“Androides sonham com ovelhas elétricas?” é uma das obras mais conhecidas de Philip K. Dick pela sua adaptação ao cinema (Blade Runner). A versão que li é uma antiga que tinha o nome de “O caçador de Andróides” que tinha esse nome apenas para surfar na onda do filme. O livro e o filme são diferentes mas acima de tudo complementares. O filme soube adaptar para duas horas a estética e alguns temas importantes do livro. Mas vamos falar do livro, não é?
A historia acompanha em paralelo dois personagens: Rick Deckard e John Isidore. Eles vivem em futuro distópico em que uma guerra nuclear contaminou o ar, o solo e praticamente extinguiu a vida animal no planeta. Existem colônias fora do planeta onde androides (replicantes) semelhantes a humanos fazem o trabalho duro. Os que escapam das colônias e fogem para a Terra tem as cabeças postas a prêmio. A polícia paga, por cabeça, caçadores de recompensas para “aposentá-los”. Essa é a profissão de Rick Deckard. Contudo os androides que fugiram recentemente são diferentes dos demais. São do modelo Nexus-6. Sofisticados a ponto de confundir os métodos de detecção dos caçadores.
Deckard é incumbido da missão de aposentar os seis que recentemente fugiram para a terra. Ele é motivado pelo desejo de juntar dinheiro para comprar um animal vivo. É o bem mais precioso para um habitante classe média da Terra. Quem não tem condições de comprar um animal vivo, o substitui por um animal elétrico muito parecido com um de verdade, mas os vizinhos não podem saber, porque “pega mal”.
Em paralelo temos John Isidore. Ele é um motorista de um “veterinário” de animais elétricos. Considerado anormal por não ter ido bem no teste de Q.I. Isidore não tem autorização para sair da Terra. Ele é adepto de uma religião chamada mercerismo que prega a empatia como forma de conectar-se ao divino. É a partir daqui que a história se desenrola.
Sentir empatia ou não é a grande tônica do livro. Deckard busca um animal genuíno pois é o modo de socialmente mostrar que tem empatia, logo, demonstra que é humano. Seu vizinho tem um animal verdadeiro e exibe para todos no prédio onde moram. É algo imposto pela sociedade como possuir um carro em nosso mundinho real. Já os androides, apesar de muito inteligentes, não possuem essa faculdade emocional. Contudo Isidore, considerado anormal, muito menos inteligente que um androide, é plenamente capaz de sentir empatia. Durante a obra é o ser mais empático e emocional de todos.
A questão “quem sou eu” perpassa toda a obra de Philip K. Dick. A relação de Deckard com uma das androides, Rachel Rosen, colocam o questionamento título do livro. Como um Frankenstein cyberpunk, os androides do modelo nexus-6 são tão similares a humanos que Deckard se coloca em dúvida sua própria condição de humano. Suas memórias seriam implantadas? Sentia realmente empatia ou sua busca por um animal era apenas o instinto de sobrevivência para que ninguém (inclusive ele) descobrisse ser um androide?
Com Isidore a relação com a religião da empatia – o mercerismo – é mais intima que com Deckard, que não pratica o ritual, afinal ele mata androides e isso o afasta do principio de empatia. Isidore entra em contato com a religião (um culto realizado individualmente) através de uma caixa de empatia que é acessado. Objeto que uma vez conectado o induz a um estado alterado de consciência. Enquanto “entorpecido”, os fiéis são conduzidos a uma representação onde podem sentir-se como o próprio profeta da religião Wilbur Mercer. A experiência é descrita em semelhança ao mito de sísifo, onde se empurra uma pedra morro acima para sentir as dores, se penitenciar, e conectando-se a todos que estão usando a caixa naquele momento.
A possibilidade de debate que este livro concebe é o maior beneficio que esta leitura pode fazer. Se isso não serve de atrativo para a leitura, apenas a viagem na psicodelia futurista do autor já vale a leitura. Contudo é difícil ficar impassível de questionamentos que a obra desperta.
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Publicado originalmente no blogue Wilbur D.
Interessante. Tenho o dvd especial em casa, já vi umas 3 vezes, mas é difícil de entender e captar tudo – justamente por causa dessas camadas. Nunca li o livro, mas notei (pela sua descrição) que ele deixa bem mais claro algumas questões. E agora saquei o motivo da coitada da ovelha elétrica.
Tem reflexões que são exclusivas do filme, por isso gosto tanto dele. Roy Baty e os replicantes são bem mais instigantes que no livro. Só Rachel é profunda no livro. Os replicantes dizem muito sobre o ser humano fragmentado de hoje.
Eu resenhei o filme também http://www.wilburdcontos.blogspot.com.br/2015/08/resenha-blade-runner-o-cacador-de.html