Ela tinha uma aura de importância e sofisticação, com seu colar discreto de pérolas pequenas e o cabelo milimetricamente penteado em ondas suaves e cor de cebola. A saia, reta e azul-marinho, tinha o comprimento perfeito entre a integridade e a juventude.
Quero que minhas unhas fiquem quadradas, mas lixe as bordinhas para não desfiar a meia-calça, por favor. – disse ela à manicure.
Deveria ter mais de sessenta anos, mas seus olhos tinham uma agudez de adolescente. Não, não de adolescente: de uma alma ainda jovem, ainda viva, ainda em pé. Não havia sinais de derrota em seu rosto e, nos seus olhos, havia um brilho de quem travou várias lutas e manteve a honestidade a si mesma, no final das contas.
Sorriu para a manicure depois de sua solicitação, um sorriso de gentileza e de autoridade, de quem está acostumada a dar ordens. A manicure jamais deixaria de lixar as bordinhas das unhas dela, por medo e por respeito. E, principalmente, para se aproximar daquela figura de realeza.
Quando a senhora mencionou a probabilidade de desfiar sua meia-calça, imaginei que as ondas cor de cebola do seu cabelo escondiam uma segunda camada de sua personalidade, uma camada de controle.
Você já decidiu que cor vai passar? – me surpreendi com a voz da manicure que fazia as minhas unhas. Perdida nos meus próprios devaneios, havia me esquecido completamente dela ali ao meu lado. Respondi que sim. Ou que não. Não me recordo.
Imaginava aquela senhora administrando sua casa e sua família como quem comanda um navio. Atenta a qualquer detalhe, organizando os pequenos afazeres do cotidiano como se eles tivessem uma importância dominadora, observando todas as nuances dos comportamentos dos filhos, do marido e dos empregados. Viajando de férias pela Europa, com uma echarpe belíssima de seda, mais cara do que todo o conteúdo da minha bolsa, provavelmente.
Imaginava-a, ainda, em seu pijama caro e senhorial, preparando-se para descansar depois de um dia atribulado no comando do convés principal. Seu quarto deveria ser claro, amplo e decorado com bom gosto. Haveria um par de óculos no criado-mudo ao lado da cama e pantufas macias como um pedaço de nuvem no tapete logo abaixo. Fingiria dormir ao lado do marido, enquanto, na realidade, estaria acordada preocupando-se com as demandas do navio.
Parecia ser o tipo de mulher que não questionava mais as escolhas que fizera na vida. Senti que, provavelmente, a terceira camada dela era feita de resignação e de aceitação silenciosa. Já não tinha mais idade, ou energia, para mudar de identidade: e tudo bem.
Eu não a encarava nem a olhava longamente enquanto me perdia construindo sua vida. Ela me intimidava, esta é a verdade, tanto quanto intimidava a manicure (que lixa, lixa, lixa). Sentava-se como se fosse a dona do salão, como se a cadeira fosse um trono. Como se a manicure fosse uma serva, a quem tratava com fria bondade e distanciamento. E eu, sentada de frente para a senhora, me limitava a soltar pequenos olhares de relance, curtos e rápidos.
De repente, nossos olhares se cruzaram, embora eu tivesse evitado ao máximo que isso acontecesse. Me encolhi, pois senti que ela me perscrutava cuidadosamente, talvez em busca de um fio de cabelo solto ou de uma bolinha na blusa. Me senti como uma criança esperando ansiosamente pela aprovação da mãe.
Foi então que ela sorriu para mim. Um sorriso morno, calmo e calculado, que não transmitia simpatia, tampouco aproximação. O sorriso da senhora passava uma mensagem que dizia: “Estou aqui e você está aí e, neste momento, somos iguais – mas não somos, querida, estamos longe de ser, não se engane.”
Com relutância, sorri de volta, por medo e por respeito, copiando as reações da manicure. Não estou acostumada a sorrir para desconhecidos, portanto, achei estranho e um pouco desconfortável. Mas sorri, porque a mim pareceu uma ordem. O meu sorriso saiu como uma careta incongruente, e fiquei ainda mais constrangida.
No minuto seguinte, ela estava conferindo as bordas das suas unhas, avaliando se elas estavam adequadas (a manicure ergueu os olhos e esperou com olhos ansiosos pelo veredicto). A senhora já tinha se esquecido de mim e de qualquer impressão que pudesse ter registrado a meu respeito. Me senti rejeitada e aliviada, ao mesmo tempo.
Chequei as minhas unhas, pois não lembrava que cor tinha escolhido. E olhei as bordas das minhas unhas, apenas por curiosidade, me perguntando se estaria dentro dos padrões de qualidade da senhora, caso ela inspecionasse. Não a olhei mais depois da troca de sorrisos.
Voltei para o meu silêncio. Ela levantou-se, pouco depois, e foi embora, de volta para o comando do seu navio.
achei interessante a ideia mas o texto não me agarrou, para mim é daqueles textos que precisam urgentemente da 2ª fase, de um final, desejo-te as maiores felicidades. O que não gostei no texto foram os pormenores das unhas e toda essa conversa… embora, estando na manicure é normal… mas acabou por me desinteressar, foi pena não ter apostado mais na imaginação sobre a vida da mulher
Um conto escrito com muita categoria, quero dizer, com elaborações filosóficas existencialistas, originais, que se encaixam muito bem nas frases, lembrando muito Clarice Lispector, mais precisamente o conto “Amor”: “Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido.”. Um belo conto no estilo clássico.
Caro (a), Alex Garland.
No começo fiquei confuso sem saber quem estava narrando o episódio, mas logo mais adiante entendi a perspectiva.
É um texto curto e ágil, traz uma personagem interessante, encarada pelo ângulo da narradora. Mesmo não acontecendo muita coisa, confesso que fiquei curioso com o desenrolar da história. Para mim serviu como um teaser muito bem realizado.
Gostei bastante deste trecho: “Quando a senhora mencionou a probabilidade de desfiar sua meia-calça, imaginei que as ondas cor de cebola do seu cabelo escondiam uma segunda camada de sua personalidade, uma camada de controle.”
Meu porém vai para a formatação, me incomodou um pouco.
Parabéns e boa sorte.
O único porém dessa fotografia foi a frase inicial um pouco longa demais (quem sou eu pra falar nisso). Depois, o recorte de uma situação banal expôs a alma da observadora que narra com uma fluidez incrível. Gostei pacas! Alguns hão de dizer, “mas nada acontece!” e eu retrucaria que avalanches aconteceram por dentro da narradora.
Por que diabos essa fixação com essa senhora? Haha. O personagem tem problemas, sérios. rs. Então, não gostei muito, infelizmente. O autor/autora criou essa senhora e fornece algumas informações descritivas que nos fazem ficar intrigados. Só que achei que faltou mais. E sei que ainda vai haver uma continuação… só que acho que essa primeira parte poderia ter realmente situado o leitor em algum tipo de conflito ou algo que prendesse a atenção. Sinceramente, acompanhar essa cena no salão não foi algo bacana. Não curti : /
Ela teve uns devaneios sobre a senhora, mas isso não disse nada sobre a própria personagem. No final das contas não afetou ela nem a mim que li a história. Não consegui me envolver.
Conto leve, despretensioso, mas acho que faltou uma podada final, principalmente nas pontuações e espaços para dar uma maior claridade ao texto.
A escrita está boa, e me peguei imaginando a distinta senhora e em como eu reagiria ao encontrá-la.
Porém o conto pareceu acabar aqui, não dando margem para uma eventual continuação.
Inovação! Gostei!
O fato da personagem principal ser o objeto da narrativa, e não a narradora, me impressionou. Que legal! Muito divertido. Até eu me senti intimidado pela senhora.
Achei o texto pouco espaçado e sem indentações, o que embaralha um pouco a leitura. Mas isso não tirou o charme da história, apesar de eu achar que ela pecou um pouco pela ausência de conflitos ou clímax.
De qualquer forma, parabéns!
Uma Senhora Distinta (Alex Garland)
♒ Trama: (2/5) não há uma trama, mas apenas uma cena a apresentação de uma personagem. Senti falta de que mais alguma coisa acontecesse para considerar esse texto um conto. O tema é cotidiano, mas por ser um conto, precisa contar alguma coisa interessante. A personagem narradora também ficou pouco explorada.
✍ Técnica: (4/5) achei muito bem escrito, sem nenhum erro grave. As imagens foram muito bem construídas e o texto bem narrado. Gostei bastante.
➵ Tema: (2/2) dentro (✔).
☀ Criatividade: (2/3) mesmo sendo uma cena comum, achei a personagem descrita bem original.
☯ Emoção/Impacto: (2/5) o texto não me causou nenhuma reação ou emoção, exceto um leve prazer na leitura. A ausência de uma trama e, mais ainda, de um clímax, reduziu muito o impacto.
➩ Nota: 7,0
Frase de destaque: “O meu sorriso saiu como uma careta incongruente, e fiquei ainda mais constrangida.”
Problemas que encontrei:
● mas lixe as bordinhas para não desfiar a meia-calça, por favor *sem ponto* – disse ela à manicure.
Gosto dessas pequenas extrações do dia a dia, de momentos que acontecem (ou podem acontecer) com todo mundo, no conto isso fica bem claro. É uma tarde qualquer num salão de beleza, onde muito pode ser tirado de olhares e gestos. Me lembrou um pouco Mundo Fantasma, HQ que também retrata essa coisa que temos em querer criar uma imagem em cima de alguém, criar cenários e situações. Gostei bastante disso no conto.
Mas algumas coisas acabaram incomodando um pouco e acho que atrapalhou o texto. A formatação é uma delas, não há espaçamento e os parágrafos se misturam, assim como os diálogos sem pontuação que se perdem aí no meio.
De início, achei o narrador bastante confuso, parecia que as vezes era o ponto de vista da Senhora, depois da Manicure, depois de uma terceira pessoa. Fazendo uma outra leitura peguei melhor a ideia da terceira mulher e acabei gostando mais que da primeira vez. Só acho que a estrutura do texto poderia ser melhor \o/
Um gostoso devaneio. E muito, muito bem escrito. Sem rebuscamentos narcisísticos. O que mais gostei foi o fato das descrições da senhora distinta serem contadas no passado, enquanto as ações “reais” que ocorriam no decorrer deste devaneio da narradora aparecerem (aparecem) no presente. Destaco o simples e perfeito trecho, digno apenas de quem possui certa “distinção” no reino das palavras: “Ela me intimidava, esta é a verdade, tanto quanto intimidava a manicure (que lixa, lixa, lixa).” Só este efeito (simples, e genial) já dá uma beleza ‘distinta’ a esta obra. 🙂 Um brilho todo especial.
E isso tudo sem tocar no quesito “metáforas”… Lindas e perfeitamente empregadas também. O/a autor/a entende — mesmo — do riscado. Que texto gostoso e bem escrito! Amei num grau…!
Destaco: “Senti que, provavelmente, a terceira camada dela era feita de resignação e de aceitação silenciosa. Já não tinha mais idade, ou energia, para mudar de identidade: e tudo bem.” (Show, né?! Verdadeira delícia se ler isso assim, tão simples e pleno.)
Ou este: “Não estou acostumada a sorrir para desconhecidos, portanto, achei estranho e um pouco desconfortável. Mas sorri, porque a mim pareceu uma ordem.”
As ideias se completam magistralmente…
Parabéns!
“Me senti rejeitada e aliviada, ao mesmo tempo.”
E eu, admirado e feliz; por meu conto não fazer parte do grupo Veríssimo…
😉
Paz e Bem!
Tema – 10/10 – adequou-se à proposta;
Recursos Linguísticos – 10/10 – texto muito bem escrito, com uma linguagem clara e coerente;
História – 10/10 – proposta interessante, perfeita execução;
Personagens – 10/10 – muito bem desenvolvidos no aspecto psicológico;
Entretenimento – 10/10 – apesar da monotonia, é um texto que prende o leitor;
Estética – 9/10 – assim como a personagem principal, o texto tem um certo glamour, um charme natural.
Conto curto mas que compacta profundas questões sobre os tipos humanos. Podemos filosofar nele sobre as questões da personalidade, a classe social e o comportamento. Até onde uma coisa tem influencia sobre a outra. A escrita é muito agradável. Ótimo conto.
Olá, autor(a)!
Pois bem, eu não sei muito bem se entendi qual foi a mensagem que você tentou passar com o texto (subliminar), mas acho que realmente não entendi, caso tenha tido.
A história ficou muito fraca para mim, apesar da qualidade narrativa. O texto está bem escrito, com frases bem construídas e que fazem pensar, no entanto, eu não vi emoção nenhuma, ou qualquer outra coisa que me fizesse querer continuar lendo o conto.
Creio que a divisão também não esteja muito boa, pois ficou embolada e em alguns momentos meu fiquei perdido sem saber quem narrava, e se teve mais de um narrador durante a história. Talvez dividir melhor os diálogos do pensamento deixe o texto mais vistoso.
De qualquer forma, a história não me chamou atenção. Não fiquei tentado a ver a segunda parte.
Ainda assim, merece os parabéns. Espero que outros apreciem mais do que eu.
Boa sorte!
☬ Uma Senhora Distina
☫ Alex Garland
ஒ Físico: O conto está bem escrito, em linhas gerais. É provável que o estilo ainda esteja em desenvolvimento. Vale destacar, também, que o desenrolar da estória ficou bom. Só posso aconselhar o escritor a escrever mais e mais, até encontrar seu estilo e alcançar seu ápice.
ண Intelecto: De fato, a estória não é tão simples como aparenta ser. Nota-se que o autor pensou bem nela. Isso é bom. O problema se encontra, na realidade, na construção da protagonista. Ela molda a senhora usando como base apenas sua postura, que é um tanto soberba e desdenhosa. E todas as outras personagens são tão fracas, tão rasas, que é impossível gostar de alguma. Não consegui captar nada no conto além da fraqueza do ser humano.
ஜ Alma: De fato, o salão de beleza faz parte do cotidiano das mulheres. Podem ir apenas uma vez por semana, quinzena ou mês; mas é algo que está sempre presente na vida delas. No entanto, a estória denota uma situação atípica. A protagonista parece nunca ter visto a senhora. Sendo assim, posso afirmar que o conto está razoável nesse quesito, mas não abrange completamente. Mas esse não é o problema nessa questão… Não é possível encontrar nenhum gancho na estória. Sem falar que a estória não me pareceu atraente o suficiente para ansiar por uma continuação.
௰ Egocentrismo: Não gostei muito do conto. A estória denota a superficialidade das mulheres e suas fraquezas diante coisas tão fúteis. Não acredito num mundo assim. Sou um idealista, hahaha.
Ω Final: Texto bem escrito, onde o autor demonstra estar ainda em desenvolvimento. A estória é narrada por uma personagem sem presença e não impressiona. Fica um vazio no final da leitura. Está com o pé dentro do tema, mas não completamente. Além disso, o poder de atração para uma continuação não é forte.
௫ Nota: 5.
EGUA (Essência, Gosto, Unidade, Adequação)
E: O cenário escolhido foi bem interessante, incomum. Também gostei da troca de ponto de vista diferenciado. O cotidiano foi expresso em pequenas ações. – 8,0.
G: Uma história simples, contada pela visão da protagonista. O leitor acaba descobrindo mais sobre a senhora do que a personagem principal, o que não é ruim, torna a leitura mais agradável. Imaginar o que a outra pessoa faz, através de sua linguagem corporal, deu o ar rotineiro da tarefa apresentada. Senti falta de algo a mais, no entanto, não há como exigir isso nesse tipo de tema. – 8,0.
U: Acho que só a parte do “lixa, lixa, lixa” sofreu uma troca verbal repentina e destoou do discurso indireto. O texto está um pouco colado, mas sei que isso pode ter sido culpa da formatação do blog. A escrita é c competente, assim como as descrições. – 8,0.
A: Está dentro do proposto. Mas não notei gancho nenhum, além da curiosidade da protagonista em saber mais. – 7,0.
[7,8]
A personagem observa uma senhora distinta num salão de beleza e enquanto observa, imagina como é a vida dela. Um relato bem construído, elegante e sofisticado se é que posso dizer assim. Boa gramática, mas nessa primeira parte não deu para entender o sentido da estória. Está bem escrito, mas por enquanto é um enredo fraco.
O cotidiano de um salão de beleza. A distinta senhora cuidando das suas mãos lembrou-me da rainha da Inglaterra. Gostei dos cabelos cor de cebola e suas camadas.
Com certeza, alguns comentarão sobre a cacofonia logo na primeira frase – Ela tinha uma aura (latinha). Eu não ligo para isso. No entanto, acho que o verbo TER poderia aparecer menos na sua narrativa.
O conto terminou sem gancho (também não estou considerando isso essencial) e tampouco instigou minha curiosidade a respeito de uma possível continuação.
Parece que o texto aqui funcionou mais como um ensaio, um rascunho para um trabalho posterior. Gostei do ritmo, da observação dos detalhes e do lixa-lixa-lixa.
Boa sorte!