Não considere este pedaço de papel estúpido. Não o considere. É só mais um trecho de rabiscos desesperados, palavras de alguém no limite da sanidade, sabe? Sa-ni-da-de. Aquela linha que separa a realidade da esperança.
Deste emaranhado de coisas você pode considerar, vejamos, a loucura. Sim, considere a loucura, porque a razão escorreu como areia entre meus dedos e nada mais faz sentido. Não consigo parar de escrever tudo o que as malditas vozes da minha consciência berram e é provável que isso só acabe quando eu não tiver mais forças, quando eu finalmente morrer sem entender merda alguma do que aconteceu.
Acho que meu objetivo é deixar um testemunho. Mas nada de religioso, não senhor. Nada de religioso, mesmo. Essa palavra — testemunho — faz a pessoa pensar que você está se confessando para um padre ou algo assim, mas não, muito pelo contrário. Eu preciso deixar uma prova, um indício da minha existência porque quero que alguém, em algum lugar, um dia saiba sobre o que aconteceu, antes que eu enlouquecesse.
Quem sabe esse alguém possa encontrar uma explicação, mesmo que eu não possa mais ser salvo. Acho que é para isso que o papel e o lápis estavam aqui desde o início, afinal. Não me lembro de onde eles saíram, para ser sincero. Mas, sim… lembro onde tudo começou.
Era uma sexta-feira, quente, me lembro bem. Só não sei dizer ao certo a quanto tempo atrás. Eu me preparava para aliviar as tensões residentes da minha alma, naquele momento único em que só o álcool pode te fazer esquecer o peso de oito horas ininterruptas de trabalho.
Antes de partir para meu ritual, eu sempre passava alguns minutos procurando descontos em compras online. Na seção de ofertas especiais sempre havia algo aproveitável entre câmeras digitais chinesas, jogos de toalha de qualidade duvidosa e carabinas com três milímetros e meio de calibre.
Toda vez que me distraia com esse hobby, desconsiderava mecanicamente os inúmeros anúncios surgiam na tela, mas dessa vez o link para um chat de amizade chamou minha atenção. Confesso que nunca fui muito chegado a essas coisas, sempre acreditei que uma velha conversa olho no olho valia muito mais do que qualquer outra coisa. Mas, lá estava eu, separado por quilômetros daqueles fios, ondas e seja lá o que as pessoas usem para se comunicar sem contato algum umas com as outras. Colocado a apenas um clique de iniciar uma das coisas mais fúteis criadas pelo homem. Sinceramente, não sei o que me motivou a entrar naquele chat, talvez curiosidade, talvez algum tipo de desejo reprimido. Admito que pensei, por um momento, em fechar tudo aquilo e sair o mais rápido possível, mas já era tarde demais e acabei fazendo o cadastro.
Solicitaram um apelido (nick name) e fiquei por algum tempo pensando em um nome. Engraçado como somos capazes de dar importância a coisas tão insignificantes; minha preocupação em encontrar um apelido que fosse principalmente discreto, mas que também despertasse o interesse das mulheres daquele chat — se é que havia alguma ali — me faziam realmente acreditar que a simples escolha de um nome seria o milagroso passaporte para meu sucesso.
Era como se o fato de você se chamar Big Daddy fornecesse um aumento instantâneo de, pelo menos, quinze centímetros no seu pau, além de uma disposição selvagem para três horas ininterruptas de sexo brutal.
Como deve acontecer na maioria dos casos, obviamente escolhi o nome mais idiota possível: Gato Solitário.
Acompanhado de meu epíteto ridículo, fui para a seleção de salas. Pensei novamente em fechar aquela porcaria e seguir meu rumo, afinal de contas com esse apelido — que além de escroto, trazia uma conotação de procedência bastante duvidosa — minha expectativa de conseguir, no mínimo, conversar com alguém do sexo oposto era extremamente remota. Pensei nisso por alguns segundos, e cliquei em uma das salas em destaque: “Fantasias Sexuais”.
A frase “Você tem mais de dezoito anos?” saltou na tela do computador. Qual o tipo de ser humano que entra em um chat de bate papo carregando um nome estúpido como esse — e ainda pior, em uma sala chamada “Fantasias Sexuais” — iria dizer que não? Aquela foi simplesmente a pergunta mais estapafúrdia que já ouvi (vi) na vida.
Desconsiderando toda a minha dignidade, cliquei que sim e me vi envolto naquele nada admirável mundo novo. Inúmeras pessoas que nunca se viram nem nunca se encontrarão na vida, ali, disponíveis para quem quisesse tentar preencher o vazio de suas vidas inúteis com conversas superficiais. Sem contar, é claro, com a possível porcentagem de malucos, tarados e maníacos psico-sexo-patas atrás de um lanchinho de fim de noite.
Naveguei um tempo pelas águas turvas da sala de olho em um possível alvo, mas os nomes que surgiam não eram muito atraentes: Princesa Indomável, She-ra, Casada Delícia e Casal Curioso não me pareciam pessoas, digamos, confiáveis para iniciar uma conversa. Até que um nome me chamou atenção, o único comum daquele circo de horrores: Mônica R.
Sem perder tempo, chamei-a no reservado enquanto “Neila Safada dizia para Todos: Estou ao vivo só de calcinha para você: www.novinhanacam.com.”.
Na mesma hora ela aceitou.
“Para Mônica R.: Olá” — escrevi.
“Para Gato Solitário: Olá” — ela respondeu.
“Para Mônica R.: Desculpa te chamar no reservado assim, do nada. É que você é a única aqui na sala que tem o nome normal.”
“Para Gato Solitário: Não há necessidade de desculpas. Eu esperava por você.”
Quando eu li aquilo uma semente da dúvida brotou em minha cabeça. O que ela quis dizer com “eu esperava por você”? Talvez quisesse dizer que esperava alguém como eu, sei lá.
“Para Gato Solitário: Eu quero você”.
Quando essa frase saltou na tela e eu me endireitei na cadeira. “Assim tão fácil?”, pensei. Não era possível, só podia ser alguma brincadeira de mau gosto. “É um homem, com certeza. Algum maldito se passando por mulher para fazer os outros de idiota.”, já me arrependia amargamente de ter entrado naquele antro de estupidez. Era uma loucura, no que eu estava pensando?
Me preparei para fechar a janela do site e me ver livre daquele interlocutor nojento quando o telefone tocou.
— Alô? Muller? — A voz que falou me pareceu familiar, mas não quis me esforçar para lembrar.
— Quem é? — Respondi.
— Muller? É o Douglas. Se esqueceu dos amigos, vagabundo?
Douglas era um conhecido dos bares da vida. Dessas pessoas que você nunca vê, que mais desgosta do que gosta, mas que sempre aparecem nos momentos oportunos, talvez por uma brincadeira de mal gosto do destino.
Ele sempre me convidava para ir a uma ou outra festa quando nada mais de interessante havia para fazer. O cara devia ter uma câmera instalada no meu apartamento para me vigiar dia e noite e perceber quando eu estava entediado. Só para me ligar e oferecer um escape para meu maldito dia. Esse, era um desses momentos.
Acho que dá para perceber que, para mim, sair com ele não era o melhor dos mundos, mas topei ir. Não dava para ficar em casa depois daquele papelão no chat e, apesar de Douglas ser um cara desprezível, nojento e com uma prepotência que me dava estalos de raiva, o desgraçado tinha contato com as melhores mulheres que você podia imaginar.
— E aê, — disse desligando a tela do computador, — o que manda?
— Bora para uma festa lá na zona oeste? Umas amigas minhas convidaram, vai ter um pessoal da universidade lá, talvez umas gurias novatas e, eu sei que você curte uma caloura — ele riu com gosto do outro lado.
— A que horas? — Respondi com os dentes rangendo.
Meia hora depois ele passou para me pegar e em quarenta minutos estávamos na frente da festa. Uma vez dentro da casa, paramos em um canto qualquer para beber algo e avistei uma garota parada na sala ao lado da que estávamos. Ela estava em pé, sozinha, próxima a um grupo que conversava animadamente. Segurava um copo com alguma coisa na mão: cerveja, ou talvez um refrigerante. Era ruiva, baixa estatura, de pele branca e com a face rosada em volta das poucas sardas que tinha no rosto. Um padrão de beleza provavelmente bem comum em países do norte da Europa, ou seja, aqui nesse fim de mundo ela era uma deusa caída na terra. Fato é que ela me chamou minha atenção. Chamou muito a minha atenção.
Fiquei espantado por nenhum dos “urubus” daquela festa de merda estarem a sobrevoando como um banquete posto a mesa. Sério, ela brilhava como uma lâmpada mágica no deserto. Achei realmente muito estranho ninguém se aproximar, mas tentei pensar positivo, as vezes o tesouro estava destinado somente a mim.
Virei para meu agradável companheiro de noitada. Ele estava de costas para mim, conversando com as três amigas de que falara. Cheguei próximo a ele e perguntei.
— Ei, Douglas. Você sabe quem é aquela?
— Quem? — Ele virou de lado, mas não tirou as garotas de vista, talvez para não perdê-las no embate com outros idiotas que rondavam por ali.
— No canto daquela sala — dei uma jogada rápida de olhar, com receio que percebesse minha intenção, não queria me precipitar nem parecer um estúpido, como todos os caras dali. — Está vendo?
— Não estou vendo nada. Sei lá — ele se virou novamente. — Vem aqui, essa é a Sara, ela faz Direito na Federal. Eu sei que você estuda essas coisas a muito tempo, certo? Tenho certeza que pode ajudar em alguma coisa, caso ela precise.
Douglas deu um sorriso para a menina loira que estava na frente dele. Ela me olhava de baixo para cima, tinha um rosto bonito e usava um vestido apertado que marcava seu corpo de um jeito bem interessante, mas não havia o que fazer, meu objetivo já estava traçado. Olhei para ela, dei um “oi” sorrindo, pedi licença e me voltei para Douglas, puxando ele de canto.
— Como você não está vendo aquilo? Olha de novo. É a coisa mais linda que eu já vi — tentei mostrá-la novamente, mas o infeliz não tirava os olhos das outras três.
— Porra, Muller — ele puxou meu braço, virando de costas para elas, e falou perto do meu ouvido — se ela está sozinha, então vai lá. Mas se chegar alguém você desconversa e sai fora. Eu estou te dando o jantar de bandeja, mas se você quer se estrepar, problema seu. Eu vou ficar aqui. Só não vai me arrumar confusão e, se arrumar, eu nem te conheço, está me entendendo?
Olhei bem nos olhos daquele idiota. Meu desejo era o de simplesmente matá-lo, mas ele me soltou e voltou a se entreter com as vadias. Eu, por minha vez, resolvi dar de ombros e virei para a menina, que cada vez despertava mais minha curiosidade.
Era incrível como ninguém prestava atenção nela. Mais incrível ainda era que ela também parecia não se importar muito com isso. Olhava para quem passava com um ar bastante neutro e as pessoas sequer notavam sua presença.
Comecei a me perguntar se existia uma explicação lógica para aquilo: e se ela fosse uma doida de pedra e ninguém tivesse coragem de chegar perto? Uma psicopata louca ou uma esquizofrênica xarope com tendências homicidas? E se nós fôssemos transar e ela arrancasse meu pau fora no dente? Esse tipo de gente é capaz dessas coisas. Talvez fosse parente de alguém. Do dono da casa, quem sabe? Namorada? Não, impossível. Irmã? Essa última possibilidade me soou mais agradável e fiquei com ela. O risco, nesse caso, era menor. A não ser que a família tivesse algum distúrbio sociopático incestuoso.
Imaginar tudo isso me deixou com mais vontade de realmente conhecê-la. Esperei um pouco para ver se realmente ninguém parava por ali e parti em sua direção. Peguei uma bebida no meio do caminho, para não chegar de mãos vazias, e fui me aproximando, pedindo licença a algumas pessoas que conversavam no meio do corredor. Cheguei ao seu lado e ela me olhou — um olhar completamente diferente do que lançava às outras pessoas, devo admitir — no exato momento em que “Walk Out in The Rain“ crescia nos alto-falantes do rádio e a festa inteira começava a se mexer no ritmo da guitarra de Clapton, levantando os copos para o ar.
“Just walk out in the rain,
Walk out with your dreams,
Walk out of my life if you don’t feel right.
And catch the next train,
Oh, darling, walk out in the rain.”
— Oi, desculpa te incomodar, mas percebi que você está aí parada faz muito tempo e não conversou com ninguém — falei, próximo ao seu ouvido. — Entrou na festa errada ou suas amigas te arrastaram para esse lixo e te deixaram sozinha?
Ela ficou alguns segundos sem dizer nada, apenas me observando. Então, pousou a mão em meu tórax e se aproximou tanto que seus lábios tocaram o lóbulo de minha orelha.
— Eu vivo aqui — ela respondeu.
Senti um choque de prazer estalando nos meus tímpanos e percorrendo toda a minha espinha. As ideias na minha cabeça começaram a se debater como estilhaços suspensos num redemoinho. Ainda assim, consegui organizar as palavras para responder alguma coisa que parecesse lógica.
— Não entendi — eu disse.
Parei por um instante. Num esforço sobre-humano para manter a calma, fui colocando as coisas da minha mente em seu devido lugar e, então, cheguei à infeliz conclusão que não esperava chegar.
— Você… vive aqui? Mora aqui?
Ela fez um sinal com a cabeça e abriu um sorriso. Sorriu de uma forma estranha, um pouco desconcertada, como se eu acabasse de acusa-la, sem querer, de que havia comido todo o pote de sorvete comprado por mamãe para dar as visitas.
Comecei a entender o motivo pelo qual ninguém chegava perto daquela garota. Ela não parecia estar em seu estado normal. Olhava para mim como se estivesse em um sonho profundo. Como se meus olhos fossem um buraco negro onde não houvesse como enxergar o fundo. Para piorar, esse torpor era contagioso. Quanto mais eu permanecia ali, ao lado dela, mais a realidade parecia se perder. Ela era perfeita. Ela era como um sonho.
— Prazer, meu nome é Muller — falei e estendi a mão. — Como você se chama?
— Mônica.
Percebi que seu sorriso tomou um tom diferente do anterior, desajeitado e amistoso. Havia muita coisa naquele sorriso, percebi na hora, e muitas delas me diziam que eu iria me dar muito bem naquela noite. Estando perto dela, comecei a prestar mais atenção aos seus detalhes e fui me surpreendendo cada vez mais.
Ela estava usando um vestido de seda vermelho acima do joelho e mostrava uma tatuagem que subia desde o começo da coxa até onde, tenho certeza, todos gostariam de conhecer. Era o desenho de um dragão e eu só conseguia ver o rabo e uma pequena parte do corpo. É lógico que minha imaginação fez o favor de me mostrar para onde a boca daquele dragão apontava. Devia estar aberta e com os dentes a mostra, pronta para abocanhar aquele pedaço de carne rosada.
A alça fina do vestido sobre os ombros fazia cair a seda vermelha sobre seus seios e marcava-os perfeitamente, revelando no decote uma pele tão branca que, posso lhe dizer com toda certeza, se elevavam como uma mesa de marfim posta com bicos rosados e deliciosos e que apontavam para mim como uma seta. O cabelo ruivo terminava pouco antes da curva da cintura, estava solto e era volumoso, formando delicados cachos nas pontas. Os olhos eram verdes como uvas e tinham um brilho esquisito, como uma lâmpada fluorescente submersa.
— Você quer sair daqui — disse ela, me olhando.
Era um olhar muito particular, muito íntimo. Diferente o bastante para fazer meu coração cavalgar dentro do peito. Um olhar de quem não vê a hora de expulsar algo sufocado dentro de si, um desejo tão intenso que eu mesmo achei que ia explodir junto com o zíper da minha calça.
Não esperava, é claro, algo assim tão rápido, afinal havíamos trocado somente o nome um do outro e não há como negar que aquela conversa estava bem estranha. Mesmo assim, ouvir isso foi um alívio. Por mais maluca que ela fosse, a beleza compensava qualquer traço de esquizofrenia e, além disso, eu não sabia até que ponto poderia continuar ali sem ninguém da casa perceber minhas intenções
— Vamos embora agora. Eu quero você — ela disse novamente junto ao meu ouvido.
As palavras soaram de um jeito bastante intimidador e me deixaram louco, mais do que eu já estava. Definitivamente, não dava para perder a chance. Eu não conseguia me controlar. Era mais forte do que eu. O desejo é uma força maldita, ele encarcera seu discernimento, cega sua razão e te deixa só de cuecas no meio da guerra.
— Ok — eu disse, — mas tenho que avisar um amigo meu. Viemos juntos e ele está de carona comigo.
Olhei para o fim do corredor e vi Douglas sentado com a loira que ele tentou me apresentar. Estavam se beijando e ele passava uma das mãos em seu rosto enquanto a outra agarrava a bunda dentro do vestido apertado. Voltei o olhar num sorriso amarelo para a ruiva e ela me pegou pelo braço.
— Vamos — ela disse me puxando.
Começamos a atravessar o corredor. As pessoas a nossa volta pareciam nem nos enxergar, era como se fôssemos invisíveis. Uma ponta, uma pontinha bem pequenina de interrogação começou a brotar no jardim de prazeres vis que era minha mente.
“Como é possível que ninguém que está aqui a conheça? Ela não é dona da casa? Fora que é impossível alguém tão linda passar despercebida assim” — esse pensamento sobrevoou minha cabeça, mas se dissipou num estalar de dedos quando olhei para ela, de costas para mim e puxando minha mão, e imaginei o que encontraria por baixo daquele vestido vermelho.
Antes de sairmos pela porta, ainda consegui ver Douglas olhando para os lados a minha procura. Pensei em acenar para ele, mas só tive tempo de ver seu olhar passar por mim enquanto eu saía pela porta.
Lá fora, fizemos a volta no quarteirão e fomos até um sedan preto com os vidros de um fumê estacionado na rua de trás. Ela puxou a porta e percebi que estava destrancada.
— Esse carro é do seu pai? — Perguntei sem pretensão de resposta.
Nem bem entramos e ela me atacou, sentando por cima de mim. Ao fazer isso seu vestido subiu e deixou à mostra suas coxas. Eram bem definidas, brancas e lisas, num tamanho na medida para minhas mãos.
Peguei na parte de trás das pernas e fui subindo lentamente até o arco da bunda deliciosa, enquanto nos beijávamos. Ela pressionava o corpo contra meu pau e sussurrava no meu ouvido.
— Você também me quer? Não quer?”
E é lógico que eu queria. Como queria. Eu realmente achei que fosse desmaiar de tanto prazer, era uma coisa de outro mundo. Subi sua saia mais ainda, até a cintura, e avancei com os dedos, sentindo todo o calor molhado daquele pedaço rosado que eu estava louco, completamente louco para penetrar enquanto ela ofegava e gemia cada vez mais.
A pele era tão lisa e ardia tanto de prazer que meu juízo derreteu como parafina em chamas. Joguei-a de quatro sobre o banco abaixado do passageiro e saquei meu pau para fora, estava duro como uma pedra e, mais uma vez, eu achei que fosse desmaiar de tanto prazer quando vi aquelas coxas molhadas.
Tudo rodava e o suor escorria pelo meu rosto, fazendo meus olhos arderem. Ainda assim, a dor incômoda do suor salgado que atravessava meus cílios me deixou ainda mais excitado.
Ela se esticou um pouco, segurando com as duas mãos o encosto do banco, virou o rosto de lado e, com o cabelo cobrindo os olhos e parte da face, empinou a bunda. O vestido estava um pouco acima da cintura e eu podia ver a espinha daquele dragão escorregando pela lateral do seu corpo e terminando em suas costas. Ela estava com o rosto colado no banco e o cabelo ruivo era como uma tormenta vermelha que parecia envolvê-la. Olhei bem para o perfil dos lábios semicerrados, que se mexiam numa respiração forte, e pareciam suplicar para que eu fosse o mais fundo possível.
Preparei para satisfazer a ambos — afinal, esse também era meu desejo — mas, num instante, tudo a minha volta pareceu puro torpor.
Uma sensação de sonho tomou conta de mim dentro daquele carro, aquele perfume doce misturado ao odor acre de suor e sexo me deixaram tonto e quando eu olhei para a garota vi que ela estava diferente, parecia mais pálida, opaca até. E de alguma maneira bastante irreal, as coxas brancas e molhadas de suor pareciam transparentes.
Em um primeiro momento, achei que era só uma peça pregada pela minha mente embevecida pelo álcool e pelo prazer, mas esse sentimento se transformou em um misto de terror e confusão quando eu percebi que estava, literalmente, enxergando o estofado do banco através dela. A mulher de cabelos vermelhos estava desaparecendo bem na minha frente.
Ela não disse uma palavra, não esboçou reação alguma, nem quando gritei numa voz de ganso esganado “QUE PORRA É ESSA?”. Ela simplesmente ficou parada, na mesma posição inexoravelmente sensual, como uma boneca de luxo sem vida, desaparecendo aos poucos.
Não consegui me mexer. Fiquei completamente paralisado, com o pau na mão, ainda rijo, observando ela sumir por completo até sobrar somente o banco abaixado daquele carro maldito.
E então, foi como se o tempo tivesse feito um recorte das horas que se passaram, tentando desatar o nó que meus neurônios deram em si mesmos. Minha mente parecia ter entrado em algum tipo de curto e quando voltei à realidade a luz do sol já dava seus sinais. A rua, que antes estava completamente tomada pela escuridão, se coloria aos poucos. Tentei reorganizar meus pensamentos de forma que as coisas fizessem algum sentido, mas foi em vão. Não havia possibilidade de aquilo ser verdade.
“A bebida” — pensei, — “tinha algo naquela porcaria de bebida, só pode ser isso. Alguma droga ou coisa parecida, um alucinógeno”.
Vesti as calças e sai do carro. Voltei para a casa da festa e, ao chegar na calçada, vi que algumas pessoas ainda estavam ativas na comemoração. Entrei e fui atrás de Douglas.
Encontrei o maluco no sofá, abraçado com duas morenas, uma de vestido preto e outra com uma de calça jeans bem apertada. A loira que ele queria jogar para mim — e que atacava quando eu parti — estava caída no chão, ao lado do sofá onde dormiam os três.
— Acorda cara. Vamos embora dessa merda — bati em seu ombro.
Ele virou de bruços entre as duas mulheres, abraçando cada uma com um dos braços e me mostrando o dedo médio com ambas as mãos.
— Puta merda, Douglas. Caralho! Vamos embora. Colocaram alguma coisa na minha bebida, eu fiquei alucinado. Até visões eu tive nessa merda. Aquela menina que eu tinha falado, ela… ela não era real… ou era e sumiu… não sei o que está acontecendo.
Douglas virou a cabeça um pouco para poder falar.
— Eu vi você saindo daqui ontem à noite — ele se espreguiçou e me olhou com um leve sorriso no canto da boca. — Parecia mais doido que o normal mesmo. Pensei até que tinha fugido com medo de tanta mulher.
— Ora, cale essa boca, cara. É melhor você calar a porra da sua boca — eu gritei, fechando os punhos. Estava perdendo o controle, aquele idiota não me entendia de jeito nenhum.
— Você tomou alguma coisa antes de virmos para a festa, não é? — Ele disse me provocando. — Alguma bala ou qualquer barato para ficar legal sem ter que gastar saliva com alguma vagabunda, só pode ser isso. Sinto dizer que esse tipo de coisa nunca dá certo. Você precisava ver essa sua cara agora. Sua namoradinha imaginária não fez o serviço completo?
Ele gargalhou, se virou e sentou apoiando cada uma das mãos nas bundas das garotas. Continuou rindo por alguns segundos, então parou e disse.
— Agora, se você tivesse me dado ouvidos, talvez se desse bem com alguém de carne e osso, igual a essas daqui — ele deu um tapa em cada bunda, suas donas sequer se mexeram.
— Você não está entendendo. A garota sumiu. Eu a vi, ela existia e estava aqui na casa — coloquei as mãos na cabeça, ela começava a latejar, — mas depois… ela sumiu. Ela desapareceu na minha frente!
— Talvez seu serviço tenha sido mal feito, ou você também pode ter tentado um anal sem cuspe com a moça e, bem… algumas delas não curtem essas coisas — ele recomeçou a rir. Eu realmente não sabia como explicar aquela merda e isso me deixava furioso, senti o sangue subir pelas veias da minha cabeça, que latejava ainda mais. Douglas continuou.
— O fato aqui, meu amigo, é que eu vou para um motel com essas duas, se elas acordarem, claro. E você… bem, você pode ir para casa e se matar na punheta em alguma sala de bate-papo.
Não sei quando foi que ele levantou, nem quando eu deitei aquele murro na cara dele. Só sei que ele caiu como um saco de merda por cima daquelas vadias e, enquanto ele desabava, eu pude ver em câmera lenta o lado esquerdo do seu rosto inchando até não poder mais com um fio de sangue escorrendo até sua orelha e me senti, por um segundo, muito bem.
Fiquei melhor ainda quando as putas o enxotaram desacordado, dando-lhe bicudas com aqueles sapatos finos que só aquelas retardadas tinham coragem de usar. Elas o enxotaram do sofá para o chão e ele caiu em cima da loira. A menina tomou um susto e deu um soco tão bem dado quanto o meu no nariz do filho da puta, que se esparramou desmaiado ao lado dela.
Ela se levantou, um pouco cambaleante. O vestido estava torto no seu corpo e ela se mexia com dificuldade, tentando se ajeitar. Quando finalmente se arrumou, olhou para o desacordado Douglas, esbravejando.
— Seu nojento! Você é um desprezível mesmo. Atacando uma mulher que não pode se defender — ela se virou para mim e me olhou com surpresa. Aproveitei a deixa e perguntei.
— Vem cá, você conhece o dono dessa festa? — Puxei-a pelo braço e a apertei com vontade, ela fez uma careta de dor e puxou com toda a força.
— Não conheço ninguém seu idiota, e tira essas mãos de mim, me deixa em paz. Aliás, vocês dois me deixem em paz — ela disse isso e olhou para o desacordado Douglas. — E me faz um favor, quando esse seu amigo inútil acordar, diga para ele nunca mais tentar me ligar de novo.
— Não pode ser, você não conhece ninguém? Não viu uma ruiva que estava parada naquela sala? — Eu gritava e apontava para todos os lados da casa. — Ela estava aqui quando nós chegamos. Não é possível. Eu não estou louco.
A garota, assustada, saiu correndo sem olhar para trás e sumiu pela porta.
Pensei em dar uma olhada nos outros cômodos e até ir atrás do dono casa, que sequer havia aparecido, mas as paredes do lugar estavam me dando ânsia. Era como se elas ondulassem vagarosamente, como um barco à deriva. Mesmo com a confusão mental, eu pensava nas possibilidades reais de uma coisa dessas acontecer comigo, ou acontecer com qualquer um e, desnorteado, acabei deixando a casa.
Saí, respirei um pouco de ar e me senti melhor. Voltei à rua de trás para dar uma olhada no carro e verificar se encontrava alguma pista daquele pesadelo, mas quando dobrei a esquina, para minha surpresa, o automóvel não estava mais lá. Mas que diabos! Será que fui drogado? Não podia ser um sonho, eu vi a garota, beijei a garota, senti o calor que ela exalava.
De repente, Robert Johnson começou a dedilhar seu velho violão em algum rádio de uma casa vizinha e sua história sobre o dia do julgamento me acertou como uma bala:
“Bem, eu disse em minha mente:
Seu problema virá à tona algum dia.”
Comecei a caminhar atrás de onde vinha a canção. No caminho, senti algo estranho palpitar dentro de mim. Eram como duas batidas fortes, uma em cada lado do peito. A do lado esquerdo, como todos sabem, era meu coração, a do lado direito…
Robert tinha razão. Meu problema já estava boiando no mar enlouquecido da minha mente e ele tinha um nome, Mônica… Mônica… Meu Deus, esse era o nome dela. Mônica R., será que havia alguma ligação?
Então, tive um acesso de algum tipo de delírio e, quando olhei para os lados, não reconheci a rua onde eu estava. Como eu havia chegado ali? Estremeci dos pés à cabeça e corri.
Cheguei em uma esquina, olhei para os lados e sem entender nada vi que estava na rua do meu apartamento. Suando frio, me tranquei no quarto, fechei todas as cortinas e me sentei na frente do computador. Comecei a pesquisar sobre todos os fatos surreais e inexplicáveis possíveis que tivessem relação com minhas alucinações. A pesquisa não deu resultado. Não encontrei nada que envolvesse uma transa e um desaparecimento repentino — a não ser alguns casos de estupro publicados em um jornal evangélico sensacionalista —, simplesmente nada que se encaixasse.
A imagem daquela mulher inimaginável, intangível agora, aquela cor vermelha em minha mente, desaparecendo, aquilo me tomou por completo e eu não conseguia mais sair de casa. Raramente dormia e quando acontecia de cair no limbo do sono, tinha sempre o mesmo pesadelo:
Estou deitado sobre uma cama em um lugar onde tudo é branco. Parece não haver um fim ou um início qualquer, somente branco para todos os lados. É como o paraíso, o monótono paraíso onde só o monótono branco existe, refletindo o Nada. É isso e uma cama, uma cama onde eu estou deitado, completamente nu, e de súbito, cabelos caem do céu por cima do meu corpo, cabelos vermelhos que me envolvem por completo, se enroscam em minhas pernas e braços, me imobilizam e se enrolam no meu rosto, me sufocando, entrando goela abaixo por minha boca e passeando por minhas entranhas. Eu sento cada um dos fios ruivos atravessando minhas veias enquanto sufoco, enquanto entrevejo meu intestino querendo saltar para fora e retirar aquele corpo estranho de dentro de mim. Então, quando minhas forças acabam e não há mais como lutar, eu acordo. Mas sei que não por minhas próprias forças nem pelo fim delas, e sim pela vontade daquele envolto avermelhado que só faz se alimentar da pior das torturas: a tortura do sonho, aquela em que a fuga para o alívio da morte não é uma opção.
Por causa desses pesadelos, eu já não durmo há dias, ou semanas, não sei ao certo. O tempo parece ter desaparecido junto com esse demônio. A qualquer momento tudo pode ter fim, por isso peguei esse pedaço de papel e resolvi deixar um registro da busca pela mulher que desapareceu da realidade e, agora, me sufoca em pesadelos.
Alguns dias atrás, algumas pessoas bateram na porta, mas desistiram rápido, sem insistências desnecessárias. Acredito que nenhuma delas era Douglas. Começo a desacreditar também da sua existência, ou da loira pugilista e das duas morenas que não acordavam nunca. Estou a tanto tempo aqui que parece que vivi toda a minha vida preso dentro desse quarto, à procura dela.
Os ossos de minha costela estão à mostra como uma carapaça e eu não sei mais se irei encontrar o que eu procuro, mas algo não me deixa parar, não me deixa sair, não sem uma resposta. Se existe uma linha tênue entre a sanidade e a loucura, ela é um fio de cabelo vermelho.
E eu estou aqui agora, rabiscando essas coisas que insisto em chamar de memórias. Esperando, procurando aquele nome, Mônica. Vislumbrando aquela cor, o vermelho. Aquele perfume doce com sabor de morango. Ou suor. Ou sexo. Ou tudo misturado. Aquele som, “Just about to loose my mind, living on Tulsa time”.
Mônica… esse é o nome que aparece na tela do computador. Era o que eu esperava? Eu procurava essa resposta? Essa mensagem que acaba de chegar e pisca na tela à minha frente, a mensagem de Mônica… Mônica R.?
Não… não pode ser. Que mensagem é essa? Cada letra espaçada nessa maldita tela me iluminando. Cada letra, do M ao R, do branco ao vermelho. Mas não, eu não procurava. Não, Muller, não era uma procura, certo? Era uma fuga, uma maldita fuga. Você se escondia. Eu me escondia. Mas me escondia do quê? Do odor acre? Dos fios vermelho sangue transpassando minhas veias? Daquele desejo de possessão do homem por um corpo feminino perfeito? Oh meu Deus, estou enlouquecendo. A mensagem…
“Eu sempre estive aqui, dentro de você” — essa é a mensagem que aparece na tela. O desejo. O meu desejo é o seu desejo e eu só posso continuar a escrever nesse pedaço de papel, só posso continuar com isso até o fim.
— Ela sempre esteve aqui — a frase sai de minha boca, mas não eu não mexo os lábios.
O calor sobe como uma onda dentro de mim. Meu corpo parece assobiar como uma chaleira, mas a caneta não pode parar, não… não pode. Não posso me esquecer disso, de minha memória nesse pedaço de papel. Daquela cor.
Uma força estranha puxa minha alma da cadeira, a suspende no ar e solta-a sobre meu corpo novamente, mas a caneta não cai, eu não vou parar.
Escuto um som, uma respiração pesada. Há algo atrás da cortina, um vulto no canto direito desse meu quarto escuro, e está em pé, eu posso ver daqui. A caneta não para, mas posso sentir seu perfume e percebo os cabelos vermelhos dançando no ar enquanto ela caminha em minha direção. Eu a olho e ela me olha de volta, e agora eu finalmente entendo que ela sempre esteve aqui, sempre esteve dentro de mim, como o sangue que corre em minhas veias.
Ops! Será que cai no lugar errado… Não eram micro contos de 99 palavras!? Brian, Desculpe! Não consegui ler ainda.
Oi moça.
Esse conto não é do Brian não. E de micro não tem nada kkk.
Melhor você entrar direto no link, senão vai se perder dentro desse multiverso.
Segue ae: https://entrecontos.com/category/microcontos-2017/
Boa sorte no desafio 🙂
Não é meu estilo preferido, mas você escreve muito bem. Prevejo mais um bom desafiante pelo caminho. O texto tem camadas bastante densas, começa no estilo “relato de detetive”, depois se encaminha para uma trama mais cotidiana, quase realista (com umas descrições um tantinho exageradas), e voltamos ao relato no final. Não sei se compreendi o todo, mas deixa aberto à imaginação – eu gosto dessas brechas, pena que muitos não.
E ae Brian, beleza?
Obrigado pelo comentário, cara.
Essa história é meio que uma colcha de retalhos. Eu escrevi o começo faz um tempão, a metade um tempo depois e só fiz o final a alguns meses atrás. Talvez por isso a mudança tão drástica de vozes.
Legal você ter notado a ambiguidade de interpretaçoes. Era minha intenção mesmo.
Valews!