I
O cavalgar da máquina sobre a linha eletrificada gera um silvo constante. Uma senhora sentada observa um homem desenlaçar sua máscara da orelha, desrosquear uma garrafinha d’água e beber. Há uma moça do lado do homem, agarrada na bolsa, de pernas encolhidas. Ela soslaia o rapaz com desprezo e se apressa em higienizar as mãos com o tubinho de álcool gel penso no zíper.
II
— Casa comigo!
— Sou menina moça, ainda.
— Casa comigo, te tiro desse mato. Te dou casa, comida.
Ela sorriu, abaixando a cabeça, carecia de avisar o pai, mas o homem, mais velho, bonito, dizia que não, a chance era aquela, ou vai ou fica naquele fim de mundo, naquele tempo árido, naquela fome de vida. Mal concordou e foi puxada pelo punho fino até o carro.
III
O anticasal está sentado na frente da senhora. Ela ignora-os tombando a cabeça na janela e observa as imagens que correm pelo vidro, riscos cinzas e azuis, suspensos pontos de luz, sente o nariz roçar o tecido da máscara, os óculos se embaçam. Formas indefinidas ganham nitidez conforme o vagão perde velocidade: linhas amarelas e pretas, a ponta da plataforma, multifaces encarando o trem, cabeças áreas em fones de ouvido, a ponto de voarem, outras cravadas no tronco, miram o celular.
IV
A longa viagem findou na cidade que emergia em pontas, fumaça e odores tão inéditos quanto hostis. O homem apontava tudo pela janela, como Adão no paraíso, nomeando ruas, bancos, marcas de carros, lojas, bairros. Conhecia cada fresta suja do seu lugar, um saber empírico em anos como cobrador. Agora era taxista, em franca ascensão social, da qual se orgulhava e falava com a nova mulher.
— Não é fantástico, pombinha?
O caos daquela gente, daquilo tudo, invadia-a violentamente. A nova morada tardava em chegar, era mais distante desse grande centro opulento, afinal, o novo marido ainda galgava posições: já possuía carro e esposa, o apartamento era o próximo passo. Até lá, escondia-se num bairro de várzea, de ruazinhas barrentas. Estacionaram num tosco terreno que abrigava uma construção diminuta e sem reboco. Ainda muda, ela contemplou o novo lar enquanto o homem apanhava as malas.
— Entra.
Seguiu a ordem e ocupou a casa. Havia móveis esparsos no chão de vermelhão, uma geladeira beje, a tv sobre um caixote de feira e um colchão de casal. Ela analisava tudo como quem admira um quadro sem entender a intenção do artista, fechou os olhos e recordou da mão enfiada na terra, há poucos dias atrás. Um abraço forte pelas costas lhe arrancou do devaneio, mãos passearam sobre sua barriga trêmula, subiram até os seios, desabotoaram o vestido de missa. O queixo do homem pinicou-lhe o pescoço baforando palavras quentes no ouvido.
— Minha pombinha.
V
O silvo do atrito entre trem e trilhos ralenta conforme o freio. A máquina bufa com a pneumática tecnologia das portas. Sai manada, entra manada. Alguns bípedes se chocam, a senhora aperta os olhos, procurando, entre corpos apertados, virilhas constrangidas, o nome da estação, o mapa das linhas. Desiste. O apito anuncia a partida, o trem bufa novamente, faces preocupadas tentam alcançar o transporte, inutilmente. Fecham-se as portas, é retomado o embalo.
VI
Vida esquisita, feito pássaro preso, em casa, no desconhecimento da cidade nova, do bairro, dos caminhos percorridos pelo marido, que saía todas as manhãs asseado e perfumado com seu táxi e tardava em voltar, cheio de planos, cheio de fome.
Tratou de dar um jeito no lar, na vassourada, no rango, arriscou uma feira, uma amizade com a vizinhança, um desinibimento que levou a exigir do companheiro um fogão melhor, uma cama descente.
— Da casa cuido eu!
— Pombinha, e eu cuido de ti!
VII
Fuça a sacola no colo, confere os itens, os hábitos são repetidos. Atenta-se ao ruído que o trem faz no túnel, um coro sintético, eco de metal e concreto. Abre e fecha as mãos sobre as coxas, observa os nódulos, manchas e rugas que ondulam no lento exercício de esticar e contrair os dedos. Há uma aliança prateada na mão esquerda que encara com curiosidade. Breque, apito, bufada, porta abre, sai gente, entra gente, choque, apito, bufada, porta fecha. Volta o silvo, o ruído, uma moça senta-se ao lado da senhora que, estática, ainda fixa a aliança de cenho franzido.
VIII
Não tardou para embuchar. O homem estava doido por um primogênito, um pequeno equivalente da sua bravura e gana de tomar o mundo. Finalmente acertaram casório, de papel assinado e tudo, um ou outro gato pingado da família dele, primos distantes que tentavam a vida na cidade, uns amigos do ponto de taxi. Da família dela, nem notícia, nem nada, desde sua partida. Ainda assim, casou contente, no mesmo vestido de missa que o marido lhe desfolhou, e que agora já se apertava no ventre.
A casa outrora pobre, com aspecto inacabado e triste, ganhara mimos, mesmo que poucos, dos amigos e vizinhos que souberam da notícia. Cortinas novas, um jogo de cama, panos de prato, fraldas, roupinhas e até um bercinho veio de bom grado por uma mãe mais velha do bairro. O marido animado trabalhava o dobro, chegava tarde, cheio de fome e planos, fissurado.
— Pombinha, vamos sair daqui em breve. Prometo.
IX
A senhora gira a argola de prata com o dedão, esfregando na saia jeans, freneticamente, quase que com raiva. A moça ao lado arrisca perguntar se está tudo bem, mas desiste pela fadiga possível que a devolutiva pode gerar, todo um lero, uma conversa, e abandona a velha na lustrosa obsessão.
X
Ela acatava tudo. Curtida na solidão insistente, mesmo com a presença rara de gente solícita querendo entretê-la, se acabrunhou casmurra nos afazeres de casa, num mau humor azedo, fixa na ideia de esperar aquele corpo estranho ser expelido de si. Na primeira vez ríspida com o marido, ele a encarou severo, como o pai, e a percebeu esmorecer em culpa chorosa. Suplicou uma desculpa, um afago, mas ele sustentou um silêncio ofendido, só quebrado na hora de dormir, após ela ajeitar a barriga de 5 meses na cama e desejar a ele uma boa noite.
— Boa noite, pombinha.
Despertou assustada com o barulho do taxi arrancando na madrugada.
XI
A voz do condutor no alto falante solicita o desembarque. É a estação terminal da linha vermelha. A senhora desce caçando o letreiro, atabalhoada, não reconhece o nome, vai ao mapa das linhas, todas elas se embaralham em cores e nomes. Procura no dedo a aliança, girá-la lhe ajuda a pensar, a se acalmar, a tentar pensar como o marido, sempre tão reto e sagaz, tão prudente. O anel não está lá. Leva as mãos ao peito batucante, coça a cabeça, vira-se para o lado da linha, chega um trem vazio, sorte, ela conjectura e embarca, novamente.
XII
O nome seria Larissa, e com ele foi sepultada, natimorto. Numa tarde, dessas vazias e amargas, na ausência do esposo, no batente da casa, aquele universo emergente concentrado no ventre começou a sucumbir em dores agudas, em gritos e desespero. Saiu à rua, clamou ajuda que tardou a chegar. Um vizinho a levou de Kombi para o hospital, ela agarrada à barriga, só com o documento e o telefone do ponto de táxi do marido. Foi socorrida às pressas e, na caoticidade do hospital, entre seringas, alardes, máquinas apitando, se entregou a letargia química que lhe enfiaram nas veias.
Acordou vazia, com o marido na beira da cama, o rosto vincado e sombrio.
— Era uma menina, pombinha.
XII
Um não lugar inominável, a palavra em fuga da mente deixa o registro angustioso no rosto octogenário. Tudo é familiar, as paredes, as janelas, as pessoas agarradas às barras de ferro, mas não o nome da coisa que a leva, mas não o destino incerto que a todos carrega. Tonteia com o zunido, o barulho da porta ecoa como um tiro, o nome lhe foge, busca os mapas, a aliança no dedo, não está lá, abre a sacolinha, caça o anel, só uns papéis e trocados, levanta-se subitamente, tudo escurece, o corpo afunda numa surdez escura. Há um baque dolorido.
XIV
Mudaram-se, enfim. Não o almejado apartamento, mas uma casa maior, de cozinha azulejada, um pouco mais centralizada. O marido exauriu o ímpeto imperativo de conquistar o mundo, mas não deixava de chegar tarde, acompanhado do cheiro de álcool, com a aura das farras e putas impregnadas no corpo, cada vez mais constante. Resignada, atravessou solitária o luto, e os afazeres, tanto dele como dela, para superar Larissa, se tornaram rotina nos anos seguintes.
Nos absurdos e contradições da vida cotidiana, marcada pelo azedume, frustração, ao mesmo tempo que uma nesga de nostalgia, gratidão e medo mantinham juntas as duas figuras, encontros esporádicos aconteciam e, num deles, veio a notícia de um próximo fruto. Ambos se iluminaram, uma nova chance. Chegou o menino.
— Vai se chamar Oscar, o nome do pai! Está definido, pombinha.
Oscar cresceu doce feito a mãe. Do pai, só herdou a vontade de ganhar o mundo, mas à sua maneira.
XV
Atônita, murmura nomes, Oscar, Oscar, o rosto apático não revela o lodo no qual a memória sucumbiu, o inexpressivo semblante é dessintonizado com a implosão mental, apenas a boca semiaberta e o fio penso de baba convergem com a fraca consciência. Se percebe ao leu, sentada na Central de Atendimento da estação, com um copo d’água em mãos. O guarda exclama algo no rádio, o raio de percepção é vago, de alcance parco, paredes e pessoas se movem, tudo muito rápido e borrado. A máquina não para enquanto ela sofre, enquanto a vista amarela e ela, novamente, apaga.
XVI
O menino encorpou e dentro dele floresceu a confusão perante o mundo, de quem era, do que seria, do que gostava, e esse redemoinho só se acalmou na entrega de seus desejos, numa paixão adolescente, na revelação, primeiro para a mãe, depois no enfrentamento, diante do genitor.
— Eu gosto de meninos, pai.
Fúria, regurgitadas manifestações de desgosto, de besta fera inconsolada que ameaça, ruge, o pai virou um bicho diante do menino que aguardava uma defesa da mãe. Não veio. Acuada em covarde silencio, viu partir o seu segundo fruto, seu pedaço, o único amigo, sua única família.
— Você criou esse moleque igual uma donzela, a culpa é sua! É sua, que Deus me perdoe em te falar isso.
Ignorava o homem, suas palavras, estava escura por dentro, permanecia presa no sofá, amarrada por um medo físico, mirando a porta pela qual o filho se foi.
— Ele morreu para mim, e para você também. Prefiro dois filhos mortos do que um viado!
Os anos seguiram num luto estendido, no casamento estéril, na falta de notícias, numa fotografia escondida para recordar o corpo quente da criança no colo, na ausência constante do marido, na sua despreocupação em esconder o descaramento com as amantes, em marcas no corpo, no odor das roupas que ela seguiu lavando e pendurando no varal. Recebeu a notícia num ordinário final de tarde, a polícia na porta explanou que o marido morreu num acidente de trânsito, ele e uma passageira.
— Meu Oscar!
— Meus sentimentos, senhora — a oficial tentou consolar, sem saber que, na verdade, era o filho que a mãe convocava.
Já haviam se passado dez anos. A mente dava os primeiros sinais de degeneração, mas o rosto de seu menino passeava enevoado na memória.
XVII
Despertou com uma mão quente no ombro, macia como um pássaro acolhido. Uma voz a chama pelo nome, ela pisca e foca intrigada para o rosto que se revela, irreconhecível, num bonito rapaz, que lhe deixa constrangida. Dele parte um convite:
— Vamos para casa? — lisonjeada, a senhora gargalha alto e cora-se ainda mais de uma vergonha infantil. O guarda questiona se está tudo bem, o rapaz responde que sim.
— Documentos, por favor. Só para eu confirmar o parentesco.
— Oscar, senhor. Ela Hilda, pode ver aqui.
O guarda apanha e lê o RG com a desconfiança do ofício.
— Ela é minha mãe, e mora comigo.
Atende com maestria e originalidade ao tema do desafio.
A partir da engrenagem do trem do metrô, o Conto desenvolve a história de quatro personagens, que a princípio parece paralela e desconexa, mas que ao final se entrecruza, através de laços familiares fortes, nas voltas da ‘engrenagem’ da vida.
Da massa que segue a vida no mesmo ritmo incessante do trem, três personagens são tirados do anonimato e suas histórias são contadas no tempo presente e no passado da memória, pelo narrador oculto.
São eles: uma idosa solitária, às voltas com a memória cada vez mais turva e de quem pouco se sabe, e um casal que se forma num encontro acidental durante uma viagem de metrô. É com a história do casal, a vida em comum, a paternidade e as agruras e mazelas do casamento que a maior parte da trama se incumbe. Em comum, até o desfecho do Conto, esses personagens têm apenas o destino geográfico da viagem, o final da linha vermelha do trem.
O Conto tem personagens bem construídos: em coerência com o meio social em que vivem e com o espaço-tempo em que se desenrola a história – urbano, atual e moderno. A protagonismo da idosa, que era a jovem do casal, vai se definindo aos poucos até se revelar de forma surpreendente e que faz todo o sentido.
A linguagem poética e imagética dá cor e ajuda a criar o clima dos vários cenários, por onde a trama circula, e os sentimentos e sensações experimentados pelos personagens: citadino (exterior), intimista (da protagonista). E sobre sua história de vida que trata a narrativa.
A linguagem é atual e coloquial como pede o tempo/espaço da trama.
É bastante acertada e criativa a forma de separar as duas histórias paralelas: em capítulos e com uma tipologia diversa das letras (normal e itálico).
O texto denota o domínio da linguagem, das normas gramaticais do autor. Texto impecável!
As ideias são claras e bem encadeadas: há domínio da forma também.
Um belo Conto!
Andrea, obrigado pela leitura e comentário!
O seu comentário foi o primeiro que tive oportunidade de ler. Me alegrou um bocado, ainda mais por ter se enveredado com prazer nessas histórias paralelas que são, na verdade, uma.
O recurso gráfico não é dos meus favoritos, separar em capítulos e formatar as letras em itálico. Fiquei com receio de desorientar o leitor, não sei, covardia mesmo, até porque não costumo subestimar quem está do outro lado. Ainda bem que, para você, foi um ponto positivo, pois para outros incomodou. Coisas do jogo.
Fiquei feliz que percebeu o contraponto entre urbano e rural na vida da personagem: quanto mais engolida pela cidade, mais esquecida. O ápice se dá, não à toa, no subsolo de São Paulo.
Grande abraço!
Estações
O conto é todo uma construção de sentimentos de dor e fragmentação, toda a impotência de Hilda é mapeada pelo narrador e o autor, enquanto ente que escreve, construiu o texto de forma que ele fosse menos ambíguo, mais ainda assim manifestasse as cariterísticas da ambiguidade: esconder e mostrar as palavras, desfigurar sentimentos. E esse conto de aparente fragilidade emocional e feminina, é uma literatura “que impõe obstáculos, é difícil, exige trabalho. Mas a sua própria dificuldade garante a permanência daquilo que diz” (Beatriz Sarlo) e, portanto, é enriquecedor. Enriquecedor e quem sabe, permanente. Bem psicológico, pende à construção intimista. E olha que não sou fã de Literatura intimista, o trauma de Clarice aqui é um absurdo.
Vale dizer que ao afirmar que a escrita aqui seja intimista, não estou classificando-a como autobiográfica. Acredito que a empatia que o autor consegue com as personagens que cria ou representa na literatura dá a ele a autoridade para dizer ao mundo sobre a dor daqueles não possuem voz ou oportunidade de externar seus sentimentos.
Em “Estações” a dor é recorrente, inevitável, praticamente o modo de ser no mundo de Hilda e nela essa dor se recalca no sentido psicológico e não no sentido de comprimir apenas. E tanto é no sentido psicanalítico que a narrativa vai se construindo na desconstrução da memória dela, como se esquecer fosse o escape, a válvula que empurra as lembranças ao inconsciente. cada novo capítulo iniciado na narrativa vai dando conta de todas as nuances dessa mulher, de toda a riqueza exposta na dor e sofrimento psicológico a que ela foi submetida.
Feito a introdução no aspecto do enredo-tema, comecemos a observar essa fotografia da dor pela linguagem. Que construção metafórica genial já no início do texto; “O cavalgar da máquina sobre a linha eletrificada gera um silvo constante” Em um só espaço surge duas fortes mensagens imagéticas, o cavalo exposto em sua atividade física, o cavalgar e a cobra, em seu som, o silvo. É interessante porque todos tem ideia do trem/metrô como cobra, principalmente quem o vê por fora a fazer uma curva e engolir seu caminho, no entanto, apresentar esta sugestão imagética de forma sonora é um acerto e tanto do texto. Um bom texto precisa desse breque, a busca pelo significado no banco de dados linguageiro do leitor.
E há outras buscas vocabulares interessantes, penso para suspenso ou pendurado; Carecia para preciso e nesse caso é uma aproximação com a fala da personagem – o narrador leva o linguajar da jovem à sua narrativa; “anti-casal” surge reintroduzindo a cena do metrô e os dois jovens sem nada em comum; o verbo relentar junto às palavras silvo e freio dão uma musicalidade crespa ao texto; soslaiar, perfeito!
Algumas metáforas são um plano à parte! Exuberante em “fome de vida.” é também pura poesia da dor, como o é a construção da chegada-ausência de Larissa: “Acordou vazia”, na descrição da vestimenta do casamento: “no mesmo vestido de missa que o marido lhe desfolhou”. E há a opressora construção da chegada ao novo ambiente: “A longa viagem findou na cidade que emergia em pontas, fumaça e odores tão inéditos quanto hostis.”Nunca pensei em edifícios como algo tão deprimente assim!
A construção da engrenagem usando os sons do trem pode se estender também aos outros elementos, tais como sinestesia em “o corpo afunda numa surdez escura” e “baque dolorido”. E nesse último é interessante ver que o primeiro significado para baque é som de queda e então, as duas palavras juntas criam nova musicalidade poética – da dor – pois cria a certeza de um som que sente dor física, perfeitíssima escolha! “Semblante dessintonizado” também é digno de nota, que beleza triste de se ver!
Aqui vale uma pausa para o tema, que tem as duas possibilidades, uma óbvia posta na forma em que constrói a personagem através do desmemoriamento no trem e, criação, na formação embrionária dos filhos, uma abortada e outra completa.
Falando nas personagens… A personagem feminina é um desenho maravilhoso da dor de muitas mulheres. Aqui vale o que minha avó, que morreu aos 81 anos, super consciente dizia; “Tem pessoa que para ela a desmemória é uma bênção, porque no silêncio só o amor não se cala”. E é o que acontece aqui. A mulher Hilda, que tem no nome uma força que ela não consegue adquirir, porque foi “colhida” antes do tempo: “ – Sou menina moça”, ainda. (…), sem autonomia até: “ carecia de avisar o pai”. Retirada de seu habitat “foi puxada pelo punho fino até o carro.”
Seu silenciamento inicia-se na “captura”, pois aí ela ainda diz algo sobre si, sobre sua mocidade e sua postura ética interiorana: “Sou menina moça”. E captura porque quase não apresenta vontade própria, já que nem bem aceita “Mal concordou” e “foi puxada pelo punho fino(…)”. Continua em não poder sair, ter liberdade: “Vida esquisita, feito pássaro preso, em casa,”, sem ter como, “Ela acatava tudo.”, já que não podia emitir opinião sem ser rechaçada: “Na primeira vez ríspida com o marido, ele a encarou severo, como o pai, e a percebeu esmorecer em culpa chorosa.” e nem mesmo o nome do filho pode escolher: “— Vai se chamar Oscar, o nome do pai! Está definido, pombinha.” Assim viveu, mulher sem rumo até se tornar uma idosa perdida. Passando por uma maternidade sofrida, proibida de amar, teve que aceitar o aborto em vida do filho, que se rebelou às ordens e escolhas do pai e se declarou gay. Só com a morte do opressor ela fala. Ela não, a mãe escondida nela repete o nome do filho. Isso é mais um ponto alto do texto.
O homem é um abusador metido a príncipe no cavalo branco, retira-a da pobreza e a deposita em um novo espaço pobre, sem conforto e sem cuidado, como se fosse bicho: “te tiro desse mato. Te dou casa, comida.”. Bruto e sem carinho, “Um abraço forte pelas costas lhe arrancou do devaneio,”. E interessante é a construção da sua debilidade, ela se sente presa em casa e ele a chama de pombinha, nada mais deprimente!
O filho, salvador de última hora, nasceu diferente do pai. E até que enfim, coitada dela! Ninguém merece dois dragões em uma só encarnação – e eu nem creio nessa possibilidade! Tem preferências pessoais diferentes das do brutamontes que é seu genitor: “cresceu doce feito a mãe.”, com “vontade de ganhar o mundo, mas à sua maneira.” E para desgosto do pai, declara: “— Eu gosto de meninos, pai.” Declaração que provou que o homem realmente oprimia a mulher, que agora é obrigada a aceitar o rompimento do ninho por agressão do macho, que o narrador diz ser genitor, algo técnico apenas.
Também a construção da desmemória se dá devagar, no plano do trem, com fragmentos: “Há uma aliança prateada na mão esquerda que encara com curiosidade.” “atabalhoada, não reconhece o nome,”; há um retorno momentâneo da memória: “ Procura no dedo a aliança, girá-la lhe ajuda a pensar, a se acalmar, a tentar pensar como o marido, sempre tão reto e sagaz, tão prudente.” E de novo o desfolhar da memória: “Um não lugar inominável, a palavra em fuga da mente deixa o registro angustioso no rosto octogenário.”
Essa tática textual é bem inteligente porque enquanto ela vai se desconhecendo como esposa e dona de casa, o leitor vai conhecendo sua origem e história. A construção final do Alzheimer se dá ao final da viagem, com o retorno do amor filial vem também a paz.
O Alzheimer para a personagem é um prêmio porque é como se ele fosse o bloqueio para a culpa de ter deixado o filho partir sem defesa, já que na hora em que o pai o agrediu, desprezando-o por ser quem era, o “menino que aguardava uma defesa da mãe. Não veio.” E não veio porque ela tinha sido tolhida de suas vontades em todo o tempo em que o casamento se manteve. O que assombra é que ela “viu partir o seu segundo fruto, seu pedaço, o único amigo, sua única família” e, o narrador aponta seu silêncio como covardia, talvez reconhecendo o sentimento dela, mas não é covardia, é na verdade o resultado de tudo o que viveu desde a captura e está posto a descrição de seu íntimo: “estava escura por dentro, permanecia presa no sofá, amarrada por um medo físico”. Se permanecesse a consciência o fato de não ter deixado de esperar o filho e de mantê-lo guardado em segredo em uma “fotografia escondida para recordar o corpo quente da criança no colo,” não seria suficiente para aliviar sua culpa – injusta, porque a vítima de relacionamento tóxico tende a se culpar compulsivamente e isso até leva algumas delas ao suicídio. Segundo a psicóloga Thaiana Brotto a “vítima perde a noção da realidade” porque as agressões criam todo um processo de culpa e auto-reprovação e outras construções de culpabilidade. E é o que aconteceu à Hilda, sua desconstrução foi totalmente baseada no poder exercido pelo marido, com controle psicológico, físico e com a indiferença.
Gosto de texto assim como “Estações” que me possibilita aproveitar minhas
vivências e mexem com meus arquivos de lembranças. Acho que Vilson Leffa fala algo assim. Alguma coisa sobre memória episódica. Isso! O texto faz com que o leitor busque dentro das suas memórias o sentido pré-existente, utilizando para isso os episódios relevantes para a construção da compreensão dos significados e sentidos! Estações é um conto triste, reflexivo, atemporal até. Infelizmente, atemporal porque enquanto houver espaços muito pobres haverá oportunidade para qualquer um oprimir uma mulher ou o mais fraco da mesma forma que o genitor desse conto.
Boa sorte no Desafio, Condutor.
Elizabeth, não canso de ler seu comentário e aprender com ele. Que primor, que responsabilidade, que carinho com o trabalho do colega. Já disse no grupo e reitero aqui, quero ler as suas impressões em todos os contos deste desafio, para ser, além de um escritor melhor, um leitor melhor.
Sabe, antes de escrever Estações pensei um bocado na história, nessa personagem perdida no metrô com a consciência de si indo e voltando, num pavor dentro do vagão de se encontrar e se esquecer de quem é e de onde está. Fiz um texto enorme só com divagações para encontrar essa mulher, emendando pedaços de parentes, conhecidos, além da minha própria experiência com a cidade. Quando finalizado, achei que boa parte desse caldo prévio não tinha ficado evidente no texto, tanto esforço mental, tantas possibilidades de análise, para um resultado que considerei até um pouco insosso, numa autocrítica.
Ler o seu comentário e ser agraciado com a sua percepção total do texto, uma percepção tão acurada que desvendou coisas que estavam além da minha intenção, me emocionou. Dou um exemplo, o apelido pombinha não foi tão planejado, veio como um apelido brega, antigo, que achei que caberia, um vício do personagem, para marcar sua fala e suas ações incorrigíveis. Você foi além, viu a metáfora e a simbologia.
Sobre as palavras, para um texto com um limite tão curto, tive de escolhê-las com carinho. Confesso que o uso do verbo “soslaiar” muito me agrada, que bom que te atingiu positivamente, assim como outras atitudes pensadas por esse autor.
Já a dor, é constante, imparável, indiferente como o trem e as pessoas, como o caos ao redor. Ela só é parcialmente sanada com o esquecimento e com o retorno do filho, ponto onde quis abordar o tema do desafio: os filhos que criamos e os filhos que nos criam.
Mil vezes obrigado! Espero te encontrar mais vezes por aqui.
Prezado Entrecontista:
Para este desafio, resolvi adotar uma metodologia avaliativa do material considerando três quesitos: PREMISSA (ou Ideia), ENREDO (ou Construção) e RESULTADO (ou Efeito). Espero contribuir com meu comentário para o aperfeiçoamento do seu conto, e qualquer crítica é mera sugestão ou opinião. Não estou julgando o AUTOR, mas o produto do seu esforço. É como se estivéssemos num leilão silencioso de obras de arte, só que em vez de oferta, estamos depositando comentários sem saber de quem é a autoria. Portanto, veja também estas observações como anotações de um anônimo diante da sua Obra.
DR
Comentários:
PREMISSA: perdida em devaneios, Hilda repassa tudo o que viveu, mesmo presa em um esquecimento de onde está ou o que é. Por todas as fases da vida, acompanhamos a história de sua saída de casa para um casamento arranjado, a perda de um bebê, o nascimento de um filho que mais tarde sofre a rejeição do pai por ser homossexual, e o qual a resgata para ir morar consigo.
ENREDO: acabei descrevendo na premissa, mas na verdade a narrativa é bem mais jornalística e detalhada do que o comentário. O que se enreda aqui é justamente o papel da mulher na sociedade, desde menina até a decrepitude, e como essa viagem no tempo (e pela estações do transporte) representam pontos de reflexão sobre uma vida muito verossímil e tocante.
RESULTADO: o resultado final é bom, apesar de alguns pontos em que me parece que o autor forçou um pouco o drama para dar mais peso à história. Acho brilhante o final, em que há uma resolução realmente satisfatória para o leitor, depois de tanto sofrimento para a personagem. Boa sorte no desafio!!
Daniel, obrigado pela leitura e comentário!
Realmente, fiquei muito inseguro com alguns aspectos do textos, de ser batido, de ser muito carregado na dor, coisas que você percebeu e apontou. Me tranquiliza o fato do final ter sido satisfatório, pois redimir Hilda foi um desejo do autor.
Estações (Condutor)
Comentário:
Este conto envolve ambos os temas do desafio. Uma bela história, escrita com grande carga poética. Daqueles textos que trazem emoção, que, após a leitura, deixam um impacto morno na alma. A narrativa transmite, em todo seu desenvolvimento, pura apreensão. Não há sequer um trecho em que o enredo provoque, no leitor, a sensação de conforto. É uma expectativa constante, o autor trabalhou isso com muito esmero. Quem está lendo mantém aquele mesmo retesamento de corpo, tal e qual a descrição que o autor faz das mãos da personagem, passageira do metrô. É um texto que aflige, é melancólico do início ao fim. E muito bonito.
Interessante o uso da técnica diferenciada pelo tipo de letra (normal e itálico) para ambientar a história – no passado e no presente. Gosto muito deste recurso.
Na ortografia, acredito que será preciso fazer uma pequenina revisão. Há palavras grafadas incorretamente, desencontro de concordância verbal, e isso sempre é resultado de pressa. Acontece com todos.
Gostei da construção do enredo tendo como alicerce o velho “sonho de felicidade”, coisinha enganosa, não é? A casinha com florzinha na janela, a solidão, a comidinha feita com amor, a solidão, o filho planejado, a solidão, a traição, a solidão, a rotina, a rotina, a rotina… Parabéns, a escalada foi perfeita.
Senhor Condutor (que eu acho que é uma Condutora do norte), parabéns pelo trabalho!
Boa sorte no desafio!
Abraços…
Ruth, obrigado pela leitura e comentário. Na verdade era um autor, vizinho de metrópole, aqui desse sudeste que destrói e constrói coisas belas. O que mais dizer da sua análise? Você captou boa parte das minhas intenções.
Sobre a revisão, pois é! Na pressa deixei escapar, coisas da vida, de quem tem pouco tempo. Agora, o final do seu comentário dá um miniconto a parte dessa minha engenhoca, tão certeiro quanto tudo o que você faz!
Grande abraço!
Resumo: Relatos de uma vida trágica, narradas desde o momento de um casamento aparentemente arranjado, até o nascimento de um filho (esperado) que se revela homossexual. As fases que permeiam a narrativa evidenciam pontos comuns que deturpam as relações (alcoolismo, traição, machismo, desrespeito);.
Pontos Fortes do texto: Por quantas estações essa mulher passou? Me refiro aqui a mudança de vida, de fases ruins, de sonhos, de projetos que nunca poderiam se concluir. Tão real que chega a ser assustador. Acho que já vi algo sim na vida real.
O alcoolismo, a traição, muito bem detalhada, deixam claro o ser escroto com quem essa mulher resolveu se casar. Ponto que cativa no texto. Me simpatizei com a personagem e passei a odiar o homem.
Ponto Fraco: A vontade que dá é dever esse homem pagar de alguma forma pelos seus atos. Isso não aconteceu. Uma morte rápida não me pareceu suficiente.
Comentário Geral: Texto muito bom. Transmite uma mensagem importante sobre escolhas, caminhos. è evidente que na adolescência isso é quase impossível, escolher o caminho certo. Mas, a vida já havia lhe mostrado o que fazer.
Boa Sorte autor!
Fábio, obrigado pela leitura e comentários.
Pois é, a vida cobrou de outras formas, nem sempre a vingança acontece como gostaríamos. Tenho dessas em outro texto meu aqui no EC, se chama Monarca, procure quando puder.
Grande abraço camarada!
Olá, Condutor!
Gostei bastante da forma como vc escolheu contar sua história, alternando presente e passado, a senhora idosa, no trem, sem saber direito pra onde seguir, e sua vida passando diante dos olhos.
É uma história triste, uma mulher com pouquíssimas opções na vida e quase nenhuma alegria. O marido logo no início se mostra um canalha, e depois só piora. E no fim, a acolhida do filho se torna o melhor do conto, mostrando que nem tudo estava perdido, que aquela senhora tem ainda um pouco de alegria, e no final da vida, livre do marido, mesmo que com a mente se deteriorando, pode curtir o filho.
Está muito bem escrito, bem pensado e bem executado. Os personagens são fortes e profundos e a linguagem é fluida e interessante de seguir.
Parabéns pela participação e pelo conto tão real
Boa sorte 😘
Ahhh, a palavra da campeã vale muito para mim!
Obrigado Priscila, feliz demais em saber que apreciou minha história em quase tudo que propus.
Grande abraço!
Criação: Fazia muito tempo que um conto não me molhava os olhos. O paralelo opressor entre as estações de trem e as estações da vida criou um ambiente propício ao encantamento.
Engrenagem: A força do conto está no domínio completo do cotidiano sem as amarras da perigosa armadilha do julgamento na narrativa. O jogo de palavras entre os pensamentos da personagem e os acontecimentos e sons ao redor é elaboração de gente que escreve atenta aos mínimos detalhes. O final foi certeiro.
OBS: “ áreas” seria aéreas? Enfim, esse detalhe nem chamusca a grandeza do conto.
Destaque: “Ela analisava tudo como quem admira um quadro sem entender a intenção do artista, fechou os olhos e recordou da mão enfiada na terra, há poucos dias atrás.“ – Prosa poética falsamente descompromissada; muito pelo contrário, compromisso seríssimo com a construção da personagem!
Catarina, obrigado pela leitura e comentário!
Seguinte, fiquei enternecido com seu comentário. Atingir emocionalmente a leitora, ainda mais do teu porte, é alegria rara par ao autor. Escorreguei na revisão, eu sei, foi aquela coisa do tempo, do prazo, da ansiedade para entregar.
Grande abraço!
Estações
Olá, cond(autor)
Um conto lindo, angustiante, mas com um final para aquecer o coração.
Critérios de avaliação CRI (Coesão, Ritmo e Impacto)
Coesão – A forma como você decidiu contar a sua história é naturalmente desconexa, penso que propositalmente, e isso, confesso, dá um trabalhinho a mais para o leitor. Pela qualidade da sua linguagem e da técnica da escrita, sabia que encontraria a conexão entre essas duas “viagens” em algum lugar. Só não entendi uma coisa: a aliança prata na mão esquerda, que pareceu ocupar um lugar muito relevante na história. Não entendi muito bem. Por que prata?
Ritmo – Frenético, alucinante como o passar das luzes pela janela de um trem em movimento. Bastante pesaroso quando da “viagem” da mocinha do interior. Com vezes de angústia. Bom de ler, de linguagem elegante, com palavras buscadas cuidadosamente entre os segundos e terceiros sinônimos, não rebuscada em excesso, mas, não trivial.
Impacto – As histórias cotidianas que carregam em si enredo suficiente para muitas trilhas. O amor de mãe que é incalculável, inominável e inabalável. Gostei especialmente da forma bastante verossímil como construiu o personagem “taxista”. Um cara largado, vulgar, leal a princípio, egoísta e fraco depois. Senti o nojo daqueles primeiros toques e daquela baforada na nuca (argg) e quando isso acontece é sinal de competência do autor em construir seu personagem e descrever a sua cena. E… finais felizes me agradam, dão-me esperança. Amei seu conto.
Luciana, obrigado pela leitura e comentário!
Fiquei feliz com sua devolutiva. Sobre a aliança, é mais um detalhe falho, creio. A protagonista foi baseada na avó da minha esposa, uma senhorinha que já está perdendo a memória e cheia de vícios corporais, sendo um deles, esfregar a aliança prateada. No caso dela, é prata porque perdeu a de ouro, eu só repeti o mundo real. A ideia de esfregar a aliança era fazer a personagem pensar sobre o casamento, o marido, ou seja, sobre tudo o que viveu. Mesmo que não recordasse das atrocidades na velhice e, pelo contrário, o via como prudente, o corpo repetia o gesto aflito, contrapondo essa falsa lembrança.
Essa foi a ideia.
Sobre o final, estava um pouco cansado de judiar de meus personagens. Acho que fui feliz na resolução. Não é perfeita, mas alivia o leitor.
O conto está muito bem escrito, belas frases, conexões perfeitas, estrutura diferenciada, com sequencia temporal intercaladas. Uma história simples do Cotidiano, sem grandes surpresas, sem novidades no argumento.
Não encontrei o tema Criação, tampouco Engrenagens, não está explícito, sugerido, concretizado nas ações dos personagens ou narração, sequer metaforicamente construídos, evidenciados, fazendo parte de um todo.
Infelizmente, pela invisibilidade dos Temas, pela ausência deles, nenhum deles, o conto perde alguns pontos na soma total.
Boa sorte.
Antônio, camarada! Obrigado pela leitura e comentários.
Como ficou definido que a abordagem para os temas seria mais aberta, optei em tratar Criação nos seguintes aspectos: nascimento dos filhos, expectativas e criação dos filhos. O conto, inclusive, gira em torno dessa lógica: a mulher perde a filha, se afunda num casamento infeliz, não tem a possibilidade de criar o segundo filho que é expulso de casa e, no final da vida, já debilitada, é criado pelo mesmo
menino que não pode defender. Já Engrenagens está na mecânica do conto, no maquinário do metrô a levar a protagonista, na sua confusão mental, no ritmo das pessoas subindo e descendo e, por que não, na própria vida corrida que viveu?
Grande abraço!
Olá, como vai?
Primeiramente, não serão considerados gosto pessoal e nem adequação ao tema, já que o mesmo passou a ter entendimento extremamente esparso. Para evitar injustiças por não compreender que o autor fez uso dos termos escolhidos, ainda que em sentido figurado, subjetivo, entenderei que todos os contos terão os pontos correspondentes a este quesito.
A minha avaliação é sob a ótica de um mero leitor, pois não tenho qualquer formação na área. Irei levar em questão aquilo que entendo por “qualidade” da obra como um todo, buscando entender referências, mensagens ocultas e dar algumas sugestões, se achar necessário.
Agora, meus comentários sobre o seu conto:
No geral, gostei do conto. Você utilizou o itálico para descrever uma cena passada, também acho bem válido. Os parágrafos ficaram muito pequenos e esta troca direta de cenário começou a “enjoar” em certo ponto. Também não vi muito sentido em numerar estas passagens. Por mim, utilizaria apenas símbolos, traços ou qualquer coisa para indicar uma mudança. Desde o começo, já tinha percebido que era a história da mesma pessoa, só que em épocas distintas. Achei a protagonistas resignada demais, muito “coitadinha” e o marido dela um típico “cafajeste de novela mexicana”; nada muito original aqui.
Achei o desfecho bem previsível, mas bem do jeito que deveria ser. Um bocado triste vê-la já debilitada por um provável quadro de demência, não podendo curtir todos os bons momentos ao lado do filho.
“— Ela é minha mãe, e mora comigo. — Ela é minha mãe, e mora comigo.”
Aqui, esta frase me soou um tanto “explicativa” demais. Bastava apenas dizer “Vamos para casa” que a ideia de que ele mora com a mãe ficaria clara. Na verdade, o rapaz saiu por causa do pai. Acho que todos entendemos que logo que o pai morreu, vendo a mãe idosa e debilitada, o bom filho à casa logo retornaria
Escrita ok, ótimo texto. Parabéns e boa sorte.
Renato, obrigado pela leitura e comentários!
Sim, sobre a separação, tive uma série de dúvidas e inseguranças, optei pela numeração, mas no geral prefiro não usá-las. É um conto cotidiano, sem grande reviravoltas, uma história simples de família .Sobre os personagens, no tempo que decidi desenvolver minha história, não dava e nem quis fazer muito diferente e nem seria honesto com a protagonista se ela fosse menos resignada ou inativa, creio que perderia a credibilidade da personagem (inclusive comentei sobre isso no seu conto hahahaha, olha aí a gente aprendendo um com o outro), o mesmo com o taxista, o conflito está no embate entre a ambição do homem e a esposa como parte de suas conquistas, desnorteada, como muitas mulheres que casam e permanecem amarradas nessas condições por não terem formação, ciência de seus direitos, pelo peso da tradição.
Na resolução, outro impasse da minha parte. Queria deixar mais subjetivo, optei por colocar a informação na interação com o guarda. Erro meu.
Obrigado pela leitura! Grande abraço!
Olá, Condutor.
Eu diria que você me embarcou num belo veículo, conduziu de forma muito precisa, porém, me levou a lugares já muito conhecidos. Valeu a revisita, sempre vale. Mas gostaria de ver paisagens novas. Para explicar melhor essa minha sensação vou dividir meu comentário entre forma e conteúdo. A eles.
Forma – Pra mim, a parte forte do texto. Gostei da divisão em mini capítulos, deu velocidade e dinâmica ao conto que fizeram a leitura passar voando. Gostei sobretudo dos capítulos que se passam no trem. Em muitos momentos senti que a escolha de palavras emprestou uma sonoridade muito interessante ao texto, lembrando um pouco o movimento constante do trem. A escrita é muito bem conduzida, o vocabulário é ótimo e a revisão quase perfeita. Apenas notei um “ao leu” em que faltou o acento. Em alguns momentos até diria que você passou um tantinho do ponto, lançando mão de palavras incomuns que mais geram estranheza do que acrescentam. Mas foram poucos esses momentos. De forma geral, achei ótimas a estrutura e a escrita.
Conteúdo – Por outro lado, acho que o conteúdo não acompanhou a maestria da forma. Não é ruim, é apenas uma história já muito visitada: jovem é tirada de casa por um homem mais velho que mal a conhece, se casam, o sujeito se mostra um crápula, ela sofre o pão que o diabo amassou… É uma história muito plana, digamos assim. Lendo o começo conseguimos deduzir sem muito esforço o que virá em seguida. Essa sensação é amenizada pela excelente narrativa e alguns momentos realmente inspirados, como quando Hilda chama por Oscar querendo se referir ao filho, não ao pai. Mas, no todo, o enredo não vai muito além do que já imaginamos no início do desenrolar da história. A parte do trem é mais instigante, misteriosa. Mas a revelação final, que o texto pareceu segurar com tanto mistério, não é algo tão impactante. Não digo que o conteúdo do conto é ruim. Apenas acho que faltou brilho, encanto. Mas reafirmo que a escrita é muito, muito competente.
Não tenho muito mais a falar sobre o conto. O que, acredite, é algo positivo, rs. É certamente um ótimo texto, escrito com muita competência por um autor seguro e habilidoso. Não me arrebatou, mas reconheço os muitos méritos. Parabéns pelo trabalho.
Um abraço!
P.S.: Não é bem um erro de revisão, mas tem dois capítulos XII no conto. Só pra você arrumar no original, caso não tenha percebido. =P
Bruno, valeu pela leitura e comentário! Seguinte, concordo contigo. Não estava muito satisfeito com o todo da trama, mas não consegui entregar nada muito além disso dentro do prazo. A trama que se passa no passado surgiu depois de finalizadas as partes do trem, tirando o capítulo final, que escrevi para fechar o conto. Pra você ter uma ideia, acho que é o quarto ou quinto conto que escrevo envolvendo relações familiares, gestação e relacionamentos afetivos ( escrevi um livro inteiro sobre isso, inclusive!), tanto que nos meus novos contos, quando vejo que a personagem vai engravidar, já tento mudar o roteiro HAHAHAHHA.
Gosto de histórias cotidianas, e busquei aqui fazê-la de um jeito diferente. Sobre o final, quis dar uma resolução conciliadora para minha personagem, devido ao fato de ser muito fatalista nas minhas criações, nada de grandes voos, grandes surpresas, sustos e reviravoltas. O horror e o mistério dentro do metrô pertencia apenas à ela, que estava perdida, fora dela é o dia-dia corriqueiro, seguindo seu caminho.
Mereço um puxão de orelha pela revisão.
Grande abraço, amigo! Parabéns pela moderação!
Uma senhora, dona Hilda ou se preferirem “Pombinha” relembra estações da sua vida, desde que deixou a família e fugiu com um cidadão, que pouco lhe deu. Entremeado a isso, a rotina de uma viagem de trem ou metro, as figuras clássicas entram e saem, passeando entre a realidade e as memórias dessa mulher triste e agora doente.
Meu amigo (a) queria saber escrever assim. Que maravilha, que requinte, que olhar atento à beleza triste do cotidiano. Parabéns e boa sorte!
Obrigado pelo carinho! Vamos aprendendo juntos! Grande abraço!
Achei o desfecho muito bonito, me emocionei no final. Acho bem legal esse estilo de escrita em flashbacks. Porém, achei que isso fez com que o início do texto ficasse um pouco confuso, talvez fosse interessante pensar em algo para mitigar isso. Pareceu um pouco desconexo, acho que poderia ter algo para fazer uma ligação mais clara entre a história principal(a velha no metrô) e os flashbacks, para não ficar tão confuso.
Felipe, obrigado pela leitura e comentário! Então, fiquei com esse receio quando terminei a escrita, porém, acreditei que da metade para o fim, se entenderia que se tratavam da mesma personagem. Quis criar esse clima de suspense e construção junto com o leitor, para trazer a resolução no final.
Grande abraço!
Olá. Gostei deste texto, que narra a história de uma mulher que vive num meio rural e é trazida pelo marido para a cidade. Ela tem uma filha que nasce morta, o segundo filho é desprezado pelo pai quando revela a este a sua homossexualidade. A estrutura é não-linear, revelando duas linhas narrativas – a primeira conta a história da mulher no passado. A segunda ocorre no presente, ao longo de uma viagem de metro que ela faz para visitar o filho. A homofobia e o machismo são os temas de relevo desta história que poderia muito bem ser real. Como pontos negativos, apontaria a numeração dos capítulos (ainda por cima, distinguidos com partes a itálico). Da forma clara como a narrativa é descrita, com a igualmente clara identificação das épocas, as linhas narrativas tornam-se perceptíveis e carecem de reforço na sua separação. Esta crítica já me foi feita sempre que usei o mesmo recurso de estilo. Sendo desnecessária pela qualidade da narrativa, este ponto negativo realça um ponto positivo, anulando-se (mas, ok, isto não é uma aula de matemática).
Jorge, meu caro, obrigado pela leitura e comentário! Feliz que o conto tenha pontos positivos que te cativaram .
Sobre os pontos negativos, tudo o que você me apontou veio à mente no momento da edição. Costumo não subestimar o leitor, nem usar de artifícios para guiar a narrativa. Acredito que a palavra basta, assim como uma boa organização do texto, mas aqui estava inseguro, terminei tudo muito em cima da hora e fazendo uma leitura corrida receei de não alcançar o leitor com minhas duas linhas temporais. Pensei em usar apenas o itálico, depois apenas a numeração. Acabei usando os dois HAHAAHAHA.
Grande abraço!
Ei, Condutor, cá estou eu viajando com você na sua história. Hora no trem com a mãe, hora no taxi com Oscar, hora na casa com a Pombinha. Bem, a maneira como construiu o conto ficou muito interessante. Como se fora, assim o compreendi, como os dois trilhos paralelos pelo qual segue a vida. Dois tempos da vida dos mesmos personagens. Boa sacada essa sua. Uma história criativa e muito bem redigida. Um conto que me prendeu a atenção, até porque ele me cobrou um cuidado maior no entendimento das coisas sendo narradas. Pois é, muito boa o seu Estações, parabéns. Fica com o meu abraço.
Fernando, obrigado pela leitura e retorno!
Que bom que embarcou na viagem e curtiu o trajeto. Vale muito!
Grande abraço!
Estou achando a abordagem dos temas do desafio bastante vaga nos contos que li. Aqui, o tema me pareceu um pouco disperso também. Quanto ao conto, foi prazeroso lê-lo. Os capítulos curtos e a linguagem limpa facilitaram a leitura. Os flashbacks, identificados com clareza, não confundiram. A história da velhinha é bem triste, mas a viagem de metrô é bem curiosa. Gostei de estar naquele vagão.
Amigo, você me surpreendeu com sua ausência nesse desafio, mas imagino o quanto se divertiu comentado assim, cheio de leveza, sem o peso da competição. Obrigado pela leitura carinhosa e retorno. Obrigado pela nota também, uma honra!
Grande abraço e, vê se nos presenteia com um continho no próximo desafio!
O conto aborda o tema da Criação, talvez de uma família, talvez de uma vida, talvez de lembranças, mas alcançou o objetivo com sucesso.
O enredo trata de uma senhora que se vê perdida no espaço e no tempo, provavelmente, uma vítima do Mal de Alzheimer.
O autor [ou autora] optou por elaborar seu texto intercalando passagens, ora no presente da octogenária perdida entre as estações de trem, ora no passado, com a narrativa da vida da senhora.
O título foi bem escolhido, pois tanto fala das estações de metrô como das estações da natureza, da vida, etapas percorridas pela Dona Hilda. Fiz o exercício de ler as partes em separado, como se fossem duas histórias. Depois li como o exposto aqui. Foi um processo interessante.
Há algumas falhas de revisão como “beje” no lugar de bege.
Apesar da narrativa não ser linear, o ritmo é bom e a leitura flui facilmente.
Gostei muito do final com Oscar, o filho carinhoso, resgatando a mãe e a levando para casa onde moram juntos. Fica a dúvida do que é real e do que é criação da mente afetada de Hilda, mas que foi bonito de ler, foi.
Boa sorte.
Cláudia, obrigado pela leitura e comentário! Você captou muito do que pensei no momento da escrita. Preciso te revelar, inclusive, que escrevi as partes de maneira separada, de forma que tive de dar um passado para essa senhora octogenária, que viria a ser Hilda. Até então era apenas uma senhora com Alzheimer perdida no metrô, tentando compreender no meio daquele movimento todo, para onde ia, quem era, o nome das estações, e toda sua história. Na correria para construir esse passado, deixei escapar uns erros de revisão. Faz parte.
Sobre o final, no último desafio fui taxado de determinista. Não que isso foi um problema para o texto, que exigia certa amargura, mas aqui queria uma resolução mais branda e confortável, afinal, há beleza na vida também, né não?
Cenas de uma viagem de trem e, em paralelo, cenas de um romance, casamento e filhos. Ao final, a morte do homem em acidente de trânsito e o reencontro de mãe e filho que havia sido expulso de casa pelo pai.
Um texto de caráter bem técnico. Interessante o estilo do conto com recortes variados de diversas situações que se juntam para dar a visão geral. Como um jogo, diria. Tive dificuldade de entender os acontecimentos no início, as trocas contínuas de visões-narrativas contribuíram para isso, mas quando as histórias se cruzam, tudo fica claro e lógico. Precisei ler uma parte e reler na sequência, para não perder o fio da meada.
Destaco o tom de mistério e suspense reinante, que convida a ler cada vez mais para chegar às respostas. Enredo bem trabalhado, personagens e seus dilemas trazem veracidade à trama.
Um texto, aparentemente, simples, mas que traz muitas questões sobre o comportamento humano — as engrenagens da vida.
Parabéns pelo trabalho, boa sorte. Um abraço.
Fátima, obrigado pela leitura e comentário. A ideia era criar mesmo esse jogo. Juntar as peças seria um encargo para o leitor.
Grande abraço e parabéns pelo seu texto também, gostei bastante!
Olá, Condutor.
Resumo do conto:
Acompanhamos em tempos distintos alguém viajando de metrô e uma moça do interior que foge com um motorista de táxi para viver na cidade grande. A senhora no metrô está confusa e observa o vai-e-vem de pessoas, a moça se junta e depois se casa, engravida e perde uma menina. A senhora mexe no anel no dedo, como forma de se acalmar, a moça vê seu casamento naufragar em álcool e amantes do marido, desgostoso desde a morte da filha. Um segundo filho, um menino, traz a esperança de tempos melhores, mas a revelação de que este é homossexual qdo rapaz, faz o pai expulsá-lo de casa enquanto a mãe se resigna ao seu destino. A senhora perdida no metrô é ajudada pela polícia e é resgatada pelo filho Oscar, o rapaz que fora expulso de casa.
Análise do conto:
Gostei da história em dois tempos. As descrições são boas e a escrita é segura, com poucos erros. As personagens foram bem estruturadas: pai-de-família-trabalhador-alcoolatra-infiel, mulher-dependente-reprimida, etc. Achei, contudo, que a adesão ao tema do desafio foi muito tênue.
Abraço e boa sorte no desafio.
Rubem, obrigado pela leitura e comentário. Feliz por ter, no geral, apreciado o texto. Sou muito admirador da sua escrita também.
Veja, tentei contemplar o tema fora da ideia de inventar um mundo ou algo mais elaborado. Gosto de histórias cotidianas e nelas me sinto apto para discutir nossos dramas humanos. Quando a moderação disse que Criação poderia ser, inclusive, criação de filhos, embarquei nesse caminho: uma relação entre mãe e filho marcada pela ausência e remorso, mas que culmina no filho “criando” ou cuidando da mãe, como via redentora de toda uma vida marcada por dissabores. Já Engrenagens, que não precisava ser necessariamente abordado, está na forma do texto, na mecânica do metrô, na própria vida representada, cujo ritmo é imparável.
Grande abraço!
Um conto bonito e bem escrito sobre os dissabores de um casal de nordestinos que vem morar em São Paulo (aparentemente). Recomendo que o autor deixe esse conto para outro desafio. Este desafio é sobre processo criativo. O autor não soube adequar o conto ao tema. Por isso, nota 0 (zero).
Ronaldo, você já um personagem quase que folclórico aqui do EC! Sabia que um dia seria agraciado pelos seus comentários!
Obrigado pela leitura. Grande abraço!
Nossa, que lindo! Adorei a maneira como a história me conduziu. A parte do presente adicionando aos poucos a confusão de Hilda, me fez ir, aos poucos, me sentindo confusa e perdida como ela. Na parte do passado, deu muita dó do Oscar, e uma certa revolta pela inação dela. Mas só porque a narrativa estava muito envolvente, porque, de verdade, essa reação (ou falta de reação) dela era de se esperar, combina com a história e com a situação dela. Excelente!
Kelly, que prazer ter compartilhado esse desafio contigo! Fico feliz pelo retorno e agrego que, por mais difícil que seja, tive de ser fiel à personalidade de Hilda. Há uma redenção no final, espero que tenha notado.
Muito obrigado pela leitura e comentário!
Creio que é o texto mais bem escrito dos que li até agora, com a melhor edição e quase sem palavras supérfluas. Não é o meu estilo preferido, mas está muito bem-feito. IMO, peca, às vezes, por usar palavras muito pouco usuais sem necessidade, com é o caso de “Ela soslaia o rapaz”, mas não chega a comprometer o texto.
Embora o tema da criação tenha sido contextualizado de uma forma diferente da que eu esperava, gostei de perceber que fugiu ao expectável.
Muito bom texto. Parabéns.
Eduardo, obrigado pelo comentário e leitura atenta! Gosto de procurar palavras que são mais objetivas naquilo que quero passar para o leitor e, “soslaiar” caberia melhor do que simplesmente “olha” ou “olhou com rabo de olho”, ainda mais para um desafio apertado em limite. Cada palavra valia um bocado.