EntreContos

Detox Literário.

Luz no Fim do Túnel (Rafael Magiolino)

Túnel

O sinal soou pontualmente meio-dia e meia. O som ecoou através do corredor e chegou como música aos ouvidos dos alunos na sala 4. Afinal, ao encerrar a semana com duas aulas de matemática, ainda mais quando o assunto era álgebra com o professor mais imbecil da escola, a sensação era de que o momento da saída jamais chegaria.

Todos saíram das classes em poucos segundos, congestionando os corredores com a grande aglomeração de alunos. A animação acima do normal, que incluía gritos e diversas brincadeiras, se devia ao fato de que a terça-feira seguinte era Dia do Trabalho. Ou seja, quatro dias sem aula e nenhum dever a ser feito durante o final de semana.

Gabriel aguardava seus amigos do lado de fora, na rua oposta à entrada do colégio. Diferente deles, já estava no terceiro ano e tinha aulas na sala 6. Como a professora faltara na última aula, todos de lá foram dispensados mais cedo pela substituta.

Raspava uma pedra contra o muro, na tentativa de deixar um desenho obsceno marcado. Entretanto, tudo o que conseguiu fazer foram alguns traços indecifráveis. Viu os dois esperando para atravessar a rua e arremessou a pedra morro abaixo. Ela quicou três vezes no asfalto antes de atingir a lateral de um Civic que esperava a cor do semáforo mudar de vermelho para verde. Gabriel sentiu certa apreensão ao imaginar a dona do carro, uma senhora gorda que aparentava já ter ultrapassado os sessenta anos, descendo e humilhando-o em público. O som havia sido alto, porém tranquilizou-se ao vê-la distraída com uma conversa ao celular.

– Eu vou ficar jogando Playstation sem parar – era Tiago quem falava, enquanto se aproximavam de Gabriel – Faz tempo que não fico em casa à toa, sem me preocupar com estudos.

– Bem que eu queria fazer isso ao invés de ir à praia – Ivan estava com a cara fechada, da mesma forma de sempre.

– Que vício, cara. Eu vou ficar jogando e tudo mais, mas não a ponto de desprezar uma viagem assim.

– Eu odeio sol e areia, só isso. E você vai fazer o quê?

A pergunta havia sido direcionada a Gabriel, que demorou a responder, pois estava distraído. Uma garota na outra calçada captou-lhe toda a atenção. Tinha belos cabelos morenos que iam até a cintura, não era muito alta e sustentava uma mochila vermelha nas costas que, devido a proporção, parecia maior do que ela própria. Sabia que era um ano mais nova, mas não tinha conhecimento sobre seu nome. Continuaria observando-a a tarde inteira caso tivesse a oportunidade.  Conseguiu tornar a si somente após a garota sair de seu campo de visão.

– Eu? Eu vou ficar em casa mesmo, mas nada de vídeo games, nem computadores. Vou ler um pouco de Bukowski e terminar aquele meu conto.

– É uma bicha mesmo. Quem lê hoje em dia, ainda mais com nossa idade? – perguntou Ivan ironicamente.

– Muita gente, agora cala a boca – respondeu Tiago, virando-se para Gabriel – Acaba com aquilo sim e me manda depois. Quero saber como termina.

Gabriel não sabia se Tiago realmente apreciava sua escrita ou se apenas o elogiava como uma espécie de obrigação de sua amizade. De qualquer forma, ele era um dos únicos que dedicava seu tempo à leitura dos trabalhos do amigo e Gabriel sentia-se motivado ao ouvir aquele tipo de coisa. Sempre lhe davam uma razão a mais para acreditar que, no futuro, teria chances de se tornar um escritor.

– Acho que vou escrevê-lo hoje à noite e te mando. Já tenho tudo anotado de como vai ser.

– Tá, que beleza, vamos embora agora. Meus pais tão me esperando para sairmos mais rápido e pegar menos trânsito, como se isso fosse possível.

E, assim, os três iniciaram a caminhada até suas casas. O trajeto levava pouco mais de quinze minutos até ser concluído, isso quando não paravam para tomar um sorvete ou andavam a um ritmo lento.

O sol se mantinha a pino, lançando fortes raios sobre eles. A temperatura se elevara muito em relação a manhã, fazendo-os sentir o peso do cansaço durante os primeiros minutos. Imaginando que demorariam muito, Tiago parou, apoiou a mochila sobre os braços e retirou o celular do primeiro zíper, apenas para confirmar o horário e, logo em seguida, uma ideia lhe ocorreu.

– Ei meninas – disse aos dois – Sei de uma coisa que a gente podia fazer.

Ninguém disse nada e apenas o observaram. Coçou a parte de trás da cabeça e prosseguiu com sua proposta.

– Já que tá muito sol e eu quero chegar cedo em casa, vamos atravessar o túnel. Faz tempo que não passamos por lá.

– Quem sabe eu não tenho alguma ideia melhor para o final do conto, né?

– Você tá escrevendo uma história sobre o túnel? – perguntou Ivan e, logo em seguida, Gabriel balançou a cabeça em um sinal de afirmação – Hum, a ideia parece ser interessante.

– Então vamos lá! – gritou Tiago –Vê se não chora dessa vez em hein Ivan.

– Vá a merda. Aquilo já faz tempo e eu não tava chorando!

Gabriel olhou os dois amigos correrem em disparada pela rua, sem nem ao menos se incomodarem em olhar para trás para ver se algum carro passava. Naquelas cenas via-se de novo com seus nove anos e percebia que era o único adulto do trio. Riu sozinho e os acompanhou em seu ritmo normal.

A brincadeira do túnel fora um dos jogos criados pelo próprio Gabriel, durante a infância dos garotos. A regra era bem simples: quem conseguisse atravessá-lo andando e sem derramar uma lágrima sequer, era o vencedor. Ninguém nunca vencera. A travessia terminava em uma correria, e outros nem ao menos terminavam. Faziam o retorno na metade do caminho.

Não demorou muito até a nova brincadeira se popularizar no bairro e, justamente por isso, Gabriel escrevia um conto baseado nela. Ficou curioso, mas sabia que era justamente por aquilo que seu amigo também se recordara da infância. Tiago era o único que lia suas estórias e não por mera obrigação igual seus pais.

Enquanto ainda estava sobre a ponte, viu os dois parados logo abaixo. Antes de descer o pequeno morro de terra, olhou para a rua. Estranhou um pouco o fato de que nenhum carro trafegava por ali em pleno horário de almoço. Viu a Scania de uma transportadora parada em frente a um armazém e três outros veículos, dos quais não tinha conhecimento. Uma rajada de vento gélido desceu o céu ensolarado e cortou-lhe a face. Ivan estava agachado logo em frente a entrada, visivelmente tentando se concentrar. Tiago jogava algo no visor do seu celular e, ao ver Gabriel, guardou-o o bolso e estampou o mesmo sorriso de antes.

– Tá legal, quem vai ser o primeiro?

– Eu! Eu!

– Calma Ivan, caramba!

– Você quer mesmo ir? – Gabriel tentava ao máximo ser sensato, pois conseguia sentir o medo mesmo a distância – Pode relaxar, cara, tá tudo bem.

– Não, não, eu vou sim. Vou mostrar pro Tiago que não sou medroso.

– Há, vamos ver se você consegue me provar isso. Só pra te lembrar: Não vale correr nem desistir no meio e nem usar o celular pra iluminar o caminho. Na nossa época não precisávamos nos preocupar com isso, mas agora tudo mudou.

– Pra quem nunca terminou, você até que fala bastante hein? – Gabriel não gostava de tirar sarro do melhor amigo, entretanto não conseguiu se controlar. A resposta recebida fora o dedo médio de Tiago em sua direção.

Ivan se ergueu, respirou fundo e deu dois passos adiante, parando logo em seguida. Colocou as duas mãos na parede de cimento oval, sussurrou algo para si mesmo, uma frase incompreensível aos demais. Gabriel não tinha certeza, mas se fosse obrigado a arriscar, diria que havia sido “Não seja um bundão, você consegue”.

A julgar pela forma como se conduzia apoiado na parede, devia estar com seus olhos fechados. Sua imagem já era uma silhueta misturando-se por entre as sombras e, quando Tiago já se surpreendia – afinal, Ivan sempre entrava correndo ou nem ao menos entrava – saiu correndo gritando e com um semblante de desespero. Sua pele empalidecera também.

Logo ao encalço de seus pés, dois camundongos se aproximavam.

Gabriel não conseguiu segurar uma risada. Eles eram minúsculos e estavam apenas assustados. Tiago, por sua vez, virou os olhos, bufou e explodiu.

– Pelo amor de Deus, você é uma menina, não é possível!

– Não enche meu saco seu merda, eu só assustei.

– Você sempre tem uma desculpa, tá louco. Pelo jeito foi uma péssima ideia vir aqui. Achei que você tinha crescido.

– Pega leve com ele, Tiago – Gabriel havia recuperado a postura – Vai você primeiro então, se tá com tanta vontade assim.

– É isso mesmo que vou fazer. Vejo vocês do outro lado.

Passou adiante empurrando Ivan com seu cotovelo. Hesitou por apenas um segundo, literalmente, e entrou. Pouco depois era possível saber onde ele se encontrava, pois a luz no final do túnel proporcionava essa visão. Não totalmente.

 

Tiago olhou para trás, ainda em movimento, e viu a imagem dos dois idiotas parados. Seus passos chapinhavam na água do esgoto. Apesar de suja, o cheiro de merda não era tão ruim. A luz no fim do túnel já iluminava suas pernas e podia a trilha arborizada no exterior, além de ouvir o forte farfalhar das folhas em suas copas.

Vira uma porção de camundongos pelo caminho, inclusive uma ratazana em certo trecho, mas nada suficiente para deixá-lo em pânico. Faria questão de contar para o máximo de colegas possível sobre a cena de Ivan. Desejava estar com o celular em mãos para filmá-lo. Gostava do garoto. Apenas achava que ele tinha que ser mais homem de vez em quando.

Chegou ao outro lado sem dificuldade alguma, a não ser por um tropeço quase próximo a saída.. Deixou as mãos em forma de concha ao redor da boca e gritou para seus amigos que, àquela distância, pareciam duas crianças de, no máximo, oito anos. Exatamente a idade que tinham quando a brincadeira foi criada.

– Ah, se ferraram! Quebrei a cara de vocês! Aposto que nenhum de vocês vai ter coragem de chegar até aqui.

Gargalhava sozinho quando o vento lançou seu boné para trás, derrubando-o no barro.

– Merda, espero que não tenha sujado.

Ergueu-o em direção ao sol, deu um leve tapa a fim de limpar a pouca sujeira, e recolocou-o, desta vez para trás. Viu Ivan e Gabriel conversando algo, evidentemente em dúvida quanto a quem seria o primeiro e já tinha a concha preparada em mãos, pensando no que diria para provocá-los, quando viu a porta.

Era uma porta retangular, completamente marrom, pois estava enferrujada. Tinha uma trava, da mesma que encontramos em portas de emergência, e uma mensagem escrita, porém era impossível de ler. Estava posicionada justamente em ângulo no qual não era atingido pela luz.

Adentrou o túnel novamente, sem se incomodar com o ninho de baratas logo no degrau de entrada. Esfregou as costas da mão na densa teia de aranha e a mensagem ficou visível a seus olhos. “Manutenção”.

– Engraçado… Acho que não existia essa porta quando a gente brincou aqui pela última vez.

A barra necessitou ser forçada três vezes antes de ser aberta. O rangido fora tão alto que ecoou até a rua e seu impacto fora de tal força que Tiago fez uma careta de dor, mesmo sem se dar conta de sua expressão. Largou-a entreaberta.

As paredes eram pintadas de verde fluorescente, uma cor totalmente incomum para um escritório, indagou-se Tiago. Ao fundo havia uma mesa com um computador quadrado e, logo ao lado, uma prateleira repleta de livros. A maioria eram enciclopédias, mas um ou outro fantasioso se encontrava perdido por ali.

Pressionou o interruptor várias vezes antes de desistir. Uma minúscula janela proporcionava a única iluminação do ambiente. As teias encobrindo quase tudo por ali deixava uma clara noção de quanto tempo, aproximadamente, aquilo não era frequentado.

Era um local mais sinistro que o próprio túnel em si. Entretanto, sabia que ninguém acreditaria nele e talvez nem Ivan, nem Gabriel, tivessem coragem suficiente de entrar. Apesar de escrever coisas de terror, Gabriel não possuía um perfil corajoso, embora aquela fosse uma ótima oportunidade de fazê-lo pensar em um ótimo final para seu conto.

Pegou o celular e selecionou a câmera. Deixara-a ajustada para o modo inverso, pois na última vez que a usara foi para tirar uma foto de si mesmo. Iria deixá-la da forma correta, se não visse algo se movendo na quina da parede, logo acima de sua cabeça.

Acidentalmente  colocou a câmera para filmar. Morreu antes que conseguisse completar a meia volta e ver o que era aquilo.

 

– O que ele tá fazendo? – perguntou Ivan no momento em que entraram no túnel.

– Deve tá querendo pagar de machão. Vamos esperar um pouco no sol. Aqui dentro tá muito frio.

Apesar do forte sol que pairava há pouco, as nuvens o encobriam parcialmente naquele horário. Tinha quase certeza de que choveria até o final da tarde. Se perguntasse a sua avó ela responderia sem ter um pingo de dúvida. Iniciaram novamente a caminhada dentro do túnel e aproveitou o silêncio para trocar poucas palavras com Ivan.

– Oh Ivan, foi mal eu ter dado risada de você aquela hora. Só achei engraçado o tamanho deles, nada demais?

– Você tava rindo? Nem percebi. ­– havia ficado visivelmente sem graça.

– Só um pouco, foi mal mesmo.

– Relaxa. Só não conte pra ninguém, por favor. O Tiago já mai me zoar o suficiente.

– Depois eu tento falar com ele, pode ficar…

O grito de Tiago rompeu o silêncio. Um arrepio percorreu a espinha dos dois. Após um breve intervalo de tempo, quando Gabriel tentaria tranquilizar o amigo de que tudo era apenas um brincadeira, outro grito inundou o ar. Ivan urinou nas calças instantaneamente.

– Meu Deus, meu Deus… – foi tudo o que Ivan conseguiu dizer antes de começar a chorar.

– Calma, cara. Ele só tá zoando a gente – a voz de Gabriel estava com um tom completamente diferente do que o usual e agora era sua pele que estava branca feito neve – A gente já ta chegando onde quer que ele esteja escondido, fica calmo.

Suas palavras de nada adiantaram e não imaginou que funcionariam, de qualquer forma. O curioso era que, naquele momento em que as regras do jogo não se aplicavam mais, suas pernas não correspondiam ao desejo de correr.

– Ivan, escuta bem. Não olhe para os lados nem para baixo. Só segure na minha camisa e vamos.

A parte de cima do túnel goteja, fazendo com que o som das gotas se encontrando com o esgoto que escorria por ali fosse o único som emitido. Os ratos andando nas beiradas pareciam se multiplicar a cada segundo. Inclusive conseguia ouvi-los, os ruídos minuciosos, parecendo que entrariam em sua cabeça a qualquer momento. A luz no fim do túnel já lhes proporcionava brilho suficiente, mas mesmo assim usou a lanterna do celular.

Apesar de nunca ter sido um gênio de ciências, sabia que o objeto encostado poucos metros adiante na beirada era um crânio humano. Direcionou o feixe da lanterna no meio do esgoto e viu que a grande aglomeração de ratos saía do resto de esqueletos que uma vez compôs o corpo de um mendigo, mesmo Gabriel não sabendo dessa última parte.

O tempo todo Ivan manteve a cabeça dentro de sua jaqueta, a qual esticou para frente para que conseguisse se proteger, ao menos era assim que imaginava. Passaram em frente a porta enferrujada e Gabriel a viu entreaberta. No mesmo instante soube que era lá que Tiago fora e talvez o som ouvido anteriormente, uma espécie de rangido, fosse resultado de sua dobradiça.

– Ivan? Ivan! – precisou gritar e balançar o amigo para que lhe desse ouvidos – Vai lá fora, espere por mim lá. Só vou ver se o Tiago tá aqui ou se ele já foi embora. Não vou demorar.

– É sério? – sempre soube que Ivan era medroso, mas aquela cena era assustadora. Os olhos de seu amigo estavam vermelhos e o rosto banhado em lágrimas, além de estar parecendo-se com uma criança ouvindo uma falsa promessa de seu pai.

– É lógico. E antes que você pergunte, não vou falar nada para ninguém.

Ivan caminhou lentamente até a saída. Gabriel não sabia se era apenas o medo que havia lhe deixado de tal forma, ou a visão de ratos para todos os lados também. Sem perder tempo com esses pensamentos, entrou na sala.

Deparou-se de imediato com o que restara do corpo de Tiago sobre a mesa. O tronco inteiro estava aberto e muitos órgãos estavam expostos, apesar de alguns estarem faltando. A parte traseira da cabeça também desaparecera, fazendo com que os miolos e massa encefálica se misturassem ao chão. Seus olhos e boca estavam abertos, encarando Gabriel no fundo de sua alma.

Vomitou poucos segundos depois e em pé, causando um belo estrago em seu uniforme. Viu o celular de Tiago caído e se agachou para pegá-lo. Chegou a se assustar pela forma como seu braço tremia quando o esticou.

A câmera continuava ligada. Pressionou o botão vermelho no centro da tela e começou a assistir a gravação. Não saberia dizer o motivo de ter ficado imóvel na sala abandonada e ver o amigo ser assassinado. Era incapaz de conseguir raciocinar naquele momento devido ao choque e talvez fosse exatamente esse o motivo que lhe impedia de fugir.

Os primeiros quatro segundos resumiam toda a ação do vídeo. O rosto sério de Tiago se virando antes de ser atacado por alguém e depois o celular filmando apenas o chão. Observava as sombras na tela quando um pingo caiu no visor, seguida por outra e o ritmo não parava de aumentar. Sentia um peso se aproximando lentamente de sua cabeça e sabia que estava sendo farejado. Ainda mantendo a calma – novamente efeito causado pelo choque – levou o dedo para mudar a posição da câmera e foi então que viu a criatura.

Olhou-a por menos de dois segundos, mas o suficiente para guardar a imagem para toda a eternidade.

Parecia um homem com o cabelo um tanto desarrumado e o tom de sua pele era um misto de verde com amarelo. Os olhos não passavam de duas órbitas pretas sem vida e a maior parte de sua face estava encoberta com o sangue fresco de Tiago. Sua única vestimenta era um calção marrom e devia ter mais de dois metros de altura.

Conseguiu jogar o corpo para frente e cair de bruços antes de ser morto. O impacto do queixo contra o cimento fora forte o suficiente para deixar-lhe levemente desnorteado. Mais tarde notaria um corte em sua nuca, dificilmente notado devido à quantidade de cabelos encobrindo-o. Quando se virou teve tempo de ver a coisa se movimentando pelas paredes, como se observasse sua presa em uma jaula. Movia-se com as costas na parede e usava as mãos, mais parecidas com garras, para se locomover.

Gabriel viu o sorriso que ela mostrara-lhe e sabia que se preparava para um outro bote. O vão da porta que era sua liberdade estava bloqueado. Ergueu um pouco seu corpo forçando os braços e pernas contra o chão.

A coisa não parava de mover. De um lado para o outro. Olhos fixos em Gabriel. Olhou rapidamente para a quina da parede de onde a criatura surgira e tinha certeza de que ali havia uma espécie de casulo. A fraca luminosidade impedia-o de ter total precisão.

O desvio de seu olhar bastou para que o monstro agisse.

Montou sobre Gabriel, penetrando-lhe as garras profundamente em seus braços. O garoto gritou o mais alto que pôde, sem ter tempo de se lamentar. Precisava continuar forçando o máximo que conseguisse.

A coisa havia aberto sua boca, revelando todos seus dentes afiados. Gabriel conseguia sentir o hálito da morte e a coisa estava pronta para devorá-lo. Seria exatamente isso o que aconteceria, não fosse o rangido da porta enferrujada.

– Gabriel?

O monstro vacilou um instante para olhar quem havia chegado e foi o suficiente para Gabriel dar-lhe uma joelhada e tirá-lo de cima de seu corpo.

– Corre Ivan! Corre, corre!

Os olhos arregalados de Gabriel, juntamente com sua pele esbranquiçada, foram o suficiente para fazer Ivan correr para fora do túnel novamente. Gabriel parou diante da entrada e tentou fechar a porta, porém teve três dedos decepados. A coisa colocara a mão, a fim de impedi-lo.

Segurou a mão contra o peito e foi em direção à luz no fim do túnel. Ivan parecia à quilômetros de distância, mesmo sabendo que poucos metros os separavam. Sentia o monstro em seu encalço e foi derrubado pelos pés, caindo na trilha de terra ao ar livre. Levantou-se sem pensar e continuou a correr até ser impedido por Ivan.

– Corre, cara, pelo amor de Deus!

Hipnotizado e paralisado, Ivan nada disse. Somente permaneceu olhando para o túnel. Gabriel desistiu de fugir e fez exatamente a mesma coisa.

A criatura estava parada ali, exatamente no ponto onde as sombras terminavam, sendo invadidas pelos raios de sol. Mantinha sua postura encurvada para frente, como se precisasse sustentar todo seu peso para não cair.

Ela continuava encarando-os. Apesar de ser apenas uma silhueta na entrada do túnel, ela não se movia e nem retirava o olhar dos dois.

Uma rajada de vento trouxe-os de volta a realidade e viram que as nuvens, em breve encobririam o sol. Não saberiam o que aconteceria após isso e nem estavam dispostos a ficar para saber.

Terminaram a subida do pequeno morro e saíram correndo pelas ruas desertas na direção de suas casas. Sem gritar, sem falar. Apenas corriam.

A criatura permaneceria submersa nas sombras do túnel até saciar sua fome.

17 comentários em “Luz no Fim do Túnel (Rafael Magiolino)

  1. Bia Machado
    12 de julho de 2014

    Li mais como infanto-juvenil do que como terror. Achei um pouco irregular, mas trouxe de volta o clima de textos desse estilo que eu lia quando adolescente. Um exercício para o autor é torná-lo ainda melhor, aperfeiçoar a história. Bom trabalho! =)

  2. Cristiane
    11 de julho de 2014

    Gostei! O suspense leve me envolveu do inicio ao fim.

    Críticas: Uma boa revisão. É preciso também limpar o texto retirando frases desnecessárias e dar um tantinho a mais de personalidade para os personagens, pois acabamos não identificando quem é quem.

    Parabéns pela criatividade!

    Boa sorte no desafio.

  3. tamarapadilha
    10 de julho de 2014

    Fiquei surpresa. Comecei a leitura não muito interessada, mas a medida que fui aprofundando fui gostando. Não diria fantástico, mas com certeza é algo muito bem construído. Concordo com aqueles que disseram que talvez tenha utilizado muitas coisas habituais, os ratos, o esgoto, mas… ficou bom. Não achei o título apropriado.
    Boa sorte.

  4. Pétrya Bischoff
    10 de julho de 2014

    Cara, li esse conto em duas partes. Comecei no meu serviço e terminei em casa. Havia parado na hora que Gabriel entra pela porta, até aí eu estava gostando desses desafios infanto-adolescentes (o túúúneeel -leia com voz macabra), penso que toda infância tenha -e deva ter- algo assim. Mas seria isso, só devaneios infantis; quando “a coisa” apareceu verdadeiramente, me brochou um pouco. No entanto, retomando em casa, senti um gosto diferente, e acabou que gostei bastante. Está tudo ok no texto, com esses ares de ensino médio. Boa sorte.

  5. Thata Pereira
    10 de julho de 2014

    Achei engraçado o pessoal comentar que consideraram o conto de terror, eu tive a mesma impressão do Fábio, um conto infanto-juvenil, mas não considerei terrooooooooooor… rs’ Gostei.
    Na verdade, quando Tiago viu a porta e entrou, imaginei que já fosse o conto dele. Que um dos amigos estavam lendo? Será? Essa resposta não veio no final, mas achei interessante pensar dessa forma. A única coisa (boba da minha parte) que me incomodou foi a presença dos livros. Sei lá, a gente tem mania de colocar estante com livros em todos os lugares, mas dentro do conto achei sem sentido.
    Boa sorte!!

  6. Brian Oliveira Lancaster
    24 de junho de 2014

    Curti. Já disseram muita coisa, então só vou acrescentar o que me chamou a atenção: o tom nostálgico com um “Q” de aventura de crianças dos filmes dos anos 80.

  7. Tiago Quintana
    24 de junho de 2014

    Interessante, me lembrou bastante o “A Coisa” de Stephen King, mas infelizmente não conseguiu criar em mim a tensão necessária para o terror.

  8. Eduardo Selga
    22 de junho de 2014

    Um conto excessivo. Demasiadas cenas colaterais (a do Civic e a da menina, por exemplo), personagem sobrando, um tamanho que não funciona porque a curva que leva gradualmente ao terror é pouco acentuada. Reduzir isso é uma questão de domínio de técnica narrativa, que passa, dentre outros caminhos, pelo uso criativo do clichê, quando não for possível eliminá-lo. Mas no conto, as muitas ações típicas do terror parecem estar presentes apenas por uma espécie de “marcação de gênero”, para lembrar ao leitor que se trata de terror, não por necessidade narrativa. Assim, temos o vento arrancando o boné do menino, o som de dobradiça, túnel, esgoto, monstro, ratos e outros. É tudo muito igual a tudo o que se lê a respeito.

    O enredo se baseia em personagens maniqueístas e estereotipados: temos o covarde (a ponto de se mijar nas calças) e o corajoso (que encara o monstro com uma tranquilidade absurda).

    Como já foi dito, momentos capitais do conto não tiveram trato adequado, como a morte do menino e o fato de o outro perder alguns dedos.

    Faltou cuidado na construção frasal. Em “colocou as duas mãos na parede de CIMENTO OVAL […]” parece que oval é o cimento, não a parede; em “o rangido fora tão alto que ECOOU ATÉ A RUA […]” tem-se a sensação de que a rua ecoa, o que não pode ser, portanto a deveria ser “ecoou até na rua”.

  9. Anorkinda Neide
    20 de junho de 2014

    A história me pegou que nem percebi o tamanhão do conto!!
    Mas a narrativa está bem simples, digamos assim.. e com algumas coisas incomodando… por exemplo, eu me perdi com os nomes dos personagens de tal forma q desisti de saber quem era quem e segui a leitura, para não perder a curiosidade com os acontecimentos.
    Achei o surgimento da tal porta, muito ‘fantastico’… pois os garotos nunca a tinham visto… de repente, lá está ela com um monstro bisonho dentro… faltou um pq disso tudo. Quando o rapaz entrou na sala, pela descrição dela, achei q poderia ser algo noutra dimensao ou uma dimensao psicologica… ficando o conto assombrado ou simbólico, mas realmente, o monstro frustrou-me…
    Afinal, pq os garotos tinham tanto medo daquele tunel? será q havia historias sobre desaparecimento de pessoas ou eles pressentiam o monstro de alguma forma? se nao, vejo um bom exagero no medo dos garotos.
    Bem… desejo boa sorte pra vc e muitos mais contos seus para ler.
    Abraço

  10. Claudia Roberta Angst
    19 de junho de 2014

    Algumas falhas a serem deixadas além do túnel, mas no geral o conto agradou. Não curto muito terror, mas adoro um suspense. Então, o momento da entrada no túnel causou um grande impacto para mim. Valeu. Boa sorte!

  11. David Mayer
    18 de junho de 2014

    Gostei do conto. Ele prende do inicio ao fim, e as partes da ação ficaram boas, com exceção da joelhada contra uma criatura de dois metros ficou meio sem sentido. Mas erros acontecem. E o que careceu também foi a falta de uma caracteristica ou personalidade dos adolescentes, para ele ser lembrado com mais facilidade e imaginado.

    Tipow, o garoto de cabelos encaracolados desceu as escadas…

    o garoto que gostava de escrever entrou no túnel…

    essas coisas, pois as caracteristicas dele poderiam fazê-lo retomar no texto, como um pronome pessoal.

    Mas isso é apenas uma dica que você poderá usar ou não. De qualquer forma, sua escrita é muito boa.

    Parabéns.

  12. Jefferson Reis
    18 de junho de 2014

    Gostei do conto até o momento em que Tiago encontra a porta. A parte de maior tensão foi justamente a entrada desse personagem no túnel escuro, pois fiquei bastante apreensivo. Gostei da descrição e da situação “retorno à brincadeira de criança”. Não gostei do monstro, no entanto. A cor da pele, mistura de verde e amarelo, me fez pensar na bandeira do Brasil, seleção brasileira, Copa do Mundo…

    E há algumas afirmações muito diretas, como já comentadas. O trecho abaixo me incomodou tanto que precisei reler:
    “Acidentalmente colocou a câmera para filmar. Morreu antes que conseguisse completar a meia volta e ver o que era aquilo.”
    Ficou muito simplista.

    Outra coisa também me incomodou: o fato de Gabriel vencer com tanta facilidade um monstro de 2 metros.
    “O monstro vacilou um instante para olhar quem havia chegado e foi o suficiente para Gabriel dar-lhe uma joelhada e tirá-lo de cima de seu corpo.”
    É como se Gabriel tivesse se transformado em semideus, super-herói ou mutante. Quebra a possível veracidade da narrativa.

    Preciso parabenizar o(a) autor(a) pelo excelente trecho:
    “Hipnotizado e paralisado, Ivan nada disse. Somente permaneceu olhando para o túnel. Gabriel desistiu de fugir e fez exatamente a mesma coisa.

    A criatura estava parada ali, exatamente no ponto onde as sombras terminavam, sendo invadidas pelos raios de sol. Mantinha sua postura encurvada para frente, como se precisasse sustentar todo seu peso para não cair.

    Ela continuava encarando-os. Apesar de ser apenas uma silhueta na entrada do túnel, ela não se movia e nem retirava o olhar dos dois.

    Uma rajada de vento trouxe-os de volta a realidade e viram que as nuvens, em breve encobririam o sol. Não saberiam o que aconteceria após isso e nem estavam dispostos a ficar para saber.”

    O(a) autor(a) criou uma sensação de perigo que me deixou alerta.

    Em minha opinião, se o conto terminasse em “Uma rajada de vento trouxe-os de volta a realidade e viram que as nuvens em breve encobririam o sol”, o efeito de continuidade enriqueceria o conto.

    O leitor possivelmente se questionaria: será que o monstro continuará a persegui-los pela sombra ou não?

  13. Edivana
    16 de junho de 2014

    Ah, eu gostei da história. Concordo com a superficialidade em alguns momentos, mas o que mais me agradou foi a primeira morte, já a luta com o mostro, não, foi muito super herói pra mim. Terror é legal, mesmo que não tenha um propósito maior. Agora ele – Gabriel, vai ter material pro final da história. Abraço.

  14. Thiago Tenório Albuquerque
    12 de junho de 2014

    Gostei, o gênero terror é o que mais me agrada e seu texto, apesar de alguns deslises e inconstâncias, consegue cumprir o que sua proposta.
    Gostei bastante do tom despojado infanto-juvenil.
    Parabéns e boa sorte no desafio.

  15. britoroque
    9 de junho de 2014

    Esse conto não é muito legal porque é terror pelo terror. Acho que o terror tem que levar a algo mais, a alguma coisa que está além do terror. É como os contos sobre sexo. Os melhores são os que usam o sexo para chegar a algo mais, sobre psicologia dos relacionamentos ou até sobre amor. O terror também tem que levar a algo mais. Muitos contos de terror são na verdade sobre nossa relação com o medo da morte, ou sobre a superação de medos infantis. Terror por terror é sem graça.

    E, realmente, “a quilômetros” não tem crase. Mas como o conto está bem escrito, isso foi provavelmente mero erro de digitação.

  16. mariasantino1
    9 de junho de 2014

    Fala garoto!
    .
    Contos de terror são sempre uma boa (para mim). Ultimamente não tenho me ligado nos textos que só contam uma estorinha, prefiro quando cabe alguma crítica ou reflexão, mas eu gostei do seu conto, das descrições e da trama.
    .
    Preferia me prender em um único personagem para sentir maior empatia. Quem sabe só focar no Gabriel, o escritor?
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    Desejo sorte e deixo um abração.

  17. Fabio Baptista
    9 de junho de 2014

    Não gostei muito.

    Ficou com uma pegada infanto-juvenil (algo meio “coleção vaga-lume”), que não me agrada mais.
    Demorou um pouco para chegar na trama central, mas isso é bom (na minha opinião), porque esses começos despretensiosos servem como uma boa preparação para começar com o terror (ou também com o humor, conforme comentei em outros contos). Colocar o terror logo de cara faz perder o impacto.

    Da forma que foi colocado ficou legal, mas a ação é meio morna… o suspense não se mantém e o autor acaba utilizando descrições secas demais em momentos cruciais – “morreu”, “teve os dedos decepados”…

    Além disso, esse final foi muito abrupto. Final que deixa em aberto é bacana e tal, mas aqui pareceu mais um corte seco no meio da história (tipo o final do Senhor dos Anéis, com o Frodo no barco… só que ali a gente sabia que ia ter outro filme).

    A escrita não traz nenhum atrativo, mas também não compromete. Está num padrão razoável.

    Alguns apontamentos:

    – congestionando os corredores com a grande aglomeração de alunos
    – esperava a cor do semáforo mudar de vermelho para verde
    >>> Algumas coisas não precisam ser faladas. Não está errado, mas fica meio redundante. Tipo, do que mais o corredor poderia ficar cheio na hora da saída? Alguém espera o farol mudar em outra sequência de cores?

    As falas dos meninos soaram um tanto artificiais em alguns momentos. Às vezes misturando um pedaço que seria normal sair da boca de um garoto, com outro mais rebuscado, tornando o todo pouco verossímil. Exemplos:
    – Que vício, cara. Eu vou ficar jogando e tudo mais, mas não a ponto de desprezar uma viagem assim.
    – É uma bicha mesmo. Quem lê hoje em dia, ainda mais com nossa idade?
    – Na nossa época não precisávamos nos preocupar com isso, mas agora tudo mudou.

    – Vá a merda
    >>> Fui “a”, voltei “da”… precisa crasear! 😀

    – A parte de cima do túnel goteja
    >>> Ocorreu uma variação de tempo verbal aqui

    – à quilômetros de distância
    >>> Essa regra é meio confusa, mas tenho impressão que esse a não leva crase. Se fosse “à distância de X quilômetros” (preposição “de” após a ditância, indicando uma medida precisa), daí levaria. Mas não sei se “à distância de quilômetros” (preposição de com medida imprecisa) leva, por exemplo. Se alguém que domine mais a língua puder ajudar, agradeço.

    Abraço!

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Informação

Publicado às 8 de junho de 2014 por em Tema Livre e marcado .