Era mais uma manhã como todas as outras na pequena fazenda, Joshua havia acordado um pouco mais tarde naquele dia de sábado dando graças a Deus por não ter aula, seu pai o havia chamado para que o ajudasse nas plantações, mas pelo jeito esquecera-se de chamar-lhe, pois já passava das sete e meia em seu despertador, que pelo jeito falhou, e seu pai sempre saía antes das sete para a roça.
Ao chegar à cozinha comeu junto à sua mãe, Sara, e sua irmã mais nova de seis anos, Rose. Entre uma conversa e outra terminou esquecendo-se da hora e já passava das oito e meia quando estava finalmente pronto para sair para o mundo, porém, antes que pudesse pôr o pé no tapete de boas vindas da casa, seu pai, o velho Morgam, um homem alto, forte e já marcado pelo trabalho do campo, entrava no alpendre da simples casa com uma enorme sacola em suas costas.
– Estou ficando velho Joshua! Em breve precisarei mais de você no campo do que imagina.
Ele mancava, mas não demonstrava sentir dor pela sua perna direita, quase a perdeu para um cachorro selvagem meses atrás. Na enorme sacola trazia legumes e verduras recém-colhidas para, pelo menos, uma semana de alimento. O dia passou normalmente e o domingo finalmente havia chegado.
Mesmo sendo domingo, Morgam havia chamado o filho para lhe ajudar arando a terra, tinha apenas doze anos, mas já podia ajudar de alguma forma. Após algum tempo cuidando dela resolveram andar pelas imediações quando avistaram o cadáver de um cachorro, morreu de fome provavelmente, e muitas abelhas e outros mosquitos voavam sobre ele.
Os dois passaram longe para que as abelhas não lhes atacassem. Mais adiante viram um grande cacho de abelhas preso a um grande galho de uma árvore e deste escorria mel, havia poucas abelhas em torno dele e Joshua virou para seu pai como se quisesse ir lá pegar um pouco de mel.
– Não! Abelhas usam muitos materiais para fazerem mel, não só polens de flores existem algumas que usam lixo e até mesmo sangue e carne de animais mortos.
Por um momento Joshua sentiu-se decepcionado com a notícia, mas ainda assim o mel parecia muito gostoso. Ficou olhando para ele enquanto escorria pelo tronco da árvore e babava com aquela cena, imaginou-o escorrendo pela sua garganta, quando voltou a si, seu pai seguia mais à frente chamando-o.
Na noite daquele dia discutiram sobre o mel, seu pai mandou que ele lesse a história de Sansão na bíblia e ele entenderia, disse capítulo, livro e chegou a marcar a página inicial para que Joshua visse onde estava, mas ele deixou de lado, nunca gostou muito de ler, muito menos um livro cheio de letras e grosso como era a bíblia.
Sem dar ouvidos ao pai, Joshua perguntou ao dono da bodega onde costumam comprar coisas como espantar abelhas do cacho para se pegar o mel, aproveitando o tempo que ele tinha depois da aula e antes de ir para casa. Por sorte ele tinha o material necessário em casa.
Foi um pouco difícil no início, mas logo ele estava com um punhado daquele mel grosso em suas mãos correndo das abelhas remanescentes. Quando viu que havia despistado-as, sentou-se sob a sombra duma árvore distante de sua casa e saboreou seu troféu. Era delicioso, muito mais gostoso do que esperava e era só seu, cuidou para que não ficasse uma única mancha de mel em sua mão, lambeu tudo que conseguiu.
Enquanto andava tirou o excesso de sujeira da roupa e voltou para casa. Todos estranharam a hora que chegou e quando foi perguntado sobre o porquê de seu estado, dizia que ficara para brincar com seus amigos e havia se esquecido de olhar o relógio, que quando se deu conta já havia passado a hora de ir para casa, terminou indo lavar-se. Sua mãe e irmã não deram atenção, mas seu pai o acompanhou com o olhar sem tocar em seu lanche da tarde até perdê-lo de vista.
A noite daquele dia em particular foi inquieta para Joshua, quando sua mãe foi examiná-lo durante a madrugada percebeu que estava com febre e deu um carão no filho por brincar até tarde. Na manhã daquele dia, logo cedo, acordou com o barulho que seu pai fazia ao tentar pegar algumas abelhas que rondavam seu quarto. Quando acabou, seu pai não lhe dirigiu a palavra, parecia chateado com algo, será que ele descobriu? Mas como? Deve ter sido impressão, devia estar chateado com as abelhas.
Naquele dia também não foi à escola, ficou em casa descansando e sonhou que andava com seu pai pelos campos e ouvia o zumbido de um enxame de abelhas, ao passar por uma colina viam um garoto debruçado sobre um animal no chão, ele parecia estar puxando as entranhas do animal e levando-as à sua boca. Quando se aproximava do garoto, este virava a cabeça para Joshua e sua cabeça era de uma abelha, em um piscar de olhos o garoto estava totalmente transformado em uma espécie de menino-abelha e outras abelhas gigantes apareciam e vinham na direção de Joshua. No momento em que o menino-abelha chegava perto ele acordava gritando.
A febre continuou por uma semana, quando ele melhorou, mas nesse meio tempo várias abelhas tentaram se aglomerar na parte externa da janela de seu quarto, seu pai não permitiu e as matou enterrando-as longe da casa. Dali a mais uma semana descobriram que aquelas abelhas eram só uma distração: outras haviam construído um cacho de um palmo em outro lugar sem chamar a atenção deles. Durante a tentativa de queimá-lo, quase incendiaram a casa.
Joshua continuou indo na árvore onde se encontrava o cacho de abelha para tirar mais de seu delicioso mel durante um mês. Depois de um mês indo cerca de duas vezes por semana e aumentando gradativamente a freqüência de idas ele precisou parar, pois sua irmã havia desaparecido durante a noite e estavam todos procurando por ela. Vizinhos, autoridades e a cidade mais próxima, Junction, foram notificadas de seu sumiço, cartazes espalhados e a notícia sendo repassada. Sua mãe não conseguia esconder a aflição.
Ele teve outro sonho como o que tivera anteriormente com o menino-abelha, mas desta vez o sonho fora mais forte: o cadáver era de uma pessoa e quem estava se alimentando dele antes de se transformar em uma abelha era ele próprio! No pesadelo ele estava sob uma árvore muito maior do que a do primeiro sonho e algo viscoso pingava em sua testa, quando passou a mão sobre sua cabeça viu que era sangue. Joshua mais uma vez acordava de um pesadelo enigmático. Nada fazia sentido para ele, estava muito confuso.
Mas sentiu que realmente havia algo viscoso em sua cabeça, já desesperado passou a mão nela gritando esperando o pior, mas ficou surpreso ao ver que era mel. Seu pai veio vê-lo e ele lhe contou o que aconteceu, ele nada disse, apenas olhou para o teto e saiu do quarto mandando que ele levasse sua mãe para fora da casa e que ele pegasse o material inflamável para que fossem destruir outro cacho de abelhas.
Ele o fez, subiram então no sótão da casa, um lugar visitado poucas vezes no ano por Joshua, ao abrirem a porta que dava para o lugar escuro, logo ouviram um som de abelhas, muitas abelhas! Os dois subiram ao mesmo tempo prontos para incendiar tantas quantas aparecessem e Joshua não conseguiu conter o pânico ao ver que além do cacho, que se localizava sobre seu quarto e que já estava maior que a televisão da casa, o cadáver totalmente dilacerado de sua irmã jazia ao lado dele e que de um orifício feito pelas abelhas nela escorria o mel que havia caído em sua cabeça naquela madrugada.
Seu pai com lágrimas no rosto gritava enquanto despejava labaredas de chamas sobre o cacho gigante à sua frente pressionando um spray de veneno inflamável com um isqueiro aceso à sua frente.
– Jogue álcool! Gritava Morgam para Joshua.
Joshua então pegava pequenos punhados de algodão molhado do álcool contido na garrafa que trazia consigo e tentava jogar sobre o cacho. Depois jogando o próprio álcool sobre o cacho, mas seu medo lhe fazia tremer muito, o que espalhava o álcool por todo o sótão à sua frente. Logo o lugar já estava em chamas e não havia como apagar o fogo sem correr o risco de levar milhares de picadas. Em sua falta de habilidade Joshua acabara queimando a si próprio enquanto tentava apagar o fogo que queimava em sua direção, estava com os braços úmidos pelo álcool que tentava inutilmente mirar nas abelhas.
Logo o cadáver de sua irmã estava em chamas e o seu queimava como se estivesse vivenciando o inferno do qual o padre sempre falava. Havia ele pecado? Estava ele no inferno ou sentindo seus efeitos por ter desobedecido a seu pai? Ou por que havia bebido, indiretamente, o sangue de um animal e, pior, o de sua própria irmã?
Isto já não importava mais! Estava vendo as abelhas que ainda tentavam lhe atacar queimarem ao se aproximar e caírem incineradas no chão antes de conseguirem alcançar sua pele com seus ferrões. As chamas já dominavam todo o sótão e ele já não via mais seu pai e antes de perder os olhos para as chamas naquele ardor infernal, teve a impressão de ver o conjunto de abelhas que ainda protegiam o cacho, que pouco a pouco ia se deteriorando, formarem em no ar uma caveira humana de abelhas em chamas voando em sua direção.
Do lado de fora, o velho Morgam e sua esposa Sara terminavam de levar o pouco que haviam conseguido salvar parando para ver sua casa sendo consumida pelas chamas enquanto ouviam os gritos de seu filho, que misturava terror e dor, segundos antes da viga principal da casa cair, cessando o grito do garoto. Sara estava ajoelhada sobre a grama na frente da casa em choque enquanto Morgam mascava fumo vagarosamente.
– Está vendo? O mal de um quase nos tirou a vida! Pelo menos ele não vai mais causar sofrimentos, se crescesse seria um problema, mas Rose seria um exemplo de pessoa. Como sempre, o mal carrega consigo o bem que não consegue se manter pelas próprias pernas.
Sara virou-se para ele com os olhos desfocados, mas com a expressão transtornada pela frieza do marido.
– Eu sinto pela nossa menina, venha, levante-se!
E puxou-lhe pelo braço apoiando-a em seu corpo enquanto andava devagar e mancando para longe da casa em chamas, que agora já não tinha mais teto.
Sem olhar para trás.
Infere-se do trecho “Ficou olhando para ele enquanto escorria pelo tronco da árvore e babava com aquela cena, imaginou-o escorrendo pela sua garganta […]”, inserido nesse conto, que o narrador é onisciente. Também é possível afirmar que tanto o pai quanto a mãe de Joshua são personagens planas. A caracterização do protagonista se deu de modo fragmentado, fica a impressão de que falta algo. Considero viável o fragmento “[…] Como sempre, o mal carrega consigo o bem que não consegue se manter pelas próprias pernas”, pois, assim como as fábulas, transmite a outrem uma lição.
O primeiro parágrafo tem 6 linhas e somente um ponto. Melhor desmembrar um pouco, não? As vírgulas também merecem lugar.
Como Maria Santino, notei a repetição de “abelhas” quatro vezes e muito próximas. A dica de M.S. é boa, aproveite.
Acredito que o uso de cacho no lugar de colmeia tenha sido proposital,uma espécie de licença poética. Assim como MorgaM no lugar de MorgaN me incomodou um pouco.
Perdi um pouco o fio da meada, digo, da narrativa, mas gostei do final.
Há vontade de escrever, de expressar essas narrativas que se debatem em sua mente. Então, escreva, mas vá lapidando aqui e ali, sem limitar a criatividade.
Olá!
Você é o rapaz que escreveu aquele conto das cinco bruxinhas (Iniciação), não é? Bem, li seu conto e vou falar só da trama, ok?
Não compreendi bem o que o pai do garoto quis dizer (será que perdi algo? rs). Senti muita frialdade para um pai. Mas eu gostei bastante das imagens. Gosto de tudo que remete ao campo, vida rural, sabe? Por isso gostei do clima.
Se me permite, posso dá uma dica? (Aff! Eu disse que ia falar só da trama… rsrs), bem, observe: se o texto é sobre abelhas, há outras palavras que podem ser usadas, para que não fique repetitivo. Abelhas = inseto, animal, bicho, seres…
Paro por aqui. Um abraço.
Obrigado pelas dicas.
De quais trechos você não entendeu as palavras do pai?
Ah, sim! Faz parecer que o moleque era DU MAL, porém não há referencia disso antes, o que soa brusco quando o pai fala. Reafirmo que gostei do clima. Abração!