O telefone tocou: “deve ser ela”, pensou Joaquim, este pensamento já se tornara automático para ele, nunca era ela. As coisas tinham se tornado tão complicadas para ele que ele já havia desistido em tentar compreender. Pelo menos uma coisa tinha mudado em sua psique, todos os dias pareciam ser diferentes, o que lhe dava a impressão de aventura, ele vivia de um modo em que transformava seus pequenos atos diários em uma tarefa complicada e que exigia pericia e esmero de sua parte. Tarefas como fazer o café por exemplo ou varrer a casa, pensava detalhadamente em cada ação necessária para executa-las. Quanto a ela? Bem, povoava sua mente, ele não sabia, mas ela sentia o mesmo, ela também não sabia, achava que só sentia carinho e amizade, mas era amor. O telefone? Era do trabalho, o gerente informando que ele não precisava ir trabalhar no dia seguinte, pois a matriz da empresa havia decidido fazer de ultima hora uma inspeção em seu setor, ele ficou indiferente quanto a notícia, depois desligou o telefone e pensou: “ainda bem.”. Desde que acontecera a desilusão amorosa ele se tornara indiferente à tudo, parecia que o mundo, a vida, as outras pessoas o haviam deixado de lado, como um brinquedo de uma criança que crescera e deixasse de achar graça nele, mas esta impressão era só sua, as pessoas se importavam com ele em vários níveis, mas simplesmente não parecia. Ligou a TV e pensou: “preciso de uma paixão.”, não era uma paixão carnal à qual ele se referia, sim um hobby, um lazer ou uma tarefa a qual sentisse real prazer em executar. Não conseguiu pensar em nada. “Não tá passando nada que preste.”, pensou depois de ter olhado a programação dos canais que costumava assistir. Desligou. Pensou em ligar pra ela. Não ligou. Sentiu fome, resolveu pedir uma comida por telefone, foi olhar e escolher entre os imãs de geladeira o que pediria, quando o telefone tocou, não era ela. “Pelo menos não vou trabalhar amanhã… Vou ler um pouco, depois eu peço algo para comer…”, Estava lendo O Ser e O Nada de Sartre, leu dois capítulos, lhe cansou, mas lhe chamou a atenção a imagem que Sartre usara para explicar o poder que a angustia tem em nossas ações: “primeiro vem o medo, depois a angustia nos liberta…”, já ia anoitecer, os últimos cantos dos pássaros entravam pela janela de seu quarto, lamentou um pouco não ter ouvido mais… “Me falta alguma coisa, alguma coisa… Falta a todos… Essa sensação de separação… É como se as pessoas tentassem entender uns aos outros… Não, não… Não sei… Parece isso mesmo, existe um sentimento de falta em mim, já me senti completo, mas hoje parece que me falta um pedaço… Essa sensação é tão forte que é como se me faltasse um braço ou uma perna…”. O telefone tocou, foi atender, no caminho parou de tocar, voltou ao quarto. “… Quanto mais eu tento entender mais me dói…”, cansou de si mesmo, queria silenciar-se, sua mente se tornou confusa, um pensamento lhe sobreveio: “Mas parece que as pessoas todas, pelo menos já pareceu… Estavam todas unidas… de repente tudo ficou confuso, e depois tudo virou uma grande merda… Que bosta…”. Queria dormir, resolveu beber. Foi à cozinha pegou dois pães colocou manteiga e comeu, em pé mesmo. Abriu a geladeira tinha uma garrafa de vinho, já quase pela metade, pegou-a e depois um copo, encheu-o e tomou um pequeno gole. Resolveu beber na poltrona do quarto, pareceu-lhe que lá sentiria menos solidão e foi. Bebendo, pensando, e tentando silenciar a mente, estava : “… Queria que faltasse energia, não sei por quê…”. O vinho barato lhe subia à mente, a garrafa já iria acabar, mas tinha mais bebida na casa: “ainda bem…”, pensou. Encheu o copo, tomou um gole, recostou na poltrona e sorriu de desespero. Esvaziou o copo, havia dois dedos de vinho ainda na garrafa, encheu o copo, o ficou olhando: “… Pelo menos eu existo… O que me prende a essa cidade? poderia ir pra algum outro lugar… Qualquer lugar… Acho que vou chamar uma prostituta…”, mas essa ideia nem se quer o animou o mínimo que fosse: “… Porra nenhuma, quanto mais eu faço essas coisas mais só me sinto…”, o outro dia se aproximava à passos curtos, os quais ele tentava apressar embriagando-se, agora tinha uma garrafa de vodca à sua frente de repente fechou os olhos , e estranho, lhe vieram imagens à mente, ele se via, a si próprio no mesmo quarto e poltrona em que estava, mas só havia a luz de uma vela à iluminar o quarto, era noite, mas havia canto de pássaros: “…estranho…”, pensou seu ser “desperto”, de repente vagalumes que faziam barulhos como que de grilos estavam no quarto, entraram todos e depois eles foram aos poucos se apagando, faziam sombra na parede, porém ele não as havia notado ainda, e na medida em que iam se apagando, ou melhor; elas se transformavam em esquisitas formas, estas foram ficando cada vez mais precisas, formas de coisas: um homem, um gato, madeiras e fogo, um lobo… todas essas coisas se misturaram em dado momento e houve uma explosão, dessa vez, não vagalumes, mas grilos que pareciam-lhe brilhar apareceram à sua frente, houve como que uma explosão, depois silêncio. na parede uma sombra, que para ele era amorfa apareceu… A sombra que havia restado fez uma espiral a caminho do centro e virou um gato cinza, que o olhava com o olhar de aprovação e estima, depois o olhou e parecia que seu olhar dizia: “é isto mesmo, você está certo, por que pensa estar errado?”… O telefone tocou ele foi despertando aos poucos de seu transe, pensou: “que porra foi essa?”, foi atender:
-Alô. – disse.
– Alô, Joaquim? – Ele precisava ter certeza.
– Sônia?
– Sim, sou eu.
O ocorrido há pouco em seu quarto lhe veio a mente… Ele falou:
– Eu te amo.
– … – lagrimas correram de ambos os lados da linha.
– Alô?! – chamou: “acho que…”, mas foi interrompido:
– Eu também te amo. – falou, agora sorrindo.
– Como amigo? – ficou carrancudo, esperando o pior:
– Não.
E essa história não tem fim pelo menos até onde pode ser contada.
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