EntreContos

Detox Literário.

Cortes na Chuva (Marquidones Morais)

Harima, Japão, 1609.

 

Os cinco samurais corriam pela floresta, o som de seus passos sendo cobertos pelo barulho da chuva torrencial sobre as árvores que os cobriam. O momento não poderia ser melhor para o cumprimento daquela missão, o alvo nem mesmo notaria e suas forças estariam em desvantagem. O clã Himoto treinava seus guerreiros para lutarem habituados à baixa luminosidade.

Chegaram à cabana do alvo que ficava numa clareira, cercaram-na e a invadiram. Entraram em todos os aposentos à procura de Kento do clã Arashiryu. Chegaram ao centro do lugar e lá estava apenas um homem vestindo roupas simples e portando uma faca que segurava com as duas mãos acima da cabeça, a ponta virada para baixo.

– Já estava ficando impaciente! Tenho uma mensagem do novo daimyo para vocês: “a guerra entre o clã Himoto e o clã Arashiryu acabou, nós ganhamos! Morram com honra agora ou entreguem suas armas.”.

E dizendo isso fincou a faca no próprio coração, morrendo instantes depois. Os jovens samurais se entreolhavam sem saber o que dizer, mas antes que o líder tomasse a iniciativa o aposento em que estavam foi invadido por uma fumaça espessa que os obrigou a sair de lá, quando o fizeram, a fumaça já pairava em toda a casa.

Ao chegarem do lado de fora foram surpreendidos por flechas, a primeira leva derrubando dois deles, suas armaduras oferecendo pouca proteção. Ao se virarem viram dois arqueiros nos telhados da casa e mais à frente da casa mais três samurais, cada um portando uma alabarda e prontos para atacar.

Shinji Todai, o líder do grupo correu na direção dos arqueiros enquanto seus companheiros iam à direção dos samurais. Balançou a katana no ar debaixo do telhado derrubando ambos os arqueiros cortando um deles desde o estômago até o queixo, caindo de costas agonizante sobre sua aljava e flechas com o arco em mãos, enquanto eu o outro conseguira se equilibrar e cair pronto para disparar.

Seus companheiros tomavam vantagem inicial no combate abatendo dois dos samurais atacantes, mas logo um deles era trespassado por um rápido e poderoso golpe do terceiro e maior entre eles, ao ser atacado pelo que restava, simplesmente puxou a alabarda do corpo inerte do companheiro de Shinji direcionando a arma enorme para defender-se.

O arqueiro restante já tinha outra flecha preparada, ele era rápido! Trespassou o ombro esquerdo de Shinji em um disparo rápido, este grunhindo de dor e recuando, mas logo descendo a espada com o braço bom sobre o ombro do inimigo e atravessando seu peito até o abdômen, agora ambos os arqueiros jaziam mortos ou à beira da morte. Retirou dolorosamente a flecha do ombro, mas já se virando para os outros inimigos, não havia tempo a perder.

Mas ao virar-se viu seus dois companheiros mortos enquanto um dos samurais inimigos corria em sua direção com sua arma enorme já pronta para trespassá-lo. Shinji correu para um dos lados do inimigo enquanto aparava a grande arma afastando-a do seu curso inicial e girando a espada na direção do pulso do inimigo num círculo descendente cortando-o com sucesso, a arma era muito pesada para o inimigo segurá-la com uma só mão e mesmo quando sacou sua wakizashi, mostrou falta de prática e foi rapidamente derrotado e morto por Shinji que apesar de manusear a katana com uma só mão, era mais ágil que seu inimigo enorme.

Observou os arredores, mais uma leva de soldados estavam vindo, não haveria tempo de dar um enterro apropriado a seus companheiros, mas eles morreram em combate, devem estar contentes pelo menos com isso onde quer que estejam. Sai correndo pelo mesmo caminho que veio, mas vê o mesmo obstruído por mais tropas do clã Arashiryu, pegou o caminho oposto, estava numa montanha, teria de descer pelas rochas e percebeu que naquela direção não havia vigilância. Fugiu para a vila mais próxima.

Lá, mais samurais, um deles portando um estandarte com o emblema do clã Arashiryu anunciando o clã que dominava aquela região. Teria de voltar para a base de operações do clã Himoto mais próxima dali, não podia acreditar que seu clã perdera a guerra, a sua missão era vital para a vitória e fora enviado para uma emboscada! Não conseguia conceber a idéia de que havia sido enganado por seus próprios irmãos, mas teria suas respostas.

Mais algumas horas de viagem e finalmente havia chegado ao local. Destruído. As fronteiras não lhe pareciam uma boa opção, não havia mensagem em canto algum, mas aqueles fatos já lhe respondiam muito: o clã Arashiryu, maior inimigo do clã Himoto na guerra pelo poder havia ganhado e como eram inimigos, o perdedor deveria pagar com a vida de seus membros. Não perdeu as esperanças ainda assim, continuaria procurando seus irmãos. Viveria como ronin, mas viveria.

 

Meses mais tarde e já agia como se fosse um mero ronin há muito tempo, o saquê que bebia nos períodos em que não trabalhava oferecendo sua espada na guerra dos outros clãs ou para quem mais pudesse pagar por seus serviços o fazia lembrar-se dos tempos em que servia a um clã de coração, mas as lembranças acabavam quando a garrafa ficava vazia.

Naquela noite assistia a uma apresentação de teatro e a peça mostrava um samurai sem clã que corria pela própria vida num território dominado por um inimigo que queria vê-lo morto, mas apaixonava-se por uma gueixa e ficava entre o risco de viver com ela e o de ser morto por seus inimigos. Que absurdo! Decidiu que era hora de ir embora.

Estava andando pelas ruas da cidade, tranqüilo, a guerra acabou para ele e não havia inimigos, pelo menos era o que pensava, teve seu pensamento interrompido por uma faca raspando o lado direito de sua cabeça, por pouco não lhe atingindo e batendo na parede à sua frente, virou-se e se deparou com um magricela usando uma cota de talas de madeira sem proteção alguma para os braços, mas já sacando uma espada.

Lutaram por algum tempo, o homem de aparência já desgastada não sabia manusear bem a espada que parecia uma espécie de imitação de wakizashi. Era noite e poucas pessoas andavam por aquela região da cidade nesse horário, o combate estendeu-se por alguns metros quando o homem magro parou cansado e puxou um objeto cônico de dentro da armadura assoprando-o em seguida, o som de uma corneta preencheu a noite, ele ria alto depois do sopro, com a risada cortada pela respiração difícil.

– Por que ri homem?

Ele apenas ria. Shinji adiantou-se decidido a acabar logo com aquilo, desarmou rapidamente o homem e pôs a lâmina de sua espada na garganta dele.

– Por que ri?

Ele engoliu o seco, mas falou.

– Há! Você está morto! Os soldados de elite do Arashiryu virão te pegar!

– Por que está tão certo disso?

– Essa corneta foi feita pra ser usada quando sua laia estivesse por perto, sua gente não merece viver!

E tentou correr empurrando Shinji, mas foi trespassado por trás por ele, caindo logo em seguida morto. Era o suficiente para Shinji perceber que não poderia mais viver ali, o som de marcha se aproximando era o sinal de que o magrelo havia falado a verdade, limpou a espada nos trapos do homem e correu para as montanhas, a fronteira mais próxima.

Já estava no topo da montanha se aproximando de uma casa que parecia estar vazia, quando a porta desta se abriu, Shinji pulou assustado já sacando a espada, mas tropeçando em seu hakama e caindo sentado. Enrubesceu constrangido, mas já se levantava preparando-se para lutar. Gotas de chuva começavam a cair de leve sobre ele.

A pessoa na porta da casa rodeada de árvores usava um chapéu de palha redondo grande que lhe cobria os olhos, mas sua pele era clara e limpa, parecia muito jovem, usava um kimono, mas não parecia estar com as mãos dentro deste. Não parecia estar portando armas.

– Ora que sorte a minha, estou saindo de viagem e encontro um guerreiro, estava indo procurar um para me acompanhar pelas perigosas vias que seguirei.

– Quem é você? Gritou Shinji já recomposto.

– Shigero. Quanto cobra para me levar à fronteira?

– Não estou a serviço no momento, tenho problemas maiores para resolver no momento.

– Ora vamos! Três ryo.

Três ryo? Aquilo era muito para uma pessoa que vive na montanha possuir e dar assim, mas se ele estava disposto a pagar por um ronin, então ele deveria ter mais. Guardou a espada.

– Sete ryo.

– Ah! Tudo bem, tudo bem, acredito que vá valer à pena, vamos?

Os dois partiram do lugar em direção à fronteira que ficava depois do rio por trás daquela montanha. Shigero abriu um guarda chuva de bambu e o entregou a Shinji que o aceitou sem falar nada. Ele era muito ingênuo, Shinji pensou. Mais à frente e estavam próximos de um dos pequenos rios que se originavam do que deveriam cruzar se seguissem a estrada onde estavam, mas se fossem pelo rio, seria um pouco mais rápido apesar de difícil devido às pedras do caminho.

Mais à frente na ponte viam-se luzes de tochas e o barulho de galopes de cavalos vindo à direção deles. Tentado disfarçar Shinji aponta para o rio e sem contrariar Shigero apenas o segue rio acima, o caminho era pior do que ele esperava ser, muito escorregadio e barulhento, mas necessário para o momento, se descobrissem que era procurado pelo daimyo, poderia perder muitos clientes e futuros clientes.

Já estavam chegando ao rio, mas para isso precisariam atravessar uma ponte de pedra que ficava acima dele. Tochas cobertas nas extremidades da ponte iluminavam o caminho para viajantes noturnos, mas o único som que se ouvia era o da chuva chocando-se com a natureza à volta deles e isso o preocupava. Decidiram continuar com cautela.

Subiram de volta para o caminho que dava na ponte, pois o rio já ficava fundo na parte em que estavam chegando e de ambos os lados só havia árvores e rochas, mal subiram e foram recepcionados por uma saraivada de flechas que foi prontamente bloqueada pelo guarda chuva de bambu de Shigero sendo segurado por ele mesmo. Muito rápido! Shinji só percebeu por que o guarda chuva estava na sua mão, senão não teria percebido o movimento dele.

Três arqueiros no outro lado da ponte, o lado que não pertence ao clã Arashiryu, caso eles consigam atravessar, não poderão ser atacados, isso seria uma afronta ao daimyo do outro território, mas aqueles arqueiros não estavam vestidos como membros do clã e sim como bandidos. O daimyo era esperto! Mas não havia tempo para isso. Correu na direção dos três, já seria novamente alvo de mais flechas não fosse o guarda chuva de Shigero novamente, sendo desta vez usado para defesa e ataque, arremessado por Shigero como uma lança no rosto do arqueiro do meio, este caindo de costas no solo e os outros dois sendo atacados por Shinji e sua lâmina rápida.

Tão logo os três caíram no chão, mais cinco homens portando espadas muito afiadas e reluzentes para serem meros bandidos saem da mata densa que beira a estrada de Tajima logo à frente.

O combate que se segue é difícil, Shinji consegue conter a maioria dos golpes, mas é atacado de forma sincronizada de modo que não consegue contra-atacar nenhum dos cinco, quando um deles finalmente cai no chão ao atingir de leve o ombro de Shinji, que sangra manchando seu wagi azul com seu sangue. Às costas dele está Shigero, já se movendo na direção de outro samurai pegando-o também desprevenido na garganta e matando-o no processo.

Shinji não pára para pensar, continua atacando, desta vez conseguindo uma luta mais justa contra dois deles, parece que sua estratégia só funcionava com cinco deles vivos, por que estes dois não estão conseguindo o mesmo desempenho de antes. O outro lutava contra Shigero que se esquivava com grande habilidade dos golpes de espada enquanto o atacava com socos, chutes e outros golpes de mão.

A luta durou por mais alguns minutos, a chuva já torrencial, quando na noite em que o clã Himoto começou a ser caçado, Shinji sentiu isso em seu íntimo sem entender por que, mas manteve-se. Ele estava com o ferimento no ombro sangrando pouco, mas ardia ainda assim e Shigero ia pegar seu chapéu no chão pacientemente enquanto tirava as flechas de seu guarda chuva inutilizado pelo combate.

Estavam livres, haviam cruzado a fronteira entre Harima e Tajima, se o daimyo foi capaz daquilo, seria capaz do mesmo caso os vissem ali parados. Olhando para o rosto de Shigero, percebeu que o conhecia, era um de seus antigos companheiros de clã.

– Então era por isso que queria passar pela fronteira. Disse Shinji a ele. Por isso ocultou seu verdadeiro nome e rosto de mim, seu irmão!

– Era necessário, quando ouvi o toque sabia que a hora de partir havia chegado, parar para conversar nos tornaria alvos fáceis.

– Sim. Vamos sair logo daqui irmão, acredito que ainda possa haver mais de nós vivos em Tajima, não devemos ser os únicos a tomar essa decisão.

– Sim.

Mas antes de continuarem se abraçaram fortemente, um dia sua família foi desunida pela guerra, agora a possibilidade de reunião mostra-se calorosa apesar do frio da trazido pela chuva sobre eles. E assim prosseguem rumo a Tajima.

2 comentários em “Cortes na Chuva (Marquidones Morais)

  1. Anorkinda Neide
    10 de outubro de 2014
    Avatar de Anorkinda Neide

    Uma narrativa de ação, não tenho experiência nesse ramo pra palpitar, mas me parece q está tudo ai… Parabens pelo conto!

  2. Ledi Spenassatto
    8 de outubro de 2014
    Avatar de Ledi Spenassatto

    Para mim faltou um quê… Não me prendeu tanto quanto gostaria. Mas não desista, por favor?

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Publicado às 6 de outubro de 2014 por em Contos Off-Desafio e marcado .