EntreContos

Detox Literário.

Memória (Marco Piscies)

Seria apenas natural esquecer de tudo, após tanto tempo. Diego tinha certeza de que esqueceria, mas lá estava ele, correndo até a baliza adversária, lembrando-se de cada segundo daquela partida perfeita de futebol, revivendo cada momento, com um sorriso no rosto. Ele sabia o que viria a seguir. O seu marcador não arredava pé, mas a zaga abriu um pouco mais do que deveria, e ele ergueu a mão. Toninho viu, do outro lado do campo, e cruzou a bola para ele, invertendo a jogada.

Havia alguns requisitos para que um jogo fosse perfeito. Não poderia ser fácil demais – uma goleada daria aos torcedores do time adversário uma desculpa para falarem que o time passava por uma fase ruim, ou que os jogadores estavam desmotivados. O certo era um jogo equilibrado, onde ambos os lados lutavam com todas as forças. Um gol logo no início, e outro no meio do primeiro tempo, para levar a torcida à loucura. Fluminense dois, Vasco zero. Então, no finalzinho da primeira metade, um gol do Vasco para reacender a chama da esperança no peito dos torcedores alvinegros. No segundo tempo, lá pelos dez minutos, o empate. Os outros trinta e cinco minutos seriam de tensão total. Poucas faltas, muito talento, e uma resolução durante os acréscimos, bem no ápice. Diego já jogara muitas partidas de futebol – na verdade, ele havia jogado todas as partidas de futebol, e concluiu, sem sombra de dúvida, que aquela era a melhor. Aquela era a partida perfeita.

A bola traçou um arco no ar, na sua direção. Em um segundo Diego viu o zagueiro se aproximar, os outros defensores correndo para as suas posições, e o goleiro só um pouquinho mais adiantado do que deveria. Coisa boba, um passo ou dois. Tinha perdido a conta dos minutos que haviam passado, mas parecia uma eternidade desde que o juiz anunciara os acréscimos. Aquele era o último lance, e ele estava sozinho – o resto do mundo em câmera lenta. Teve medo de driblar, porque as pernas tremiam com o nervosismo. Por isso, no último instante, decidiu chutar. Lançou-se em um movimento que ficou estampado em camisas e nas redes sociais, que virou ícone por anos: seu corpo no ar, contra a luz do sol, a perna direita mais elevada. O chute de voleio pegou o time do Fluminense inteiro desprevenido. Se o goleiro não estivesse adiantado, conseguiria defender, mas onde estava, só um passo a frente, por mais que esticasse todo o corpo, a bola passou por um triz da luva. A rede balançou e a torcida invadiu o campo. Era o fim da partida, e o Vasco da Gama era o campeão brasileiro de 2088.

É claro que não havia campeonato nenhum. Diego sabia que tudo aquilo era uma encenação – ele conhecia todas as pessoas ali por nome, todas as sessenta e oito mil, quatrocentos e trinta e sete. Mesmo que o jogo não fosse real, porém, reviver aquela memória e sentir o calor no peito uma última vez fez tudo valer a pena. Aquela partida final entre Vasco e Fluminense de 2088 era a partida perfeita, porque ele era a estrela, e porque ela havia sido jogada em vida. Diego nunca entendeu a razão, mas o que havia acontecido em vida tinha peso maior, não importava o quanto tempo havia passado.

Rafael abriu caminho pela multidão e o abraçou.

“Tudo correu bem?”

“Foi tudo perfeito”, falou Diego.

Era isto, seu desejo estava consumado. A multidão dispersava, cada um voltando a aproveitar os últimos momentos da existência. Era o fim da jornada, que teve início naquele minúsculo momento que chamavam de vida. No pós-vida o tempo era muito mais generoso, a ponto de perder o sentido. Após milhões de ano as gerações perdiam o sentido e não fazia diferença quem havia nascido quando. Mesmo ali, porém, eles esgotaram as possibilidades. Diego já havia experimentado tudo o que era possível sentir. Viveu vidas inteiras como animais e plantas, como anjos e demônios. Experimentou todas as dores e todos os amores. Até mesmo jogou todas as partidas de futebol – todas mesmo, cada mínima variação delas. E o mais engraçado era que ainda era ele, com as memórias que insistiam em permanecer, como se aquele brevíssimo período – seus setenta e sete anos na terra – fizessem parte do alicerce da sua alma.

Conversava com Rafael a caminho do fim. De todos os amigos que fizera no pós-vida, o anjo era com quem mais havia se conectado.

“Quando vai acontecer?”

“A qualquer momento, agora. Os últimos estão revivendo seus momentos preferidos. Não falta muito”.

Caminharam em silêncio pelas planícies sempre-ondulantes do Elísio. O lugar era familiar agora, mas ainda se lembrava da estranheza de vê-la pela primeira vez, e de como demorou para se acostumar com os conceitos da vida após a morte. Não era nada parecido com o que haviam ensinado na catequese, ou com o que mostravam nos filmes.

“Está com medo, Diego?”

“Não lembro a última vez que senti isso. Essa dor no peito. Pensando bem, não é dor, é? É mais uma sensação de frieza. Uma batida mais pesada do coração”.

“É normal sentir medo diante do desconhecido, e há muito tempo você não vive o desconhecido”

“Mas não posso escolher ficar?”

“Qual seria o sentido de viver aqui, sozinho?”

“Se todos pudessem escolher o mesmo, eu ficaria aqui com todos os que decidiram ficar…”

“E reviver o que já viveram? Todos já viram e experimentaram tudo o que há para se ver e experimentar. De agora em diante, tudo será repetição”.

“Para ser sincero, já não lembro direito de tudo o que eu fiz…”

“Mas lembrará, se não parar de viver os mesmos momentos, vez após vez, até desejar não se lembrar de nada. É uma estranha tortura, esta da repetição. Transformar o querido em monótono é uma das piores dores”.

“Mas eu gostaria de experimentar esta dor também!”

“Você já a experimentou, em algumas coisas. Quantas vezes bebeu o mesmíssimo mesmo café, feito exatamente da mesma forma? Quantas vezes foi ao mesmíssimo concerto musical, ouvindo exatamente as mesmas músicas, no mesmo tom? São estas coisas tão excitantes hoje quanto eram no passado?”

Diego não teve resposta. Grupos de pessoas conversavam ao redor, os sorrisos serenos nos rostos, e ele se perguntou se não era o único ali a não sorrir, ou se todos travavam também uma luta interna para lidar com a partida.

Lembrou-se de quando viveu como anjo, e de como ajudou outras pessoas a lidar com momentos de finitude como aqueles, quando descobriram que tudo aquilo terminaria em algum momento. Rafael fazia o consolava da mesma forma, a única diferença era que aquele era o fim de todos os fins.

“Você foi humano um dia”, falou Diego.

“Sim, como você”

“Entao você também irá…”

“… Esquecer? Sim, irei.”

“É isso o que é, então? Vamos esquecer?”

“Isto é o que é a morte. Esquecer. Apagar todos os rastros, reiniciar”

Diego sabia que aquele corpo não era físico, que se assim o ordenassem, poderiam trocá-lo. Mas sem as suas memórias…

“Eu não serei… eu”

“Quem é você, Diego?”

“Essa é uma pergunta muito curta com uma resposta longa demais”

“E ainda assim, se eu desse a você um quadro negro, e permitisse que escrevesse a sua resposta por completo, incluindo cada detalhe, então com um apagador eu a apagasse. Quem seria você, então?”

“… nada”

“Não nada. Ainda haveria o quadro. E o giz. E o apagador”.

Pararam de andar. As sensações mudavam nos Campos Elísios, e o ar assumia um tom diferente. O fim estava próximo.

“E você? Está com medo?”

“É claro que estou”, respondeu Rafael. O anjo sorriu e fechou os olhos. “É estranho, não é? Como aceitamos a finitude das coisas. Todas as partidas de futebol que você jogou, antes ou depois de morrer, chegaram ao fim. Todas as xícaras de café terminaram. Toda música deve ter uma conclusão. Até o fim alheio, ainda que doloroso, é aceitável. Mas quando temos que encarar o nosso próprio fim, mesmo que seja para um recomeço, não conseguimos. É como uma não-pergunta, como perguntar quanto tempo se passou antes da criação do tempo, como olhar a si mesmo, olho no olho, sem a ajuda de um espelho.”

“E ainda assim, cá estamos”

“Cá estamos”

A dupla de amigos riu. Sentiram as memórias os abandonando, uma a uma, na velocidade da luz. Diego pensou em perguntar, antes que esquecesse de tudo, e a boca falou sem que ele pensasse no que fazia.

“Você acha que Deus está entediado com tudo isto? Reiniciar tudo, sempre, vez após vez?”

“Diego, Diego… você não vê? Deus é como nós. Ele também esquecerá tudo, e dará lugar para outro. Talvez você seja Deus, desta vez…”

E assim, todas as memórias foram esquecidas, e toda a matéria condensada em um ponto mínimo no centro de todas as coisas, e eclodiu novamente, com um magnífico som de explosão.

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14 comentários em “Memória (Marco Piscies)

  1. Priscila Pereira
    9 de março de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Uriel! Tudo bem?

    Seu conto não está na minha lista de obrigatórios então não poderei avaliá-lo, mas mesmo assim quero deixar meu comentário.

    Seu conto me lembrou uma série que achei muito interessante, mesmo que vá contra o que eu acredite sobre o pós vida, The good place, já viu? Se não viu, veja, tem muito do seu conto.

    Eu gostei do conto, está bem escrito, bastante filosófico sem ser chato ou querer empurrar no leitor alguma lição de moral.

    Tem uma leveza, uma elegância na descrição do fim de todas as coisas. A escrita é fluída e fácil de ler, tudo bem visual. Gosto disso!

    Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  2. Karina Dantas Nou Hayes
    6 de março de 2024
    Avatar de Karina Dantas Nou Hayes

    A partir da narração de uma perfeita partida de futebol, momento marcante da vida do personagem Diego, é explicada de uma maneira interessante e pertinente o que acontece quando partimos. O que acontece no pós-vida. Podemos identificar o recomeço no conto, dentro do processo de aceitação do nosso próprio fim. “Como olhar a si mesmo, olho no olho, sem a ajuda de um espelho.” Começar do zero. Zero lembranças, zero momentos revividos, até porque só podem ser intensamente vividos enquanto estamos em vida. Memória nos faz lembrar, de novo, e através de muito bons argumentos, que por serem tão importantes, muitas experiências que vivemos, acabam se tornando eternas. Podem permanecer conosco até depois da morte. E nos fazer acreditar que mesmo sem conseguir mais alcançar os arquivos antes armazenados, vamos ter sempre a possibilidade de reiniciar o jogo, independentemente de quem iremos ser nessa partida perfeita que é viver.

  3. Givago Thimoti
    3 de março de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    Memória (Uriel)

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, seguimos para minha avaliação: 

    Impressões iniciais: 

    – Um misto de The Good Place e algumas séries que abordam vida após a morte, séries que falam sobre viver memórias de outras pessoas como se fossem suas, Catolicismo e mitologia grega (Campos Elíseos), com uma pitada bem brasileira de futebol carioca (mesmo que não falasse sobre o maior e melhor clube brasileiro e carioca, Saudações Rubro-Negras!)… Enfim, uma salada mista com um gosto estranho na boca

    Resumo: “Memória” é um conto que versa sobre Diego e o anjo Rafael, responsável por conduzir a alma de Diego para o próximo passo — a reconstrução do Universo — depois que Diego desfrutasse pela ultima vez das memórias de um Fluminense x Vasco.

    Corpo (gramática/estilo de escrita): Percebi alguns erros gramaticais, a falta de uma vírgula em algumas frases. Enquanto isso, o estilo de escrito também não empolga o suficiente.

    Alma (o que tocou ou não o leitor. Pontos fortes e/ou fracos):

    O que não funcionou nesse conto, para mim? Talvez seja uma chatice minha, mas a impressão que tive foi que esse conto se resumiu a replicar de uma forma meio clichê os últimos momentos da humanidade de uma pessoa, juntando várias referências diferentes na mesma história. E isso me incomodou bastante.

    Por exemplo, os Campos Elíseos, na mitologia grega, era o Paraíso, o lugar destinado para as pessoas mais virtuosas poderem descansar. Já os Campos Elisios tinham o objetivo diferente, como uma especie de local no qual você pode acessar diferentes memórias e experiências, viver como e quantas vezes quisesse outras vidas, como em The Good Place. 

    A conversa entre o anjo Rafael e Diego lembra muito o diálogo entre Eleanor Shellstrop e Michael, o responsável pelo Good Place, a necessidade de superar a perfeita eternidade, pois até esta deve ter um fim, após esgotar as infinitas possibilidades que o eterno oferece.

    Já poder viver múltiplas realidades diferentes lembra bastante uma outra série da Amazon Prime.

    Enfim, acho que houve um grande abuso dessas referências, a qual acabou afetando a originalidade do conto.

    Nota: 5

  4. Alexandre
    2 de março de 2024
    Avatar de Alexandre

    Infelizmente, o conto que mostra meu Vasco como campeão não me agradou. Ficou arrastado com pronomes oblíquos desnecessários, palavras redundantes ou fora de lugar. Se o autor revisasse lendo em voz alta, poderia melhorar muito. De qualquer forma, parabéns ao autor. Nota 6

  5. mariainezsantos
    26 de fevereiro de 2024
    Avatar de mariainezsantos

    Uma bela descrição da morte. Do começo do nada. Do início da caminhada que ainda não conhecemos nem sabemos detalhes ou se teremos alguém a nos orientar.

  6. Antonio Stegues Batista
    25 de fevereiro de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    O conto começa com um jogo de futebol entre Vasco e Fluminense no ano de 2088 que, na verdade, são lembranças de Diego em um desejo de reviver aquele momento, pós morte num lugar chamado Elísio. Em princípio achei que fosse ficção científica, realidade virtual numa sociedade moribunda e um mundo pós apocalíptico., mas o enredo é sobre o nascimento e morte de todas as coisas, o looping universal, o círculo eterno. Há referência ao mito grego dos Campos Elíseos, ao espiritismo vida pós morte, ao catolicismo na figura do anjo Gabriel. Uma mistura de temas e conceitos filosóficos. Não entendi o por que do ano 2088, seria o fim do mundo? Ou é aleatório? Talvez a ideia fosse outra. O fim e o recomeço de todas a s coisas. O conto está bem escrito, mas a ideia não me trouxe impacto como visão filosófica original, tampouco o argumento. Não é sempre que a ideia do autor é do gosto do leitor.

  7. Givago Thimoti
    24 de fevereiro de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    Memória (Uriel)

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    No mais, seguimos para minha avaliação: 

    Impressões iniciais: 

    – Um misto de The Good Place e algumas séries que abordam vida após a morte, séries que falam sobre viver memórias de outras pessoas como se fossem suas, Catolicismo e mitologia grega (Campos Elíseos), com uma pitada bem brasileira de futebol carioca (mesmo que não falasse sobre o maior e melhor clube brasileiro e carioca, Saudações Rubro-Negras!)… Enfim, uma salada mista com um gosto estranho na boca

    Resumo: “Memória” é um conto que versa sobre Diego e o anjo Rafael, responsável por conduzir a alma de Diego para o próximo passo — a reconstrução do Universo — depois que Diego desfrutasse pela ultima vez das memórias de um Fluminense x Vasco.

    Corpo (gramática/estilo de escrita): Percebi alguns erros gramaticais, a falta de uma vírgula em algumas frases. Enquanto isso, o estilo de escrito também não empolga o suficiente.

    Alma (o que tocou ou não o leitor. Pontos fortes e/ou fracos):

    O que não funcionou nesse conto, para mim? Talvez seja uma chatice minha, mas a impressão que tive foi que esse conto se resumiu a replicar de uma forma meio clichê os últimos momentos da humanidade de uma pessoa, juntando várias referências diferentes na mesma história. E isso me incomodou bastante.

    Por exemplo, os Campos Elíseos, na mitologia grega, era o Paraíso, o lugar destinado para as pessoas mais virtuosas poderem descansar. Já os Campos Elisios tinham o objetivo diferente, como uma especie de local no qual você pode acessar diferentes memórias e experiências, viver como e quantas vezes quisesse outras vidas, como em The Good Place. 

    A conversa entre o anjo Rafael e Diego lembra muito o diálogo entre Eleanor Shellstrop e Michael, o responsável pelo Good Place, a necessidade de superar a perfeita eternidade, pois até esta deve ter um fim, após esgotar as infinitas possibilidades que o eterno oferece.

    Já poder viver múltiplas realidades diferentes lembra bastante uma outra série da Amazon Prime.

    Enfim, acho que houve um grande abuso dessas referências, a qual acabou afetando a originalidade do conto.

    Nota: 5

  8. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    22 de fevereiro de 2024
    Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

    Memória (Uriel)

    Quando se fala em recomeço, não há como não pensar em insegurança, medo, desconforto. O “novo” sempre espanta, é o desconhecido. Todo recomeço é precedido por um fim, por uma etapa concluída, por um ciclo fechado. Finitude – é isso que incomoda. E neste conto, esta condição é profundamente explorada.

    O texto é ambientado no Elísio (“na mitologia, é o lugar para onde vão (após a morte) aqueles que não cometeram nenhum tipo de pecado, heróis/homens puros. É mais conhecido como Campos Elísios, o paraíso no inferno. Para lá, só vão os dignos”).

    E, lá, Diego revive lembranças nostálgicas do outro plano. Todos, lá, estão sendo preparados para o recomeço (ou apocalipse). Acredito que, pelo verbo “eclodir” e pela citação “com um magnífico som”, seja para recomeçar uma nova vida, sem memória. Limpos. Tábula rasa.

    Diálogos perfeitos entre Diego e seu fiel “escudeiro”, Anjo (ou Arcanjo) Rafael. Muita sensibilidade nas conversas, falam sobre o medo, sobre solidão, sobre a espera do novo (que sempre assusta). E o que mais me prendeu foi a descrição do jogo de futebol, contando a estratégia da jogada.  Sensacional!

    A pérola do texto:

    “Transformar o querido em monótono é uma das piores dores”.

    O texto tem estrutura perfeita e a escrita é irretocável. Leitura prazerosa, sem qualquer embaraço.

    Parabéns pelo trabalho, Uriel (Arcanjo Celestial)!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço…

  9. Fernanda Caleffi Barbetta
    21 de fevereiro de 2024
    Avatar de Fernanda Caleffi Barbetta

    Uriel, seu texto começou bem, gostei bastante da primeira parte, do futebol, mas achei que ele foi ficando muito confuso. Há muitas informações, um cenário irreal, uma situação irreal, portanto, preciso de mais clareza, mais detalhes.

    Algumas informações parecem se contradizer, como o caso da memória. Por exemplo, neste trecho: “E o mais engraçado era que ainda era ele, com as memórias que insistiam em permanecer”, as memórias permanecem, mas em outro momento, se fala em abandono das memórias.

    Ao menos para mim, ficou confuso entender o que estava acontecendo, o que estava terminando.

    Exemplo: “É claro que não havia campeonato nenhum. Diego sabia que tudo aquilo era uma encenação – ele conhecia todas as pessoas ali por nome, todas as sessenta e oito mil, quatrocentos e trinta e sete. Mesmo que o jogo não fosse real, porém, reviver aquela memória e sentir o calor no peito uma última vez fez tudo valer a pena. Aquela partida final entre Vasco e Fluminense de 2088 era a partida perfeita, porque ele era a estrela, e porque ela havia sido jogada em vida.” – Houve partida, mas não houve campeonato?

    “conhecia todas as pessoas ali por nome, todas as sessenta e oito mil, quatrocentos e trinta e sete” – não ficou explicado. Eu nçao entendi porque ele conhecia tantas pessoas pelos seus nomes.

    “Seria apenas natural esquecer de tudo” – sugiro tirar o “apenas”

    Alguns clichês que poderiam ser evitados. Exemplos: “com um sorriso no rosto” / não arredava pé / levar a torcida à loucura / reacender a chama da esperança / sem sombra de dúvida

    só um passo a (à) frente

    “por mais que esticasse todo o corpo, a bola passou (passaria) por um triz da luva.”

    Percebi muitas vírgulas antes do “e” quando o sujeito não se altera, o que não é aconselhável, a não ser que haja realmente a necessidade de reforçar a segunda oração. Exemplos: “Um gol logo no início, e outro no meio do primeiro tempo, para levar a torcida à loucura” / “Lembrou-se de quando viveu como anjo, e de como ajudou”. E neste caso, quando é aconselhável, ela não foi colocada: “A rede balançou (vírgula) e a torcida invadiu o campo”

    a ponto de perder o sentido. Após milhões de ano (anos) as gerações perdiam o sentido – repetição da palavra sentido muito próximas.

    “Mesmo ali, porém, eles esgotaram as possibilidades” – fica confuso se está se referindo à vida ou ao pós-vida.

    “E o mais engraçado era que ainda era ele” – engraçado?

    “fizessem parte do alicerce da sua alma” – “fizesse”, porque se refere ao brevíssimo período

    “mas ainda se lembrava da estranheza de vê-la pela primeira vez” – “vê-la” se refere a quem?

    “mesmíssimo mesmo café” – mesmíssimo já é suficiente

    “Rafael fazia o consolava da mesma forma” – acho que sobrou um “fazia”

    “Sentiram as memórias os abandonando, uma a uma, na velocidade da luz” – sugestão: tirar na velocidade da luz. Não tive a impressão de que foi tão rápido.

    “Diego pensou em perguntar, antes que esquecesse de tudo, e a boca falou sem que ele pensasse no que fazia” – ficou confuso, pensou em perguntar, mas falou sem que pensasse.

    “com um magnífico som de explosão” – tiraria magnífico, pois fica como um juízo de valor do narrador.

  10. Vladimir Ferrari
    18 de fevereiro de 2024
    Avatar de Vladimir Ferrari

    Há uma falha em escrever “ambos os lados”, na minha opinião. Como há também em citar que o goleiro estava “um ou dois passos” adiantado e logo na sequência, afirmar “só um passo à frente” (a crase é minha). E há também em “Após milhões de ano as gerações perdiam o sentido”. Mas erros de revisão. Passáveis. Uma grande frase: “Transformar o querido em monótono …”. Adorei. Sugiro buscar os sinônimos e enriquecer o texto, eliminando repetições (mesmo, mesmíssimo). Uma premissa, a meu ver, latente de desenvolvimento. Um diálogo interno, um tom mais inquisitivo, sem guias e respostas definitivas, deixando a imaginação do leitor “flanar no tema”. Sucesso.

  11. danielreis1973
    16 de fevereiro de 2024
    Avatar de danielreis1973

    Comentário:

    Um conto metafísico, misturando ficção científica (nas simulação de realidades vividas) com o mundo espiritual. O diálogo entre Diego e Rafael, um ser e um anjo numa dimensão etérea, lembra muito o filme Asas do Desejo, do Win Wenders (quase enxergo o conto em preto-e-branco, tal como a fotografia do filme). É uma série de reflexões e dúvidas existenciais, sobre a existência e o além-existência, muito mais cerebral do que emotivo. Também a ação, inicialmente presente na simulação, fica um pouco de lado para dar lugar à filosofia, que predomina como tema do conto.

    Reproduzo o trecho mais marcante, na minha leitura:

    “E ainda assim, se eu desse a você um quadro negro, e permitisse que escrevesse a sua resposta por completo, incluindo cada detalhe, então com um apagador eu a apagasse. Quem seria você, então?”

    “… nada”

    “Não nada. Ainda haveria o quadro. E o giz. E o apagador”.

    Critérios de avaliação:

    1. Premissa: o retorno tratado como reencarnação ou renascimento – adequada, ainda que não surpreendente.
    2. Construção: construção adequada, dialógica, mas em alguns pontos excessiva nos argumentos filosóficos.
    3. Efeito: o efeito geral é interessante, ainda que “parado” – ou seja, é uma história contemplativa, muito mais do que de ação ou mudança. Não deprecia o valor do conto, mas é uma característica inegável e que, para algumas pessoas, pode parecer aborrecida. Não foi o meu caso, gostei da história em geral.
  12. Gustavo Castro Araujo
    15 de fevereiro de 2024
    Avatar de Gustavo Castro Araujo

    Excelente conto. Claro que o fato de eu ser fanático por esse tipo de assunto ajuda muito kk. Mas podia ser um tiro pela culatra, se o(a) autor(a) tivesse metido os pés pelas mãos. Isso não aconteceu. O texto é muito bom porque, em uma história aparentemente simples, trata daquilo que nos torna humanos: nossas lembranças. E ao tratar disso, joga um balde de filosofia da melhor qualidade na nossa cara.

    O que vemos é o universo pós-morte, um lugar (ou um espaço, ou uma situação) em que todas as pessoas são, digamos, condenadas a reviver diversas e diversas vezes as mesmas experiências que tiveram enquanto vivas eram, desde as mais banais até as mais marcantes. Esse reviver constante, porém, não é infinito. Quando tudo se esgota, a pessoa morre de verdade, zera o jogo, e está pronta para renascer sem qualquer recordação.

    Olha, dá para passar a noite num bar falando disso kk Será que esse reviver constante, ainda que finito, não seria uma espécie de inferno a partir de certo ponto? Nesse caso, o renascer seria a danação eterna? É interessante pensar nisso porque, para além da filosofia, o conto flerta com uma espécie de misticismo, que só faz aumentar o mergulho de quem lê. E o mais legal (odeio dizer “a cereja do bolo) é perceber que o universo também possui essa finitude programada. E que mesmo Deus terá sua partida de futebol derradeira, cedendo lugar a outros no passar dos trilhões e trilhões de anos – se é que o tempo pode ser contado nessa dimensão.

    É bacana ver como o(a) autor(a) misturou influências como Carl Sagan e Asimov. De fato, o conto parece beber na fonte de “A Última Pergunta”, deixando um gosto agridoce no fim. Todo mundo que tem o desejo de reviver os melhores momentos de suas vidas deveria pensar duas vezes, rs Enfim, gostei muito do conto. É uma pena que, devido às regras do certame, eu não possa atribuir-lhe nota. Dos que li (chego agora na metade) é o que mais gostei. Parabéns e boa sorte no desafio.

  13. Simone
    12 de fevereiro de 2024
    Avatar de Simone

    Muito interessante o enredo desse conto que trata do conflito universal vida e morte. As lembranças repetidas mostram que a emoção dos bons momentos é o que nos marca e o que dá valor à existência. A narração da cena inicial está muito bem construída. Entendo que a alma aproxima-se da reencarnação quando é preciso esquecer tais marcas, dando lugar a outras. Um diálogo que explica sutilmente do que se trata. Creio que a intenção do autor foi falar também no viver intensamente, sem medos, arriscar-se nos sonhos e criar memórias corajosamente. Achei um texto rico numa linguagem criativa. Um final ousado que deixa o leitor construir o futuro dessa alma. Eu imaginei o recomeço. Não tenho observações sobre possibilidades de melhorias no texto pois já está muito bom, embora seja um conto sem uma situação crítica que crie suspense. Digamos que é um texto mais reflexivo do que causador de impacto. Mas que consegue deixar o leitor pensando sobre vida e morte.

  14. Kelly Hatanaka
    12 de fevereiro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá, Uriel.
    Estou avaliando os contos de acordo com os seguintes quesitos: adequação ao tema, valendo 1 ponto, escrita, valendo 2, enredo, valendo 3 e impacto valendo 4.

    Adequação ao tema
    O conto atende ao tema. Diego está prestes a ter suas memórias apagadas, nos instantes que antecedem um novo Big Bang, o recomeço de tudo.

    Escrita
    Escrita muito boa, conto bem conduzido, com poucos erros de revisão.

    Enredo
    A trama é simples, porém interessante. No pós-morte, um homem vive e revive todas as experiências que deseja até o momento do esquecimento, que antecede o recomeço de tudo. Através de sua conversa com o anjo Rafael, discute-se a vida, a morte, a existência, a finitude, Deus.

    Impacto
    Uma simpática fábula filosófica. Lembrou-me do final da série The Good Place e da saída que tornou o paraíso bom novamente. Gostei, embora tenha sentido falta de uma crise, de um clímax. A história parece começar já no final, depois que tudo o mais já aconteceu.

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Publicado às 10 de fevereiro de 2024 por em Recomeço e marcado .