EntreContos

Detox Literário.

Jasmine (Marjory Tolentino)

Sentiu sua presença. O ar muda com seu perfume, ficando mais leve. Virou-se procurando avidamente com o olhar. Na noite escura, as nuvens escondem a parca luz do luar que teima em aparecer vez por vez. Nesses intervalos, o negrume da noite é tão espesso, que surge à mente o ilusório poder de tocá-lo.

O grasnar de um corvo, pousado morbidamente em uma das lápides daquele cemitério, o faz lembrar onde está. Ali, jazem todos os seus mortos.

“Lugar asqueroso!” ― disse quase inaudível, ao chutar um galho seco. E o era realmente. Mas de certo modo sentia-se seguro ali. Pois é neste ‘lugar asqueroso’ que se refugia quando quer ficar só.

Olhou por toda a extensão do cemitério dos “Lenger’s”. Onde ela está? Não consegue vê-la. Sente seu perfume intenso, como se estivesse ali ao seu lado.

O estardalhaço das asas do corvo provocou-lhe um arrepio estranho, e um frio caustico percorreu sua espinha deixando um rastro de pavor. O que era aquilo que via?

A noite estranha, escura e silenciosa, pode tornar a visão turva e materializar monstros outrora esquecidos. Até mesmo os animais noturnos parecem esconder-se esta noite. Mas o pássaro… Tão negro quanto à própria escuridão noturna o acompanhava, pousando nas lápides esverdeadas e escorregadias, pois o musgo e a umidade nunca as abandonavam. Após alguns minutos de procura, um movimento repetido entre as folhagens de um arbusto acompanhado de um gemido rouco, despertou-lhe a atenção. Pensou no corvo… Este, porém, estava ao seu lado!

Está ali em algum lugar… Era certo! Jamais confundiria seu perfume. O cheiro da sua pele, o sabor dos seus beijos…

Mesmo longe pode sentir o calor de seu corpo e sentir a urgência do seu toque. Está apaixonado… Se pedisse a ele que abandonasse tudo ele iria embora… Não pensaria! Nada lhe importa mais: seus amigos, sua mulher, seus filhos… Nada! Apenas aquele rosto, aquele corpo, aquela voz… Está disposto a se perder para sempre… E isso não assusta. Ao contrário… O excita.

O arbusto moveu-se novamente e um grunhido animalesco cortou o silêncio da noite.

Fitou o corvo. Este moveu a cabeça como para lhe chamar a atenção a alguma coisa que não compreendia.

Voltou sua atenção para as folhagens.

― Jasmine! ― chamou.

Sua voz ecoou no silêncio da noite, e o próprio silêncio obteve como resposta. Enroscou seus pés em raízes que se espalhavam pelo lugar entranhando-se pelos túmulos sem pedir licença.

― Maldição! Apareça! ― exclamou. Ela tinha marcado aquele encontro naquele lugar por quê?

Não deu muita importância na hora, soube que possuía gostos estranhos. E pôde constatar isso na doce mulher um grande número deles em seus secretos encontros nas noites de puro êxtase.

Ela é diferente. Muito mais interessante que qualquer outra. Suas qualidades iam muito além do físico esguio, suave, feito de curvas perfeitas. Uma mulher inteligente como poucas, falava três idiomas e dominava assuntos da política ao bordado com maestria. Perfeita! Como tudo que pudesse vir dela. Por isso não se importou muito com o lugar escolhido para mais um encontro. Talvez de uma forma mística soubesse da importância do lugar para ele…

― Jasmine! ― usou um pouco mais de autoridade em sua voz agora. Estava perdendo a paciência. Afinal já a esperava por duas horas. Mais um pouco e amanhecia.

― Jasmine! Se não aparecer agora, irei embora!… E digo a verdade. ― ordenou desta vez quase sorrindo. Ela brincava com seu desejo em possuí-la.

Caminhou em direção ao arbusto. Animal ou Jasmine agora descobriria sua natureza.

Neste instante há poucos metros viu surgir do emaranhado de folhas um homem. Não podia definir suas feições por que a escuridão não permitia, mas viu algo comprido e longo em sua mão direita que reluziu um brilho trêmulo e na outra um objeto que não distinguiu de pronto. Algo que da base superior pendia… Cabelos?

Longos e negros cabelos como a maldita noite pendiam de uma cabeça que já lhe era conhecida.

O homem arremessou a “coisa” em sua direção parou a seus pés, fazendo com que seu corpo em um ímpeto de asco desse um passo para trás. A expressão do rosto clamava por socorro, pedia por clemência. A boca que há poucas horas havia acalentado seu desejo agora se deformava em um grito mudo, os olhos que o brilho era capaz de ofuscar a alma de um anjo, jaziam estáticos a fitarem em sua direção o vazio.

― Tome! É sua. Se quiser o resto, as folhagens escondem. Pegue! Pois será só isto que lhe caberá desta vadia. ― o homem começou a afastar-se com passos firmes e lentos.

Seu estômago embrulhava, suas mãos suavam, cada fio de seu cabelo pesava em sua cabeça, suas pernas lhe faltavam. Um sabor amargo subiu à sua boca misturando-se ao medo que sentia. Por um instante supôs desfalecer-lhe os sentidos. O rosto da mulher que amava parecia uma má formação feita de cera.

A revolta lhe foi tão grande que mesmo já há uma distância considerável se fez ouvir ao estranho.

― Quem és tu maldito? ― no mesmo momento arrependeu-se de ter indagado.

O homem parou sua caminhada torpe virando-se em sua direção em um movimento lento e pegajoso.

― Sou o que a amou mais que a própria vida, aquele que a tirou de uma vida de entregas, dando-lhe fortuna e conforto. Um ser que existia por ela. Alguém que seria capaz de qualquer loucura dentre as mais sórdidas somente para satisfazer seus caprichos. E que como paga deu-me a visão de seus encontros com os mais variados homens. E por amá-la tanto me neguei a importar. Até o dia em que me disse a sorrir que iria embora com um de seus amantes. Então, deixei que o ódio me dominasse e pensei em acabar com o desgraçado que roubou a minha vida. Mas percebi a tempo que estava enganado. Ninguém a roubou de mim e sim ela se dera a outrem e seria assim indefinidamente. Descobri que fugiria esta noite, segui e subjuguei-a. Dei-lhe a paga que mereceu. Fiz com que sofresse algo muito parecido com que me fizeste. Posso dizer que estamos iguais. A diferença é que a matei só uma vez, ela o fazia todos os dias comigo…

O desconhecido virou-se tão silencioso e lento quanto o pesado ar da madrugada e continuou a sua caminhada.

Para ele o horror tomou uma proporção sem precedentes. Subiu em seu cavalo e voltou para casa a tal velocidade que por vezes, na ânsia de fugir de si mesmo, feriu o garanhão que montava.

Não se sentindo digno da mulher que o esperava, deitou-se em um dos quartos vagos de sua casa. Precisaria mais que dias para digerir tudo que sentia agora.

O sono teimava em não vim e o sol logo despontaria no horizonte. O dia claro e quente lhe enchia de esperanças em sepultar na sua mente os acontecimentos noturnos passados naquele cemitério que serve de cama a tudo que já amou.

Precisava esquecer tudo!

Ainda estava bem desperto quando, em meio as suas divagações ao virar-se na cama sentiu o abraço gélido de um corpo decapitado.

17 comentários em “Jasmine (Marjory Tolentino)

  1. vitorts
    29 de setembro de 2013
    Avatar de vitorts

    Não gostei tanto do início; achei um tanto arrastado. Agora, do meio para o fim (em especial o fim) a narrativa melhorou muito!

  2. Bia Machado
    28 de setembro de 2013
    Avatar de Bia Machado

    Também achei que melhorou muito do meio para o final. O final ficou muito bom. Acho que falta inserir mais elementos que causem a emoção e sensações que o autor quis passar, pelo menos foi o que me pareceu na primeira metade, não criei empatia pela situação narrada, pela escrita que foi desenvolvida. É um material muito interessante para continuar a ser trabalhado.

  3. Fernando Abreu
    28 de setembro de 2013
    Avatar de Fernando Abreu

    Esse cemitério é um dos que mais dá medo. Acho que poderia ter detalhado melhor algumas partes, além de enxugar algumas ações do personagem. Não gostei muito, pois não me prendi ao conto, e essa é uma das coisas que mais valorizo numa leitura.

  4. Diogo Bernadelli
    26 de setembro de 2013
    Avatar de Diogo Bernadelli

    Não sei… houve — e isso é o que me soa mais cabível — um esforço grande e ao mesmo tempo ineficaz para enxertar o cemitério na narrativa. Ele serviu apenas de palco para um crime que poderia ter sido ambientado em qualquer outra parte. Inclusive o final (com um impacto não de todo imprevisível, considerando a frieza que até então dominava a narrativa) não amarra completamente o propósito previsto ao “cemitério dos ‘Lenge’s'”. Além disso, outras coisas soam descabidas: como um sujeito que segue para o quarto, em vez de procurar a polícia, após ter praticamente chutado a cabeça decepada de uma mulher.

  5. Sandra
    25 de setembro de 2013
    Avatar de Sandra

    Gostei do estilo da narrativa. Sugeriria apenas a troca da ênclise (pronomes após o verbo) para a próclise (antes do verbo). Claro que de acordo com a regras. Deixa o texto mais fluido e não fere a norma culta.
    Com relação à história, aquele enorme parágrafo explicativo (“Sou o que a amou mais que a própria vida, aquele que a tirou de uma.[…]) me incomodou. Poderia diluí-lo sob as lentes do narrador ou deixar um bocadim nas entrelinhas.

  6. Thais Lemes Pereira (@ThataLPereira)
    25 de setembro de 2013
    Avatar de Thais Lemes Pereira (@ThataLPereira)

    Gostei muito do final, mas o sentimento dele pela Jasmine me soou mais carnal, não justificando o fim. Imaginei que um deles fosse um morto-vivo e, na verdade, não havia nada disso. Gosto de contos assim.

  7. Claudia Roberta Angst
    24 de setembro de 2013
    Avatar de Claudia Roberta Angst

    Como já disseram – final trash interessante. Faltou uma revisão mais atenta, mas a história prende a atenção.

  8. feliper.
    24 de setembro de 2013
    Avatar de Rodrigues

    O cemitério desse conto tem um clima pesado e sombrio que me agradou. A história fica confusa do meio para o final. Precisa de uma revisão gramatical. Mas o texto é bom.

  9. Marcelo Porto
    23 de setembro de 2013
    Avatar de Marcelo Porto

    O melhor do conto é o final. Mas não resiste a uma releitura, o conto segue por um caminho interessante e até convence em alguns pontos, apesar dos excessos.

    Faltou um pouco de sutileza no final e a introdução do sobrenatural na trama, a impressão que tive foi que autor tirou o final da cartola.

    O texto merece um melhor tratamento, falta pouco para ficar excelente, mas esse pouco fez muita diferença.

  10. piscies
    23 de setembro de 2013
    Avatar de piscies

    A história é boa, chegou a me dar arrepios. Mas falta algo mais chamativo. Se você parar pra pensar, não acontece muita coisa no conto. Muitos contos acontecem dentro da cabeça do próprio personagem, enquanto o tempo real da história se passa em apenas alguns segundos, mas neste caso o enredo não chamou muita atenção nem pelo que acontece no cemitério como pelo que o personagem principal pensa. Há uma mensagem sim, mas acho que faltou “algo”, como o Emerson falou nos comentários.

    Por incrível que pareça eu não gostei do final. Achei que seria bom para dar continuidade, mas ele assim, jogado na última linha do conto, ficou solto demais. O conto não tinha nada de sobrenatural e de repente algo assim acontece e aí….acaba.

    Mas existe muito potencial aqui. Com revisão e uma melhoria na técnica, vejo um excelente escritor!

  11. Martha Angelo
    23 de setembro de 2013
    Avatar de Martha Angelo

    A história vai crescendo do meio para o final, mas senti falta de um desenvolvimento mais caprichado , não chegamos a criar empatia com os personagens porque tudo acontece muito rápido, de supetão. No início, aquela espera toda e depois acelera demais…Acho que o material é bom, mas pode ser melhor explorado..

  12. Emerson Braga
    23 de setembro de 2013
    Avatar de Emerson Braga

    A história é boa, interessante mesmo. Mas faltou dedicação e brio no escrever, não sei. Sinto como se faltasse algo. E falta.

  13. José Geraldo Gouvea (@jggouvea)
    22 de setembro de 2013
    Avatar de José Geraldo Gouvea (@jggouvea)

    Sim, o final é bacana, como já dito, mas talvez não tanto porque não há um porque. Ficou meio gratuito. A história é boa, mas carece de algum desenvolvimento a mais, e de uma melhor ambientação. A história parece remeter a uma época antiga (um homem rico ainda andando a cavalo), mas o nome Jasmine não me parece próprio (até meados dos anos 1950 era muito raro dar nomes estrangeiros no Brasil).

    Mesmo assim o conto é dos mais coesos e regulares do desfio, e talvez mereça meu voto.

  14. Gustavo Araujo
    21 de setembro de 2013
    Avatar de Gustavo Araujo

    Gostei do enredo, da maneira como tudo se entrelaça. Há um clima bem montado no texto e o final é desses totalmente inesperados – pelo menos funcionou para mim. De crítica, vou dizer que há erros de digitação e de concordância que poderiam ter sido evitados com uma revisão mais apurada.

  15. selma
    20 de setembro de 2013
    Avatar de selma

    alguns erros de portugues que não chegam a estragar a historia incomum; um tanto superficial, mas gostei. parabens!

  16. Reury Bacurau
    20 de setembro de 2013
    Avatar de Reury Bacurau

    Gostei da história e concordo com o Rubem: o final é bacana!

  17. Rubem Cabral
    19 de setembro de 2013
    Avatar de Rubem Cabral

    Bem, sendo sincero, achei mediano…

    A história consegue criar certo clima no inicio (cheguei a pensar que a amante fosse uma morta-viva ou cadáver), mas achei que faltou uma revisão mais criteriosa, descrições mais caprichadas, diálogos mais reais também.

    O final é bacana, meio trash.

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Publicado às 19 de setembro de 2013 por em Cemitérios e marcado .