ter a mãe de volta à vida. E, a partir daí, há suspense, há drama. Que maravilhosa é a descrição das cenas de um mundo fictício desenhadas no ar, sonhos que nunca se realizariam. Mundo frágil que até mesmo a chuva apagava. Parte da a trama é descrita com sobreposição de palavras e expressões doces, o lírico sobre a realidade. Há uma suavidade no narrar, na percepção dos ambientes. Gosto de observar o jeito de expressar sentimentos, opiniões; e, logicamente, percebo o uso do palavreado terno, ameno. É um contraste que o autor consegue manter diante de um drama tamanho como há neste conto. O texto é forte, dolorido, mas inicialmente é contado sem instigar a ira.

     “Simplicidade – admiração – afeto – cautelosa – perfume de alfazema – dimensão romântica – lucidez – movimentos delicados – respirando paixão – percebeu que não estava sozinho – certa esperança e alguma reciprocidade – respirando a possibilidade de um futuro encontro”… se eu for citar  as palavras brandas, vou copiar/colar toda a parte inicial do texto.

    “— Tudo que não é dito não muda a ordem natural das coisas”. –  Aqui é exigida uma pausa para reflexão.

    O amor “instantâneo” de Léo e Clara é tão bem construído na trama que prende o leitor. Poucas palavras ditas, faladas, e tanto amor criado. Convincente e lindo. E a colocação da argila na história, o manuseio, o cheiro. Bah! A psicologia, a santa psicologia.

    E o moço sonhador ganhou coragem, o idealizado estava pronto a acontecer. Declararia seu amor, seria correspondido, e viveriam “felizes para sempre”. E mais uma vez, a realidade nua e crua se impõe. E apaga todo o cenário que parecia ter o final feliz. Desenhado no ar, com os dedos manchados em tintas imaginárias?! Desfecho comovente, enternecedor.

     “— Sou cercado por sonhos que nunca se realizam.”

    E, em certa altura do conto, Clara morre. A partir daí, a insanidade de Léo aflora totalmente. Ouve vozes, muitas vozes, discute com esses “companheiros” imaginários e os obedece.  Não sei se esquizofrenia, mas é um problema psiquiátrico que o atordoa. Então, dentro de sua loucura, ele planeja roubar o coração de Clara. De maneira literal. E, assim, numa noite ele quebra o túmulo, arranca o coração da amada e o coloca numa escultura de argila. E ela revive.

    Neta segunda parte, que conheci depois, o conto saiu do caminho que eu estava enxergando. E o conto perdeu aquele fio que me encantava. Acho que ficou fictício, fantasioso. Mas não perdeu o valor. Há leitores e leitores. A escrita continua boa, perdeu um pouco a poesia.

    Parabéns, Hitchpobre!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço.

  16. Sem Noção
    2 de maio de 2024
    Avatar de Sem Noção

    Esse Léo precisa ter uma conversa séria com as vozes da sua cabeça. Falam tanto, só botam ele em encrenca. E na hora quem vêm um assaltante chegando perto ficam quietinhas, é?

    Sem Noção.

  17. Priscila Pereira
    1 de maio de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Hitchpobre! Tudo bem?

    Vou deixar minhas impressões sobre seu conto, lembrando que é a minha opinião e não a verdade absoluta. (Obviamente)

    Seu conto é bem psicótico mesmo… Desde o começo já mergulhamos na cabeça do Léo (nome de um dos meus sobrinhos), só que ainda de uma forma lúdica, inocente, quase mágica, com a tinta invisível e o mundo imaginário. Aí vemos o início de uma obsessão pela garçonete, e não sei se ela corresponde mesmo ou se não passa de uma alucinação.

    Aí vemos que os problemas mentais de Léo não são tão mágicos e inocentes assim, e que a coisa vai ficar muito macabra, com arrombamento de túmulo e violação de cadáver. E o final, bem, parece óbvio que ela não voltou a vida de verdade e que o coitado do Léo está precisando de uma intervenção psiquiátrica.

    A escrita é muito boa exatamente porque parece refletir a mente psicótica do personagem.

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  18. Thales Soares
    1 de maio de 2024
    Avatar de Thales Soares

    O filho que era a mãe. Existia uma lenda de que esse era o título do filme Psicose lá em Portugal. Inclusive, se você procurar no Google, vai ter essa confirmação. No entanto… alguém no EC me informou de que isso é apenas um mito, e isso abalou minha crença a respeito de um título tão inusitado que destrói toda a experiência por divulgar o desfecho da história já em seu nome. Esse pensamento me veio à mente, obviamente, devido ao título desse conto, que faz referência à obra de Alfred Hitchcock. E devido a essa referência, eu fiquei com uma expectativa a respeito deste conto que… não foi atendida. A história foi absolutamente diferente do que eu imaginei que seria. Mas vamos falar sobre isso com calma.

    A trama trata a respeito de um artista bunda mole e frustrado que vive numa cidade mais corrupta do que Gothan City, onde ocorrem roubos, estupros e assassinatos a cada esquina, e os personagens agem como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Não sei se esse cinismo todo foi inserido de forma proposital na história, ou se foi colocado aqui apenas para atender à proposta do tema, que era Roubo… mas ficou um pouco exagerado, meio mal calibrado. Tanto é que, ao meu ver, no momento do assassinado do amor da vida do protagonista, a cena causou uma sensação oposta ao esperado, pois tudo pareceu muito inverossímil. Inverossimilhança é algo que, para mim, assombrou este conto. Não consegui acreditar em nada que estava diante dos meus olhos, exceto nas personalidades internas do protagonista… achei elas bem interessantes e simpáticas, me lembrou até da época que eu lia os quadrinhos do Deadpool, e ficava fascinado vendo todas aquelas vozes dentro da cabeça dele. Acho que essa questão da esquizofrenia, que mostrou ser a parte mais divertida da história, poderia até ganhar mais foco, pois eu gostaria de ver mais participações dessas múltiplas personalidades tentando se sobressair na mente do cara. Se elas entrassem em conflito consigo mesmas, e entrassem em dilemas, como o Cara e o Coroa dos comentários do Sidney, a história, para mim, teria um brilho muito maior!

    A parte do romance… na minha opinião, foi bem piegas. Tudo bem que o artista apaixonado tende a ser meio brega. Mas a forma como as coisas se desenrolaram eu achei um tanto chata e cansativa. Eu dormi lendo esse conto, mas não por culpa do autor, mas sim por culpa minha mesmo, pois eu estava muito cansado… mas foi bem nessa parte em que a garçonete está sendo descrita como um anjo. Depois eu acordei, li o conto até o final, e dormi de novo… o segundo sono foi melhor, porque dormi refletindo sobre este conto. Ele não me desagradou totalmente, mas algumas partes confessor que foram bem maçantes, e outras achei um tanto sem pé nem cabeça. Por exemplo, na hora em que o protagonista está no velório, e decidi fazer um discurso para a falecida… por mais que as pessoas ali não o conhecessem, acho difícil eles se comportarem da forma como se comportaram, rindo e caçoando, ficando com raiva pelas palavras dele. Ele não estava ofendendo o defunto, estava apenas tentando expressar sua dor e sentimento de perda, que era algo que todos ali compartilhavam. Achei muito estranho isso. A forma como a garçonete aceitou o convite do cara achei um pouco estranha também… ela me pareceu fácil demais… era como se ela estivesse no cardápio, junto com o misto quente e o café, é só pedir e já ganhou! Outra coisa que eu não consegui engolir foi o ladrão do começo da história (o primeiro de muitos que viriam depois). Quem diria que teríamos ladrões de artes… afinal, até mesmo bandidos apreciam um quadro feito com esmero, não é mesmo? Pois, pelo que eu entendi, o ladrão roubou as artes do cara… é… não a carteira, nem o celular… mas as pinturas! Malditos ladrões de artistas!

    Uma parte que eu gostei muito foi quando o protagonista decide desenterrar o corpo da amada. Aliás… antes disso, quero dizer que achei toda essa questão de “amor da minha vida” extremamente forçada e irreal mesmo para os padrões de um maluco esquizofrênico. A história não mostrou vínculo nenhum entre os dois. Talvez tenha mostrado um ou outro desejo dentro da cabeça do protagonista, mas não o suficiente para convencer o leitor de que ele agiria daquela forma… só porque uma voz em sua cabeça lhe ordenou? Usar a esquizofrenia como muleta, e justificar tudo dizendo “Ah, é que ele é louco, suas atitudes não precisam fazer sentido”, eu acho uma explicação um pouco fraca. Mesmo os loucos possuem sua lógica torpe… e a lógica deste nosso louquinho aqui me pareceu um tanto aleatória… o texto até tenta justificar suas atitudes, através de seus sonhos inalcançáveis e das vozes, mas eu achei insuficiente. Mas enfim… vamos voltar a falar sobre a violação do túmulo da garçonete! Eu achei muito divertido tudo o que ocorreu aqui! As vozes falando com ele, pra ele pegar…. o coração dela!!!! E então ele chega na casa, tenta enfiar o coração na maçaroca de argila que ele fez, e nada acontece. Ai ele pensa “Puta merda, acho que pegamos o corpo errado!”. Essa parte da história me conquistou! Aí ele volta para o necrotério, e então vemos…… mais ladrões?! Sério?

    Por fim, chegamos no desfecho!

    “— Clara! Clara!  — Ele a envolveu em um abraço apertado, lágrimas escorrendo pelo rosto. — Você veio me encontrar — sussurrou, a voz embargada, ao pé do ouvido da amada. Seus dedos traçavam um caminho suave por seu pescoço. — Cometi erros, muitos… me perdoa, por favor.”

    Que erros são esses que o protagonista pensa ter cometido? Não vi demonstrações de arrependimento por parte dele ao longo da história. Na verdade, ele não teve nem culpa de Clara ter morrido. Então aqui não entendi ao certo pelo quê ele está se desculpando. Acho, inclusive, que seria interessante as vozes da cabeça dele aparecerem em mais momentos, como aqui, por exemplo, dizendo “Boa campeão!! Conseguiu sua garota de volta!!”, “Hoje a noite vai ser quente, uhull!!”. E então temos a frase de conclusão:

    “Elevando-se nas pontas dos pés, ela permaneceu em silêncio. Sua boca encontrou a dele em um toque suave. As mãos dela, firmes em suas costas, o puxaram para mais perto. E então, sem aviso, ela o beijou, pegando-o totalmente de surpresa.”

    Ok. O protagonista endoidou de vez. Mas…. só isso? Senti como se o conto tivesse acabado na metade. A história acabou de verdade? Ou foi o limite de palavras do autor que acabou? E o que tudo isso tem a ver com Alfred Hitchcock, ao qual o conto prometeu fazer referência logo no título? Norman Bates não era artista, era apenas um louco que sofria de Complexo de Édipo, mas esta história vai por uma linha completamente diferente, onde a única similaridade com o genial Psicose é… um personagem com transtornos mentais? Não era bem isso o que eu esperava. Mas enfim, boa sorte no desafio!

  19. Angelo Rodrigues
    27 de abril de 2024
    Avatar de Angelo Rodrigues

    Olá, Hitchpobre.
    Comentários:
    O pseudônimo escolhido pelo autor remete a uma ideia que talvez se revele: um Hitchcock dos pobres.
    Leo ouve vozes.
    Sério e curioso esse ouvir vozes. Ninguém pensa no vazio de sons. Todos pensam com uma voz organizadora, talvez a própria voz – certamente imaginada – materializada em fluxos de pensamentos. Não se pensa o inimaginável, o que não tem nome. O pensamento tem uma prerrogativa que é o nome das coisas. Alguns especialistas dizem que esse ouvir vozes está diretamente relacionado ao descompasso entre o pensamento e a sua percepção, fruto de um hiato entre esses dois eventos, gerando a impressão de que o que é ouvido é uma voz exterior, uma voz ouvida, mas não pensada. O nome que se costuma dar a isso é esquizofrenia. “A esquizofrenia é um transtorno mental caracterizado pela perda do contato com a realidade (psicose), alucinações (é comum ouvir vozes), falsas convicções (delírios), pensamentos e comportamento anômalo, redução das demonstrações de emoções, diminuição da motivação, uma piora da função mental (cognição) e problemas no desempenho diário, incluindo no âmbito profissional, social, relacionamentos e autocuidado.”  (texto de especialistas).
    Leo ouve muitas vozes. Talvez muitos pensamentos.
    O texto percorre uma série de vias, passando pela tragédia, quando Clara é atropelada e morta, depois por velhos arquétipos de terror ao abordar violações de tumba, posteriormente vai em direção aos gregos, com a Pigmaleão e Galatea, quando a deusa Afrodite, penalizada com o artista-escultor, transforma sua obra em uma mulher de carne e osso.
    O texto percorre nessa toada um longo caminho e o que nos entrega é o arranjo final de uma satisfação enlouquecida quando Leo admite verdadeiramente a transformação do barro em carne.
    Um tremendo drama, mas confesso que, sendo um apreciador de Hitchcock, nada vi que remetesse a seus filmes. Não sei se era intenção do autor ou o nome Hitchpobre foi apenas uma gag de momento.
    O texto tem alguns problemas de escrita, mas tudo bem, pode ser consertado.
    Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.

  20. Antonio Stegues Batista
    26 de abril de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    Leo e suas vozes internas. O título remete ao filme de Alfred Hitchcock, Psicose, mas não passa nem perto do enredo. Tendo referência também no pseudônimo Hitchcock “dos pobres”, mas nem tanto assim, o autor tem talento. Leo é diminutivo de Leonardo, que significa “leão forte” e faz referência ao leão de Nárnia, Aslam. Tem até um leão no Pigma. O conto começa com uma metáfora, e a esquizofrenia de Leo e as vozes em sua cabeça. realidade e sonhos lúcidos se misturando em seus gestos e pinturas metafísicas. A narrativa começa de um jeito e aos poucos vai se transformando, metamorfoseando em outra coisa com pinceladas de bom humor em meio ao horror da solidão humana e termina naquilo que todos nós almejamos, que nossos sonhos se tornem realidade. Muito bom.

  21. Vladimir Ferrari
    26 de abril de 2024
    Avatar de Vladimir Ferrari

    Psicótico, com toda a certeza. Mas é preciso ao leitor, viajar nas frases e parágrafos, pois o tema está NA MINHA OPINIÃO, “subtextualizado”. É um romance, com desvarios psicológicos do protagonista e ponto.
    Muito bem escrito e com frases muito belas, como “Nervoso, andava em círculos pela calçada, cada volta um prelúdio de futuros improváveis.” Para mim, no entanto, não atendeu a premissa do desafio, apesar de citar o assassinato de Clara como resultado de um roubo frustrado. Talvez, a premissa ficou um tanto esquecida.
    NA MINHA OPINIÃO, há um certo excesso em algumas frases, mas isso é realmente variante, dependendo do estilo narrativo de cada autor. Eu, por exemplo, não escreveria: “Clara prestava atenção no moço, curiosa; mas sempre discreta, perguntava-se sobre o que ele carregava na mente.” No lugar, usaria “perguntava-se sobre o que ia na mente”, visto que ela já estava prestando “atenção ao moço”. Mas isso é MINHA OPINIÃO, e portanto, perfeitamente descartável.
    Gostei do início. A ideia de um artista atormentado, pintando o cotidiano em sua imaginação enquanto vai vivendo o seu dia.
    Sucesso no desafio.

  22. Kelly Hatanaka
    26 de abril de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Costumo avaliar os contos com base nos seguintes quesitos: Tema, valendo 1 ponto, Escrita, valendo 2, Enredo, valendo 3 e Impacto, valendo 4. Abaixo, meus comentários.

    Tema
    É… o roubo é o elemento central do texto? Não. Mas ô lugar pra ter assalto hein. Caramba. Centrão de São Paulo está chorando de inveja em posição fetal.

    Escrita
    O ponto alto do texto. Escrita correta, uma linguagem simples e direta, gostosa de ler.

    Enredo
    Leo sofre de um distúrbio mental (esquizofrenia?) que o faz ver o mundo de forma peculiar e ouvir vozes. Ele se interessa por uma garçonete, marca um encontro e, quando vão se falar, um assaltante a mata. Ele tenta trazê-la de volta à vida através de uma escultura e, para isso, as vozes mandam que ele roube seu coração.
    Achei os assaltos meio excessivos. Talvez tenha sido uma preocupação em manter o tema em foco.
    Também estranhei as pessoas rirem do discurso dele no funeral. Não me pareceu natural. Foi uma alucinação dele?

    Impacto
    Acho que o fato da narrativa ser em terceira pessoa tornou tudo mais distante e descritivo. Devido ao estado mental de Leo, tudo ficou BEM descritivo. Num dado momento, achei cansativo seguir os pensamentos dele.
    Fiquei com dó dele nem ter tido chance de falar com a Clara.

  23. Emanuel Maurin
    26 de abril de 2024
    Avatar de Emanuel Maurin

    Um rapaz que fala com vozes da cabeça se apaixona loucamente por uma estranha, ela morre e ele tenta revivê-la. A narrativa é fluida, bem detalhada, não encontrei erros e o autor transmitiu a ideia de forma simples e direta. O final foi legal. Gostei.

  24. Cícero Robson Pereira
    25 de abril de 2024
    Avatar de Cícero Robson Pereira

    Conto interessante, que aborda encontros fortuitos e as fragilidades da vida. Na minha opinião, faltou um pouco mais de consistência na construção dos personagens e nas motivações do protagonista. Nota 8

E Então? O que achou?

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Publicado às 25 de abril de 2024 por em Viagem / Roubo e marcado .