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Detox Literário.

Heroísmo (Thiago Mendonça)

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– Cavalheiros, como os mais valentes combatentes do reino, é nosso dever derrotar o dragão que aterroriza nossa humilde comunidade. Eu, Capitão Máximo, vou liderar o ataque, com a ajuda de vocês, bravos guerreiros! – o Capitão ergueu sua espada.

– Bonitas palavras, Capitão. Eu, o Soldado da Justiça, juro lealdade a você e farei de tudo para derrotar a criatura! – respondeu o Soldado, ajoelhando-se.

– E por último, eu, o Feiticeiro Poderoso, juro lutar ao lado de vocês e usar minha magia para destruir o monstro! – o Feiticeiro se curvou perante o Capitão, que, com um toque de sua mão, abençoou seus companheiros de batalha.

– Então vamos à guerra, senhores! – o Capitão fez um sinal com a mão e os três partiram em sua aventura.

Seguiram pela estrada em direção ao que acreditavam ser o covil do terrível dragão. Pelo caminho, aldeões olhavam o corajoso grupo com admiração e lhe direcionavam palavras de coragem. Alguns até ofereciam suprimentos de viagem, que certamente seriam valiosos para resistir o longo e tortuoso caminho. Reabastecidos, os heróis percorreram a planície até alcançar o sopé da montanha.

– Muito bem, meus caros, descansem um pouco, pois vamos subir a Montanha das Armadilhas, e vários perigos nos esperam lá em cima. – o Capitão sentou-se junto a uma casa abandonada. Aquele local costumava abrigar fugitivos que se escondiam das forças malignas do Império.

– Sem problemas! – o Feiticeiro folheou seu grimório repleto de palavras mágicas. – Não existe criatura nesse reino capaz de resistir à minha magia.

– Não seja tão convencido! – exclamou o Soldado. – Você acha que é o único poderoso desse grupo? Eu poderia matar esse dragão com uma flechada apenas!

– Fiquem calmos, vocês! – o Capitão se pôs no meio dos dois. – Não briguem! Lembrem-se que nosso objetivo é destruir o dragão e salvar a vila. Vamos, quero estar em casa de volta antes de escurecer.

Os guerreiros deixaram a hostilidade de lado e recolheram seus pertences. Estavam prestes a continuar, quando um estranho se aproximou. Seus cabelos despenteados e roupas despojadas lhe conferiam um ar hostil, mas a voz era suave e educada.

– Bom dia, jovens destemidos! Suponho que pretendem atravessar a montanha? – disse o homem.

– Sim, meu senhor. Agora, se nos der licença, estamos de partida. – respondeu o Capitão.

– Devo avisá-los, senhores, dos perigos que os esperam. Deviam dar meia-volta.

– Não precisa se preocupar conosco, meu bom homem. Nós não pretendemos correr nenhum risco desnecessário. Vamos, amigos! – o Soldado tomou a frente. – Tenha um bom dia, senhor.

Os três aventureiros deixaram o homem para trás e iniciaram a escalada. Pedra após pedra, eles subiam a montanha com cuidado, sempre atentos a qualquer perigo iminente. A cada passo que davam em direção ao topo, o sol os castigava naquela manhã de verão. Mas eles eram valentes e não se deixavam abater. Somente quando encontraram a entrada da caverna foi que fizeram uma pausa para descanso.

– Tenho que admitir, foi uma escalada cansativa. – o Feiticeiro limpou o suor da testa. – Aqueles suprimentos que ganhamos no caminho seriam ótimos agora.

– Ainda não, meu caro. Comeremos no caminho de volta, não temos tantos mantimentos assim. – explicou o Capitão.

– Algum de vocês poderia me explicar como vamos atravessar essa caverna? – o Soldado apontou para a fresta incrustada na rocha. – É pequena demais para nós, teríamos que engatinhar.

– Essa é minha deixa, meu caro! – o Feiticeiro, sorriso estampado no rosto, puxou seu livro de encantamentos. – Meu feitiço de encolhimento vai nos permitir atravessar facilmente.

O Feiticeiro virava as páginas do livro como um vendaval, e lia em silêncio cada magia ali escrita numa velocidade inumana. Parou numa página qualquer e preparou-se para invocar o encantamento. Levantou a mão direita acima do livro e começou a proferir palavras incompreensíveis. Seus amigos esperavam impassíveis.

– E então, essa droga funcionou? – perguntou o Soldado.

– Claro que sim! Olha só, agora podemos passar, vamos! – respondeu o Capitão.

Os três se agacharam e, com cautela, adentraram a caverna escura e fétida. Era tão extensa que não se via a saída, mas sabiam que o dragão estaria do outro lado.

– Isso aqui fede demais. – o Soldado tapou o nariz. – Ainda vai demorar muito?

– Não reclame, Soldado. Lembre-se que somos guerreiros honrados, e nossa causa é nobre. – falou o Feiticeiro.

– Cuidado! – o Capitão hesitou e fez um sinal com a mão. Os outros pararam imediatamente. – Estão vendo ali na frente? É uma criatura rastejante das profundezas. Tentem não chamar sua atenção e ela passará por nós sem hostilidade. É melhor evitar o combate com estes seres, eles podem ser venenosos.

A minúscula criatura passou pelo canto e ignorou os guerreiros, que não se atreveram a mexer um músculo sequer. Assim que ela passou, respiraram aliviados e continuaram a travessia. Pouco depois, quando já não aguentavam mais respirar o odor pútrido daquele lugar, viram a luz, e o entusiasmo invadiu seus rostos. Apressaram o passo até alcançarem a saída.

– Olhem ali! O dragão! – o Capitão admirava-o com o fascínio de uma criança que via neve pela primeira vez. – É enorme!

Eles se mantiveram escondidos contemplando o dragão colossal, que estava ali a céu aberto. Sua carapaça negra refletia a luz do sol e seu corpo emanava um calor intenso. Seus olhos estavam abertos e brilhavam com intensidade, mesmo diante da claridade natural. Sua figura era magnífica e ao mesmo tempo ameaçadora.

– Ele é gigantesco. O que fazemos agora? – perguntou o Feiticeiro.

– Não podemos nos aproximar de repente, temos… – o Capitão voltou sua atenção para um tumulto que começou de repente do lado de fora da caverna. – São os guardas do Império! Eles estão atacando!

– Vamos voltar! – preveniu o Soldado, enquanto dezenas de guardas fardados aceleravam ao longe, armas em mãos. – É melhor nós…

O tiro de escopeta foi ensurdecedor. O fascínio dos heróis transformou-se em pavor numa fração de segundo. Sua fantasia se estilhaçou diante de seus olhos e a realidade se transformou. Aterrorizados, bateram em retirada por dentro do beco, ignorando o cheiro desagradável.

– A polícia chegou! O Caveirão tá na área! – vozes ressoavam por todos os lados e pessoas armadas tomaram as ruas estreitas do beco. Policiais surgiam de dentro do imenso e negro veículo blindado e traficantes percorriam as vielas do morro. Vários disparos sucederam o primeiro, e gritos ecoavam por toda a favela.

Os heróis atravessaram a ruela e dispararam escada abaixo, voltando pelo caminho por aonde vieram. As janelas estavam fechadas e as portas trancadas, e não havia uma única pessoa nas ruas, fora as três crianças desesperadas. Viraram cada esquina como se suas vidas estivessem em perigo. E estavam. Cada tiro que ouviam significava mais uma bala esculpindo as paredes das casas, que podia acabar em qualquer lugar, até mesmo no peito de um deles. Não pararam até que chegaram à porta de casa.

– MÃE! Abre a porta! – os garotos esmurravam a porta, esperneando e implorando para que alguém os ouvisse. – É a gente! Abre a porta, tão dando tiro pra todo lado!

Uma porta se abriu e eles entraram. Ofegavam e choravam, suas mãos tremendo de medo. Sua mãe os abraçou com força, também em prantos.

– Discu-ulp-pa, ma-mãe! – o garoto mais velho soluçava. – A gen-ente só tava brin-incan-ando de heró-ói de faz-de-co-conta! E-eu juro!

– Tenha calma, meu amor. Vocês tão bem, é isso que importa. – disse a mãe. Sua doce voz devia ter acalmado os garotos, pois eles pouco a pouco pararam de chorar, ignorando os tiros e gritos que se ouviam em toda parte. – Vocês foram corajosos, queridos. Saíram daquela confusão e voltaram inteiros pra casa. São os meus heróis.

E abraçou-os mais uma vez.

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Um comentário em “Heroísmo (Thiago Mendonça)

  1. daniel vianna
    23 de novembro de 2014

    Antes que se revelasse que se tratava de uma brincadeira de crianças, ficou a pergunta: o texto é inocente demais, talvez escrito por uma criança ou será que o autor está interpretando uma brincadeira infantil? Na parte final foi revelado que era, de fato, uma brincadeira. Então, por um lado, fica marcada a boa técnica do autor ao demonstrar a capacidade de interpretar a brincadeira infantil, no início. Por outro, talvez fosse melhor investir um pouco mais no suspense, de modo que houvesse uma surpresa maior no momento da revelação. De todo modo, um bom conto. Parabéns.

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Informação

Publicado às 22 de novembro de 2014 por em Contos Off-Desafio e marcado .
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