As duas andavam abraçadas. Vez ou outra as unhas grandes e vermelhas da primeira espetavam a segunda, mas elas não se importavam. Era bom aproveitar aquele momento, pois não sabiam até quando duraria. Ambas tinham quase o mesmo tamanho, mas não sabiam se uma tinha crescido ou a outra diminuído. Talvez os dois ao mesmo tempo.
Ah, o tempo… Como passou depressa! Refletiam enquanto passeavam no parque. Até que, ao longe, ouviram os gritos afoitos das crianças:
− Bruxa, bruxa, bruxa!
A menina ameaçou ir atrás dos rapazes, mas a avó pediu que ela não se importasse com aquilo e apenas voltasse a caminhar do seu lado.
− Não se magoa quando a chamam de bruxa, vó?
− Não, sabe por quê? – ela vez uma pausa, atiçando a curiosidade da neta. – Toda mulher é uma bruxa, Estefânia.
− Eu não sou uma bruxa! − A garota gargalhou de uma forma carinhosa do que a senhora havia dito.
− Quer que eu te prove?
− Quero! – a neta respondeu em êxtase.
Elas apenas continuaram a caminhada. A menina, empolgada, ansiava pela comprovação do que a avó havia dito, mas nenhuma palavra foi proferida. Começou a olhar ao redor, com cautela, como se olhos acompanhassem os passos lentos da senhora.
Uma garotinha corria na grama, quando tropeçou nos cadarços desamarrados e caiu. Em outro momento, Estefânia correria para ajudar, mas se conteve. Não queria sair do abraço macio da avó. Apenas acompanhou o cenário e enquanto passavam, ouviu a conversa entre mãe e filha.
− Vou assoprar e logo vai passar – a mãe disse para a menininha, segurando seu joelho ferido, assoprando com precaução. – Viu?
A criança sorriu, confirmando o que a mulher havia dito e logo voltou a brincar com as outras.
Entardecia quando o sinal da escola tocou. Não demorou muito e a praça estava recheada de adolescentes uniformizados. Estefânia não via a hora de crescer o suficiente para frequentar o ginásio. Talvez no próximo ano, se passe em história. Lá as meninas pareciam mais bonitas. Trocavam conversas entre si e não paravam de mexer nos longos cabelos, atraindo a atenção dos rapazes.
− São, na verdade, umas bobas – ela desprezou, com uma pontinha de inveja.
− O que disse, querida? – a avó perguntou, disfarçando um sorriso.
− Nada, pensei alto.
As duas sentaram-se em um banco vazio, a senhora já estava cansada. Não tinha mais a força que foi transmitida na juventude. Sabia que havia chegado o tempo.
− Você completou apenas onze anos, minha pequena. Ainda irá descobrir muitas coisas sobre a vida. Eu mesma já fui uma jovem muito difícil!
− Você vó? – a menina desacreditou. – A senhora é a pessoa mais bondosa que conheço!
− Nem sempre, minha filha. Nem sempre foi assim… Fui uma garota muito rebelde. Você também será, mas é inteligente, saberá qual caminho tomar.
− Quero me inspirar na senhora.
Marta deu um longo suspiro, recordando o ódio sentido da própria avó. Agora consegui entendê-la, completamente.
Estefânia ainda olhava distraída para os jovens. A avó aproveitou para deixar a bolsa cair propositalmente e tocou o chão sem chamar a atenção da menina. A terra estava molhada, propicia. Sentiu dificuldades para se abaixar, por conta da idade avançada, mas o poder que brotou dali revigorou suas forças.
− Nem toda bruxa é ruim – a avó tentou chamar a atenção da neta. – Por isso que não me importo.
A garota respondeu com um sorriso. A senhora olhou para o lado direito e na terra que havia tocado nasceu uma rosa branca. Jovem e viva. Duraria longos e longos anos. Já era tempo, ela pensou. Apanhou a flor, tomando cuidado com seus espinhos, cuidando para que a raiz permanecesse intacta.
− Para você – estendeu para a neta. – Cuide bem dela.
− Vó, é proibido arrancar flores dos jardins!
− Calma, ninguém vai perceber. Vamos logo para casa, antes que sua mãe descubra que saímos escondidas, preciso descansar.
O que estava feito, estava feito.
Estefânia aceitou, percebendo o quanto a avó era uma velhinha inconsequente. Segurou a flor e sentiu o poder que vinha dela, mesmo sem compreender direito o que era aquilo. Apenas lembrou-se do que a avó havia dito: toda mulher é uma bruxa. Quem sabe aquilo tinha mexido com a sua cabeça, fazendo-a sentir coisas que não existiam.
Como o vento do entardecer. O bater das asas dos pássaros. A água do lago. As crianças correndo. Abelhas zunindo e poderia jurar que ouviu o desabrochar de uma flor. As folhas das árvores cantavam. Sentiu a diferença que vinha ao pisar no cimento e depois na terra. Respirou fundo e considerou aquilo natural, estava do lado da pessoa que mais amava no mundo.
− Pensando bem, parece a roseira que a senhora tem no quarto. Vou cuidar para que ela dure tanto quanto a sua.
− Faça, faça… – ela apenas sussurrava. – Agora vamos nos apressar. Parece que vai chover.
A menina não entendeu o motivo pelo qual a avó disse aquilo, já que estava um belo dia, mas resolveu não contestar. Apresaram-se para casa e, enquanto procurava um vaso para sua flor, não percebeu que a senhora caminhou para o quarto, chorosa.
Marta entrou em seus aposentos esgotada. Sentia o poder escorrendo do corpo, como se fosse líquido, fazendo com que caísse no chão. E lá estava ela, já murcha, esperando sua companheira. A rosa que foi passada de avó para neta há muitos anos atrás. Uma lágrima escorreu dos seus olhos ao vê-la sem vida, mesmo sendo tão bem cuidada. As mudanças novamente aconteceriam, esperava que a filha, religiosa, que nunca aceitou a situação, pudesse tomar o controle de tudo. Um ciclo acabava para o outro começar. Seriam tempos difíceis de provação.
− Vó, vem ver o vaso que consegui para plantarmos a rosa.
A menina batia na porta, mas ninguém escutou.
Gostei muito da história, deixou um gostinho de quero mais… Se você, autor, der continuidade, me avise por favor, fiquei louca para ver a reação da mãe da menina e acompanhar o momento em que a neta se percebe realmente bruxa! rsrs
Cenas comoventes, envolventes e criativas. Parabéns!!!
Achei bacana a rosa como símbolo da transferência do poder. O final é tocante. Mas o conto em si, não empolgou.
Uma visão diferente sobre bruxas, bem mais suave que os demais contos. A narrativa está legal, apesar de alguns errinhos, mas nao traz nada de muito “wow”. Poderia ter um clímax em alguma cena.
É uma faceta diferente do que li neste desafio. Uma estória de ternura. A relação de uma avó e sua neta. O último sacrifício no inevitável ciclo da vida.
Ainda bem que nem toda bruxa é ruim.
Parabéns e boa sorte.
Quem não se comove com contos com avós, não é mesmo? Tirando as poucas escorregadelas por falta de revisão, um bom conto, ainda que a parte da bruxaria tenha ficado em segundo plano.
Boa sorte.
Que encantador! Sinceramente, me tocou a história. Apesar de ser uma história até previsível, a construção dá um charme especial, os diálogos também são bons. Parabéns!
Gostei bastante da abordagem do tema : os ciclos do feminino, da vida, a integração com a natureza, como se o autor trouxesse o universo wiccano sutilmente para a história de duas mulheres, uma velha e uma menina. Um bom texto.
Leve definiria o conto. Chega a ser gostoso, nostálgico sentir a inocência da garota. A ideia de poder cíclico é um clichê, mas foi bem trabalhada. Parabéns.
Um conto simples, mas este é um fator que eu valorizo muito. Não são tantos autores que conseguem passar uma mensagem concisa e simples como você o fez. O fado da morte é superior ao da magia, mas o ciclo da existência é comum a todos, pelo que percebi. Parabéns e boa sorte.
História bacana. É legal fugir um pouco da recorrente “bruxa má”, e o fato de a “passada de bastão” se dar através de uma rosa é bastante significativo e icônico. O autor escreve bem, apesar de pequenos erros de digitação, nada que uma revisão não resolva. Bom trabalho.
Bom conto, bem meigo. Acho que deveriam ter sido colocados mais alguns exemplos de como todas as mulheres são bruxas, gostei da parte em que a mãe ajuda a filha que caiu. Houve um pequeno erro que passou batido pela revisão: “ela vez uma pausa” ao invés de “ela fez uma pausa”
Parabéns e boa sorte no desafio.
No geral, até que gostei.
O conto é morno, sem grandes acontecimentos e reviravoltas, mas não deixa a desejar também. O único trecho em que me fiquei perdido foi no “se passe em historia”, tirando isso o resto foi de boa.
Bom conto!
Parabéns e boa sorte!
Muito bonita a história, acho que merecia ter mais que só um conto… Uma novela, por exemplo. Parabéns rs
Que história legal! Marcante e bem escrita, tendo de parabenizá-la.
Opa, contão bem escrito. Gostei muito, tanto da velha como da garota, a história vai seguindo as duas pelo caminho e nos deixando cada vez mais perto delas. Torci demais pra coisa acabar bem, mas não teve jeito. Apesar de não ter terminado como eu queria, gostei muito do final. Parabéns.
Bonita história.
O que gostei:
Conto bem escrito e com uma sensação de nostalgia. Parecia mais uma lembrança do personagem principal, e gostei disso.
O que não gostei:
O final achei um pouco fraco. Sei lá, poderia ter algo mais.
Melhorar:
Traçar um final legal, com mais desenvolvimento.
Gostei. Um bom conto: delicado e bonito. A linguagem foi simples e há um tantinho por arrumar quanto à pontuação.
Gostei. É bem por aí mesmo.
======== ANÁLISE TÉCNICA
Muito bem escrito, conseguindo transmitir a ternura do conto com a escolha das palavras, sem abusar de adjetivos e outros malabarismos.
– ela vez uma pausa
>>> fez
– Você vó?
>>> Você, vó?
– Agora consegui entendê-la, completamente.
>>> conseguiU ? conseguiA ?
– Apresaram-se
>>> Apressaram-se
– entrou em seus aposentos esgotada
>>> entrou em seus aposentos, esgotada
======== ANÁLISE DA TRAMA
Bom… achei que ficou tudo muito “água-com-açúcar”. Não há nenhum momento de tensão, nenhuma expectativa criada. A leitura se segura apenas na qualidade/leveza da escrita.
Foi pouco.
======== SUGESTÕES
Tentar, de alguma forma que não sei como, adicionar um pouco mais de emoção à história.
======== AVALIAÇÃO
Técnica: ****
Trama: **
Impacto: ***
Muito bonito, singelo e emocionante.
Obrigada por esta leitura.
🙂
Gostei da história! A escolha do título também foi muito bem sacada. Faltou um pouquinho mais de revisão no texto, pois achei uns 3 ou 4 errinhos de digitação, certamente. Muito bem escrito e com um saudosismo resiliente que impregna todo o texto como um perfume floral. Gostei da pegada do(a) autor(a). Um texto rápido, ágil e que, como os momentos mais marcantes, deixa saudade ao final. Parabéns!
Boa sorte! 😉
Paz e Bem!
“Talvez no próximo ano, se passe em história.” – Escapou da revisão, seria SE PASSASSE em história.
“Quem sabe aquilo tinha mexido com a sua cabeça (…)” – Aqui seria melhor:TIVESSE mexido com a sua cabeça
O conto é bonito, retratando a cumplicidade entre avó e neta. O poder feminino herdado – toda mulher é uma bruxa. Achei que faltou algo no final, embora a última frase tenha surtido um bom efeito. Boa sorte.
Realmente o pessoal deixou para postar os melhores no fim. Este texto é lindo. Não tenho palavras para descrever a poesia expressa em cada linha.
Gostei do conto, mas ao final senti que algo ficou faltando, vou tentar explicar. O começo é muito bom, prende o leitor, ainda mais quando o autor cisca – mas não completa como eu queria – naquela ideia de que toda mulher é uma bruxa, como a que assopra o machucado da filha, fazendo a menina rir. Um conto seguindo essa ideia seria algo sensacional. Mas, enfim, o texto não vai nessa direção, mas mesmo assim achei interessante a caminhada das duas, os diálogos, a diferença entre as gerações e tudo mais. Meu problema foi no último parágrafo, tudo pareceu meio corrido, do nada, sabe-se o que aconteceu com a Marta, cortando bruscamente o terno caminho que se percorria até ali. Como o texto não chegou a 2000 palavras (penso eu), acho que seria legal construir melhor essa ponte, que chegaria nesse belo final criado pelo autor. Bom conto.
O conto me comoveu, por alguma razão. Não tenho laços com minhas avós, mas foi tão doce. Um pequeno fragmento dessa herança sendo passada. Rápido e sem pesares. Gostei da simplicidade da escrita e a estória venceu o proposto. Boa sorte.
Este é o décimo quinto conto que analiso neste desafio.
Provavelmente o(a) contista pretendeu dar uma coloração pastel ao texto, demonstrando, com isso, a naturalidade da passagem de conhecimento de uma geração à outra. Se foi essa a intenção, conseguiu no que se refere ao enredo, uma trama bem prosaica na qual essa transmissão fica demonstrada.
Entretanto, quero crer, essa tonalidade impregnou-se de tal modo na linguagem utilizada que a narração ficou algo desenxabida. Com isso quero dizer que a proposital falta de cor no enredo ficou ainda mais pálida por causa das escolhas narrativas. Como assim? A narrativa (não o enredo) está prosaica demais, ela demandaria um maior uso de figuras de linguagem para gerar encantamento. Claro, na dosagem certa, pois qualquer excesso, neste texto, o estragaria.
Particularmente, o trecho baixo não compreendi.
“[…] fazendo-a sentir coisas que não existiam.
Como o vento do entardecer. O bater das asas dos pássaros. A água do lago. As crianças correndo”.
A frase “como o vento do entardecer” significa “igual o vento do entardecer”? Se for, é estranho, pois ele existe, bem como o bater das asas dos pássaros, a água do lago e as crianças correndo. Digo isso porque o trecho parece ser uma continuação imediata de “sentir coisas que não existiam”.
A revisão do próprio texto é uma bruxa. Quase sempre deixamos escapar algo que só depois de publicado a gente percebe. Neste conto, há um erro de grafia que compromete o entendimento. Refiro-me à palavra CONSEGUI (pretérito perfeito), que deveria ser CONSEGUE (presente). Eis o trecho: “Marta deu um longo suspiro, recordando o ódio sentido da própria avó. Agora consegui entendê-la, completamente”.
Em 31/07/2014
Oi.
Ah! Acabou? Eu estava gostando, queria ler mais. É bacana, mas acho que você pode trabalhar mais um pouco neste conto. A parte que a senhora (vovó bruxa) vai para o quarto (clímax do conto), é muito rápida, não satisfaz o leitor e só cria expectativas. Gostei do clima que você deu ao conto, bem natural e atual. Gostei de imaginar as personagens juntas. Talvez coubesse mais algumas memórias da vovó, alguma reviravolta com a flor que mantém a vida e tals (interessante essa parte da flor).
Há uns deslizes bobos, nada que a revisão não corrija: “ela vez (FEZ) uma pausa…” “se passe (PASSASSE) em história”. E um deslize quanto ao tempo verbal: “A menina batia na porta, mas ninguém escutou.” A MENINA BATIA NA PORTA MAIS NINGUÉM ESCUTAVA, ou, A MENINA BATEU NA PORTA MAIS NINGUÉM ESCUTOU.
Boa sorte!
Ops! Batia à porta e não na porta. Abraço!
Achei terno, sensível e tocante. Muitas vezes a simplicidade é a melhor característica de um texto e aqui isso é seguido à risca, contribuindo para uma leitura prazerosa e ao mesmo tempo instigante. Gostei da construção das personagens, da cumplicidade e da afinidade que existe entre avó e neta, tão algo muito bem demonstrado. Gostei especialmente do final, quando se revela a dinastia que existe no seio da família. Vê-se que a autora não se preocupou em passar uma reviravolta gratuita, o que tornaria o texto artificial. Do jeito que foi apresentado, ficou ótimo. Claro, existem alguns errinhos aí, mas que passam batido ante à sensibilidade da escrita. Enfim, um ótimo conto. Parabéns.