Já reparou que folhas de palmeira, quando caem, parecem fósseis de dinossauro? A casca desprendida do tronco, retorcida sob o sol, é a cabeça do pré-histórico animal. As costelas são os fiapos secos e amarelados que se distribuem pela nervura/vértebra central da folha.
Quando mais novos, eu e meu irmão fazíamos as vezes de paleontólogos a explorar vestígios no quintal, analisando a anatomia morta dessas soberanas criaturas que caminharam como deuses na Terra. Outras vezes, os ossos farfalhavam em nossas mãos, como demonstração de inventada superforça. Aí a coisa se invertia, e os deuses éramos nós, imitando heróis de histórias em quadrinhos, desenhos da televisão.
Em ambos os casos, tínhamos a certeza: dinossauro nasce em árvore.
Hoje, um amanheceu em cima do meu carro bem na hora que saía para o trabalho. Mais do que a fúria ou medo do atraso, me veio uma assombrosa noção do tempo passado, numa erupção de memórias. Soterradas no quintal das lembranças, da infância, elas já se encontravam na Era Mesozóica da minha vida.
Doloroso, e ao mesmo tempo mágico, do tipo de conto que deixa um gostinho na boca por ter contado muito com pouco.
Parabéns!
Apesar de curto, é um texto repleto de significados, entrelinhas e propostas de reflexão! Parabéns, Thiago! Mais um ótimo trabalho!
Adorei o miniconto/crônica.
Sintético e vai fundo nas doces lembranças da infância.
Parabéns!
Como a vida é frágil, né? Mas não sei se isso é um defeito. Os dinossauros não estão mais aqui e eram, em teoria, verdadeiros soberanos. Tenho plena certeza que se quisermos, sobrevivemos a uma tragédia desse nível.
Mas, enfim, ao texto! Acredita que eu quase fui vítima desses dinossauros mais de cinco vezes? No Rio de Janeiro, onde cresci, a casca sempre caia na minha frente ou costas, raspando. Criei até um complexo na época, via um e já me afastava, como um bom covarde, haha. Não costumava desafiar as coisas na época (hoje passaria só de birra, hahaha, mas não tem muito aqui em Florianópolis.
Eu achei excelente como colou as reminiscências do narrador de forma sensível e carismática. É uma saudade que não parece saudade. Mas ainda é saudade. O que gosto dessas histórias focado em nossa realidade, em nossos sentimentos, é essa sutileza ao apresentá-la. Quando força, como eu faço às vezes (não tenho muita experiência na área, fantasia e terror geralmente são cheios de exageros, então acho que tenho certo vício de escrita, mas não sei se quero perdê-lo), o texto não me atrai tanto. Eu gosto da naturalidade, apesar de nem sempre aplicar em meus sempre. A velha incoerência da vida.
Na primeira leitura não apreciei muito Hereditário, mas numa segunda, hoje, consegui enxergar alguns fatores que me interessaram bastante. Esse gostei mais, por ter um toque mais saudosista, um sentimento que gosto, então foi inevitável. Vamos que vamos, com certeza é uma adição ótima ao EC.
Fábio, hoje consegui parar para responder seu comentário. Fico feliz que o texto te cativou e, realmente, em ruas mais arborizadas percebo vários desses dinossauros estirados nas calçadas. Temos de nos atentar. A ideia desse conto é realmente colocar o narrador em contato forçado com a própria infância, quase esquecida na correria da vida e do trabalho, trabalho este que possibilidade comprar um carro, mas afasta o olhar sensível perante o mundo.
Sobre Hereditário, as impressões podem variar de acordo com a época e o estado de espírito que estamos quando lemos um texto. Aquele conto foi um desafio para mim também, pela densidade e alterações nas vozes narrativas. Há coisas que gosto muito nele, mas outras, de acordo com impressões recolhidas aqui no EC, vou alterar se for publicá-lo em outro espaço.
Grande abraço!