Cena 1
— Nem todo filme precisa começar em movimento. Pode ser brando, desde que ponha o espectador na história.
— Na direita.
— Criar uma ideia de urgência, que prenda quem assiste à cena, é um recurso válido, mas grosseiro, não acha? Aqui?
— Mais na frente.
— A primeira fala em Uma Odisseia no Espaço, por exemplo, é só no minuto vinte e cinco.
— Aí, obrigado!
— Há toda uma mise en scene. Sergio Leone, então? Já viu a abertura de Era uma vez no Oeste?
— Obrigado pela viagem.
— Ah, claro! Dinheiro ou cartão?
— Dinheiro, avisei pelo aplicativo.
— Tá certo, só um minutinho.
Abel abre o porta-luvas, uma série de pertences pulam para fora em desacordo com o interior arrumado do veículo: sacos de salgadinho; um bloco de notas; uma caneta sem tampa, carcomida na beira; lenços de papel amarfanhados. Tateia até apanhar um caixote de madeira, o passageiro consulta o Rolex dourado enquanto mantém a nota de cinquenta dobrada entre os dedos. Abel tira a tampa do que parece um apagador escolar com porta giz, caça uma nota de cinco, dá o troco e agradece.
— Tenta ver os filmes, você vai gostar — Apanha o dinheiro e nota que a tinta do relógio do passageiro está começando a descascar, este murmura qualquer coisa e sai com pressa, batendo a porta do carro e desaparecendo na porta giratória do banco.
— Cagão de merda!
Coloca a nota no apagador, fechando-o com cuidado, só para sentir o prazer de deslizar a tampa no encaixe. Chacoalha a caixa perto do ouvido, as notas poucas e moedas geram um som reconfortante, aproxima ela do nariz. O cheiro de madeira e giz ainda está ali impregnado, assim como as lembranças do antigo ofício e o estresse traumático que o obrigou a trocar o quadro negro pelo carro alugado. Enfia tudo de volta no porta-luvas, suspira e engata para a próxima corrida.
Cena 2
Sentou-se entre dois bancos vazios marcados desleixadamente com um “x” de fita crepe. Do balcão era possível enxergar a cozinha. Esmaecido no vapor das panelas, o cozinheiro abaixava a máscara antes de gritar ordens às assistentes que, também de máscara no queixo, enxugavam a testa nos braços.
— Já pediu?
— Coisa rápida, tem?
— Picadinho, filé…
— Picadinho.
— Bebe alguma coisa?
— Só o picadinho mesmo.
Antes de cantar o prato de Abel, o garçom atendeu também uma mesa com dois rapazes trajando uniformes de uma companhia de luz. A televisão exibia um programa esportivo.
— Dois parmegianas e um picadinho!
Mapeou pessoas e objetos: as desbotadas paredes azuis findavam num piso branco de rejunte escuro, caixas de garrafas amontoavam-se ao lado do banheiro recepcionado por uma pia que não parava de gotejar. Fotografias penduradas sem muito critério ilustravam pratos e locais históricos da cidade, ambos díspares: do local físico que ornamentavam e do que era servido aos clientes. Além dos homens da companhia de luz, um casal comia laconicamente enquanto uma senhora, já no final do prato, bebia cerveja no copo americano. Abel apalpou os bolsos da jaqueta, tirou o bloco de notas junto da caneta e escreveu:
Cena do bar
— Vai beber nada mesmo não? — O garçom foi colocando o prato vazio e os talheres sobre a mesa. Abel afastou o bloquinho para dar espaço.
— Não, obrigado.
Serviu também uma salada de folhas murchas com cenoura ralada. Abel rasgou o saquinho de sal, jogou por cima e deu a primeira garfada.
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O protagonista entra e senta no balcão, o local é sujo e pouco
movimentado, perfeito para negócios escusos. Dois homens em segundo
plano notam sua presença, começam a cochichar. O protagonista pede
uma dose de branquinha apenas aproximando o polegar do indicador,
sugerindo a medida exata que a bebida deve ser servida. A câmera corta
agora para os homens de trás, que começam um diálogo…
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O garçom interrompe novamente a escrita, trazendo arroz, feijão e a carne em cumbucas separadas. Mira desconfiado o bloco na mesa e, por garantia, deixa a comanda rubricada embaixo de um copo vazio.
— Bom apetite.
Serviu-se fartamente e passou a tentar captar a conversa entre os rapazes da companhia de luz, entrecortada pelos ruídos da televisão.
— Japonesa, para ser bonita, tem que ser brasileira! Mais brasileira do que japonesa, né?
— Precisa desse esforço todo pra gostar de mulher?
Abel ri, toma nota:
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Capanga 1: Essa é a encomenda do Osaka.
Capanga 2: É passar o ferro e dar no pé.
C1: Espera ele terminar. Lá fora a gente dá um jeito.
C2: Precisa desse esforço todo para matar um homem?
C1: O sujeito é perigoso, ouvi falar.
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Encaretou com o que acabara de escrever. Tinha dificuldade com diálogos e, estes, com respostas rebatidas, estilo chanchada, estavam uma verdadeira inhaca. Pensou em Kurosawa, na longa tradição dos gestos e silêncios no cinema. Resolveria de outra forma.
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Um dos capangas aponta com o queixo na direção do protagonista,
o outro concorda meneando a cabeça, o enquadramento volta para
o protagonista em primeiro plano, o copo de branquinha já está
vazio, os dois capangas se mantêm estáticos fora do foco, como
duas sombras à espreita. Uma moça senta ao lado do protagonista,
olha para ele e volta-se para o garçom pedindo um drink, ‘mais uma
chefe?’, o garçom pergunta enquanto serve a moça, ‘A conta’,
‘Dinheiro ou cartão?’, esfrega o polegar e o dedão sinalizando que é
dinheiro. Um dos capangas em segundo plano levanta a mão para
ser atendido, a silhueta do garçom aparece desfocada, atendendo-os,
enquanto o protagonista (enquadrado do tórax para cima), parece
que vai apanhar a carteira, mas na verdade saca a pistola debaixo
da camisa e apoia no balcão; o garçom oculta a vista dos capangas.
A moça toma um susto ao ver a arma, se levanta rapidamente, mas,
antes de partir, engole o drink e sai apressada. Um dos capangas
se levanta afoito com o movimento, o protagonista gira com
precisão no banco e acerta dois tiros certeiros. Gritos, correria, o
protagonista gira novamente para o balcão, coloca uma nota de
cinco embaixo do copo e vai embora do estabelecimento, saindo
do enquadramento. A câmera se mantém estática.
Sobre a parede salpicada de sangue, aparece o título do filme.
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A empolgação pelo trecho o faz parar de escrever. Não tem nome, ainda, mas sabe que surgirá, tem a certeza de que o filme ficará do caralho. Bate a caneta no papel antes de trocá-la pelos talheres e, finalmente, comer.
A conversa dos rapazes da companhia continuava animada, o casal lacônico deixou o estabelecimento sem rastros e a senhora, já de prato vazio, economizava o restante da cerveja no copo. O garçom trocou para um canal de notícias sensacionalistas.
— Que isso, sou homem até debaixo d’água rapaz.
— Então não disfarça que a dona Sayuri te dá mole.
— Não dá.
Abel olhou de canto, ainda atento ao diálogo. O rapaz encarou o interlocutor, deu um gole no refrigerante.
— Cê tá com medo, só porque ela é encarregada. Aí fica inventando desculpinha.
— A gente até já saiu.
— Filho da…
— Mas — Deixou o dedo em riste — onde se ganha o pão, não se come a carne!
Ambos riram e seguiram cochichando sobre Sayuri, mas o esganiçar do apresentador na televisão impedia entender o restante da conversa. Abel finalizou o almoço, limpou a boca e largou o guardanapo amassado em cima do prato. Na hora de pagar, a atendente do caixa olhou intrigada para a comanda.
— Não vai beber nada? Uma dose?
Abel olhou para as prateleiras repletas de garrafas de bebidas alcoólicas.
— Um cafezinho, para viagem.
Aos golinhos, já no carro, releu satisfeito as anotações do seu roteiro. Teria, contudo, de arrumar algumas conveniências: o garçom tapando a visão dos capangas no momento exato que o protagonista saca a pistola, por exemplo. Arrematou o café e amassou o copinho entre os dedos. Odiava coincidências nos filmes e, fora da ficção, sabia que elas não apareciam para salvar o dia, resolver seus problemas.
Enfiou tudo no porta-luvas, deu partida e voltou a circular.
Cena 3
— Eu queria dirigir filmes, não carros, claro, antes que você faça alguma piada.
Um largo sorriso feminino se abriu do banco de trás.
— Riria de qualquer jeito, tonto.
— Essa conversa daria uma cena. Tudo dá um filme!
— Vou querer parte nos direitos!
— Enxergo a vida cinematograficamente. Até tento dirigir como se conduzisse uma câmera, com charme e leveza.
— Sua mão de fada fez Letícia dormir, senhor diretor.
Pelo retrovisor, espiou a bebê na cadeirinha que dormia de boca aberta, a chupeta a ponto de cair. Sorriu.
— Igual você quando te levei no cinema pela primeira vez, lembra?
— Abel.
— Era um filme independente, argentino. Não te culpo.
— Por favor.
— Aquele cinema já estava perigando falir, agora com a crise, capaz de ter fechado de vez. Bora passar em frente? É perto daqui.
—De novo esse papo? Achei que tinha superado, por isso te chamei.
— Desculpa, é difícil. Nós dois, tudo aquilo, foi importante…
Um homem pediu para limpar o vidro no farol vermelho. Abel negou, mas lhe deu algumas moedas que retirou do apagador. O pedinte gritou um “Deus lhe abençoe” e ao notar o bebê dormindo no banco de trás, pediu desculpas pelo barulho. O carro rodava com maciez nas ruas do centro e a cidade, no final da tarde, estava com um aspecto tranquilo, incomum em outros tempos. A mulher se ajeitou no banco de trás, olhando a janela.
— Tudo vazio, é até estranho.
— Pois é Mariana, só tá saindo quem precisa.
— A escola tem voltado aos poucos, mas vou ficar guardada ainda por causa da Letícia.
— Seu marido está trabalhando?
— Em casa também — respondeu sem tirar os olhos da rua.
— Pronto, olha lá! Do seu lado mesmo.
— O quê?
— O cinema, boba. Faz tanto tempo assim que esqueceu, é?
— Não acredito que você mudou o caminho…Nossa! De dia, assim, com as portas fechadas, parece tão diferente. Não ia reconhecer nunca.
Abel desacelerou para verem melhor o pequeno prédio cheio de pichações, lambe-lambes e anônimas mensagens de socorro. Uma mulher sentada no degrau da entrada anunciava máscaras estampadas, dispostas em um expositor. Pelas grades vazadas, era possível ver a bilheteria e a bombonière despovoadas no interior escuro da construção.
— A cidade é outra durante o dia, assim como nos filmes.
— São Paulo é sempre feia.
— Depende de quem filma, na verdade. A Nova York de Scorsese não é a mesma de Woody Allen, o mesmo vale pra cá.
— Você ainda gosta dos filmes desse merda?
Pararam em outro farol. Abel virou-se para encarar Mariana nos olhos, depois Letícia, e falou baixinho, em tom de ameaça.
— Se tiver falando do Scorsese, mando descer do carro agora, com criança e tudo.
Ela riu da brincadeira, o farol abriu e ele seguiu falando.
— Desculpa, a gente pode continuar a rota agora, precisava passar aqui em frente, aproveitei a oportunidade — Mariana sorriu complacente —Te agradeço pela paciência. Vinha aqui direto antes disso tudo, sabe? Para espairecer, sozinho mesmo. No meio da semana, a sala nunca tinha mais do que cinco pessoas, era uma delícia, sentar na cadeira, assistir um filme, foi o que me ajudou a não enlouquecer.
Abel deu um longo suspiro. Mariana apertou os lábios, tomou coragem.
— Como você está? Digo, agora?
Ele riu, sem graça.
— Nada bem, mas tentando.
— Ainda pode voltar para escola.
Ele riu mais alto, Letícia se mexeu na cadeirinha.
— Eu já fui exonerado, Mariana. Fiz terapia, voltei, mas toda vez que entrava numa sala de aula pensava que tudo podia ser usado como uma arma para me machucar, que o Movimento guardou minha cara e ia aparecer a qualquer momento, que alguém infiltrado de aluno ia me furar com um canivete, uma caneta, sei lá.
— Exonerado? Mas você é concursado.
— Sabia que dá pra matar uma pessoa com uma caneta?
Mariana aguardava a resposta.
— Eu que pedi. Não iam aumentar o prazo da minha licença, não aguentei — O carro acelerava na avenida livre, Mariana segurou-se na alça da porta — Não dava pra voltar, não tinha mais nada ali, sem os remédios ainda — seguia acelerando — Você não estava mais lá pra mim também.
— Abel, cuidado! — Um carroceiro atravessava a faixa de pedestres com lentidão, Abel freou a tempo. Letícia acordou, chorando.
— Desculpa, o carro pode ser uma arma também, não?
A criança começou a espernear ao se perceber presa à cadeirinha. Mariana remediou colocando um desenho no celular.
— Ela já viu os filmes do Miyazaki?
— Me deixe em casa, por favor.
Conduziu em silêncio até o destino, apenas o GPS falava eletronicamente nomes de ruas e sentidos enquanto Letícia, agora, soltava sons de felicidade, interagindo com a tela do aparelho. Mariana manteve os olhos pregados na janela até o final da viagem. Pararam em frente a uma casa de portão baixo e jardim frontal.
— Perdão.
— Tudo bem, Abel — tentava desprender Letícia da cadeirinha — Promete que vai procurar ajuda?
— Eu preciso, mesmo — A porta da casa se abriu, um homem saiu, foi até o carro, deu boa tarde e pegou Letícia no colo.
— Troca ela pra mim, só vou tirar a cadeirinha — o marido obedeceu e sumiu com a criança para dentro.
— Parece um cara legal — Abel tinha a voz embargada, Mariana não reagiu — Olha, se precisar de outra corrida para te buscar no pediatra, ir no mercado, sei lá, qualquer coisa, pode me chamar de novo, tá bom?
— Fica bem, Abel — e entrou.
Cena 4
Estacionou em frente à escola em que trabalhava. Abriu o porta luvas, pegou o bloco e a caneta.
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Terá um interesse amoroso? Uma perda que o transformará num
matador de aluguel? Evitar a mulher na geladeira, procurar formas de
trabalhar esse ponto, fugir das coincidências, deus ex machinas. Qual
seu trauma? …
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Olhou o portão da escola, estava fechado. Poderia ter sido convocado para dar aula em qualquer lugar, mas caiu ali, onde Mariana caiu na vida dele também, assim como o engano de ter sido confundido por alguém que devia dinheiro para o Movimento. Invadiram a escola para cobrá-lo, alguma denúncia de aluno insatisfeito. Nunca saberia, mas estava plantada a paranoia, para sempre, talvez. Arriscou mais umas linhas, mas a vista turva o fez desistir. Certas coisas são intransponíveis para a ficção, foi o que pensou. Enxugou os olhos, assoou o nariz constipado e enfiou tudo de volta no porta luvas, menos o apagador, que esvaziou em cima do banco do passageiro.
Arrancou e, antes da escola ficar para trás no retrovisor, atacou o apagador no grande portão, de modo que ribombou na rua vazia, já tragada pela noite.
Cena 5
Aguardava o passageiro. Horário de pico, homens fantasiados de importância saíam aos borbotões dos prédios, suplicando por um carro.
— Abel?
— Isaque?
O passageiro entrou, acomodou-se calado e, quando questionado sobre o destino, concordou com um murmúrio. Ainda que estivesse com a fuça enfiada no celular e a cara coberta parcialmente com a máscara, a figura não lhe era estranha. A cada farol Abel o observava pelo retrovisor, com um incômodo próximo de ser resolvido. Notou o Rolex, quase todo tomado de prata, com pequenas ilhas de tintura dourada.
— Assistiu aos filmes?
Sobressaltado, o passageiro se atentou ao motorista.
— Fiz sua corrida uns dias atrás, lembra? Te deixei naquele prédio mesmo.
O passageiro apertou os olhos desconfiado, como quem tenta se lembrar.
— Não, não lembro. É tanta gente né? — Voltou-se para o telefone, colocou os fones de ouvido.
— É sim…
Cena 6
Madrugada, Abel estaciona o carro, apanha o bloco de notas no porta-luvas e deixa o veículo sem colocar a trava no câmbio. Se atrapalha com as chaves, está ofegante, procura trêmulo o encaixe da fechadura. Abre a porta com um empurrão após girar o trinco. Acende as luzes da cozinha, brancas e incômodas, quase hospitalares, há louça na pia e a geladeira zumbe como um inseto velho tentando alçar voo. Precisa de conserto. Espia pela basculante, não há movimento lá fora. Joga o bloquinho na mesa, arrasta a cadeira e senta-se para ler os rascunhos do dia. Tem o corpo inquieto, o calcanhar não para de bater enquanto balbucia o esqueleto do roteiro comendo o canto dos dedos, até chegar no final. Tomado de urgência, apalpa a jaqueta procurando a caneta para escrever sua trama.
As mãos param: a caneta não está nos bolsos, nem no porta-luvas. Ele sabe.
A geladeira engasga seu zumbido, uma pequena mariposa aprisionada na luminária luta pela vida, projetando sombras pelo cômodo. Caça um lápis pela casa, volta à mesa, encara o bloco. Põe-se a escrever
Sete linhas, é o que Abel contempla, estoico. As roupas agarradas ao corpo estão imundas, o odor de suor é forte, sente asco. Levanta abrupto tombando a cadeira, ruma para o banheiro, mais apertado que a cozinha, que o quarto, que o carro ou qualquer canto de sua vida onde possa se esconder. Vomita no vaso, arranca as roupas, o relógio prateado, soluça enquanto liga o chuveiro e, de joelhos, deixa a água quente cair nos cabelos e nas costas, tentando se lavar.
A mariposa finalmente encontra seu destino mortal, caindo em espiral sobre a mesa, ao lado do bloquinho, das linhas últimas que o compõem com letras vincadas no papel.
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Noite, um carro rasga a estrada. Em um enquadramento interno o
protagonista aparenta cansaço, tem as mãos lanhadas, manchas marrons
e vermelhas na manga. A câmera volta para um take externo, em um
plano aberto, o carro para no acostamento, há pouco movimento, o
protagonista desce, abre o porta malas e retira um corpo que desova na
beira estrada.
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Cena 0
Releu realizado o desfecho que acabara de criar para o seu personagem. O celular vibra.
— Pediatra, 14:30? Sem desvios dessa vez!
— Vou falar de cinema o caminho todo!
— Bom que a Letícia dorme…
Abel sorri e, antes de colocar o cinto, acrescenta umas poucas notas ao seu manuscrito.
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Argumento: professor exonerado, cinéfilo, tenta ganhar a vida
como motorista de aplicativo. A partir de suas próprias
experiências cotidianas e traumas, escreve um roteiro para
exorcizar seus demônios.
Pensar no formato. Filme? Curta? Conto?
Título: Motorista de Aplicativo.
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Enfia o manuscrito no porta luvas, a caneta carcomida. Enfim, começa a dirigir.
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Ilustração: Esperando o sinal, Rodrigo Yudi Honda
Pingback: Thiago de Castro | EntreContos
História de um professor/escritor obrigado a ganhar a vida como motorista de aplicativo, e que cria um filme em sua cabeça, fantasiando cenas e um relacionamento amoroso anterior com Mariana, a quem conduz em seu carro com a nenezinha de volta de um consulta médica. O texto, repleto de referências cinematográficas, tem como principal característica os diálogos afiados, que parecem realmente terem saído de um filme. E a discussão periférica entre o que se sonha em fazer e o que é preciso ser feito. Achei o seu trabalho diferenciado neste Desafio, e acredito que deva estar entre os finalistas. Boa sorte!
Obrigado Daniel! Agradeço a nota e o comentário.
Grande abraço!
Motorista de aplicativo, aficionado por cinema, faz corridas e trabalha em um projeto de roteiro. No todo, o formato do conto é muito criativo, a divisão por cenas conversa com o teor das falas da personagem, que se mostra, desde o princípio, um admirador da sétima arte. Muitas camadas vão se revelando, quando, a partir da cena 3, se adentra o mundo e os traumas da personagem. Bem pessoalmente, acho que explicação da cena 4 poderia ser suprimida, mas digo isso por questões estilísticas, o subtexto me atrai. O texto varia o tempo da narração (ora no presente do indicativo, como em um roteiro, ora no pretérito), e isso causa alguma estranheza.
O ritmo é bom e é um conto bem coeso, uma narrativa que convida à leitura. Parabéns pelo formato e por passagens tão ricas, como “pichações, lambe-lambes e anônimas mensagens de socorro”; “homens fantasiados de importância”.
Obrigado Cicero! Bom ter você de volta no desafio, e feliz por ter conseguido terminar!
Grande abraço!
Valeu por responder, Thiago!
Mais uma vez, parabéns pelo conto. A leitura foi enriquecedora.
Grande abraço!
Grato pelo retorno, Thiago!
Parabéns, mais uma vez, pelo conto.
Grande abraço!
Antes de continuar, acho justo esclarecer como estou avaliando nesse desafio. Além de uma consideração final, guio-me por três fatores: artístico, técnico e criativo. Não estou participando dessa vez, mas decidi ajudar a movimentar os comentários!
ARTÍSTICO
O cinema está na vida do protagonista. Tudo o que faz, vê e fala: relaciona com o cinema. E, assim, conhecemos como essa arte está profundamente relacionada com sua depressão e solidão.
Esse conto pedia uma exploração maior da liberdade de imagens. Se cada cena fosse anunciada com uma imagem, poderia ter um impacto maior no leitor, pois ele é puramente visual.
TÉCNICO
Bom.
É o tipo de texto que gosto: organizado, dividido em atos/capítulos, narrativa natural e sem repetições de ideias e palavras. O autor está bem encaminhado. Tomaria mais cuidado na lapidação, pois alguns diálogos soaram um pouco artificiais, mas não são todos. Não sei se é uma falha, mas a mudança do tempo verbal entre as cenas ficou um pouco estranho.
CRIATIVO
É uma história simples, mas bem encaminhada e admiro qualquer texto que mantém o foco no tema.
Algumas situações tiveram um desenvolvimento mais fraco, como o argumento do trauma do protagonista e do chilique enquanto transportava Mariana e sua filha. Porém, o início e a cena do bar foram excelentes.
E que final sem graça, hein. O conto pedia algo mais impactante, como acontece no cinema, em histórias desse naipe.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conto é muito bom.
Tem várias virtudes e gostei dele. Apesar dos probleminhas que mencionei acima, é um dos melhores que li até agora.
Parabéns pelo trabalho e boa sorte no certame!
Fabio, obrigado pelo comentário! Pensei em abrir cada cena com uma imagem, mas como a proposta do conto já era ser visual, preferi não carregá-lo de informações. As pinturas do Rodrigo Yudi Honda são maravilhosas, mas cada uma conta uma história própria, que poderia entrar em conflito com meu texto.
O tempo verbal e o trauma do protagonista são os pontos fracos, concordo contigo.
Já sobre o final, ainda fiz um malabarismo de inserir uma ceninha pós-crédito. Acho que sou um escritor ordinário mesmo HAHAHAHAHA.
Ótimo texto, bem distribuído entre nos apresentar a ótica do protagonista e fragmentos de sua vida pregressa, trechos em que se compreende porque ele é como nos é introduzido e também se sabe melhor do seu passado. Essa preocupação da autoria deu profundidade ao personagem, fazendo-o verossímil e carismático, dono de uma história que realmente cativa. Como muito dos diálogos remetem à produção audiovisual, passando por diversos diretores e sempre abordando elementos pertinentes ao cinema, vejo neste conto uma das melhores abordagens do tema neste desafio, sobretudo pela maneira casual como é incluído na história, totalmente coerente. A ambiguidade com a qual se encerra o clímax é uma cereja no bolo, dando vista à psique fragmentada do personagem e como os roteiros servem para mais do que uma função criativa, sendo também uma forma de escape para o seu autor. Ótimo conto!
Fala meu companheiro de pódio e de formação! Feliz pela sua recepção, nota e comentário.
Muito obrigado!
Olá, Abel!
Seu texto atende ao tema do desafio. A arte homenageada foi o cinema.
A escrita está adequada. Passaram algumas coisas na revisão, mas suponho que outros comentaristas apontarão as falhas com maior competência.
Gostei muito do conto. O leitor percebe que está diante de um autor experiente. A leitura, inclusive, flui em bom ritmo. Sem maiores malabarismos, você prende o leitor, que encontra referências no texto que o identificam. A ambientação, por exemplo, é excelente. Podemos sentir a São Paulo percorrida por Abel, os personagens no restaurante, por exemplo, são todos muito verossímeis.
Aliás, tenho um palpite para autoria desse texto.
A divisão em cenas soma muito ao conto. A narrativa migra com muita naturalidade entre um cenário e outro.
Achei interessante a sua referência ao Linklater no pseudônimo. Não conheço tanto da obra dele, mas senti mais similaridade com o Tarantino no roteiro do Abel. Essa coisa de capangas, tiros… E também pelo fato do Quentin ter trabalhado como balconista de videolocadora antes de entrar efetivamente na indústria cinematográfica.
Aliás, o motorista adaptando o diálogo dos trabalhadores da empresa de energia sobre a dona Sayuri (“precisa desse esforço todo para gostar de mulher?”) para os assassinos de seu filme (“precisa desse esforço todo para matar um homem?”) foi um dos melhores momentos do conto! Meu processo criativo é algo bem próximo disso.
Mas vamos fazer algumas ponderações. A trama da Mariana soma dramaticidade ao texto, mas fica uma ponta um tanto solta. Certamente, é um trauma adicional ao histórico do motorista, algo importante para nos fazer acreditar que ele possa ter assassinado um cliente ao fim do texto. Ainda assim, poderia ser melhor amarrado.
Talvez ter somado a história de Mariana com a demissão na escola. Aliás, aquela história de “confundido com alguém que devia algo ao Movimento (?)” e “culpa de aluno descontente” não ficou boa. Acho que cabia aí somar algo mais obscuro que, novamente, seria um adicional para o leitor desconfiar da índole de Abel.
Por fim, a Cena 0. Acho que ela te tirou o 10. Havia formas menos didáticas de fazer aquilo, deixar o leitor com a dúvida se o suposto assassinato foi roteiro ou realidade. Ali, na minha opinião, você passou insegurança. Não me agradou esse fim.
Ainda assim, um dos meus prediletos.
Parabéns e boa sorte no desafio!
Amigo, muito bom encontrar você por aqui! Obrigado pelo comentário e apontamentos. Cara, acredita que ouvi esse diálogo sobre as mulheres japonesas da boca de dois perueiros? Na hora pensei que se enquadraria no conto e na ideia do meu personagem. Feliz que captou esse detalhe.
A cena 0 foi um risco, percebo assim, mas o final puramente amargo e fatal para Abel também não me agradava. Já que o desafio era sobre arte e criação, dei ares metalinguísticos e joguei o conto no mundo. Perdi um pontinho, mas faz parte.
Errei na construção da frase que justifica o trauma de Abel. Respondi no comentário da Giselle. Você pode conferir por lá minhas desculpas.
Grande abraço!
Olá, Abel Linklater.
Suspeito que sua versão cinematográfica seria interpretada pelo Ethan Hawke, rs.
Vou começar pela parte ruim e falar de alguns pontos que causaram ruído na minha leitura.
A pontuação durante os diálogos me pareceu muito estranha. Nesse trecho, por exemplo:
— Eu preciso, mesmo — A porta da casa se abriu, um homem saiu, foi até o carro, deu boa tarde e pegou Letícia no colo.
— Troca ela pra mim, só vou tirar a cadeirinha — o marido obedeceu e sumiu com a criança para dentro.
Você não coloca ponto final em nenhuma das duas falas, o que me parece meio esquisito, mas pode ser um recurso estilístico que desconheço, rs. Porém, quando a narração entra após o após o travessão, no primeiro caso você usa letra maiúscula; no segundo, minúscula. Pareceu apenas aleatório. E essa falta de padrão segue por todos os diálogos.
Tem umas falhas de revisão bem feias, como “geladeira zumbi” e “sinto” ao invés de “cinto” (essa última doeu 😦 ). São falhas muito básicas, obviamente apenas por desatenção na revisão e não por falta de conhecimento. Mas, como o texto é realmente bem escrito, elas saltam muito aos olhos, incomodando por passarem uma impressão de falta de cuidado do autor com essa questão.
A narrativa se passa em dois tempos distintos, com as cenas 1 e 6 no presente e o restante no passado, em flashbacks. Gosto bastante desse recurso. Mas confesso que, aqui, quase deixei passar. Pode ser apenas por culpa da minha desatenção, mas deixo registrada aqui minha impressão: as duas cenas no presente estão muito distantes uma da outra e a variação temporal não é um recurso tão marcante para a conexão imediata. Dessa forma, numa primeira leitura, ali pela cena 3 ou 4, já tinha esquecido que a 1 estava no presente. Estava lendo como uma história linear e li o final como uma espécie de epílogo no presente, não uma retomada à primeira cena. Apenas numa segunda leitura atentei para essa questão. Talvez marcar a diferença de uma maneira mais forte – como o texto em itálico ou algo assim – seria mais funcional. Ou talvez eu só seja lerdo mesmo, rs.
Ficou confusa a motivação do ataque do Movimento ao protagonista. Ele foi confundido com alguém que devia dinheiro, mas ao mesmo tempo foi denunciado por um aluno insatisfeito? É até possível conectar as duas coisas, mas essa conexão não foi estabelecida. Ficou meio sem nexo.
Não consegui entender direito o recurso da “tela preta”.
O final, com a sugestão metalinguística, dilui a força da cena anterior. É um recurso difícil de ser utilizado, meio que joga fora o investimento emocional feito pelo leitor. Aqui, como o tempo inteiro o protagonista está misturando sua vida com o roteiro, esse efeito foi atenuado. Não chegou a me incomodar tanto, mas creio que essa virada poderia ser feita de forma mais orgânica.
Por fim, deixo uma impressão que é muito pessoal e muito subjetiva, não tem nenhum aspecto técnico. Mas, talvez, quem sabe, pode te ser útil de alguma forma. Ou não, talvez não sirva de nada, mas vou falar mesmo assim, rs.
O tempo inteiro eu senti uma “mão pesada” do autor. Não que a narrativa seja por demais rebuscada ou tenha termos incomuns. Mas parece haver uma fuga quase deliberada da simplicidade. Então, onde poderia estar um “Olha desconfiado”, está um “Mira desconfiado”; onde caberia um simples “Terminou o café”, temos um “Arrematou o café”, e por aí vai. Veja bem, esses exemplos, e outros que eu poderia apontar, não são problemas individualmente. Mas, quando começam a se aglomerar, ao menos para mim, tiram um pouco a naturalidade do texto. É como aquele diretor que busca um ângulo formidável, aberto, mostrando a grandeza dos arranha-céus rasgando um lindo pôr-do-sol, enquanto os personagens estão apenas comendo cachorro-quente na esquina.
Apesar disso tudo que falei aí em cima, eu gostei do conto. Aliás, gostei muito. 🙂
Como disse antes, apesar de algumas falhas, ele é muito bem escrito. É uma narrativa segura, habilidosa. Os diálogos ficam um pouco abaixo, mas também funcionam bem.
Gostei muito da ambientação, das descrições dos lugares, desde o interior do carro até o restaurante. Foi tudo muito visual, o que encaixa perfeitamente com a escolha temática. Realmente me senti vendo um curta. A forma como são descritas as ações dos personagens ao redor também reforçam essa sensação. A cena da mariposa é outra que facilmente caberia num filme. O “clima” do conto foi muito certeiro.
As referências foram muito bem pensadas. Woody Allen para reforçar a importância do cenário urbano; Scorsese e o diálogo do conto com Taxi Driver; e até uma referência meio escondida ali a Um pistoleiro chamado Papaco, rs.
É um conto inventivo, tem uma estrutura interessante, uma boa escrita e conversa perfeitamente com a forma de arte abordada. Estará entre meus favoritos, certamente.
Desejo sorte no desafio.
Abraço!
Brunão, seu comentário foi didático, estilo aquela brincadeira de infância, “dez minutos sem perder a amizade”. Faltou padronização na forma como conduzi os diálogos, além dos erros de revisão, que felizmente você já corrigiu após o final do desafio. Sobre o uso de palavras incomuns, eu sempre tento escrever de maneira simples, mas ao mesmo tempo, fugir do lugar comum. Odeio repetir o verbo “olhar”, por exemplo; é uma falha que não gosto na minha escrita, então busco trocar por sinônimos como “mirar”, “notar”, “reparar”, enfim. O ideal seria descrever de outra forma, enfim, achar outro caminho para dizer a mesma coisa de maneira simples. O mesmo com arrematar e outros termos. Talvez, com mais tempo, tivesse conseguido limpar mais o texto, pois o objetivo era ir por um caminho mais simples.
Felizmente, você levou tudo isso em consideração e me coroou com um 11, o que me deixou muito surpreso e feliz!
Grande abraço!
Manuscritos de um Motorista de Aplicativo, dirigido por (Abel Linklater)
Confesso que reli algumas vezes e ainda contei com comentários valiosos dos colegas que ajudaram-me a não cometer injustiça com sua escrita, tendo em vista que tenho dificuldades com textos pouco lineares como o seu. Ao final desse processo que durou um dia inteiro, estou certa de que você nos presenteou com um mega texto, um dos melhores do desafio até aqui.
Coesão – Dramaturgia é a arte. Não entendi como sendo um texto de realismo fantástico, uma vez que todas as partes são cenas escritas por alguém. Ou seja, uma meta dramaturgia, quem sabe (não sei se esse termo existe). Um roteiro de cinema descrevendo os dramas e o processo criativo de seu personagem.
Ritmo – Muito bom. Ágil e com diálogos bem compostos, factíveis.
Impacto – Um texto, como disse, nada linear, bem ao estilo da arte moderna, em especial do cinema moderno. Difícil, com incógnitas para o leitor, contudo, bastante rico, interessante, misterioso. Os aspectos da psiquê do personagem criado pelo personagem criador (rsrs) me encantaram. A ansiedade extrema muito bem trabalhada e com toques de suavidade nas conversas com a mulher.
Parabéns, de verdade. Sinto se não captei sua intenção por completo.
Luciana, obrigado pelo comentário e pela nota generosa! Ao contrário do que escreveu, ao meu ver, você entendeu perfeitamente o conto HAHAHAHA! Ninguém o definiu como metra dramaturgia, apenas você, e acho que é o termo que mais se enquadra para o conto: uma história sobre alguém que escreve escrita por alguém que precisa escrever. Confuso, né?
Sobre a linearidade, foi erro meu no uso do tempo verbal, pois as cenas acontecem no tempo cronológico comum, menos a cena 0. Abel deixa o bancário no seu destino; almoça no bar e escreve o roteiro; faz a corrida de Mariana; passa em frente da escola; reencontra o bancário alguns dias depois; volta para casa e finaliza o argumento do seu filme.
Tudo de bom e grande abraço!
Oi Abel.
Seu conto me fez lembrar de um filme estranho com Adam Driver, chamado Patterson, em que um motorista de ônibus observa detalhes do seu dia a dia e escreve notas em um caderninho. Talvez por isso, eu tenha transposto para cá o clima de estranheza.
Gostei muito da história desse motorista/escritor angustiado e da forma como terminou, me deixando em dúvida sobre o que seria verdade e o que seria imaginação.
Uma história muito rica, desenvolvida com uma escrita maravilhosa.
Kelly
Kelly, assistirei a indicação! Obrigado pelo comentário!
Grande abraço!
Manuscritos de um Motorista de Aplicativo, dirigido por (Abel Linklater)
“O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo. O medo . O medo me miava. “João Guimarães Rosa
Olá Linklater. Saudações ao seu mano famoso. Seu conto não precisa de resumo, a sinopse, ou melhor, argumento, que deixou aberta ao final dá conta da atividade.
Dito isso, vamos às considerações gerais sobre texto, estrutura, personagens, tema, enredo, espaço, tempo e linguagem.
O texto é bom, estruturalmente traz duas posições de narração, a real e a imaginária, sendo que para os acontecimentos do imaginário, ou na sua língua de cinema, guia de roteiro, fez a opção acertada por uso de itálico. É conto e alcança o tema com os sonhos do protagonista em ser roteirista/diretor de cinema ou Literatura, uma vez que em seu argumento afirma a possibilidade de filme e conto. Perfeito.
Enredo bem elaborado. Gostei muito. Tempo, espaço e ritmo bem executados. E o ritmo vai criando uma harmonia junto ao tempo e juntos dão conta toda a ambientação do conto. E o ambiente transpassa a ideia de espaço aberto-fechado, indo para os elementos que caracterizam o protagonista interna e externamente: Angústia, ansiedade, desconexão com a realidade, violência urbana e escolar, pânico, solidão e esperança. Olhando de relance, sem conhecer a história por traz de Abel, ele parece apenas um paciente psiquiátrico com monomania. Impressão que é absorvida quando vemos como ele é e está de fato.
Narrador: Tão bom que quase esqueço que é ele quem está contando o caso.
Personagem: Um artista em crescimento/incubação que tenta usar um princípio da arte, que chamo amadoristicamente de “exercício da alma”. Através de suas experiências e dores ele vai criando seu texto. Adélia Prado disse uma vez que conhecer o sofrimento cedo a fez “tirar beleza” da dor e, para curar seus traumas, o ex-professor está fazendo exatamente isso.
Os aspectos psicológicos são delineados através da incursão de passageiros em seu carro, cada um acionando uma memória de dor. A ex-namorada/colega de trabalho retoma o ponto do relacionamento e da agressão sofrida. O desconhecido/conhecido Isaque retoma o ponto da perseguição e o medo do Movimento retoma.
Mais adiante, quando há a sugestão da morte do passageiro, Freud surge para mostrar, através de Abel, que a experiência artística focada em violência tem relação com o psiquismo e é através do fazer artístico que o ser humano realiza seus desejos inconscientes.
Pausa para respirar: A cena em que ele sofre depois de mais um instante de crise de ansiedade é antológica. Ao falar do relógio, associando ao sentimento de perseguição anterior e desconfiança do passageiro e posterior sumiço da caneta, fica a impressão que o corpo que ele abandona na sua cena imaginária é na verdade real. A frase “As mãos param: a caneta não está nos bolsos, nem no porta-luvas. Ele sabe”. Só que se realmente perdeu a caneta foi quando lançou o apagador na porta da escola.
Cena memorável também porque abandonar o apagador aqui tem dupla simbologia. Ele se desliga da escola e da dor da perda da profissão e da mulher amada e, segundo, atirando o objeto na escola pode ser visto também com o contra ataque ao Movimento e ao aluno que ele desconfia que, descontente, o entregou.
Outro momento alto no texto é posterior à sua chegada ao lar. Vale dizer que quase todas as características de crise de pânico e ansiedade estão postas no texto. Da sensação de perigo à fuga.
Sensação de perigo: “Espia pela basculante, não há movimento lá fora.” O formigamento pode ser visto no calcanhar que bate e no tremor ao sair do carro. Palpitações e Inquietude: corpo inquieto, dificuldade para acertar a fechadura. Calor, calafrio e sudorese: “As roupas agarradas ao corpo estão imundas, o odor de suor é forte, sente asco”.
A sensação de aprisionamento e necessidade de fuga acontece também na cena do banheiro e o banho e as lágrimas são a busca da saída do desespero.
O despersonalizar está ligado ao seu excesso de fuga da realidade. Em nome da arte, mais ainda assim, fuga. Sempre é ele o protagonista das cenas que imagina.
Não vou considerar o pseudônimo como narrador, mesmo havendo a homonímia já que uma vez aberto o anonimato do Desafio, deixa de constar seu nome. Dito isso, vamos a ele, o narrador. Em sua narração há momentos que fica ao lado de Abel. Por exemplo, quando o passageiro Isaque faz a segunda viagem utilizando o serviço de aplicativo, o narrador diz: “Ainda que estivesse com a fuça enfiada no celular”. Essa fala transparece o sentimento de Abel, que sente a ameaça nas atitudes do passageiro.
Ainda na narração, há momentos de ouro. Ao substituir uma oração simples por uma metafórica. Em vez de dizer que a passageira sorriu, diz: “um largo sorriso feminino se abriu no banco de trás”. Uma informação lírica! Outra fala traz aos transeuntes uma informação psicológica que lembra a síndrome de pequeno poder. Ao falar dos funcionários do banco, diz que eles são “homens fantasiados de importância”. É uma amostra do encaretamento social, ops, mascaramento. Não deixa de ser uma crítica velada, mas contundente.
A descrição do motorista como professor se dá antes de dizer claramente, a narrativa dá conta do ambiente típico do profissional do Ensino: “uma série de pertences pulam para fora em desacordo com o interior arrumado do veículo”. Que professor que não leva consigo uma sacola plástica dobrada para levar o lixo para ser dispensado em lugar próprio? Ou não tem a bolsa compartimentada de tudo o que vai precisar um dia. E o porta giz como troca-moedas é o máximo, tanto de informação do profissional quanto da pessoa.
Quando sabemos que ele é um professor com sonhos de cineasta e que ganha a vida como motorista de aplicativo, a ação de indicar os filmes ganha outra proporção. Professor é que indica livros, pinturas ou filmes e depois cobra do aluno, como ele faz com o passageiro. E mesmo suas conversas desconexas com o usuário do aplicativo faz mais sentido. Que docente não consegue conversar sobre um tema e orientar ou se orientar em outro?
O que tenho a acrescentar sobre minha percepção do texto? Que gostei mais do que imaginei a princípio.
Boa sorte no Desafio.
Elizabeth, já te agradeci no grupo, mas faço questão de retornar aqui. Destaco a forma como apontou a crise de pânico do protagonista. Queria colocá-lo em estado de alerta, mas não pesquisei os sintomas da crise ou qualquer coisa do gênero, só tentei encadear as reações de alguém que está desesperado por ter cometido um crime. Fiquei feliz demais com a maneira que conduziu o comentário nesse aspecto e feliz de, sem perceber, ter alcançado esse patamar de escrita. Felizmente, graças a você, todos do EC se percebem como escritores com grande potencial, ainda que estejamos a engatinhar na escrita.
Obrigado!
Grata!
O texto é bem escrito e atende ao tema do desafio. A alternância entre o roteiro escrito e as cenas é realmente interessante.
Como já foi dito aqui, o texto carece de uma maior revisão, principalmente de pontuação.
Falta um ponto em: “Põe-se a escrever(.)”
Algumas das expressões soam um pouco forçadas e com escolhas de palavras que são corretas porem deselegentes.
A geladeira zumbi, já indicada poderia ser: o zumbido da geladeira ou ela zune. “Apanha o dinheiro e nota” pode ser “Apanha o dinheiro e repara” evitando a imagem ambígua na palavra nota.
“…descascar, este murmura…” pode ser um ponto “descascar. Este murmura”
“um casal comia laconicamente” soa super estranho… “um casal lacônico comia” ainda vai. Entendo que isso foi para não repetir o lacônico em “o casal lacônico deixou o estabelecimento sem rastros”. “Um casal comia em silêncio” é bem mais direto e condizente com o tom coloquial do texto. Aqui, aliás, se vê bem a imagem estranha se formando na cabeça do leitor: o que é exatamente um estabelecimento sem rastros, ou que rastro que podia se esperar que alguém deixasse em um bar? Eu recomendaria uma limpada geral nessas expressões que parecem ser tentativas de deixar o texto mais “literário”, mas que, na verdade, somam muito pouco na história.
De resto, parabéns pelo texto e boa sorte!
Obrigado pelos apontamentos. Tentei fazer o texto o mais limpo possível, mas escorreguei no uso de algumas expressões. Faz parte!
Obrigado pelo comentário e parabéns por sua participação, foi um dos textos de que mais gostei!
Olá, Linklater, tudo bem?
Farei considerações sobre seu conto na forma de A-R-T-E:
A = A arte em si = Roteiro de cinema. O tema do desafio foi abordado com sucesso.
R = Revisão = poucas falhas
atacou o apagador > tacou o apagador
sou homem até debaixo d’água rapaz > sou homem até debaixo d’água, rapaz.
É tanta gente né? > É tanta gente, né?
Pois é Mariana > Pois é, Mariana
porta luvas > porta-luvas
antes de colocar o sinto > antes de colocar o cinto
T =Trabalho de escrita/narrativa = Interessante o recurso de inserir pedaços de um roteiro de filme no meio da narrativa. É como se uma história fosse sendo construída dentro de uma outra, resultando em camadas da trama principal. O personagem Abel dirige seu carro e também todas as cenas reais e imaginárias da sua vida. Por meio de diálogos, o texto ganha agilidade e torna a leitura muito fluída.
E = Então, autor[a] = Leitura agradável, instigante, que nos faz experimentar a sensação de assistir a um filme.
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio.
Claudia, obrigado pelo comentário e pelo 10!
Olá, Abel, seu texto é bom, tem agilidade, fluidez. Gostei dos diálogos. Personagens bem construídos.
Muito boa a sua ideia de intercalar a história com a dramaturgia escrita pelo personagem (apesar de nem sempre estar estruturada como texto dramatúrgico, compreendo que eram apenas anotações).
O final, que acabou sendo um paradoxo… não sei se consegui entender exatamente a sua ideia, a cronologia dos fatos…
A partir do momento em que aparece Mariana, o conto muda bastante, parecem até dois textos diferentes, escritos em momentos distintos.
Apenas a cena 1 está no presente. Sugiro padronizar.
Tem dificuldade com diálogos e escreve uma dramaturgia… ficou estranho isso.
“Uma moça senta ao lado do protagonista, olha para ele e volta-se para o garçom pedindo um drink, ‘mais uma chefe?’, o garçom pergunta enquanto serve a moça, ‘A conta’, ‘Dinheiro ou cartão?’, esfrega o polegar e o dedão sinalizando que é dinheiro”, aqui ficou confuso o garçom questionar sobre o drink na hora em que a moça pede o drink… tive que reler para entender esta fala.
“— Um cafezinho, para viagem” – ?
“vou ficar guardada” – ?
O carro rodava com maciez nas ruas do centro (vírgula) e a cidade
“— Desculpa, o carro pode ser uma arma também, não?” – essa fala não soou natural
atacou o apagador – tacou
É tanta gente (vírgula) né?
Nossa, que medo da geladeira zumbi kkkk… só uma brincadeirinha aqui pq li assim e me assustei.
antes de colocar o sinto (cinto)
Fernanda, obrigado pelo comentário! Quando escrevi o conto, estava engatinhando ainda em escrita dramática, por isso nem quis arriscar reproduzir. Cheguei a pensar, após a conclusão do texto, em formatar no padrão de roteiro, mas acho que não funcionaria tão bem. Sobre ter dificuldade com diálogos, acho que é um problema para muitos escritores em começo de carreira: conseguem descrever situações, cenários, mas na hora dos diálogos, empacam. Por isso coloquei desta forma no conto, de modo que Abel resolve a cena de outra forma, apenas com gestos e enquadramentos de câmera.
A não padronização do tempo verbal foi desatenção, já o “sinto”, um erro crasso que me deu vontade de me enforcar com um cinto.
Obrigado pelo comentário!
Olá. Gostei do conto, ou não fosse eu um apaixonado pelo cinema. Por outro lado, já fiz algumas experiências como argumentista e gostei, mas gostei ainda mais de dirigir o que eu próprio escrevia. Há um sentimento de realização pessoal muito forte quando se passa da palavra para a quase-realidade cinematográfica. Vi isso espelhado neste seu conto, no qual um ex-professor trabalha como motorista de um serviço tipo uber, conversando com os clientes sobre cinema e imaginando os seus próprios argumentos. No final é revelado que o argumento era o da sua própria vida e pelo que é comentado fica no ar a possibilidade de tudo não passar de uma alucinação de um esquizofrénico (e aqui já estou a “fazer um filme”, como se diz aqui em Portugal quando algum empola uma situação, levando-a para o campo do hipotético.
Em termos de linguagem, achei o texto bastante fluído, se bem que tenha alguns excessos de vernáculo que não se ajustam ao estatuto do personagem como ex-professor (pelo menos dos professores que conheço).
Pois é Jorge, eu sou ex-professor e escrevo dessa forma, as vezes abusando um pouquinho do vernáculo. Faz parte HAHAHHAHA. Obrigado pelo comentário e participação! Ainda remetendo ao desafio EntreMundos, você tem uma escrita muito cinematográfica.
Grande abraço!
Olá, Abel! Obrigado por compartilhar Manuscritos de um Motorista de Aplicativo conosco ♥️
Texto eficiente, contempla o tema. A ideia de inserir a escaleta no próprio conto é criativa, ainda que não seja original.
– PONTOS POSITIVOS: A troca da narrativa é interessante. Para descrever cenas mais amplas, a escaleta, para tratar das questões mais íntimas do protagonista, a prosa.
Transmite bem as angústias de um homem hétero citadino.
– CONSIDERAÇÕES: Difícil criar empatia pelo protagonista. A história é ordinária (sem grandes problemas até aqui), porém, carece de uma motivação que não seja tão intimista.
“sorriso feminino” – Sorriso tem gênero? Não considerei o melhor adjetivo, soa um tanto sexista (a ironia aqui é que combina bem com a voz do protagonista).
“antes de colocar o sinto” – Não seria cinto?
É um trabalho bem escrito, tem domínio evidente da gramática, mas por ser tão intimista (e longo), a leitura engasga.
Parabéns e boa sorte na sua carreira! ☮
Leonardo obrigado pelo comentário. Sobre os pontos positivos que você apontou, de fato tive que tomar alguns cuidados. Felizmente a arte literária nos permite ser mais descritivos para tratar certas emoções, mas não queria abusar, já que o texto tinha uma proposta mais visual.
Não sei se o personagem se enquadra no estereótipo de homem hétero citadino. Ele carrega essas duas características, mas é único na sua composição, ao meu ver, é claro.
Sobre o “sorriso feminino”, confesso que fiquei incomodado com o comentário quando li a primeira vez. O adjetivo está posto desta forma por uma necessidade visual, pois precisava informar o leitor que era uma mulher que estava sentada no banco de trás, pois o nome “Mariana” só sai da boca de Abel mais a frente, e não queria revelar isso de maneira artificial na fala do personagem. Logo, quando escrevo “sorriso feminino” visto pelo retrovisor, de cara o leitor vê o que Abel enxerga, uma mulher com quem conversa com certa intimidade.
Obrigado pela análise! Espero te ver novamente aqui no EC!
Grande abraço!
Ambientação= No tema- Cinema.
Escrita= Boa.
Enredo= Tão boa a descrição que eu copiei e colei aqui: Argumento: professor exonerado, cinéfilo, tenta ganhar a vida como motorista de aplicativo. A partir de suas próprias experiências cotidianas e traumas, escreve um roteiro para exorcizar seus demônios.
Considerações Gerais= Achei a história do cotidiano muito bem escrita, com um mote interessante, o que foi raro neste desafio. Fala de uma coisa que eu também gosto muito que é a construção de um filme, começando pelo argumento, a criação do roteiro, fotografia, enquadramento e tudo mais.
Boa construção do personagem, excelentes diálogos, também gostei da estrutura, definindo roteiro escrito pelo motorista e a narração da história principal. Um ou dois errinhos não tiram o brilho da obra. Boa sorte.
Cinema é bom demais, não é mesmo, Antônio? Achei que ia gostar da ilustração de abertura! Recomendo conhecer o trabalho do ilustrador.
Grande abraço e obrigado pelo 10!
Manuscritos de um Motorista de Aplicativo, dirigido por (Abel Linklater)
Comentário:
Um texto que, quando a leitura acaba, fica aquela sensação de: “li um conto ou vi um filme?”. Que domínio danado pra conduzir uma trama!
Parabéns pelo trabalho! Confesso que textos deste naipe trazem melancolia, mas são valiosíssimos. A cabeça do autor pode ser louca, mas a do leitor não fica atrás! Pelo pseudônimo, olhe só, imaginei o autor; tentei descobri-lo entre os colegas: Abel é o técnico português do Palmeiras, e Linkliter, por sua vez, é sobrenome de Richard Linklater, cineasta e escritor. Ligando os pontos, conhecendo alguém que aprecia os dois, acho que sei quem escreveu!!! Será?!
A história do motorista, ex-professor, é tocante. Seus sonhos, a realidade dura, o encontro/desencontro com Mariana, tudo isso prende o leitor. As anotações criadas a partir da imaginação, as ideias pinçadas do cotidiano e reconstruídas no roteiro são curiosas. A realidade (?) me fisgou.
O autor faz uso de palavras, dentro do contexto, pouco vistas em textos corriqueiros: bloco de notas, caixote de madeira, díspares, lambe-lambes, basculante, lanhadas. O uso de “inhaca” foi diferente. No texto, senti falta de algumas vírgulas, mas não ofuscou o encanto.
Abel Linklater, parabéns pelo trabalho! Seu texto é muito bom!
Boa sorte no desafio!
Abraços…
Obrigado pelo comentário Ruth! As vezes abuso no vocabulário, e olha que tentei me conter!
Grande abraço!
Aliás, voltei para comentar seus palpites de autoria. Escolhi o nome Abel porque considero um nome trágico, como referência ao Abel bíblico, que morre na mão do irmão. No conto, o Abel é o assassino, mas o faz só pela caneta. O nome Isaque, do passageiro, não é à toa também, pois em Gênesis, Isaque é quase sacrificado por Abraão, mas escapa por pouco graças a intervenção divina.
Sou Corinthians, como você sabe bem! E morri de rir quando me chamou de palmeirense HAHAHAHA. Meu próximo pseudônimo será Sócrates ou Basílio, só para afugentar a dúvida.
Gostei muito, muito deste conto! Achei ágil, diálogos naturais e certeiros, a estrutura interessantíssima. É o tipo de conto que a gente lê rápido, flui fácil, prende a atenção. Curti o desfecho também.
Mas eu gosto de um pouco mais de lirismo, e isso achei que ficou faltando. Mas não é exatamente um problema; entendi que foi sua proposta.
Uma coisa que me chamou a atenção foi este trecho:
“assim como o engano de ter sido confundido por alguém que devia dinheiro para o Movimento. Invadiram a escola para cobrá-lo, alguma denúncia de aluno insatisfeito.”
Achei que você colocou dois argumentos meio incompatíveis aqui. Ou o confundiram com outra pessoa, ou algum aluno insatisfeito fez uma acusação falsa. As duas coisas juntas não fizeram muito sentido pra mim. Mas talvez eu tenha entendido mal; não seria a primeira vez.
Quanto à parte técnica, é um texto muito bem escrito. Só me saltaram aos olhos algumas falhinhas de revisão, em especial aquelas envolvendo vírgulas (sou a louca da pontuação, essas coisas costumam me incomodar hahaha).
Aliás, a pontuação é meio peculiar, o que me faz pensar que já sei de quem é este conto! 😊
Como as falhas não foram consistentes – às vezes estavam certas -, imagino que apenas passaram batido na revisão.
Vocativos:
Que isso, sou homem até debaixo d’água rapaz.
Pois é Mariana, só tá saindo quem precisa.
Expressões negativas:
É sim…
É tanta gente né?
Vai beber nada mesmo não?
Aqui passou a falta do hífen:
e enfiou tudo de volta no porta luvas
E este “sinto” que deveria ser “cinto”, sinto muito:
Abel sorri e, antes de colocar o sinto
Como disse antes, porém, nada disso compromete: é um conto excelente, dos melhores que li até agora. Parabéns e boa sorte!
Gi, faltou lirismo mesmo, concordo contigo. Meti o pé no chão, ou no acelerador, e segui esse caminho. Obrigado pelo carinho na análise e pelo 11!
Sobre a revisão, agradeço seus apontamentos. Apenas na fala do garçom, a expressão negativa foi proposital: já ouvi muita gente falando dessa forma, ainda mais em momentos de indignação, por isso o “Vai beber nada mesmo não?”
Sobre a contradição, foi erro meu na construção da frase. Queria que Abel não tivesse certeza do que fez o Movimento lhe atacar: algum aluno o delatou de forma mentirosa, como já vi acontecer com amigos professores, ou o Movimento invadiu por invadir e ameaçou o professor. Erro meu.
Grande abraço!
Oi, querido!
Muito feliz aqui com sua vitória! 🙂
Sobre o “não”, ali: entendi o que vc tentou fazer, mas ainda assim tem uma vírgula. Regras bestas do português: “sim” e “não”, quando isolados, são precedidos e seguidos por vírgulas:
– Não gosta disso?
– Gosta disso, não?
– Não quero isso.
– Quero isso, não.
– Você vai, sim!
– Ele disse, sim, que vinha.
Por isso teria vírgula aí no seu:
– Vai beber nada mesmo, não?
Não muda nada no sentido, lógico. Bobeiras da gramática.
Beijo e parabéns mais uma vez!
Você vai longe, amigo!
Olá! Tudo bem?
Seguindo os passos da melhor revisora de todos os tempos, a dileta Claudia Roberta Angst, farei considerações sobre seu conto na forma de A-R-T-E:
A = A arte em si = A arte aparece com sucesso no conto: o protagonista é um roteirista amador. O próprio conto possui estrutura de filme.
R = Razões para ODIAR o conto (porque sou desses) = O ponto mais alto do conto acaba sendo o mais baixo: de repente (cena 0) tudo deixa de ser real – uma pena, pois o protagonista estava tão verossímil, tão humano, tão real.
T = Trabalho de escrita/narrativa = A escrita é excelente.
E = Então, autor[a] = Achei o conto muito caprichoso. Para além da virada (cena 0), que alguns podem considerar sensacional, o conto vence pela atenção aos detalhes: a estrutura na forma de filme, em obediência aos auspícios do protagonista; a escolha do título e das imagens; os destaques com itálicos. O protagonista (motorista e ex-professor) é muito real, muito palpável, muito bem construído; senti seu drama, angústia, desespero e solidão (por isso lamentei tanto a possibilidade, levantada na Cena 0, de ele não ser real, de ser apenas um personagem – por que, entrecontista, por que fizeste isso comigo?!). Parágrafos curtos, muitos diálogos, muita ação/movimento tornam o texto muito fluido.
Parabéns pela participação e boa sorte no desafio!
Anderson, meu amigo! Obrigado pelo 11! Achei o final muito amargo, muito no lugar no comum, pois fatalmente o personagem sucumbiria, visto que sua vida era marcada por traumas e frustrações. Não estava satisfeito, então coloquei essa cena pós-créditos. Como o desafio era sobre arte e processo criativo, me permiti brincar com o conto, fazendo dele também um produto de alguém que escreve para lidar com os próprios problemas. Abel pode não ter assassinado o passageiro no mundo real, mas o fez pela escrita, o que deve ter sido extremamente satisfatório.
Grande abraço!
O resumo já foi feito pelo próprio autor e pelo comentarista anterior (“professor exonerado, cinéfilo…)
O pseudônimo me levou a Richard Linklater, um diretor e roteirista de cinema cuja originalidade é um grande diferencial dos demais. Seus filmes tem um aspecto humano, com roteiros naturais e realistas. Assim é esta narrativa aqui, estruturada em cenas e poucos apontamentos sobre emoções, divagações e memórias do protagonista, cenas de ficção e outras do cotidiano do taxista. Ao contrário do esperado, o cinema não traz a catarse desejada.
O autor mostra experiência na escrita, mas acredito que que o seu público-alvo é pequeno. O estilo é complexo, resultando em uma leitura travada que distancia o leitor da trama narrada.
A meu ver, o conto tem uma história interessante e uma premissa poucas vezes explorada. Gostei muito do estilo e narrativa. No entanto, a narrativa com flash backs e flash forwards acaba atrapalhando um pouco a percepção do todo.
No geral, posso dizer que os prós superam os contras, e apesar de não ter me impressionado muito, ainda considero o texto sólido e tecnicamente ajustado ao desafio.
Parabéns e boa sorte no desafio! Abraço.
Fátima, obrigado pelo comentário. Linklater é um dos meus diretores favoritos, então não podia deixar de homenageá-lo nessa oportunidade.
Resumo: Nas palavras do autor: “professor exonerado, cinéfilo, tenta ganhar a vida como motorista de aplicativo. A partir de suas próprias experiências cotidianas e traumas, escreve um roteiro para exorcizar seus demônios.”
Comentário:
Linklater, gostei desse curta/conto dividido em cenas. Há mais mostrar do que contar, embora o narrador faça pequenas intervenções sobre o estado emocional do protagonista, tudo acontece com calma. A ideia de um motorista de aplicativo ressentido com o mundo me lembrou TaxyDriver, o que convém já que a arte focada aqui é o cinema, sendo o próprio Scorsese citado na trama. Acompanhamos pedaços desse protagonista que definha a cada cena, até, pelo que se entende, sucumbir de vez para criar a ficção que tanto deseja. Diferente de outros contos, a arte, apesar de alimentada pelo cotidiano do protagonista, não consegue exercer seu papel libertador. Porém, na “cena 0”, ao meu ver, insere mais uma camada de metalinguagem ao conto (já presente pelo fato de ser sobre um motorista que escreve um roteiro), e dá certo vigor e esperança de que, na verdade, o conto todo é uma ficção maior, preenchendo a história de mistérios e incertezas.
Parabéns e boa sorte no desafio!