Eram todos meninos e meninas que mal chegavam aos vinte anos; adultos que se apertavam na fila do supermercado, num encontro de línguas quase esquecidas de mim. Desconfortada naquele desencontro de gerações, corri à fila dos idosos sem me dar conta de que por aqui, onde moro, deveria haver filas preferenciais para jovens e não para idosos, uma vez que somos muitos, há velhos demais, que tomam tudo, entopem tudo, de bancos a farmácias, passando por restaurantes… e supermercados.
Este lugar onde vivo é um grande território de caça, o dos velhos, quero dizer, e foi assim que uma jovem muito educada me capturou com seu doce laço: ‘Doe uma barra de chocolate pras crianças carentes?!’ Aquela menina era de uma organização não governamental que entregava chocolates a moleques ranhentos na Páscoa, que em breve chegaria. ‘Vocês vão doar chocolates pras crianças? Enlouqueceram? Depois vocês consertarão seus dentes?’, argumentei. Tolice dizer assim. Ganharia muito se mantivesse comigo o meu costumeiro e lúcido silêncio, pois aquela linda cachinhos dourados me fez ouvir uma insana e inútil explanação acerca de afetos, carências, humanidades… bobagens que havia um bom número de anos já não me diziam absolutamente nada.
Mas, de forma surpreendente, meu coração negro feito da pedra mais dura, do mais puro aço, atacado por aquela menina, sem meu domínio, amoleceu, tal como o mais ralo mingau, e lá estava eu segurando um pack de leite para dar de comer à minha osteopenia e uma barra de chocolate que doaria sei lá para quê criança, com quê carência, com quê humanidade… que certamente, de doce nunca seria, e cheia de cáries nos molares.
Olhava o meu pack de leite e pulava para a barra de chocolate em minhas mãos, e voltava a ouvir meu coração dizendo que se procurasse um pouco mais atenta, veria aquela maldita barra de chocolate sendo vendida por algum ambulante em uma rua movimentada do bairro gritando ‘Chocolate! Chocolate! Chocolate!’. E tudo dito a plenos pulmões por algum adulto que certamente também seria carente. Acendi as luzes da minha caverna mais escura e resgatei de lá a alma triste que talvez, penalizada de mim, ainda me habitasse, e aguentei firme: era um quase nada de chocolate, que diabos!, que ficasse mais doce a vida de alguém, criança ranhenta ou adulto carente de algum dinheiro, que fosse.
Bem à minha frente, uma senhora acompanhava atenta o meu desconsolo, e me sorria com dentes nervosos que pouco se comportavam em sua boca, pregados às suas gengivas pela frágil cola da nostalgia, sob lábios murchos tomados de um vivo batom.
Lembrei-me de quando era ainda uma garotinha e um medo insalubre me possuía: tinha pavor de que meus dentes não durassem muito tempo em minha boca. E tão grande era esse pavor, que quando via uma estrela cadente pensava mais fundo pedindo que eles permanecessem fiéis em seus lugares, brancos, firmes, perfeitos, e para sempre.
Olhava atenta aquela mulher e a via lutando com suas estrelas cadentes, que teriam um coração tão duro quanto o meu: havia uma batalha em sua boca, onde furiosos tártaros, naquele quase deserto, lutavam contra rebeldes que impunham resistências, quando permaneciam firmes em suas gengivas. Ela me sorria; era tão simpática!
Numa primeira linha de combate, uma baixa cerca de roça, só havia frágeis gravetos numa pegada luta, uma perdida rinha onde lutar era ceder, dia após dia, quando tártaros avançavam ganhando terreno, expulsando os poucos remanescentes, e entre os sobreviventes daquele insano combate, um solitário mourão dourado me deixava saber que um dia ali habitara um insurgente dentinho feito todo ele da branca porcelana.
― É a segunda vez que venho aqui, hoje ― ela me disse.
Olhei-a com displicência e sorri sem lhe mostrar meus dentes, como se os protegesse.
― Moro bem aqui em frente. É só atravessar a rua, passar por dentro do Metrô e chegar em casa. Tudo bem rápido. Lá dentro, no Metrô, quero dizer, tem escadas rolantes, o que me facilita bastante ― ela prosseguiu.
Os meninos e as meninas na fila ao lado se acotovelavam, diziam coisas, riam e eram ágeis nas respostas absolutas que davam. Sabiam tudo o que havia para saber, e o que assimilassem em seus anos futuros, seria apenas conhecimento, encalhe, tolice. A vida, aprendessem ou não, seria diferente de como a imaginavam. Era doce vê-los dominando tudo o que era preciso dominar; tão alegres.
A senhora à minha frente busca novamente a minha atenção:
― Tem um sinal aqui, antes do Metrô, e um outro, logo depois. É fácil chegar em casa.
― Ãhãm ― foi o que consegui articular, um pouco atordoada.
Eu a olhava e lá estavam todas as revelações, que naquela altura da minha vida, me bastavam para me pôr sob a linha baixa e confusa de pensamentos que me arruinavam: ela era uma mulher que passara dos oitenta, e eu já estava adiantada, no alto limiar dos setenta anos, e vê-la ali, tão próxima, tão desmantelada, me deixou desconfortada e pronta para fazer juramentos: jamais pintaria meus cabelos com aquele púrpura tão vivo, nunca usaria berloques que parecessem bolas de pingue-pongue, ou poria no rosto um par de óculos que me fizesse tal como um piloto da Primeira Guerra Mundial, embora me conquistassem suas unhas bem cortadas e polidas, perfeitamente esmaltadas por um branco perolado.
― Quando cheguei em casa com as compras, a minha empregada disse que eu tinha esquecido de comprar a água sanitária. Pense a senhora, pois foi justamente a água sanitária que eu esqueci.
― Ãhãm.
― Ah, mas moro bem aqui, logo em frente. Do outro lado do Metrô. É só atravessar a rua. Tem um sinal aqui e outro logo depois. Lá tem escadas rolantes, no Metrô, quero dizer, o que me facilita muito. É muito rápido chegar em casa.
Os meninos e as meninas não cessavam, eram elétricos, vorazes em tudo o que faziam, e pouco se importavam com a demora, com o tempo que passava. O tempo não havia, era uma abstração peculiarmente dolorosa criada por gente velha como eu, que dava ouvidos a ele. Aqueles jovens viviam cada dia como um grande momento que começava com a luz do sol e terminava com o cansaço do corpo que os derrubava em um sono de recuperação; apenas isto.
― Olha! Aquele homem bem ali, na nossa frente, o que está parado no caixa conversando com a atendente… parece que nunca vai sair de lá, e a fila não anda. Parece que ele está colado no chão.
― Ãhãm.
Em seus pés os dedos descansavam uns sobre os outros, dificultando a sua marcha sobre sandálias antigas. A roupa, que perdera o viço, displicente sobre o corpo torcido aqui e ali, deixava ver as alças descoradas do sutiã que usava. A tintura purpúrea dos cabelos dava lugar ao prata nas raízes que fartamente se mostravam, e sobre tudo um lindo diadema dourado com pedriscos coloridos, o lindo halo que a definia e louvava a dignidade dos seus muitos anos. Era linda, então, transformada diante dos meus olhos de perpétua desolação.
― Minha empregada não é daquelas de todos os dias, sabe… hoje ela está lá em casa e deu pela falta da água sanitária quando cheguei logo cedo com as compras.
― A água sanitária… enten ―
― Ela vai lá em casa aos sábados. Hoje é sábado, não é isso?
― Sim, hoje é sába ―
― Venho todos os sábados ao supermercado, logo pela manhã.
― Sim, imagino que venha. É uma boa hor ―
― Uma boa hora. Venho comprar o que falta pra ela fazer a limpeza.
― Sim, a sua empreg ―
― Tive de voltar aqui porque não tinha mais a água sanitária em casa, tudo acabado, imagine a senhora… e sem a água sanitária a minha empregada não pode fazer a limpeza como deve, a senhora compreende. Então voltei até aqui pra comprar a água sanitária que ficou faltando. Olhe aqui.
― A água sanitária que ficou faltando. Estou ven ―
― Estava completamente vazio da primeira vez que vim, mas olha como está agora… totalmente cheio.
― Bem cheio. Muito che ―
― Muito cheio… e ainda tem esse sol… e esse calor terrível…
― E quê sol está fazendo hoj ―
― Ainda bem que moro do outro lado da rua, e não me custa nada voltar até aqui pra comprar a água sanitária que ficou faltando. A senhora imagina que fui esquecer justo da água sanitária?
― Ah, mas isso acontece, não se preocupe. Qualquer um pode esquecer alguma coi ―
― Sempre esquecemos alguma coisa. Ainda bem que moro bem perto.
― Passando o Metrô, a senhora está em casa, eu enten ―
― É só atravessar a rua, passar por dentro do Metrô, atravessar a rua novamente e estou em casa. Tem dois sinais de trânsito, um de cada lado. Chego em casa sem qualquer problema. Atravesso a rua no sinal, passo por dentro do Metrô, ando nas escadas rolantes, que muito me facilita, e atravesso a outra rua, bem no sinal de trânsito.
― Compreendo. Do outro lado do Met ―
― Isso, do Metrô. Olha aquele homem, ele não anda e a fila não anda. Deve estar de caso com a moça do caixa, sim, é isso, essa gente… Isso aqui estava vazio, já agora… veja a senhora, completamente lotado.
― O supermercado, sei, está bem cheio agora. E antes não estav ―
― Quando vim aqui da primeira vez, comprei o que precisava, menos a água sanitária, que esqueci. Então voltei. Está tão quente, Jesus!, com esse sol logo tão cedo…
― É verdade, hoje faz muito calor, sem dúvi ―
― Minha empregada é muito boa, a senhora entende.
― Imagino que sim. Deve ser muito boa se está com a senhora há tantos an ―
― Muitos anos, é verdade. Hoje é sábado, não é isso?
― Sim, hoje é sába ―
― É verdade. Santo Deus, se ela está lá em casa é porque é sábado, que bobagem estou dizendo… Ela deu pela falta da água sanitária logo que cheguei, e tive de voltar. Vou levar também um refrigerante, aproveitar a oportunidade e levar comigo um refrigerante pra casa. Este sol… Meu Jesus!, que sol está fazendo…
― Um dia de calor como o de hoje, pede algo geladin ―
― Geladinho, isso. Onde moro faz muito calor… é aqui pertinho.
― Sei. Bem do outro lado do Met ―
― Sim. Minha empregada está comigo há muito tempo.
― Fiel, certamente. E aguarda que a senhora leve pra casa a água sanitá ―
― Ela está fazendo toda a limpeza lá em casa. Precisou da água sanitária e viu que eu tinha esquecido. Deus do céu!, então corri até aqui e aproveitei pra comprar também um refrigerante. Está fazendo tanto calor…
― Um refrigerante bem geladinho é uma boa escolha.
Os meninos, todos eles, foram atendidos, e, como se unidos por um único desejo, desapareceram no limiar da rua, deixando-nos possuídos pelo vazio incômodo do silêncio de suas vozes tão animadas.
― Olha aquele homem. A senhora vê? Ele está ali há tanto tempo… e a fila não anda.
― Olha, senhora, ele acabou de sair. Agora é a sua vez… ― disse a ela.
― Meu Jesus!, que azar o meu! Acho que me esqueci de alguma coisa, embora não saiba exatamente o quê, mas sei que esqueci, com certeza eu me esqueci de alguma coisa que agora não me dou conta. Talvez não seja apenas a água sanitária que esteja faltando lá em casa… A senhora pode ir na frente, por favor, que ainda vou dar uma olhadinha por aí e ver se lembro de algo mais que preciso e tenha esquecido.
― Está bem, obrigad ―
― Não devo me preocupar. A água sanitária eu já peguei… também o refrigerante, mas acho que ainda ficou faltando alguma coisa. O que eu poderia ter esquecido?
19. Água Sanitária (Jurapê Jordão)
O que eu poderia ter esquecido? Esqueceu, com certeza, alguma coisa…
Desconfortada naquele desencontro de gerações…
Muito bom, mesmo muito boa escrita.
Pontuação: 4,5
Então… em dias de quarentena como estamos esse super deveria ser multado. hehe
Gostei do texto, mas achei um pouco cansativo as linhas de dialogo, o ato de deixar o texto cômico e trazer a ideia de “esquecimento”, deixou o texto um pouco massante. Teria cortado ou substituído algumas linhas de dialogo como forma de deixar o texto mais dinâmico e fluido.
Mas divido a culpa, pois acabei pegando seu texto depois de outros seis que me faltavam, talvez isso tenha prejudicado minha paciência com a leitura. Vou levar isso em consideração.
De foram geral achei bem escrito, bem pontuado e sem erros aparentes gráficos.
Parabéns pelo conto, boa sorte.
19) Água sanitária
Duas senhoras conversam na fila do caixa de um supermercado. Uma delas já está confusa e esquecida. Repete as frases. Diz de novo tudo que já disse.
Análise: Excelente texto, bem escrito, prende a atenção do leitor. Uma narrativa fácil de entender, sem lacunas. Texto bem cadenciado, com diálogos possivelmente reais de acontecer um dia. Aborda muito bem o tema do desafio que é envelhecer.
O conto abre caracterizando bem a personagem, mas, depois, a impressão é que poderia ter economizado na abertura para que sobrasse uma conclusão mais satisfatória. Poderíamos saber da frieza da protagonista sem necessariamente lermos sobre sua reflexão quanto a chocolates e dentes. No campo da introspecção, acho que o que mais acrescentou foi a gradual assimilação que ela fez da senhora, pois o juízo de valor é claro e, também, o medo dela fica evidente, dado que ela encara a outra mulher como alguém que ela não quer se tornar, o paralelo com os jovens contribuindo para fortalecer esse temor.
O diálogo final, embora engraçado, encerra o conto de um modo inapropriado, nos deixando um pouco confusos. Não sabemos o que a personagem concluiu daquele encontro e as suas reflexões foram tudo que tivemos para acompanhar durante a leitura.
Olá, Jurapê.
Resumo da história: senhora está na fila do caixa do supermercado e observa os jovens no caixa ao lado e a senhora, bem mais velha, à frente. A senhora mais idiosa tem supostamente problemas de demência senil, pois repete a mesma ladainha inúmeras vezes: sobre a empregada, sobre onde mora, sobre a água sanitária e o calor. A primeira idosa, é paciente e responde às perguntas e reage às afrimações que a anciã não para de repetir. Ao final, a senhora mais idiosa sai da fila, incerta se havia esquecido de comprar algo além do refrigerante e da água sanitária.
É um conto muito bom, pois consegue em poucas linhas desenhar bem as personagens e esmiuçar a alma da personagem mais idosa. Os diálogos ficaram bem naturais e a escrita foi limpa e sem erros aparentes.
Boa sorte no desafio!
Resumo — Mulher, recém-idosa, observa as diferenças de gerações em fila de supermercado. Enquanto jovens tagarelam animadamente, ela confabula com uma idosa com mais de 80.
Técnica — Apuradíssima! Um estiloso humor melancólico permeia a narrativa, belamente decorado com diálogos propositadamente intensos, repetitivos e medíocres.
Trama — Tenho o hábito de dar a nota no decorrer do conto. Às vezes começa com 5 e termina com 1. Aqui foi ao contrário. O primeiro parágrafo não me abraçou, então começou com nota 1 graças ao bom título. Depois foi crescendo com a angustia daquela vida carente, solitária, limitada sem que o(a) autor(a) precisasse usar desses adjetivos obsoletos. Foi ganhando corpo, 2, 3, 4 e voilà! 5
Impacto — “Bem à minha frente, uma senhora acompanhava atenta o meu desconsolo, e me sorria com dentes nervosos que pouco se comportavam em sua boca, pregados às suas gengivas pela frágil cola da nostalgia, sob lábios murchos tomados de um vivo batom.” Uma cena digna dos grandes cronistas do cotidiano.
Resumo: Num dia quente, uma senhora vai ao mercado e precisa aturar uma velhinha que está na sua frente na fila e jovens que estão ao seu lado, numa outra fila.
Olá, Jurapê.
Que conto sensacional, hahahaha! Nossa, divertido, bem escrito, narrativa gostosa mesmo, daquela que flui naturalmente. É uma história do cotidiano, mas com boas doses de ironia e deboche. A protagonista, dominada pelo mau humor da idade, descrente de tudo, vê-se diante uma senhora perdidinha e amigável até demais, ao mesmo tempo que observa os jovens, invejando-os, de certa forma.
As cenas finais, todo aquele diálogo, ao invés de cansar, como poderia ocorrer, fortaleceu algumas questões da velhice, como a repetição, a falta de senso, ao mesmo tempo que reforça a personagem, sendo uma pessoa egoísta que sabe falar somente de si, enquanto a protagonista tentar ser, pelo menos, simpática. O tema não está somente nisso, mas também nas reflexões levantadas no decorrer do conto, tendo bastante relação com a sociedade atual.
Adorei o contraste criado entre os jovens e os velhos. Gostei bastante do conto, sim.
Resumo: Na fila do supermercado a protagonista encontra uma senhora já caduca pela idade. Essa senhora começa a contar as mesmas coisas, de forma repetitiva e, a todo instantes, interrompendo o interlocutor.
Comentário: Conto muito bem escrito e relata de forma bastante ágil, agradável e com uma certa dose de humor, a situação de uma velha já caduncando.
RESUMO:
Senhora, com cerca de 70 anos, enfrenta a longa fila de idosos em um supermercado em pleno sábado. Carrega um pack de leite e um tablete de chocolate. A sua frente, está outra senhora, um pouco mais idosa do que ela, simpática e sorridente. Tem a aparência descuidada e a visão de seus dentes é perturbadora. Ela conta que é a segunda vez que vai ao supermercado aquele dia. Diz que mora bem perto, logo em frente, do outro lado do Metrô. Só precisa atravessar a rua. Voltou ao supermercado porque esqueceu de comprar água sanitária que a diarista precisava para a limpeza.Diz que a faxineira vem aos sábados para fazer a limpeza, e precisa da água sanitária. Volta ao mesmo assunto várias vezes e interrompe a fala da outra senhora que não consegue terminar uma frase sequer. Fica em um loop infinito da conversa, até que chega a vez da octogenária, mas ela cede o seu lugar, dizendo que já tem a água sanitária e também o refrigerante, mas acha que ainda ficou faltando alguma coisa.
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F Falhas de revisão Esta é a parte que menos importa na minha avaliação. Só para constar mesmo. >sei lá para quê criança, com quê carência, com quê humanidade > sem acento no QUE
I Impacto do título título simples, que não entrega a natureza da trama, apenas é coerente com o enredo desenvolvido, pois se trata de um item corriqueiro do dia a dia.
C Conteúdo da história Narrativa bem elaborada sobre algo comum no dia a dia dos mais velhos, as suas dificuldades cotidianas. Além de mostrar como a senhora se compara à outra idosa, discriminando a sua decadência como mais avançada, e sem querer aceitá-la para si mesma. O corte de palavras na fala da interlocutora dá bem a ideia da interrupção, como se a velhinha só ouvisse a si mesma e repetisse o que já ia se esquecendo mais uma vez. Também há o contraste da fila de idosos com o amontoado de jovens que circulam pelo supermercado. A leitura flui fácil, agilizada pelo diálogo, mesmo que repetitivo. O tom da narrativa é bastante leve e bem humorado. Caracterização da personagem entre divertida e assustadora, mas sem dúvida bem detalhada e quase poética.
A Adequação ao tema Perfeita adequação ao tema proposto.
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E Erros de continuação Não encontrei falhas de continuação ou coerência. Tudo muito bem sincronizado com o loop pretendido.
M Marcas deixadas Um sorriso esperançoso – que a velhinha possa se lembrar do que veio comprar e volte em segurança para casa. Também fica a impressão de que o(a) autor (a) seja alguém bem preocupado com dentes e saúde bucal. 🙂
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C Conclusão da trama “O que eu poderia ter esquecido?” Revela que a espera na fila foi em vão, só mesmo uma desculpa para conversar com alguém entre um esquecimento ou outro.
A Aspectos quanto à originalidade do conto O recurso de fragmentar frases e palavras para demonstrar a interrupção contínua foi bem eficiente.
S Sugestões Nada a sugerir, talvez só não ficar tao focado nos dentes da velhinha.
A Avaliação final Bom conto, pois apesar do assunto não ser nada engraçado, o autor soube trazer um tom leve e quase cômico ao tratar das mazelas da velhice.
Resumo: Reflexões e conversa entre duas mulheres na fila do supermercado.
Desenvolvimento do Enredo: Outro conto com jeitão de crônica. Ou realmente é uma crônica, afinal a linha é muito tênue. Já faz alguns dias que tentei começar a ler e comentar e esse foi o primeiro que peguei para essa tarefa, na época. E a minha primeira leitura dele foi bem impaciente, a narrativa não estava conseguindo me prender. Mas hoje, dias depois, consegui ler em um ritmo bom, atenta às cenas descritas do cotidiano e as reflexões sobre a vida dela e sobre as coisas que a incomodam. O tema do desafio explorado de forma bem segura.
Composição das personagens: Bem pensadas, provavelmente inspiradas em duas senhoras que o autor/a autora conhece ou viu por aí. As duas são bem reais, eu me peguei imaginando-as com base em suas descrições. E comparando as duas com a minha falecida avó, deu saudade, rs. Achei a narradora bem autêntica em seu pensamento.
Parágrafo inicial: Está ok. Da primeira vez que tentei ler, como disse, foi complicado, mas não senti essa dificuldade na segunda tentativa, dias depois. Achei que o começo cria uma boa expectativa no leitor em meio à turbulência de um supermercado.
Finalização: Gostei, embora não exista nada que produza um efeito de estranhamento, ou de sair da zona de conforto, como o conto se propõe a ser uma crônica não destoa muito e creio que a intenção foi manter o humor leve da senhorinha tão esquecida com as coisas dela.
Leio este conto com interesse redobrado, agora que me indicaram a sua autoria no famoso momento de chutar autorias. Este conto é uma viagem a uma velhice lúcida, feito de uma forma lúcida, numa banal fila de supermercado. Esta situação banal é bem explorada pelo autor ou autora, resultando quando num romance policial. As personagens são bem desenvolvidas, a linguagem é fluída. O conto prende o leitor pelas sucessivas tramas, como se de um filme se tratasse. Nele, os temas da desigualdade social, a miséria e a solidão estão bem patentes. Creio apenas que a gramática poderia ser mais polida.
Olá, Autor(a),
Tudo bem?
Resumo: Em um recorte simples do cotidiano, uma ida ao mercado, o retrato dos “sintomas da idade”.
Com cara de crônica, o conto mostra toda a expertise do(a) autor(a) ao construir uma narrativa que traz humor, ironia, simples constatações cotidianas, e, acima de tudo, nas entrelinhas, consegue dar ao(à) leitor(a) as armas para a completa percepção, não só do cenário do supermercado e seus personagens coadjuvantes, ou mesmo dos ocultos, como também, de tudo o que realmente ocorre na vida do protagonista, com seus lapsos de memória e os desgastes típicos do envelhecimento, somados à perplexidade e até teimosia de quem chega a uma certa idade e custa a perceber que as coisas já não podem ser como costumavam. É o perfeito “mostre, não conte”.
É interessante notar os diálogos, construídos de modo natural, com direito à gagues, como a da senhora que não completa o final das palavras. Conheço velhinhos assim, foi o que pensei, e, creio, o que muitos pensaram igualmente, ao ler o conto. Aqui, a empatia é certeira, quem não tem um avô, conhecido, ou mesmo, custa a admitir, aos poucos se torna, também, este personagem?
Parabéns por seu trabalho.
Beijos
Paula Giannini
Oiiiii. Um conto sobre uma idosa e sua espera sem fim na fila de supermercado. Durante essa espera uma outra idosa puxa assunto com ela e fala várias vezes sobre a sua casa que fica perto do metrô, sobre como ter escadas rolantes facilita passar por dentro do metrô , sobre a empregada que vem aos sábados e principalmente sobre a água sanitária que esqueceu. No fim apesar do tempo na fila somente quando chega a sua vez ela começa a se questionar se esqueceu algo e se pergunta o que pode ser. Achei um texto bem divertido e nos faz lembrar daquelas vezes que todas as filas do supermercado parecem andar menos a nossa. E gostei da interação entre as idosas, pois mesmo com a resistência inicial mais para o fim a idosa inicial particiava da conversa e não dizia mais apenas aham. Participava na medida do possível, pois a que começou a conversa a cortava de tanto falar. Parabéns pelo conto e boa sorte no desafio.
Resumo: Senhora num supermercado é abordada por uma jovem que distribui chocolates para crianças carentes, e que passa a questionar se não está incentivando a careação precoce nessas crianças? Em seguida uma idosa, aparentemente senil, passa a dialogar com ela sobre o porquê de ter voltado ao supermercado. Motivo: ao chegar em casa a empregada disse-lhe que havia esquecido de comprar a água sanitária, mas ainda bem que o trajeto era fácil, pois bastava passar pela passagem do metrô que estaria em casa. E repente essa história exaustivamente.
Gramática: Linguagem correta, exceção as palavras cortadas a partir de certo ponto da narrativa, que não entendi muito o porquê. No mais sem erros aparente.
Avaliação: Um conto bem interessante visto pela forma da construção do texto. Onde dois enfoques são colocados dentro da mesma temática. Os diálogos na fila do supermercado e a analogia com os dentes e sua deterioração. Entretanto, uma certa linguagem rebuscada, e ou, empolada, para descrever a dentição de algumas sentenças, pois é um texto pequeno demais para explorar certos estilos. E, também, uma grande repetição das sentenças nos últimos parágrafos. Entendi a intenção de demonstrar o grau de senilidade da personagem, mas esse tipo de linguagem pode soar mais cansativo do que interessante. Poderia ter sido usado com moderação, que não haveria nenhuma perda narrativa e o texto ficaria mais fluido. Mas que não perde de todo a qualidade do trabalho.
Toda a ação se passa numa fila de supermercado, primeiro a personagem/narradora observa a agitação dos jovens ao redor e em seguida entabula um diálogo (?) com uma vizinha de fila. Uma senhora mais velha que a narradora e que parece uma “matraca”.
Considerações :
O conto e construído pelo diálogo, quase monólogo que a narradora assiste, de uma senhora que puxa conversa. A proposta parece ser a constatação de passado e futuro, ambos na mesma fila; de um lado os jovens com suas conversas e um alvoroço natural e barulhento e de outro a senhora de noventa anos com seu discurso inseguro e repetitivo. Gostei muito. Parabéns e boa sorte
Ei, Jurapê Jordão, pois é, você me traz a cena de um supermercado em um sábado. As idosas que se encontram, a juventude que barulha em volta, num contraponto que funcionou entre o velho e o novo. A pouca paciência de uma em relação à jovem que pede um chocolate para as crianças carentes e a imensa paciência com a senhora mais velha, já com problemas de memória e de dentes falsos à sua frente na fila. E eis que ela lhe repete dez vezes o onde mora, o que veio fazer e o que leva para casa… Sabe, Jurapê, seu conto me trouxe encanto nessa manhã. Observar o diálogo (muito bem construído) das duas senhoras velhas me trouxe sorriso e até uma certa emoção. Um conto bonito, gostoso de ler, leve e com uma temática de fundo bem profunda: o desmemoriar e a solidão da velhice. Parabéns, gostei muito. Meu abraço.
Olá Jurapê Jordão.
Um encontro na fila do supermercado, marcado pela presença de jovens barulhentos e uma velha senhora que esqueceu a compra da água sanitária.
A análise dos dentes e ser contra a entrega da barra de chocolates devido a não estragar os molares e companhia, percebendo a dentadura nela e seu esforço em mantê-la na boca.
Deveria parecer, também, engraçado, o repetir da velha senhora de oitenta e tantos anos e a narradora, na velhice do desencontro, ou seja, estou velha, mas ela está pior do que eu.
A repetição da fala referente ao esquecimento deveria ser menor, até cinco vezes seria o ideal, mas se prolongou e de um sorriso virou uma quase carranca, porque não deu um final diferente e/ou inusitado, que seria o esperado.
Boa sorte no desafio.
O conto contextualiza-se na fila de espera de um supermercado. Inicialmente a narradora partilha com o leitor as considerações que elementos exteriores lhe provocam: a divagação sobre os resultados de comprar um chocolate para uma campanha de caridade, por exemplo, ou os seus receios de como ficará visualmente com o passar da idade, já então avançada. Quando a senhora, ainda mais velha, à sua frente na fila inicia conversa, a narrativa altera tanto de foco quanto de formato. O discurso indirecto dá lugar ao directo, e os “holofotes” desviam-se para a personagem mais velha, cujas constantes repetições, partilha de informações pessoais, interrupções contínuas (e aparentemente nem percebidas pela própria), e perdas de memória indicam dificuldades mentais advindas da idade. A construção de ambas as personagens é maioritariamente realizada de modo indirecto, e nesse quesito foi bem conseguida. O diálogo, no entanto, tornou-se moroso – se a intenção era a de fazer sentir ao leitor um possível enfado sentido pela narradora, foi conseguido, mas como consequência levou também a um enfado com a leitura, devido às constantes repetições.
Já referi ter-se realizado uma alteração ao foco e formato narrativos aquando o início do diálogo: tal é uma clara linha divisória no conto que beneficiaria de uma menor brusquidão, ou seja, o pacing narrativo poderia ser melhor desenvolvido. No entanto, não é algo que afecte muito negativamente a leitura.
Idosa vai ao supermercado, é abordada por jovem que pede chocolates para distribuir para crianças carentes. Divaga sobre a vida, ali na fila preferencial do caixa, quando outra senhora, mais velha do que ela, puxa conversa enfadonha e repetitiva, mas divertida pela técnica narrativa. Vale a pena destacar a construção da cena final.
E, velhos são assim mesmo: carentes de conversa, fixam em um assunto e são repetitivos, além de esquecidos. Os diálogos e situações criadas são críveis, verossímeis.
O conto traz, praticamente um momento, mas a sua execução está leve, bem-humorada.
Parabéns pelo trabalho e boa sorte. Abraço!
perfeito!