EntreContos

Detox Literário.

GIRA-MUNDO (Regina Ruth Rincon Caires)

− Anda logo, moleque! Vá se jogar na água limpa antes que esse barro todo vire pedra! Avie!

Era o fraseado de todos os dias. O pai falava por falar, sabia que Rosaldo era escovado, fazia tudo no seu tempo.

E ele continuava lá, quieto, imóvel, com a lama ressecada recobrindo o corpo feito casca de árvore. Com o canto das unhas lascadas e imundas, empurrava a crosta que se formava sobre o joelho. Aquele som craquelado lhe dava prazer. Não era pelos ouvidos que o percebia, ouvia com o gosto. Gostava de franzir a testa para sentir o trincar da lama. E não tinha pressa, nenhuma. O dia seria longo, como sempre, igual a todos.

O corpo enlameado do pai, reluzindo ao sol, mostrava uma esbelteza que não lhe era própria. As várias camadas de lama ocultavam o peito esquálido, pobre de carnes. E, quando se erguia, atolado até a cintura, infalivelmente, trazia na mão um agitado caranguejo. Era certeiro na cata. Se bem que Rosaldo estava cada vez menos disposto a observar detalhes. Andava cansado do manguezal. Não mais aguardava as marés baixarem com o mesmo entusiasmo de antes, acompanhar o pai na cata de caranguejo tornara-se maçante. Aquele alagadeiro acatingado o agoniava. A aperreação era visível. Nem mesmo o sabor do cozido, feito com o refugo dos caranguejos, era o mesmo. Sem gosto, sem graça. Insosso.

Nas noites, era comum Rosaldo ouvir as lamúrias da mãe e a conversa de sossegamento do pai. Falavam como se a ordinária cortina de pano que separava os quartos fosse parede de alvenaria. Ali, tudo era sem segredos.

− Homem, esse menino é fraco de apego, parece que vive tentado, cheio de ilusão…

− Deixa de cisma, mulher! Você encasquetou com isso. O menino é sangue bom, gosta de pular de galho em galho, mas sempre pisa a terra. Um dia ele entra nos eixos. Só precisa da nossa bênção. 

Rosaldo, alma nômade, ouvia e aparafusava cada palavra. O pai estava certo. A preocupação da mãe e o seu aspecto consumido não nasceram com a maternidade. Ela era assim, sempre foi. Entregue, melancólica, sem qualquer propósito. Seguro de seu entendimento, o menino sentia-se mais livre nas escolhas.

Deixando a peleja com os caranguejos, Rosaldo enveredou-se no ofício de engraxate. Não foi fácil. A comunidade era fechada, hierarquia severa. Ocupar uma praça exigia licença do líder. E ele conseguiu. Até foi capaz de aprender aquele linguajar complicado, horas e horas de prática. Mas não se alinhou com as engabelações. Não concordava com as trolagens feitas com os turistas. O preço deveria ser justo, sem maquinação. Havia certo escárnio no trato, artimanha descabida. Percebendo que não mudaria o vício do bando, procurou se distanciar, pouco a pouco. E quando sumiu, definitivamente, morto de medo de perseguição, ficou mocozado até que a poeira baixasse. Nem olhava para a aflição da mãe. 

Sempre na luta, procurou serviço no mercado de peixe. O mar não o iludiu, nunca foi pescador. Águas revoltas e aqueles barcos que desinteiravam famílias jamais o seduziram. Da gritaria sem fim do mercado, não demorou muito para chegar nas bancas de jogo do bicho. Foi trabalhar para Esmeraldino do Beco, que firmou ponto na Rua Fonseca, perto da Fábrica de Tecidos Bangu. Local de muito movimento e de venda fácil.  Esmeraldino era obcecado por futebol, e Rosaldo, parceiro de muitas horas, virou frequentador assíduo do Moça Bonita. Não importava que fosse apenas treino; lá estava ele na arquibancada, aos berros.

Isso durou anos. O arrebatamento se anulou quando, num jogo contra o América, um mandachuva com nome de animal roedor, descontente com a marcação de pênalti contra o Bangu, invadiu o campo com um trinta-e-oito em punho, desafiando o juiz da partida. Isso bastou para distanciar Rosaldo daquela paixão. A verdade do jogo não girava no campo, rodava no ritmo e na força das balas do tambor. Cartas marcadas, enganação dos sentidos.

Em pouco tempo, as novas amizades encurtaram o caminho para a escola de samba. O batuque lhe tirava o sossego. Das pernas e do peito. E, no barracão, sambava feito moleque doido, sem parada. Tinha ginga nos pés e no corpo, a dança corria nas veias. Recusou o convite de fazer parte da bateria, não queria mãos presas, dispensava alinhamento. No samba, como na vida, precisava do corpo todo para se entregar, sem amarras. Sem controle.

Ali cresceu, entre o jogo do bicho e o samba. Virou homem. Dizer que perdeu o gosto pelo jogo? Não podia negar, virou meio de vida, só isso. O mandachuva com nome de bicho roedor tomou conta de tudo. Depois que chegaram os homens de terno, os mecenas, até o carnaval mudou de tom. Perdeu a inocência, também trazia cartas marcadas. Outra tapeação disfarçada. Mas o samba, este não abandonava a alma de Rosaldo. Era paixão moldada.  

E nos carnavais encontrava os seus rabichos. Muitos. Bastava acabar a folia, Rosaldo rolava de um barraco para outro. Só levava as roupas, nada mais. Assim foi com Ana Flor, Betina, Flora, Açucena, Celeste, Araci, Ritinha, Violeta e Aurora. Ah, Aurora! Esta foi mais que rabicho. Foi afeição, benquerência, fervura. Era uma cabrocha manhosa, de risada franca, barulhenta até no andar, cheia de guéri-guéri.  Namoradeira, não escondia os seus enroscos. Debochadamente oferecida. Rosaldo, enfeitiçado, achava que seria a companheira da vida, e ficou todo afortunado quando percebeu que a barriga de Aurora começava a crescer. Seria pai. Escrupulosa, percebendo o entusiasmo desmedido do companheiro, mesmo com o coração em frangalhos, Aurora contou a ele que o filho era de Anísio de Quintino, o grande amor de sua vida.

Derriçado, Rosaldo chorou. Mas a tristeza não durou muito. Os cafunés de Carlota eram malandros, começaram nos obséquios, no ombro amigo. E não deu outra. Logo as roupas de Rosaldo rolaram para outro barraco.

Carlota foi a companheira de muitos carnavais. No barracão, comandava a montagem das fantasias. De acordo com o enredo, desenhava os modelos, escolhia os tecidos, os adereços, e, junto com as costureiras, arranjava trabalho para o ano inteiro. Sambista de primeira, esbanjava sedução. De mal, demasiadamente apegada à cachaça. Era esse o único motivo de discussão no barraco.  Rosaldo não se conformava com a falta de capricho da companheira, percebia que a bebida iria cozinhá-la por dentro. Mas ele também sabia que seria sempre um fraseado sem resultância. Falava por amar.   

Envelheceram juntos. Não fosse a canseira que chegou de mansinho, pulmão fraco, roubando de Carlota o vigor, impedindo o samba no pé e prostrando-a numa cama, os dois não teriam se separado. Cozida por dentro, perdeu a batalha. E sabendo do apego que ela nutria pela vida, Rosaldo sofria com a certeza de que ela partiu contrariada.

Na solidão, ele ficou desconsolado, nem esperava mais o carnaval. Os dias tornaram-se imensos. Nas caminhadas, a cada dia mais alongadas, extravasava a ansiedade. Corpo cansado chamava o sono, sono chegando, a noite passava.

E ainda teve Clarice, que morava do lado e cantava feito passarinho. Nada muito ardente. A idade exigia mais companhia que saliência, mas Rosaldo também não a dispensava. Os dois se ajustaram, sob uma condição: sem que qualquer um deles rolasse definitivamente para o barraco do outro. Assim foi.  Por muito tempo.

  Na plataforma da Central do Brasil, alojado no banco de madeira sustentado por pés de ferro, Rosaldo observava o burburinho que brotava de todos os lados. Gente chegando, gente saindo, passos apressados, mãos carregadas de malas, uma montoeira de corpos que se roçavam sem perceber. Parecia bloco de carnaval sem samba. Sem graça.

Os trens chegavam e partiam. Os apitos, o som das frenagens, o cheiro de graxa, o atrito assobiado das rodas das locomotivas nos trilhos, o calor subindo das ferragens e afugentando os passageiros negligentes que se juntavam sobre a faixa de segurança, tudo isso trazia inquietação. As rodas só iam, sempre no mesmo sentido. Aos olhos de Rosaldo nada escapava. Eram tantos os movimentos que a cabeça dele também girava, e as lembranças, enxeridas, se embaralhavam. Sem querer, Rosaldo alheou-se, nada de barulho, nada de pessoas. Observou as mãos, as suas.  Encrostadas, pele envelhecida, e lembrou-se da lama seca do mangue. Chegou até mesmo a levar a unha para retirar aquilo que parecia escama, feito casca de árvore.

Do nada, levantou e dirigiu-se ao guichê.

– Moço, eu quero um bilhete.

– Qual é o destino, senhor?

– Até o fim da linha. No ponto final.

22 comentários em “GIRA-MUNDO (Regina Ruth Rincon Caires)

  1. Felipe Lomar
    20 de março de 2021

    Gostei muito desse conto. A ambientação e a narrativa são bem conectadas à realidade do suburbio carioca. Suponho que você é bem familiar com o contexto, ou fez uma boa pesquisa, pra saber a história do Cas… digo… do bicheiro com nome de roedor, e do incidente do América. Além do mais, o Rosaldo é um personagem extremamente realista e gera uma identificação ao leitor muito facilmente.
    Só fiquei um pouco confuso com o final. Ele morreu??

  2. danielreis1973
    19 de março de 2021

    Prezado Entrecontista:
    Para este desafio, resolvi adotar uma metodologia avaliativa do material considerando três quesitos: PREMISSA (ou Ideia), ENREDO (ou Construção) e RESULTADO (ou Efeito). Espero contribuir com meu comentário para o aperfeiçoamento do seu conto, e qualquer crítica é mera sugestão ou opinião. Não estou julgando o AUTOR, mas o produto do seu esforço. É como se estivéssemos num leilão silencioso de obras de arte, só que em vez de oferta, estamos depositando comentários sem saber de quem é a autoria. Portanto, veja também estas observações como anotações de um anônimo diante da sua Obra.
    DR

    Comentários:

    PREMISSA: um dos contos mais completos desse desafio, percebe-se que o autor soube traçar todo o caminho do protagonista, da infância até a decrepitude, passando pela sua vida difícil, seu contato com Bangu e o Carnaval, suas mulheres/amores, até o eterno retorno (ou a ida para o vazio).

    ENREDO: bem construída, a história apresenta as vicissitudes do personagem, construído com fidedignidade o cenário e as condições enfrentadas ali. Poderia muito bem ser a história real de alguém, e isso é um grande mérito.

    RESULTADO: destacam-se belas imagens como cascas de árvores na pele enrugada pela velhice; porém, a engrenagem só faz parte da história como detalhe observado na sua espera pelo trem. Desejo sucesso em sua escrita!

  3. Bruno Raposa
    16 de março de 2021

    Olá, Anacleto Gralha.

    Adorei o pseudônimo, rs.

    Primeiro tenho que dizer que seu texto é muitíssimo bem escrito. O estilo da narração aclimata perfeitamente o leitor no enredo; a linguagem é simples, mas com ótimo vocabulário; o texto flui de maneira fácil e prazerosa. Escrita madura, competente. É obra de quem realmente domina o ofício. Meu único engasgo foi com a palavra “trolagens”, que me pareceu deslocada no contexto do conto.

    O enredo prende a atenção, embora seja bastante comum; não há muitas surpresas ou reviravoltas, é uma história bem simples, cotidiana. O que a torna realmente interessante é a sua forma de narrar. Através dessa narrativa você conseguiu emprestar muita beleza a momentos cotidianos. Algumas passagens são particularmente inspiradas, como a morte de Carlota.

    O final, pra mim, ficou um pouquinho aquém. Entendo que seja um fechamento lírico. Mas, se pensarmos nele de forma literal, não faz muito sentido, não é uma conclusão. E o texto, até então, não tinha assumido um tom lírico. Isso me gerou um certo incômodo, terminei o conto com a sensação de que faltou um fechamento. Pode ser uma mera questão de gosto pessoal, apenas deixo aqui registrada minha impressão. Talvez você encontre outros leitores chatos como eu, rs.

    A adequação ao tema me pareceu bem pálida. Talvez trate das engrenagens da vida, ao menos assim pensei. Mas seria interessante se houvesse algum elemento que deixasse isso mais claro. Algo na narrativa que desse a ideia de que há um mecanismo social por trás disso tudo. Se a ideia era tratar de criação, aí confesso que não entendi mesmo, rs. Dentro do contexto do desafio, isso faz com que o texto perca uns pontinhos na minha avaliação. Fora dele, nenhum problema.

    Pequenas ressalvas à parte, é um conto muito bom. Nem tenho muito o que falar sobre, nada muito relevante a apontar. E, acredite, isso é um grande elogio. 🙂

    Um abraço e boa sorte no certame.

  4. Andrea Nogueira
    15 de março de 2021

    Atende o tema proposto com uma história sobre a engrenagem do tempo, da vida.

    A narrativa em estilo linear é bastante bem construída: em linguagem e vocabulário pertinentes ao espaço dos manguezais nordestinos; com linguagem poética, lírica que humaniza e confere força emocional ao texto; em diálogos curtos e certeiros que nos dão conta dos personagens. Nada no texto é supérfluo, para a construção do texto e da história.

    Assim, o texto flui, prende a atenção e leva o leitor junto, a acompanhar a vida de Rosaldo, seu protagonista.

    O texto alavanca uma história que poderia ser a de muitos brasileiros, de vida comum, anônima. Não fosse a linguagem – e suas belas figuras, e a narrativa – de uma estrutura admirável e inspirada, seria mais uma história dessa gente nossa.

    Conta a história de Rosaldo, um nordestino da faixa litorânea, no seu trajeto de vida – suas escolhas de trabalho e amorosas que vão desenhando e edificando sua trajetória. Ele segue pela vida sendo fiel aos seus sonhos e princípios, sempre prezando sua liberdade, de pensar e agir, sua independência – “dispensava alinhamento” para não ceder às “Cartas marcadas, enganação dos sentidos”.

    Duas frases do Conto resumem o personagem com bastante propriedade :

    “- […] gosta de pular de galho em galho, mas sempre pisa a terra – diz seu pai, à mulher;
    “No samba, como na vida, precisava do corpo todo para se entregar, sem amarras. Sem controle” – nos diz o narrador.

    Merecem destaque as são belas figuras de linguagem criadas pelo autor: “a lama ressecada recobrindo o corpo feito casca de árvore”; “Aquele som craquelado […] ouvia com gosto”; “Ali, tudo era sem segredos”; “Barcos que desinteiravam famílias”; “A idade exigia mais companhia que saliência”. E, como essas, são tantas outras.

    No desfecho outra pérola do Conto.

    O final da narrativa nos traz Rosaldo em sua etapa final de vida, só, envelhecido, numa estação de trem, assistindo os trens e as pessoas passarem. Mas logo se dá conta de que a vida assim é sem graça, tal qual um “bloco de carnaval sem samba”. E faz sua última, talvez, escolha: decide-se por terminar seus dias como sempre viveu – em giro/ movimento, livre e independente, para continuar sentindo o sabor da vida.

    Sem dúvida “Gira-mundo” é um conto de extrema beleza, criativo e original.

  5. Jorge Santos
    14 de março de 2021

    Olá autor ou autora. Gostei bastante do seu texto, se bem que me tenha perdido no linguajar brejeiro. É o relato da vida de um homem de classe baixa à procura do seu destino. Ao mesmo tempo, senti que o homem personificava o mito do espírito brasileiro. Mito, neste caso, porque não se pode reduzir o espírito de um povo a um conjunto de arquétipos. Religião, samba, futebol. Se bem que neste texto a religião está tão ausente como o próprio tema do desafio. Percebo que as engrenagens do sistema estejam omnipresentes, fazendo pressão para que a personagem não consiga encontrar a sua felicidade. É neste sentido do real, da procura incessante por uma felicidade que teima em não aparecer que concentra o encanto do conto. O texto é fluído, lê-se num fôlego e pede uma reflexão profunda: há que ter força e perseverança para romper o ciclo.

  6. Kelly Hatanaka
    11 de março de 2021

    A história inteira de uma vida, de uma só vez. De forma clara, dá pra acompanhar Rosaldo passar de moleque meio avoado a velho cansado. Gostei muito da velocidade, do ritmo da história, da escolha das palavras. Um conto que, ao terminar de ler, parece que não faltou nada. Tudo foi dito, uma história completa, redondinha, muito real. Meu favorito!

  7. Fheluany Nogueira
    11 de março de 2021

    O trajeto de vida de Rosaldo é narrado através do seu trabalho, desde menino e de seus amores.

    “A vida como ela é”. A premissa do conto não é algo original, mas a história é bem contada e gostei do tom saudosista e melancólico; tem um bom ritmo e não é uma leitura cansativa. Linguagem e ambientação se fundem de forma verossímil.

    As engrenagens do percurso do protagonista foram bem contextualizadas. A metáfora final é bonita, sensível; ficou triste, mas gostei da opção por finalizar a trama de maneira realista, mostrando limites e fazendo o leitor refletir.

    É uma história calma e sóbria, sem impacto ou criatividade maiores, mas ainda assim um conto que prende a atenção e proporciona uma leitura prazerosa.

    Parabéns pelo trabalho! Boa sorte no desafio! Abraços.

  8. Eduardo Fernandes
    11 de março de 2021

    É difícil avaliar este conto, porque ele está bem escrito e é agradável de ler, só que o tema é “engrenagens/criação” e qualquer relação com estes temas é muito subjetiva, mesmo muito forçada.

    Este texto poderia ter escrito para muitos temas diferentes e encaixaria em quase todos, então não acho que seja justo avaliá-lo como bom.

    E o texto tem várias oportunidades para encaixar a temática da engrenagem, nem que seja através de recursos de repetição de termos como fez o “Mata matraca catraca” a indicar as engrenagens a rodar.

    Enfim, até gostei do texto, mas não consigo ignorar que não vejo relação com o tema.

  9. Renato Silva
    8 de março de 2021

    Olá, como vai?

    Primeiramente, não serão considerados gosto pessoal e nem adequação ao tema, já que o mesmo passou a ter entendimento extremamente esparso. Para evitar injustiças por não compreender que o autor fez uso dos termos escolhidos, ainda que em sentido figurado, subjetivo, entenderei que todos os contos terão os pontos correspondentes a este quesito.

    A minha avaliação é sob a ótica de um mero leitor, pois não tenho qualquer formação na área. Irei levar em questão aquilo que entendo por “qualidade” da obra como um todo, buscando entender referências, mensagens ocultas e dar algumas sugestões, se achar necessário.

    Agora, meus comentários sobre o seu conto:

    Primeiramente, considero bem acertada a escolha da linguagem utilizada. Um vocabulário coloquial, regionalista, ajuda na imersão dentro da história do personagem, como se o narrador fosse alguém bem próximo dele.

    Pelo visto, o foco foi a vida amorosa de Rosalvo, resumida de modo bem objetivo, sem muito espaço para pieguices. Boa ortografia, riqueza de vocabulário. Ausência de erros.

    Boa sorte.

  10. Elisabeth Lorena Alves
    7 de março de 2021

    GIRA-MUNDO (ANACLETO GRALHA)
    “Um velho relógio de parede numa fotografia — está parado?”
    Mário Quintana

    O conto tem uma estrutura bem marcada. Começo, meio e fim seguindo um propósito de engrenagem, porém sem marcas específicas – e nisso está todo o deslumbramento do texto. A Personagem bem marcada segura bem o enredo.O narrador tem uma fala mais informal utilizando de palavras e expressões de um vocabulário próximo do popular, recriando algumas. O tempo é psicológico, levando de forma cronológica a narrativa que apresenta Gira-Mundo bem acentuado.
    A Linguagem é bem acertada. As imagens criadas são amplas, cobrem bem tanto o que a narrativa exige para contar a história. Similar na narrativa ao conto “Mata, matraca, catraca”, aqui, porém, não há uma engrenagem visível, marcada por algo. É, ao meu ver, um espetáculo de narrativa imagética, enquanto o outro prende no ritmo, Gira-Mundo prende no jogo de luz e som. O uso da Semântica é praticamente uma segunda pele do texto, segue o ritmo, toda vez que muda o ambiente o campo de significados acompanha e se estende com presteza, sem exageros, como tinta colorida em uma tela, pontos que sugerem mais do que retratam e por isso mesmo faz do risco arte.
    Os dois contos podem ser analisados partindo da ideia de que Gira-mundo é uma viagem a um ser humano – sem ser Fabio Jr, sim, eu tinha que pensar nele – mostra, sutil, mostra como a vida passa pela personagem principal e a muda, devagar, aos poucos. Mata Matraca conta o tempo de um homem sem chegar dentro dele, sem apresentar suas nuances e por isso mesmo é belo em seu espaço. Ambos são narrativas muito bem elaboradas e que não deixam espaço para o leitor ficar entediado.

    Para ser sincera, alguns textos deste Desafio me fizeram ir além do olhar do leitor comum, que é algo que tenho orgulho de manter apesar dos anos de estudo de Teoria e Literatura e, quem me conhece sabe que não sou pessoa de jogar na cara de ninguém o que sei. Para mim uma leitura precisa ser antes de tudo lida e só depois digerida. Gira-mundo não nos dá essa possibilidade. Na verdade ele me fez ser exatamente o leitor que Ruth Silviano Brandão descreve, aquele que lê o “ texto literário sublinha, seleciona, reescreve” o que foi lido.
    Entretanto não há como de fato reescrever esse conto, ele está pronto, uma ópera magistral. E tanto é que me remete não só a uma das composições de Mário Quintana, me leva a reler na mente o livro Esconderijo do tempo.
    Fiquei lutando com esse texto e me perguntando como assim que esse conto não diz aonde vai, engana-se Jean-Bertrand Pontalis, ele sabe seu destino e é perfeito, uma fotografia do correr da vida desde o momento que se acorda – para a real existência, quando se percebe humano: “− Anda logo, moleque! Vá se jogar na água limpa antes que esse barro todo vire pedra! Avie!” e que modo de se descobrir vivo!
    Seis horas, talvez? Ele amanhece aí, um dia inteiro pela frente… Diferente de “Mata matraca catraca” que marca o tempo com a brincadeira fonológica e usa o tempo do relógio de forma comum, Gira-Mundo faz as engrenagens da vida fazer seu trabalho de forma silenciosa. Como é a passagem da vida e como são seis horas, então como diria Quintana, “há tempo…”. E porque há tempo o menino pode brincar com o barro e o narrador construir esse cenário semântico digno de uma fotografia, onde figuram a sinestesia: “Aquele som craquelado lhe dava prazer. Não era pelos ouvidos que o percebia, ouvia com o gosto e estética. A cena descrita do pai é digna de uma música: “O corpo enlameado do pai, reluzindo ao sol, mostrava uma esbelteza que não lhe era própria. (…). É ler e ver a cena: “As várias camadas de lama ocultavam o peito esquálido, pobre de carnes. E, quando se erguia, atolado até a cintura, infalivelmente, trazia na mão um agitado caranguejo.” Sim, o texto se estampa como uma fotografia, em alguns segundos o leitor tem uma experiência perceptiva e a identificação acontece, seja na vida ou na arte, ele já viu algo similar, não necessariamente com barro e, depois disso surge a interpretação. O texto em todo o tempo nos coloca em uma experiência mental e ótica constante. O que não acontece no conto narrado por Admirável Mundo Novo.
    Vale lembrar “no campo das relações interartísticas, as propostas se multiplicam”, escreve Tania Franco Carvalhal e, Marilene Weinhardt completa“Criar em literatura é estabelecer diálogos entre textos”, entretanto encontrar dois textos que se conversam em um mesmo Desafio é raro e só não fiz uma análise realmente comparativa porque deixaria de apresentar as malhas da narrativa de Anacleto Gralha – menino que nome diferente!

    Ainda sobre texto fotográfico Merleai-Ponty mostra que “Ver é entrar em um universo de seres que se mostram, e eles não se mostrariam se não pudessem estar escondidos uns atrás dos outros ou atrás de mim. Em outros termos, olhar um objeto é vir habitá-lo e dali apreender todas as coisas segundo a face que elas voltam para ele. E quando o que vemos é um texto como esse , fica fácil viajar em suas nuances e descobrir o que cada pincelada escondida em forma de palavras e significados estão nos contando.
    Cada movimento da narrativa tem o poder de produzir identificação e proximidade no leitor como se ele fosse na verdade espectador de uma imagem exibida em tela. Na verdade o crítico Ismail Xavier definiria esse texto como uma decoupage perfeita porque consegue transmitir todas as cenas sem mostrar os cortes – e de decoupage eu entendo, e quase nada de cinema.

    E que força tem esse narrador! Ele nos guia calado, sem dizer nada sobre si, só monitorando as mudanças das cores e dos passos da dança que quer executar.

    Assim, é interessante notar que Gira-Mundo é uma criação literária, porém não é imoto, pelo contrário, sendo um relógio em uma fotografia, ainda assim move-se. Para falar da situação de miséria sem citar as palavras que a denunciam, cria um campo visual: “Andava cansado do manguezal. (…) acompanhar o pai na cata de caranguejo (…) Aquele alagadeiro acatingado o agoniava. (…) …o sabor do cozido, feito com o refugo dos caranguejos, (…) Sem gosto, sem graça. Insosso.”
    A alma nômade não passa desapercebida pelos olhos sábios da mãe e a narrativa a apresenta com simplicidade: “− Homem, esse menino é fraco de apego, parece que vive tentado, cheio de ilusão…”. Nas palavras do pai o filho se ajeita só, se apoiado: “ Só precisa da nossa bênção.” Mas o cigano tinha alma solta e só. Há ainda nessa parte do texto uma grande sacada entre criar projetos a partir do que ouve: “Rosaldo, alma nômade, ouvia e aparafusava cada palavra.” Aparafusar entra no texto como arquitetar e é um novo significado, mas que sempre esteve aí. Um projeto desses precisa ser todo ele muito bem acabado, sem pontas soltas. A audição é inspiradora para ele, antes lhe deu a sensação de paladar na criação sinestésica já estudada.
    E de novo o relógio se move silencioso. Rosaldo saiu do manguezal e “enveredou-se no ofício de engraxate.” Vivia abaixado para pegar caranguejo, vive agora abaixado, cuidando de sapatos alheios. Uma atividade que tem suas próprias leis, “hierarquia severa. Ocupar uma praça exigia licença do líder.” Porém, mesmo aprendendo como lidar, não aceitava o modo em que os colegas de profissão tratavam os clientes. E para assinalar o fato o narrador trabalha com a ideia de justiça: “O preço deveria ser justo, sem maquinação.”, de respeito: “Havia certo escárnio no trato, artimanha descabida.” e honestidade “Percebendo que não mudaria o vício do bando, procurou se distanciar, pouco a pouco.” E aqui, o que antes era comunidade, com o conhecimento das pequenas corrupções cometidas no meio, o narrador reproduz o retrato colocando duas palavras de forte significados juntas: “o vício do bando”.
    De novo outro avanço na história. Rosaldo conhece outro espaço, tão braçal como os anteriores, o ambiente de pescado. Para uma alma sedenta de viagem, estar preso a um equipamento de transporte de itinerário tão restrito não era o sonho dourado e a escolha pelo pescado e não pela pesca passa primeiro pela personificação: “O mar não lhe iludiu” e desemboca em um eufemismo, afinal, não se deixou seduzir por “aqueles barcos que desinteiravam famílias”
    Já o nome do estabelecimento é de uma ironia fantástica: Esmeraldino do Beco. Lembrar que esmeralda é uma pedra valiosa e que não seria deixada em qualquer lugar. Mas com Esmeraldino vem uma nova paixão: o futebol. E aqui a narrativa insere fragmentos históricos interessantes. Retratando o real na ficção, aqui percebe-se que o tempo cronológico está situado em meados dos anos 60, o roedor que desafia o árbitro do jogo é Castor de Andrade Corria ano de 66 se deu o fato. O árbitro Idovan Silva marcou uma penalidade duvidosa e o homem endiabrado entrou de armado no campo e a coisa não esquentou porque a segurança do estádio era especializada e o tirou do caminho. Para as crônicas futebolistas o quase atentado é um marco. E com isso nosso personagem perde a ilusão com o esporte. Entendeu que o jogo acontecia fora do gramado: “ rodava no ritmo e na força das balas do tambor. Cartas marcadas, enganação dos sentidos.” E de novo a corrupção faz com que ele mude o rumo.
    E daí foi para o samba. E mais um espetáculo semântico em todo o cenário do samba. E poesia: “ Recusou o convite de fazer parte da bateria, não queria mãos presas (…). No samba, como na vida, precisava do corpo todo para se entregar, sem amarras. Sem controle.”
    E aí deu sexta-feira, sem que ele visse. Virou homem “entre o jogo do bicho e o samba”. De tudo o que foi contaminado pelo poder do dinheiro, ele deixou, menos samba, “este não abandonava a alma de Rosaldo. Era paixão moldada.” E seus amores eram todos de carnaval.E aqui há a metáfora para paixão: “ Bastava acabar a folia” e ele mudava de “um barraco para outro”. Para mostrar seu desapego a narrativa afirma: ‘Só levava as roupas, nada mais.” E surge um desfile de flores até Aurora, com ela “foi mais que rabicho.” Com ela foi “benquerência” , e junto de seus “de guéri-guéri” veio a decepção, ela amava outro. Mas era sincera, contou que a barriga não era dele, era “Escrupulosa, percebendo o entusiasmo desmedido do companheiro, mesmo com o coração em frangalhos, (…) contou-lhe a verdade. E veio Carlota. “Logo as roupas de Rosaldo rolaram para outro barraco.”
    O relacionamento com a aderecista rendeu algumas horas de seu relógio, “foi a companheira de muitos carnavais.” Cuidava dela e dava broncas pelo vício da bebida: “Mas ele também sabia que seria sempre um fraseado sem resultância. Falava por amar.” E essa jogada: falava por amar! Crú, inesperado, bate na fala do pai e volta, justo pelo “fraseado sem resultância”, marca paterna, em que a quebra da sequência, a informação de que a parceira e o Rosaldo são almas iguais de teima. E nisso, nessa “fala por amar”, volta o passado e a certeza de que o pai tão seco quanto o barro que trincava tinha amor por ele.
    E de novo, uma perda, morre Carlota e entra Clarice. Mas ela é o anticlímax. Observe que não teve mudanças de barraco, a alma dele enfim estava escapando do barro que a amálgama, iludindo-o.
    E o final é brusco, interrompe a sequência de mudanças locais, sempre no mesmo eixo, de cabeça baixa, de bola que rola sem parar, de jogo que não enriquece, de samba que aquece mas que não cumpre a sina. Uma nova mudança. Mas não de barracão, é um pulo do adulto aos planos infantis que a mãe via nele. O relógio sem parada, que é só ida, é uma engrenagem em rosca no sonho, sem porto fixo, só girando. E indo a um ponto desconhecido é viver ou morrer, é subjetivo, afinal, o trem pode ser real, mas pode ser só a maria sem fumaça da vida que só agora ele que embarcou.

    É assim que se dá sua viagem. Quando ele observa o povo pela plataforma,está no banco que é igual ele, tem estrutura forte e capa frágil. A estrutura dele é seu ideal de ir além, segue com ele ainda, a capa é tanto o corpo que envelhece quanto as vivências que interromperam seu desejo de seguir viagem, soltar as asas.
    E de novo o texto mostra a forma poética. Burburinho brota, “passos apressados”, uma hipérbole em montoeira e uma comparação: “Parecia bloco de carnaval sem samba. Sem graça.”
    Aqui começamos com uma catacrese “Os trens chegavam e partiam (.)”, olhamos e entendemos e pelo hábito do uso, existe no leitor a demora para lembrar que na verdade os carros ferroviários são guiados, não tem vontade própria – como o processo da vida de Gira-Mundo. Ele está aí, já não é mais sexta-feira, mas já são sessenta anos, os sons as das articulações envelhecidas comungam com “ o som das frenagens,” suas lembranças das experiências de vida tão olfativas estão no “cheiro de graxa”, o atrito assobiado das rodas das locomotivas nos trilhos, o destempero do corpo cansado está ali no “ calor subindo das ferragens”.
    Suas esperanças de seguir os projetos aparafusados encontram-se na poesia será que “Agora, é tarde demais para ser reprovado… (666, QUINTANA, Mário). Os “passageiros negligentes” são as inquietações de um nômade que viveu perto demais do ninho, embora a alma fugisse, seja para as delícias do som das cascas de barro que cobria o menino, seja para as lutas por justiças solitárias do engraxate, seja para os amores. “As rodas” que seguem “sempre no mesmo sentido” é a própria existência do homem Gira-Mundo. O modo correto para fugir de tudo era fugir, mas não mocosar-se como o adolescente que escondera perto da mãe quando não pode lutar contra a corrupção dos engraxates.
    Ao observar as mãos, eis que os sessenta anos que estava já aflorado, se apresenta a ele, reais, um por um, nas cicatrizes “encrostadas,” na “ pele envelhecida,” e dá-se o resgate, o perdão do homem ao menino coberto “da lama seca do mangue.” Sensação tão forte que o hábito antigo de tirar da pele a lama com a unha despertou e a lembrança da derme dura feito “escama, feito casca de árvore” voltou forte.
    É, ao fim do texto, só uma esperança, que Rosaldo possa ter conseguido entender que “A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.” e talvez embarcar no trem seja a melhor forma de terminar a tarefa.
    O conto é uma síntese do que foi ou é a vida de Rosaldo, foi através da narrativa de sua história que “a casca dourada e inútil das horas” que perfazem sua existência chegou até nós.
    Boa sorte, Anacleto.

  11. cgls9
    7 de março de 2021

    Conta a vida de Rosaldo –um arco da infância à velhice. A infância era coberta de barro e o resultado da sua luta era insosso, sem graça. Circulou pela função de engraxate, vendedor de peixe no mercado e virou apontador do bicho. Desenvolveu a paixão pelo Bangu até que a violência do mandachuva o afastou dos estádios. Migrou para o samba. Tinha ginga nos pés e no corpo, a dança corria nas veias. Conheceu as mulheres e de tantas, restou Carlota, companheira de muitos carnavais. Envelheceram e ficaram juntos até a triste partida da companheira. Na plataforma da Central do Brasil, Os trens chegam e partem. Até o fim da linha. Ponto final.

    Belíssima história de uma melancolia tão intensa quanto delicada. Escrita poética, cheia de imagens e signos. O final é de uma beleza ímpar! A observação de um velho na estação de trem é uma metáfora perfeita para o fluxo da vida. Gostei muito, Parabéns!

  12. Priscila Pereira
    4 de março de 2021

    Olá, Anacleto!

    Gostei do seu conto! Bem brasileiro, com uma pegada regionalista gostosa de ler. A escrita é um deleite para os olhos.

    Confesso que o tema não ficou muito presente… Talvez o autor tenha visto como a criação do personagem, a evolução e crescimento dele, ou até a engrenagem que faz o mundo girar.. mas tudo isso é especulação, de qualquer forma não darei ou tirarei pontos pelo tema.

    É um conto forte, com uma história comum até, mas a escrita é o que brilha. Gostei bastante!

    Parabéns pela participação e pela escrita tão interessante!
    Boa sorte 😘

  13. Fabio Monteiro
    28 de fevereiro de 2021

    Resumo: Rosaldo vive num lamaçal catando caranguejos para ajudar no sustento de sua família. Mas ele anseia mais. Busca desenfreadamente um rumo para sua vida. Tenta ser engraxate, dançarino em escola de samba. Tem amor pelo futebol, mas perde esse gosto quando vivência algo traumático. Conhece mulheres, se apaixona por uma delas. Descobre que não será pai quando uma delas engravida e diz que o filho não é dele. Gira percorrendo a busca pela sua felicidade. Se apaixona de novo e assim vai até a velhice. Perde a mulher amada para um problema de saúde. Rosaldo se lembra dos momentos no manguezal na sua velhice.

    Pontos fortes: Eu senti que o autor criou um enredo com base no tema fazendo a engrenagem da vida do personagem girar. Uma característica marcante. De fato, nossas vidas são regidas por essas engrenagens. Mudam quando quisermos, quando buscamos.
    Foi legal ele ter suas conquistas apesar das dificuldades.

    Ponto fraco: Também acho que esse como em outros textos do certame faltou aquele ponto de impacto. O texto é bom, bem narrado, muito bem desenvolvido. Mas, por que senti faltar alguma coisa?
    O lamaçal é legal. A descritiva da vida de Rosaldo estimula a ter pena do personagem e querer que ele vença. De fato, venceu. Nada além do que buscou insistentemente. Uma vida bem vivida, mas uma trajetória inerte as suas condições.

    Comentário geral: Acredito que este certame exigiu muito dos autores. Falar de engrenagens perfeitamente é dificil pra caramba. Viver é fazer a engrenagem girar. No entanto, me parece que os ponteiros desse relógio só seguiram em frente.
    No final trouxe o personagem para trás, rememorando lembranças que o fizeram seguir por rumos diferentes.

    Boa Sorte autor (a).

  14. Catarina Cunha
    28 de fevereiro de 2021

    Criação: o cotidiano de um homem simples, mas de vida intensa. Essa intensidade não está nos feitos do personagem e sim no retrato primoroso das palavras escolhidas como quem cata feijão entre cacos de vidro.

    Engrenagem: A narrativa constante e direta, sem sobressaltos, não é para iniciantes. Exige domínio profundo de vocabulário e observação social para gerar empatia no leitor. Está aqui um conto que eu gostaria de ter capacidade de escrever.

    Destaque: “E sabendo do apego que ela nutria pela vida, Rosaldo sofria com a certeza de que ela partiu contrariada.” Belíssima construção!

  15. Fernando Dias Cyrino
    27 de fevereiro de 2021

    Olá, Anacleto Gralha, cá estou eu abraçado à sua história de Rosaldo, desde a infância como ajudante do pai como catador de caranguejo no mangue, até a última viagem no trem da Central, aquele que só vai em uma direção. Gostei do final da história. Aliás, gostei da história, Anacleto. O seu conto trata da história inteira do nosso herói. Foi legal acompanhá-lo pelo Rio. Achei legal ter evitado (nesses últimos tempos ele está novamente em evidência) dizer o nome do bicheiro de Bangu, do Bangu e da Mocidade. Tratou-o como bicho roedor. Ri aqui da sua maneira de falar dele. Pois é, tudo bem narrado, um português bem utilizado. Escrita sem grandes arroubos, sem grandes emoções como deve ser nessa nossa pós modernidade. A vida miúda de um homem simples e intenso sempre em busca, sempre querendo apanhar o trem. Parabéns pela bela história. Fica com o meu abraço.

  16. Rubem Cabral
    25 de fevereiro de 2021

    Olá, Anacleto.

    Resumo do conto:

    Rosaldo é um menino de família de origem nordestina e que vive de catar caranguejos com o pai, no estado do Rio de Janeiro. De alma inquieta, deixa o lar ainda muito novo para ser engraxate, depois peixeiro, depois anotador do jogo do bicho. Trocedor do Bangu, acaba por conhecer a Escola de Samba Unidos de Padre Miguel e, finalmente, se encontra no samba, por ter gingado nato. No samba envolve-se com muitas mulheres, algumas só por sexo, outras por paixão, porém sempre nômade, até que ancorou o barco com Carlota, que infelizmente morreu devido ao alcoolismo. Já idoso, amigou-se com Clarice, sem no entanto morarem juntos. No final, Rosaldo, observando as mãos numa espécie de loop com suas origens de catador de caranguejos, compra um bilhete de trem até o “ponto final”.

    Análise do conto:

    O texto é muito bom em transcrever o coloquial e o regional para a prosa, o que enriqueceu muito a história. O enredo é bem carioca e Rosaldo é bem malandro das antigas. A escrita é segura, a história é divertida, mas não vi muito bem o tema do desafio.

    Boa sorte no desafio!

  17. Anderson Prado
    24 de fevereiro de 2021

    É um bom conto. No geral, foi uma leitura agradável. O autor confiou que o leitor seria capaz de captar o tema nas entrelinhas do enredo. O ponto final obriga um retorno ao título e, aí sim, fica evidenciada a presença do tema. Há um ou outro excerto digno de nota. O autor possui bom domínio da prosa. O texto é um pouco explicativo demais: as coisas não acontecem, elas simplesmente são contadas. A falta de diálogos e de conflitos entre personagens está em todo o desenvolvimento, o que torna a leitura levemente lenta, um pouco carregada. Como acontece muita coisa na vida do personagem, o enredo caberia melhor em um texto mais extenso. Enfim, apesar das ressalvas pontuais, foi um texto de cuja leitura gostei.

  18. antoniosbatista
    24 de fevereiro de 2021

    O conto foi muito bem escrito, com linguagem própria de algumas localidades do Nordeste, que gosto de ler. O argumento é bom, contando a vida de um homem, desde a infância até a velhice. O que se destaca no texto, é a escrita, a história é comum, nada de diferente, de original. E o tema, criação ou engrenagem, não consegui descobrir no conto e por esse motivo, não posso dar uma nota boa. Boa sorte.

  19. Fabio D'Oliveira
    23 de fevereiro de 2021

    É uma vida, né? Em poucas palavras, vemos uma vida. Isso é bonito, de certa forma.

    Falando primeiramente da leitura, achei-a bem fácil. Eu considero isso uma grande virtude, até por causa do linguajar usado no conto, meio regional, informal, com gírias e liberdade. Fazer isso e deixar a narrativa fluida e natural não é muito fácil. É um escritor maduro que, além da aparente perícia elevada, parece gostar do que escreve. Isso é outro ponto de admiração. Nem todo mundo gosta do que escreve.

    Eu preciso admitir que tive dificuldades para relacionar o conto ao tema. Criação ou Engrenagens? Depois me explica. Não consegui. A interpretação mais próxima, que é um argumento fraco, pra mim, é de que a vida se desenrola como se fosse uma máquina e os acontecimentos dela, assim como as características da pessoa, são as engrenagens. Se for algo desse naipe, acho que qualquer conto estaria dentro do tema. Foi a coisa que me encucou nesse conto, hahaha.

    Se você é novato, saiba de uma coisa: eu amo contos imaginativos, que focam na criatividade, que saem da curva. Olhe bem, não gosto somente por ser de fantasia, terror ou FC. Eu gosto de textos que inundam o leitor num mar de imaginação, que consegue dar um ar de novo para aquilo que é velho. Então, pessoalmente, eu não gostei tanto do conto, por ele ser bem tradicional, mas a leitura, não se preocupe, foi agradável. Nesse ponto, creio que sua habilidade como escritor é admirável. Há charme na sua narrativa. E, sim, eu amei o final. Eu gosto desses trechos impactantes, recheados de significados, que falam muito em tão pouco.

    Se me permite criticar uma coisa da história, talvez focar na alma nômade e em alguns acontecimentos que o prendiam na cidade, poderia deixar a história mais dinâmica. Ela não se mostrou muito atraente para mim não apenas por causa da ambientação cotidiana, mas também pela narrativa apenas contar a vida do Rosaldo. Eu não me senti parte da história. Senti-me distante dele o tempo inteiro, sabe? Se tivesse um pouco mais de intimidade, afinal, pode ser que conquiste leitores mais chatos como eu. Eu gostei muito do início por causa disso: você mostrou ele numa caçada com o pai no mangue. A forma como narrou como Rosaldo gostava do som da lama craqueada foi sensacional. Depois disso, o texto ficou mais impessoal. Não é errado escrever como escreveu, claro, é apenas minha visão como leitor. É sempre bom lembrar isso, haha.

    Parabéns pelo conto e por ser esse artista que é.

  20. thiagocastrosouza
    23 de fevereiro de 2021

    A engrenagem a conduzir a vida de Rosaldo. Conto pé no chão, gostoso de ler, com uso solto da linguagem no melhor do que nosso vocabulário popular tem a oferecer (guéri-guéri é bom demais de se falar). Protagonizado por um personagem que, se caçarmos nos subúrbios cariocas do século passado, encontraríamos aos montes. A engrenagem aqui está diluída no ritmo da vida do próprio Rosaldo, que vai da lama à lama, não sem antes atravessar um punhado de profissões e muitos amores. Gostei da abordagem, menos direta, apesar de no final, o maquinário presente na metáfora do trem, que só vai para frente, fazer alusão direta às engrenagens do desafio.

    Adoro rimas visuais, quando um personagem se vê num cenário ou situação semelhante ao do início da narrativa, mas seu estado emocional está alterado pelo conflito. Isso acontece muito no cinema e, na literatura, é um show a parte. Rosaldo contemplando as próprias mãos e partindo desse lamaçal emocional construiu uma imagem bastante forte.

    Creio que o autor ou autora desejaria um espaço mais longo para desenvolver a trama, pois aparentou ter recursos para aprofundar cada um dos personagens secundários e situações que atravessam a vida do protagonista. Há um desejo aparente de humanizar os acontecimentos, lhes dando detalhes, cores, gestos, nomes próprios que torna tudo mais crível e original. O impacto da cena final, tendo esse fôlego maior, seria ainda mais poderoso, mas o desenvolvimento, pela própria limitação do desafio, ficou um pouco corrido.

    Belo conto!

    Grande abraço.

  21. Luciana Merley
    22 de fevereiro de 2021

    Gira-mundo

    Olá, autor.

    Como já sabíamos, o tema do desafio é amplo demais e não vou me perder tentando encontrá-lo nos textos. Isso não afetará em nada a minha avaliação. No seu, a engrenagem da vida, talvez.

    Um belíssimo texto. Cheio de ótimas metáforas, leves, mas cheias de significado.

    Critério de avaliação CRI (Coesão, Ritmo e Impacto):

    Coesão – O enredo é sobre a vida marginal (à margem) do personagem. O desapego por regras e cuidados e por raízes profundas que gerem sentido, permeiam toda a vida dele. Um homem coberto por lama, que troca de pele (Sei não. Melhor eu parar com minhas tentativas de descoberta). Texto curto e focado, sem digressões, apesar de abordar uma vida quase inteira.

    Ritmo – Maravilhoso, graças à grande capacidade técnica do autor em colocar cada palavra em seu devido lugar para gerar o máximo de sentido. Fluido, ainda que contenha palavras inusuais, buscadas entre os terceiros e quartos significados no dicionário, e que eu, particularmente, amo quando bem utilizadas.

    Impacto – Muito bom. Eu diria que é um daqueles textos modernos em que o desejo do personagem, o querer chegar em algum lugar, é muito subjetivo. Não agrada sempre porque é bastante vago nesse aspecto. Não parece uma história com começo, meio e fim. Nesses casos, a linguagem costuma ocupar o lugar de destaque, e você a utilizou com maestria.

    Parabéns. Estou bem desconfiada da autoria (rsrs)

  22. angst447
    21 de fevereiro de 2021

    O conto fala das engrenagens da vida, como se o protagonista estivesse em um trem e quisesse ir até o fim da linha. Assim interpretei a abordagem do tema proposto pelo desafio.
    Narrativa clara, linear, sem graças surpresas, mas acontecimentos bem alinhavados que produzem um belo quadro, retrato da vida de Rosaldo.
    A linguagem empregada é de ótimo nível, com singeleza e toques de uma vivência que poucos possuem. Palavras aveludadas que produzem poesia até quando pretendem ser secas como a realidade.
    A imagem da pele “craquelada” pelo tempo ser comparada à pele jovem coberta por lama seca ficará “grudada” para sempre em minha mente.
    O desfecho foi uma delícia de ler, pura poesia, fim da linha, fim da vida, mas sem perder a ternura.
    Lindo conto que se baseia na simplicidade da vida. Forte candidato para o pódio.
    Boa sorte.

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Informação

Publicado às 21 de fevereiro de 2021 por em Engrenagens da Criação e marcado .