O tribunal se constituíra. Sua vida imortal e seu destino estavam sob a espada do julgamento. E ela se sentia imensamente irritada!
Suas asas de fogo se espanavam em ritmo nervoso entre o amarelo pálido e o laranja intenso, pequenas fagulhas emanadas por todos os lados, seu corpo como uma fornalha ardente. Se pudesse, explodiria em infinitas labaredas, tal sua indignação. Como ousavam acusá-la?!
Toda uma corte de ninfas, duendes, sílfides, elfos, ondinas, sátiros e tantas outras criaturas mágicas lá se encontravam, sussurros desaprovadores, murmúrios estarrecidos, silêncios assustados. Seus corpos etéreos ondulavam com a tensão, o ar denso, podendo ser cortado com uma faca. A floresta mal respirava.
Suas irmãs salamandras não brilhavam, contidas em brasa esmaecida. Covardes! Como puderam abandoná-la? Sua altivez milenar não fora grandiosa o bastante para compreendê-la ela, Lume, sua companheira mais poderosa.
Apesar do fogo ser seu elemento natural, tanto ela quanto as demais salamandras, bem como a maior parte dos seres fantásticos, adquiriram formato humanoide desde que os homens surgiram na Terra. Até isso se fizera por esses seres monstruosos, uma violenta mudança física, a fim de que eles não se assustassem com as expressões da vida. Tola ilusão. Estúpida decisão.
Lume prendeu a respiração, encarando todo o reino mágico com orgulho e destemor. Aguardavam a chegada deles, os Devas. Em milênios, sua presença visível e pungente não se fizera necessária, pois a harmonia fluía entre o mundo humano e o reino mágico.
Até aquele momento.
Ao se recordar do que fez, a irritação gradativamente cedeu à tranquilidade do dever cumprido. O que para todos era blasfêmia e heresia, Lume enxergava ousadia e coragem. E nada a demoveria de suas certezas profundas, nem mesmos os deuses.
Há milênios, alguns humanos, abusando de sua própria percepção sensitiva com as outras realidades, a magia, enganaram e escravizaram seres da natureza, abusando de sua ingenuidade e credulidade elementais. Ao longo de eras, submetidos a magos, xamãs, bruxos, feiticeiros, médiuns, sensitivos, paranormais e quaisquer nomes que o tempo pudesse batizá-los. No fim, não passavam de senhores que se apropriaram do conhecimento e serviços extraordinários dos seres etéreos, para que estes realizassem seus objetivos egoístas e cruéis.
Seus irmãos de vida não conseguiam resistir à habilidade mental-magnética humana. A maioria da homens desconhecia a extensão desse atributo, desenvolvendo parcamente apenas uma faceta racional. Se assim continuasse, o mundo humano se desenvolveria para outra direção e as realidades prosseguiriam em paralelo, talvez com alguns encontros fortuitos e de mútua ajuda. O equilíbrio seria mantido e a vida não teria seu viés estrangulado.
Mas, não. Muitos humanos extrapolaram seu potencial e invadiram a seara do mundo elemental, implacáveis em sua ganância e fúria.
Por anos incontáveis, Lume assistiu, impotente, à miséria infringida aos seus semelhantes. Parecia impossível deter os seus agora inimigos! Decidiu, então, observá-los com atenção, invisível e imune a seus devaneios e opressão, já que era a mais poderosa de toda sua espécie. Seguiu-os em suas paixões; penetrou em suas mentes; compartilhou de suas mais sublimes virtudes e de seus mais sombrios desejos. E todo seu corpo ígneo entrou em chamas.
Descobriu como derrotá-los.
Curvou-se a todos homens e a todas as mulheres que possuíam a capacidade mental-magnética ampliada, fingindo-se de serva submissa. Prestou-lhes os trabalhos vis solicitados com tal presteza e eficiência que seus supostos amos passaram a escutá-la em sugestões e ideias. Mostrou-lhes mais horizontes e profundezas em seus sonhos nefastos. E, à medida que lhe davam ouvidos, ela penetrava mais profundamente em suas emoções e anseios, incitando-os a pensamentos e atos degradantes e agressivos.
A avalanche de magia se propagou através das fronteiras. E quando atingiu seu auge, ocorreu algo inesperado: a ciência nascia tímida, porém já com um destino se desenhando em ascensão na visão e no mundo dos homens, com o inevitável futuro abandono da magia. Os homens, fascinados pela lógica e razão, deixariam as criaturas etéreas da natureza em paz. Tudo retornaria ao que deveria ter sido. A missão de Lume se desintegrava em sua base.
Recordou daquele instante, seu calor se encolhendo gradualmente da última centelha de suas asas até o âmago de brasa rubra no centro do seu corpo humanoide. Era como a morte. Ou deveria ser, pensara ela vagamente. O mundo encantado desconhecia a morte. Nasciam e viviam. Viviam para sempre em uma única e imortal existência.
Uma chispa inflamou seu interior e um fogo de luz a envolveu por completo. Viviam para sempre. Lembravam para sempre. Para sempre, a dor imputada aos seus irmãos pulsaria. Jamais seriam felizes novamente como um dia já haviam sido.
As cinzas de suas dúvidas se perderam no vento.
Passou, então, a influenciar não só os acessíveis sensitivos, como também os cientistas, os políticos, o clero e qualquer um que o poder agraciasse. Desenvolvera a habilidade de envenenar os sentimentos até dos não-sensíveis à magia, aquecendo-os em suas as mágoas já mornas pelo tempo, fervendo sua raiva e inveja no mesmo caldeirão, explodindo conflitos entre nações. E quanto mais complexas as relações entre os países, quanto mais tecnologia desenvolvida, maior poder de alcance à morte de milhões de indivíduos. Excelente. Chegaria ao fim de sua missão quando o fim chegasse.
Mas não chegou. Fora arrebatada ao mundo encantado por forças dévicas para seu julgamento e condenação.
E lá estava ela, orgulhosa, indignada e furiosa, aguardando sua sentença.
De repente, o ar se condensou e contorceu-se. No esmigalhar de realidades, surgiram três seres fantásticos com forma humanoide, de dois metros de altura, hialinos em sua composição, suas vestes coloridas em explosões translúcidas cósmicas, como se fótons dançassem entre si, majestosos em sua serenidade e potência. Seus semblantes sérios emanavam compaixão em meio à firmeza.
Um deles se adiantou. Sua voz encantadoramente melodiosa possuía um tom entristecido.
– Lume, seus atos a trouxeram aqui. Tem real consciência da dor que provocou em seus irmãos elementais e nos seus irmãos humanos?
O tom da salamandra era como um crepitar de fogueira.
– Os homens jamais serão meus irmãos.
– Todos somos irmãos. Apenas seguimos trilhas paralelas do mesmo caminho.
– Que irmão é esse que escraviza outro irmão?
– Você também acabou por escravizá-los.
As labaredas brilharam.
– Nenhuma dor que infringi a eles chega aos pés do que fizeram conosco! São monstros. Nenhum de nós poderia fazer o que eles fizeram.
– Fez pior, Lume.
– Era a única forma de atingi-los.
– Impondo dor a eles… e a todos nós.
O silêncio que se seguiu congelou o tempo. A verdade arranhava as portas de seu coração, porém Lume a rechaçou, pensando em seu próprio destino. O que aconteceria com ela? A morte não era uma opção para um elemental. O exílio na escuridão por milhares de anos era a pena dos imortais. Estremeceu entre suas labaredas. A escuridão. A solidão. O nada…
Que fosse! Ainda retornaria um dia. E cada agonia que provocara nos humanos valera a pena. Exílio? Solidão? Já era só, desde que tomara a decisão de destruir a humanidade.
Estarreceu-se com a conclusão. Sempre estivera só, mesmo antes de os homens surgirem. Seus irmãos não a compreendiam. Eram fracos, todos eles. Todos imersos em sua cândida existência imortal. Quando o mal se entranhou na Terra, entregaram-se como vítimas para o sacrifício… e agora estão a acusá-la em seu silêncio covarde diante dos Devas?! Inadmissível!
Irada, em plena cólera flamejante, dirigiu-se a todos os seus irmãos e aos Devas.
– Quem são vocês para me julgarem? Não fizeram nada. Nada! Vocês – clamou aos elementais – sucumbiram por ingenuidade. Mas mesmo quando souberam quem eles eram, não lutaram! – voltou-se para os Devas, a voz flamejando em mágoa – Sabiam de tudo… viram tudo. E permitiram… O que adianta tanto conhecimento e poder, se resolveram se omitir? Tem medo dos humanos? Ou… ou preferem eles a nós?! De qual lado estão?
– Não existem eles ou nós. Existem todos os seres.
– Eles nos destruiriam, se eu permitisse!
– Os homens seguiriam seu rumo, se não tivesse interferido.
Era verdade, ela sabia. O calor de seu corpo turvava o ar ao seu redor, porém seu coração era gelo em brasa.
– Então é dessa forma. Deixem que os humanos façam o que quiserem. O sofrimento que muitos aqui passaram não é nada. Os homens tinham que saber o que fizeram conosco. Eles têm que pagar!
– Seu ressentimento poderia ter custado muito mais do que os atos cruéis deles. Uma guerra final. Bilhões de mortos. A Terra devastada.
– Que fosse tudo destruído! As matas, os rios, os oceanos, os ares… eles já estão acabando com o planeta. Permita que aconteça de uma vez, então! Que eles também desapareçam! Temos a eternidade para aguardar a Terra se refazer… e sem esses filhos malditos. A paz voltaria novamente para nós.
– Lume – voltou a falar Agni, o Deva do centro – As infinitas linhas evolutivas estão emaranhadas entre si. Exterminar os homens não destruiria a linha evolutiva humana; apenas ela seguiria caminhos diferentes do que foi traçado, mas sempre, para todo o sempre, ligados à nossa. O que você fez, tornou esse vínculo entre nossas espécies ainda mais estreito. Somos agora responsáveis por eles.
A salamandra sentiu seu ardor esmorecer.
– Não… não é possível. Eles começaram. Foram eles que escolheram. Eles podem escolher!
– O livre arbítrio dos humanos – prosseguiu o Deva – não é um privilégio e sim um sintoma de sua ignorância. Quando se está inserido no Todo, não há escolhas, não por imposição e sim porque há a clarividência que apenas o caminho do amor existe. Por conseguinte, não há opções. As opções surgem quando o ser não imergiu em tal princípio. O caminho humano passa pela ignorância e despertar. Os elementais, no entanto, perfazem outra trilha, o da inocência, com seus desafios próprios… até agora.
Lume sentiu seu mundo cair. Então o que fizera não valera nada…? A justiça em chamas, que exterminaria o mal, só trouxe aquele mal para dentro do seu mundo? A revolta crepitava ruidosamente dentro dela.
– Que venha o castigo! Não é para isso que estamos aqui, para eu ser punida por defender meu povo? Vamos! Estou pronta para minha condenação. – seu queixo tremeu em um mesclar de desafio e temor.
Agni se aproximou dela e a tocou. Lume estremeceu diante da carga energética daquele toque. Como um veneno, um ardor muito maior que seu calor invadiu todo o seu corpo, um fogo líquido, fogo destruindo fogo, uma dor alucinante. Tudo começou a rodar, a sensação inédita de desmaio, de cair no vazio, no desamparo, no desconhecido.
– Conviveu tanto com os humanos, – a voz musical dévica repercutia dentro dela como um réquiem – penetrou tão profundamente na essência do homem, que a afinidade energética criada entre você e a humanidade a une com os homens. Encarnará no mundo dos mortais como um deles. Assim é e assim será.
Terror. Terror! No meio da inconsciência, Lume se desesperou. Não! Não! Enveredar por uma sucessão de reencarnações, esquecimento, personalidades diferentes, nascer – morrer – nascer, perdida entre dores corporais e redemoinhos emocionais, com a sensação íntima e certa de existir algo a mais do que o dia-a-dia prosaico, sem poder atingir o inefável, era pior do que a não-existência. Tornar-se o que tanto odiara seria o seu fim.
– Como pôde…? – sussurrou – Vai… matar… o que havia de melhor… em mim.
– Não. É a sua oportunidade de viver como realmente você é. – a voz do Deva era de uma suavidade nunca ouvida – Raramente um ser palmilha dois caminhos existenciais.
– Só quis… quis fazer o que… deveria ser… feito. – murmurou, sem forças.
A escuridão a engoliu por completo, sua consciência se desvanecendo. O Deva a abraçou, envolvendo-a por completo, enquanto as partículas ígneas de Lume entardeciam.
– E fará. Um dia estará pronta para ser o Deva dos humanos.
– Não… impossível! Ninguém… nunca…
– Segui um caminho parecido há muito tempo. – o sussurro de Agni possuía um antigo crepitar – Voltaremos a nos encontraremos e verá que, para um ser um deus, antes tem que ser… humano.
Oi, Bibi! Obrigado por abrir a nossa área OFF.
Eu digo que não sou um leitor de fantasia por realmente não ter uma preferência ou uma uma estória fantástica é como qualquer outra, diferindo apenas nos elementos que a compõem. Li o seu conto e entendi que nos narra principalmente do julgamento de Lume, em que a escrita em estilo poético embelezou e engrandeceu, deixando a cena mais rica e potente. Cito um trecho:
“nascer – morrer – nascer, perdida entre dores corporais e redemoinhos emocionais, com a sensação íntima e certa de existir algo a mais do que o dia-a-dia prosaico, sem poder atingir o inefável, era pior do que a não-existência”
Essa percepção do que é a humanidade, uma vivência meramente tocada por uma noção de algo mais, é tanto trágica como bastante verossímil com o que é a nossa existência. Talvez por escrevermos e testarmos as possibilidades do real, o dia-a-dia tenha o potencial de ser massacrante ou, nos melhores dias, mais belo.
Agora, achei que o meio do conto esfriou um pouco a leitura, pois me pareceu mais a apresentação de um conceito do que uma estória. A ideia de uma intervenção mágica no mundo humano me atrai bastante, pois o tempo passa pelo nosso mundo enquanto novas tecnologias vem e mudam completamente as relações humanas, bem como novas relações sociais se desenham, misturando religião, identidade, culturas… tudo em um mundo cada vez mais conectado. Magia seria mais um elemento para caotizar ainda mais esse cenário e seria interessante ver o seu efeito na História da humanidade.
Enquanto lia sobre a incursão estratégica de Luma, senti falta de ver isso acontecer ao invés de só saber a respeito. Compensou o conto ter retornado ao julgamento, que é onde começamos e, de fato, onde o conto atinge sua catarse.
Um abraço!
Oi, Anderson!
Valeu o comentário!
Escrevi esse conto há uns quatro anos, acho. Mandei em outubro do ano passado, na temporada contos off, mas não tinha sido publicado, haja vista que tal período tinha terminado. Nem me lembrava mais do envio… rs. Mas Gustavo não esquece como bom organizador \0/
A questão do livre arbítrio e da postura da escolha expostos aqui é algo muito pessoal, bem como as linhas evolutivas paralelas dos seres. Tenho vontade de fazer algo maior com esse argumento.
Enviei outro para esta temporada off – Pétala por pétala, onde você verá um outro lado diferente meu e que foi selecionado para uma Antologia As Flores do Meu Jardim.
Mais uma vez, obrigada por suas observações. Minha temporada no Entrecontos está me abrindo horizontes e questionamentos para comigo, para melhorar a escrita
Abraços fortes
Bibi, que prazer te reencontrar na temporada Off. Lume tem características de uma boa personagem, quase uma anti-heroína clássica que, no intuito de melhorar o mundo a sua maneira, acaba o piorando. Não sou muito fã de fantasia, mas aqui você levanta questões que vão além da ideia do bem e do mal cristalizados, e de nomes e universos inventados. Confesso que me perdi um pouco na primeira leitura sobre a mitologia do conto, o que é natural, pois há muito mais riqueza na sua criação do que você apresentou nessas linhas. Pelo menos é o que me parece.
Já pensou em ampliar esse universo para um romance?
Grande abraço!
Oi, Thiago!
Valeu o comentário!
Esse texto foi feito para um concurso há muitos anos, destinado a certame com o tema fantasia e com limite de palavras. Então escrevi, a princípio, para um público já inteirado nesse viés. Enviei para a temporada off passada,, em outubro, mas não foi divulgado à época porque creio que chegou já com a citada temporada terminada. Tinha até esquecido dele…rs!
Sim, pensei em uma novela com esse texto,, bem como com o Aquém. Percebo que uma boa de meus escritos em contos tem essa característica: um embrião para algo mais longo.
Meu próximo conto que enviei para esta temporada off – Pétala por pétala – , o que será publicado, uma outra face minha, com um texto fechado em si.
Abraços grandes
Eita.
Li duas vezes para absorver a história toda e nessas leituras ainda fui relendo alguns parágrafos em particular. Tem MUITA coisa aí. E tecem uma trama muito interessante.
Gosto demais dessa abordagem de que todos que entram em contato com o sobrenatural de alguma forma estão vendo fragmentos de uma mesma coisa, só a enxergam diferente. Lembro de uma analogia que ouvi uma vez de que nós seríamos como peixes num aquário tentando observar o sobrenatural. Podemos ver, mas sempre serão imagens distorcidas que levarão a diferentes interpretações.
Quando você fala de “magos, xamãs, bruxos, feiticeiros, médiuns, sensitivos, paranormais”, imediatamente essa ideia se firmou na minha cabeça. Acho que faltou uma menção a sacerdotes, mas talvez você tenha preferido não entrar em polêmica, rs.
Achei muito legal a ideia da Lume de aproveitar dessa brecha para influenciar no mundo humano. É uma inversão do que normalmente nós vemos. Acompanhei com interesse essa jornada dela.
Teve um momento em que fiquei meio confuso na leitura, nesse trecho : “A avalanche de magia se propagou através das fronteiras. E quando atingiu seu auge, ocorreu algo inesperado: a ciência nascia tímida, porém já com um destino se desenhando em ascensão na visão e no mundo dos homens, com o inevitável futuro abandono da magia.”
Por alguns instantes me pareceu que as ações de Lume tinham levado ao desenvolvimento da ciência, o que não fazia muito sentido. Depois entendi que foi uma contraposição: justamente quando Lume estava perto do seu objetivo apareceu a ciência como algo inesperado e que frustraria seus planos. Não sei se o trecho é confuso – agora me parece que não – ou se foi um escorregão meu na primeira leitura. Provavelmente falha minha, mas achei digno de registro.
Agora o que não entendi mesmo foi como Lume passou a ter acesso a todos os humanos, mesmo os não sensitivos. Ela tinha esse poder desde o começo? Se tinha, porque invadir apenas os sensitivos? Para não gerar estranheza, talvez? Pra iniciar seu plano com discrição? Existem justificativas plausíveis. Mas eu gostaria de uma explicação.
Muito bacana a ideia de que um ser de fogo faça “queimar” nossos piores sentimentos. Não é uma analogia de todo original, mas é sempre eficiente.
Outro ponto alto pra mim foi a explicação da Deva sobre o livre arbítrio. “(…)não é um privilégio e sim um sintoma de sua ignorância. Quando se está inserido no Todo, não há escolhas, não por imposição e sim porque há a clarividência que apenas o caminho do amor existe.” Wow. Que conceito intrigante.
A sentença de Lume foi algo que não estava esperando. E o desespero dela por imaginar que se tornar humana seria pior do que ir pro vazio absoluto… É o tipo de pensamento abstrato que só poderia vir de uma criatura mágica mesmo.
As últimas palavras da Deva dão um certo acalento à Lume e jogam mais uma ideia interessante: a de que precisa ser humano antes de se tornar um deus. Mais um conceito que não estava esperando e me agradou. Lume não é a personagem mais simpática do mundo, mas seus motivos são tão compreensíveis, que não queria vê-la tendo um final trágico. Porém suas ações impediam uma redenção sem sofrimento. Você encontrou um belo meio termo, muito boa a sacada.
Tecnicamente, acho que sobrou um “ela” em “Sua altivez milenar não fora grandiosa o bastante para compreendê-la ela, Lume, sua companheira mais poderosa”. E nesse outro trecho: “Decidiu, então, observá-los com atenção, invisível e imune a seus devaneios e opressão, já que era a mais poderosa de toda sua espécie”, não gostei da repetição da ideia de que ela era a mais poderosa de sua espécie. Era um conceito já estabelecido e que foi retomado num espaço muito curto, dando essa ideia de repetição. Acho que você poderia reafirmar a ideia de outra forma.
Gostei bastante do conto, não estou tão acostumado a esse tipo de fantasia e foi uma jornada muito legal essa que você me ofereceu.
Eu disse ontem que queria ver mais textos seus e já sou presenteado com um hoje. 🙂
Abração, Bibi!
P.S.: A jornada de Lume me lembrou um pouco a jornada de Lúcifer. O desprezo pelos homens, o inconformismo de ver a si mesmo e aos seus em segundo plano diante criaturas inferiores… Sorte que o destino da salamandra não foi tão ruim quanto do anjo caído.
P.P.S.: Não gostei muito do título. Não é ruim. Só acho que o texto merecia algo mais inspirado.
Oi, Bruno!
Valeu o comentário!
A ciência nasceu tímida e já se espalhava entre as fronteiras – a onda da racionalidade objetiva no mundo, tendo como consequência o descrédito da magia. Foi um movimento alheio à atuação de Lume e ela se viu, nesse momento, na oportunidade de abandonar seus rancores e esquecer os humanos,, algo que não fez. Não achei confuso o trecho, mas o lerei novamente.
O argumento do meu conto não é novo, mas com uma visão própria minha.
Lume desenvolveu seus poderes ao longo do tempo e chegou ao ponto de alcançar a capacidade de influenciar os não sensitivos: “Passou, então, a influenciar não só os acessíveis sensitivos, como também os cientistas, os políticos, o clero e qualquer um que o poder agraciasse. Desenvolvera a habilidade de envenenar os sentimentos até dos não-sensíveis à magia, aquecendo-os em suas as mágoas já mornas pelo tempo, fervendo sua raiva e inveja no mesmo caldeirão, explodindo conflitos entre nações.”
A construção de Lume como alguém “antipática” foi proposital; imaginei -a radical, intransigente e forte senso de justiça rancoroso que perde a visão e prejudica os seus para destruir seus inimigos.
Obrigada mais uma vez o carinho, as palavras e a atenção.
Abraços grandes!
Bibi, é de fazer cair o queixo ver você escrevendo sobre coisas tão distintas: no Loucura, um drama; na Off, uma fantasia (embora também dramática). Parabéns pela versatilidade!
Não preciso nem dizer que “O aquém, o além e o aqui” é, por enquanto, o meu favorito entre seus textos! Ainda assim, achei sua escrita em “Em chamas” mais segura!
A ambientação do universo fantasioso está muito bem feita! Para além da fantasia, seu texto ainda se preocupa em trazer reflexões importantes sobre como nós humanos cuidamos do natural. No desfecho há, ainda que involuntariamente, uma referência ao Cristo, cuja humanidade e sofrimento na Paixão e na Cruz o aproxima de nós humanos (“para ser um deus, antes tem que ser …humano”).
Meu trecho favorito foi a fala do personagem Deva: “O livre arbítrio dos humanos não é um privilégio e sim um sintoma de sua ignorância. Quando se está inserido no Todo, não há escolhas, não por imposição e sim porque há a clarividência que apenas o caminho do amor existe. Por conseguinte, não há opções. As opções surgem quando o ser não imergiu em tal princípio. O caminho humano passa pela ignorância e despertar. Os elementais, no entanto, perfazem outra trilha, o da inocência, com seus desafios próprios… até agora.”
Bibi, possíveis erros de revisão:
– “nem mesmos os deuses”: acho que um erro de digitação colocou um “s” em “mesmo”;
– “a maiorias da homens”: erro de digitação de novo no “da”, que seria “dos”;
– “voltaremos a nos encontraremos”: acho que seria “voltaremos a nos encontrar”;
– “para um ser um deus”: acho que o primeiro “um” é erro de digitação.
Parabéns pelo texto! Viva a Temporada Off!