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Detox Literário.

Peixes no Aquário (Jowilton Amaral)

“O Paraíso nunca vem de graça, e quando chega, nem demora tanto.”. Inferno, Nação Zumbi.

Eu me lembrava do pesar que senti de mim mesmo quando morri. Um aperto no coração emudecido, uma tristeza cortante da certeza que nunca mais veria quem mais amava… Não vi meu corpo depois que desencarnei. A partida foi de supetão. Percebi apenas um solavanco, uma implosão, uma espécie de urro colado na garganta, que retroagiu, arranhando meu estômago e inundando meus pulmões com sons guturais, depois disso, evaporei para o nada. Quando dei por mim, encontrava-me naquele cenário repetitivo e lúgubre, sem cheiro e sem cor, com uma atmosfera tão densa, que parecia ser composta por uma teia gelatinosa, onde o tempo parecia não existir. Não saberia afirmar se estava ali a um segundo ou a vinte décadas. A morte me desorientava.

Pensar em quem poderia ter me encontrado, de boca escancarada por um grito que não saiu, revirava as minhas tripas que não existiam mais. Não obstante a falta de entranhas, a sensação de aflição continuava, perpetuava-se para uma angustia indelével. Estar morto era uma merda.

Eu estava dormindo. Havia comigo uma absoluta certeza de que minha passagem seria assim, durante o sono enquanto vivo para o sono da eternidade. Acertei. Acho. E era como um sono mesmo, um sonho; ruas desertas, prédios abandonados, chuva fina perene e uma penumbra que não findava. Mesmo sentindo que estava sendo observado a todo instante, era um vazio tremendo. A morte poderia ser chamada de solidão.

Provavelmente, foi minha mulher a primeira a me ver, recordava-me que as crianças haviam entrado nas férias escolares, só levantavam quase meio-dia. Será que ela sentiu tristeza? Ou alívio? Ou tristeza seguida de alívio? Como seria seu recomeço? A única família dela era eu. E quanto a mim que estava morto? Renasceria em outro lugar, em outro corpo, em algum momento? A morte seria um recomeço? Para mim ou para ela?

Por muito tempo pensei que espírito e alma fossem a mesma coisa. Ledo engano. A alma fazia parte do mundo dos vivos, era mundana, alimentando-a moldava-se a individualidade. Alimentei a minha com tudo que encontrei de melhor e tornei-me um solitário. O espírito relacionava-se com o etéreo, diziam que ele também deveria ser alimentado. Eu sempre corri do divino como o diabo da cruz. Isso não queria dizer que não pensasse no assunto, não lesse sobre os mistérios, pensava sim, me informava sim, e muito. Entretanto, sem fervor e ceticamente.

As religiões sempre me foram controversas, sobretudo por conta dos religiosos, que abusavam da fé alheia para enganar, corromper e matar. Usufruíam do Verbo em vão, como uma forma de esconder o mau-caratismo. Contudo, se eu estava morto e sem nenhum contato com o divino, perguntava-me se a causa não seria justamente esse meu ceticismo, essa mania de duvidar. Seria um castigo? Ou tudo do que diziam sobre Ele não passava de um conto da carochinha? Ainda tinha minhas dúvidas. Desculpem-me pelos devaneios. A falta de vida me fazia delirar.   

Para Sêneca, poder escolher como se vai morrer era libertador. Sabendo-se que iria morrer da pior forma possível, por que não partir de maneira fácil? Já Platão, em Fédon, seus diálogos sobre a morte de Sócrates, afirmava que não deveríamos procurar a morte, mas também não deveríamos temê-la e que a morte trazia consigo a libertação do pensamento, já que o corpo contido de sentimentos encarcerava o amplo pensar. Morrer era pensar libertamente. Teorias…

Fato mesmo, era que enquanto perambulava, indo e voltando, começando e recomeçando, infinitamente, por aquele mundo onírico, subindo e descendo escadas de prédios deteriorados, entrando e saindo de cômodos vazios, passeando por amplas alamedas despovoadas, ouvindo o lamentar do vento feito uma ladainha, a chuva nas janelas e o bater dos meus sapatos no chão sempre molhado — cenário idêntico a uma ambientação de um dos meus livros mais vendidos — um lampejo de consciência me tragava para os dias de minha vida terrena.

Seria mesmo consciência? Ela ultrapassaria a vida? No dicionário, consciência aparecia como sinônimo de espírito. Olha a digressão novamente. O que eu gostaria mesmo era de contar-lhes sobre o período antes do meu fim. Falar-lhes sobre os últimos anos da minha vida. Tentarei ser o mais fiel possível no relato. Quão correta deveria ser a narrativa executada por um morto?   A única verdade era a morte.

Vocês deveriam estar se perguntando como poderia narrar uma história se eu morri. Responderia, com toda a sinceridade, que não saberia explicar. Talvez, minha carne tenha sido devorada pelo mesmo verme que roeu o Brás, por uma larva Machadiana.

Nos derradeiros anos, minha vida não era empolgante. Eu não era bom, nem mau, nem rico, nem pobre, nem quente e nem frio, era apenas triste. Em Apocalipse, capítulo três, versículo dezesseis, estava escrito: “Seja quente ou seja frio. Não seja morno, senão eu te vomito.”. Cheguei aqui, possivelmente, através do humor jorrado do estômago de uma deidade rancorosa. A morte não era nada engraçada.  

Minha esposa era chefe de cozinha, chefe confeiteira, para ser mais específico, trabalhava na cozinha do Del Mar hotel. Estava começando a fazer seu nome. Eu tinha muita responsabilidade neste sucesso. Banquei e apoiei todos os seus estudos e decisões depois que nossos filhos ficaram mais crescidinhos. Tínhamos um casal. Morávamos muito bem. Possuíamos um casarão moderno de três pavimentos e cheio de luz natural que entrava pelos janelões da sala de estar, na região do Parque da Sementeira, com uma vista do encontro do rio com o mar.

Havia quase uma década que eu não realizava nada de inspirador ou útil. Acordava às onze da manhã, ligava o notebook e assistia séries, lia alguma coisa e tentava, em vão, iniciar um novo romance, a noite ou a tarde, assistia futebol. Após a meia-noite ia para a beira da piscina com uma garrafa de gim e três latinhas de tônica sem açúcar, uma de cor amarela, eu era diabético, rodelas de limão siciliano, quatro pedras de gelo numa taça de vidro transparente absurdamente larga  — eu salivaria agora, se ainda me houvesse saliva — e bebia até praticamente desmaiar. De segunda a segunda, infalível feito o passar do tempo.

Eu vivia às custas de três livros de sucesso que viraram séries bombadas no streaming. Ganhei uma grana alta no início, com passar dos anos diminuiu bastante, contudo, ainda restava uma boa quantia para sobreviver com conforto, sem alvoroços econômicos. E como Malu decolava na profissão — Maria de Lurdes era o nome de minha esposa, mas, quem a chamasse assim, teria uma inimiga eterna — a vida financeira tornara-se ainda mais tranquila.

Os loopings que me acometiam enquanto espírito; escadas, quartos, ruas, chuva, vento, sola de sapato batendo no chão molhado, comparavam-se as repetições dos meus últimos anos na terra dos vivos; acordar, séries, leitura, tentativa de escrever, futebol, gim, desmaiar, acordar, séries… As rotinas eternizavam-se em mim.

De quando em quando, quebrando aquela infindável senda que percorria, eu ouvia sons parecidos com vozes, ou melhor dizendo, assemelhavam-se a lamentações, eram tristes, desesperadas, melodiosas. Também enxergava espectros em cima dos prédios, como se me observassem e esperassem a hora certa para mostrarem suas faces vaporosas. Estariam me protegendo? Ou zombavam de mim? Percebia que esses sons e visões ficavam mais nítidos e familiares a cada intervalo das imensuráveis idas e vindas. Morrer era uma espera.  

Havia abandonado o casamento sem me retirar de casa, sem dizer uma palavra. As conversas com Malu se resumiam a “Já estou saindo”, “Cheguei”, “Vou trabalhar até tarde hoje”, todas ditas por ela, eu apenas acenava com a cabeça e tentava sorrir. As carícias e o sexo também desapareceram, sumiram antes mesmo das palavras, das discussões. Os toques se abreviavam em sua mão acariciando meu rosto quando ela me levava para o quarto todo dia ao amanhecer. Nossos filhos, o menino de onze e a menina de treze, se viravam sozinhos de forma bem organizada. A ausência de atitude como pai os amadureceu.

Minha presença física estava com eles todos os dias, no entanto, meu desinteresse era muito mais concreto. Não era falta de amor, eu os amava, todos eles, incluindo a Malu, o que me faltava era vontade. Vontade de pertencer, vontade de me interessar, vontade de vivê-los. Era como se um imã poderoso me arrastasse para dentro de mim mesmo e isso me bastasse. Tornei-me uma ilha. E nenhum homem poderia ser uma ilha.

Eu os amava como quem amava peixes num aquário. Provia-os de alimento e de segurança, enquanto os observava em silêncio por de trás de uma redoma.

Não fora sempre assim, vivemos momentos gloriosos juntos! Do início do casamento aos primeiros anos do meu sucesso, fomos muito felizes. Não sei dizer quando tudo degringolou. Não sei se foi por conta do dinheiro, que me proporcionara rapidamente o que sempre desejei, ou minha arrogância por me considerar um gênio e me colocar acima dos sentimentos alheios. A única certeza era que foi tudo por minha culpa.

As coisas pioraram quando comecei a desconfiar que a Malu estava tendo um caso. Ela era uma mulher linda e muitíssimo desejável — menos por mim — no auge dos seus quarenta anos. Pensei em conversar com ela sobre o assunto, dizer que entenderia, que estava certa. A única coisa que fiz foi passar a tomar adderall durante o dia e misturá-los com álcool e remédios para dormir durante a noite. A morte era inevitável.

Durante uma das minhas intermináveis caminhadas, um estalo me fez lembrar de tudo, a maneira exata que morri e, neste instante, fui arrebatado por uma luz intensa, feito um tubo, que me sugou para cima do prédio mais alto daquele lugar de escombros. Os vultos que eu via me observando aproximaram-se de mim flutuando e pude vê-los nitidamente. Eram meus pais que já haviam falecido. Eles me olhavam, sorriam e acenavam. Identifiquei também de onde vinham as vozes, que eu escutava cada vez mais altas. Senti outra implosão, bem mais forte do que a primeira que me fez morrer, meu corpo todo pinicou e meu coração renasceu no peito como o estrondo de uma bomba. Abri os olhos gritando. A morte era uma ilusão.

— Marcos, Marcos, você voltou, você voltou… — Malu falava repetidamente, enquanto ria, chorava e sentia medo ao mesmo tempo.

Acabei descobrindo que, a menos de uma hora, havia caído na piscina embriagado e tive uma parada cardíaca. Foi Malu quem chamou o SAMU imediatamente. Ela me vigiava da varanda todas as noites. Na verdade, eu morri três vezes. Fui reanimado ainda na beira da piscina, outra vez dentro da ambulância e uma terceira vez numa maca no corredor do hospital, quando voltei definitivamente do mundo dos mortos.   

Recuperei-me celeremente, em uma semana já estava em casa. Prometi a mim mesmo que usaria essa chance para recomeçar, primeiramente, voltando a dialogar com Malu e com meus filhos. Contei para eles sobre o lugar em que me encontrava e das situações que vivenciei. Era estranho narrar aquela experiência, parecia como um sonho antigo, entretanto, eu lembrava de absolutamente todas as sensações que provei por lá; as repetições intermináveis, o vazio, a angustia, a solidão, os fantasmas que me observavam e de como o tempo passava diferente quando estávamos mortos. Eles apenas escutavam e riam, sem dizer uma palavra, não pareciam acreditar em mim.

Era minha obrigação recuperar os anos perdidos, me enturmar de novo, redescobrir minha família. Joguei fora toda bebida alcoólica que havia em casa e dispensei na privada os comprimidos. Com meus filhos a reaproximação foi imediata, eles tinham muita saudade de mim. Com Malu, foi aos poucos, devagar, nela ainda havia muitas incertezas, medos e dores veladas. Eu falei da desconfiança que eu tive sobre a fidelidade dela. Ela me jurou que nunca me trairia. Não comigo doente daquele jeito. Ela me respeitava.

Não retornamos à intimidade que tínhamos, contudo, fizemos amor de novo, depois de muito, muito tempo. Ela se despiu sem nenhuma pressa, me olhando nos olhos, e a cada peça que retirava, era como se me desnudasse também. Eu a encarava sentado na cama. Ela deitou-se sobre mim e seu corpo macio e quente me fez ter uma ereção que invejaria qualquer garoto. Apesar do tempo sem sexo, controlei minha excitação com a experiência dos meus quase sessenta anos e chegamos ao gozo juntos, como nos nossos melhores dias. Foi incrível! Não poderia perdê-la de novo.

Curiosamente, conheci a sensação do paraíso somente depois de voltar da morte. Aqueles meses após meu retorno foram os mais felizes da minha vida. Minha relação com o metafísico mudara e experimentei algumas idas a igreja e a um centro espírita. Queria descobrir o que havia acontecido comigo. Meu ceticismo amenizara, estava aberto a outras possibilidades. Haveria vida após a morte? Ou meu cérebro desvairou por conta da diminuição do fluxo sanguíneo? Em situações gravíssimas, o sangue se concentrava no lugar de maior necessidade, naquele caso, o coração, deixando os outros órgãos desprovidos de irrigação. O cérebro sem sangue suficiente alucinava. Independentemente com o que me deparasse, não importaria. Significativo mesmo era a felicidade que me abocanhava. O bem-estar que sentia. Entendi que havia recebido um presente e era suficiente para mim.

Todavia, esse contentamento durou muito pouco. O abismo não tardou em me olhar novamente. Malu pediu o divórcio assim que percebeu que eu estava completamente recuperado, que não bebia mais. Ela havia recebido uma proposta irrecusável para trabalhar em outro país e segui-la, como a mesma disse, estava fora de cogitação. Meus filhos iriam com ela. Fiquei furioso. A despedida foi dolorosa. Nunca mais ninguém soube deles.

Fiquei sozinho novamente e, desta vez, completamente desacompanhado. A tristeza aguda que me acertou, amalgamada a culpa, nada morna, e sim, quente como o inferno, me fez ferver de ideias e voltar a escrever. Havia muito por contar e terminei meu sexto romance, Peixes no Aquário, quinhentas e setenta páginas, em dois meses. Meus editores exultavam. Era um excelente livro e faria um grande sucesso. Os direitos foram vendidos por um excepcional valor para o streaming antes mesmo do lançamento.

A parte que me apetecia era uma bolada. Eu voltara a me considerar um gênio. Ignorava todos ao meu redor. Passei a aparecer em qualquer festa que fosse convidado e também nas que não era. Em uma delas, acabei conhecendo uma fã trinta e cinco anos mais jovem que eu, por quem me apaixonei. Convidei-a para morar comigo no casarão, após três meses de namoro. Celebrei estrondosamente o enlace matrimonial, que saiu em todos os noticiários, tanto nos de literatura como nos de fofoca. Vivemos momentos intensos e parecidos com a felicidade no início. Não tivemos filhos.

Aprendi que a vida era feita de recomeços.

Após cinco anos de casamento, eu acordava às onze da manhã, ligava o notebook e assistia séries, lia alguma coisa, tentava, em vão, escrever um novo romance, a tarde ou a noite via futebol, à meia-noite ia para a beira da piscina com uma garrafa de gim…

Sobre Fabio Baptista

Avatar de Desconhecido

13 comentários em “Peixes no Aquário (Jowilton Amaral)

  1. Alexandre
    9 de março de 2024
    Avatar de Alexandre

    Quanta falta faz um diálogo!!!

    A história é ótima, eu a recomendo ora qualquer streaming desdobrar numa minissérie. Pena que foi contada de maneira tão arrastada, verbos no passado voz passiva, pronome oblíquos… Ficou chato, infelizmente.

    A parte que o protagonista se descobre vivo e o relato do que lhe aconteceu ficou muito sem sal na voz passiva. Um diálogo, talvez na ambulância ou no hospital, entre ele e a mulher daria muito mais leveza ao texto . A parte que ele a esposa fazem sexo foi sem sal. Poderia ter trabalhado melhor essas partes.

    Mesmo assim, a história é ótima e o estilo, impecável. Parabéns ao autor, nota 7,5.

  2. Priscila Pereira
    7 de março de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Peixe! Tudo bem?

    Seu conto não está na minha lista de obrigatórios então não poderei avaliá-lo, mas mesmo assim quero deixar meu comentário.

    Não sei explicar o que senti lendo o seu conto… Uma mistura de vazio e desilusão talvez, não com o conto, mas com a história do protagonista.

    Ele teve uma segunda e até uma terceira chance e mesmo assim retornou aos velhos hábitos… Será que existem pessoas que nunca conseguirão romper com as próprias fraquezas mesmo sabendo tudo o que custará?

    Não gostei de toda a digressão sobre a morte, mas gostei bastante das frases de efeito sobre a própria. O conto está bem escrito, direto, fluido, e o personagem é bem desenvolvido, mesmo que seja meio burro, coitado…

    Esse final aberto também foi muito bom, porque remete à ciclicidade da vida dele…

    É um bom conto! Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  3. Regina Ruth Rincon Caires - Caires
    2 de março de 2024
    Avatar de Regina Ruth Rincon Caires - Caires

    Peixes no Aquário (Peixe Weever)

    “O Paraíso nunca vem de graça, e quando chega, nem demora tanto.” – Inferno, Nação Zumbi. (Ouvi a música e observei a letra.)

    Pseudônimo:  Peixe Weever  =  peixe-aranha  (venenoso??? )

    Um conto que é narrado e se desenvolve através da experiência de “quase morte”, fala da “ressurreição” humana (suposta?). O narrador-personagem consegue prender a atenção do leitor discorrendo sobre a própria ”morte”, e que agonia! Escrita muito competente.

    Li o texto várias vezes, ele traz mensagens diversas. O autor tem conhecimento vasto sobre vertentes que pouco domino (quase nada), e isso me encanta. Escreve com domínio, com sensibilidade. Para mim, é uma escrita filosófica, exige reflexão. Sempre que leio algo assim, reforço o meu entendimento de que a essência humana não se modifica. A gente é o que é.

    “Aprendi que a vida era feita de recomeços.

    Após cinco anos de casamento, eu acordava às onze da manhã, ligava o notebook e assistia séries, lia alguma coisa, tentava, em vão, escrever um novo romance, a tarde ou a noite via futebol, à meia-noite ia para a beira da piscina com uma garrafa de gim… “

    Texto bem escrito, rico de ideias, exige uma leitura mais compassada para absorver intrinsicamente a riqueza das mensagens. Trama bem feita, estrutura muito boa.

    Peixe Weever, gostei muito do seu trabalho, você entende do assunto. Refleti muito, aprendi. A vida é um eterno recomeçar (carregando a mesma essência)…

    Parabéns pelo trabalho!

    Boa sorte no desafio!

    Abraço…

  4. Antonio Stegues Batista
    1 de março de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    O narrador/personagem conta a sua experiência de estar morto e sozinho, porém, mais adiante, no sexto parágrafo ele pede desculpas pelos devaneios aos ouvintes/leitores e diz que a falta de vida o fazia delirar. O morto delirava. Conta sobre a noite que caiu na piscina e quase morreu. Nessa quase morte, descreve um cenário apocalíptico, onde perambula de um lado para outro entre construções até encontrar os pais falecidos. Afirma que duvida da existência de Deus, faz críticas às religiões, no entanto, mais adiante cita uma passagem da Bíblia. Casado com dois filhos e ganhando muito dinheiro com seus livros, o escritor se acomoda e se fecha num casulo, ignorando esposa e filhos. Parece que a fortuna o deixa com depressão. A ideia não é ruim, mas precisa ser melhor elaborada, ações mais coesas e claras e evitar as redundâncias. Acho que a ideia do looping  ficou fora de contexto, essa parte poderia ser melhor trabalhada. De qualquer forma uma história interessante, bem escrita.

  5. Givago Thimoti
    27 de fevereiro de 2024
    Avatar de Givago Thimoti

    Peixes no Aquário 

    Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.

    Como eu já avaliei todos os 12 contos mínimos, chegou o momento de comentar “no amor”. Não terá nota, tampouco vou comentar sobre questões gramaticais. Irei escrever apenas sobre minhas impressões e o que tocou ou não o leitor nesse conto.

             Impressões iniciais 

    + Seria esse o Hemingway brasileiro no sec. XXI? 

    +/- Gosto ou não gosto do narrador? Gosto ou não gosto do narrador?

    + Referência à Nação Zumbi? Bom começo.

    + Um homem não é uma ilha? Seria um contraponto ao Saramago e o “O Conto da Ilha Desconhecida”?

             Alma (o que me tocou ou não na leitura)

    O conto tem seus pontos positivos e negativos. Começando pelos positivos, eu creio que foi um conto de um autor experiente, que sabe conquistar a atenção do leitor. No meio de divagações, que embora não tenham tanta relação com a história em si, percebe-se que elas mostram um relance necessário do narrador-personagem (um homem estagnado após um início de carreira de escritor extremamente próspero e invejável rs, um tanto depressivo e com alguma crise de autoimagem e insatisfação consigo mesmo, problemas misturando álcool e remédios ansiolíticos/anti-depressivos). O jeito que foi escrito foi extremamente competente e seguro para mostrar esse personagem, do jeito que ele é. Ou, pelo menos, do jeito que ele gosta de passar para o leitor. 

    A história é bem escrita, tem um desenvolvimento que prende pelo jeito que ela é escrita, mas, a sensação no final da leitura do conto, é que li um conto já escrito e retratado algumas muitas vezes durante a vida. Faltou, na minha opinião, algo diferente, algo que mudasse o tom negativo constante do conto (isso aqui é algo negativo na minha opinião porquê, honestamente, eu não esperava um final diferente do que realmente aconteceu); talvez fosse mais ousado que ele de fato tivesse morrido, e assistisse o recomeço da família sem ele. Ou que ao voltar, tivesse uma mudança de tom de fato, não somente por um parágrafo.

    Enfim, resumidamente, temos uma boa história, bem escrita e que prende o leitor, e segura, mas talvez segura demais.

  6. Fernanda Caleffi Barbetta
    26 de fevereiro de 2024
    Avatar de Fernanda Caleffi Barbetta

    A história é boa, mantém-se certo mistério a respeito do que aconteceu com ele, sua morte.

    Gosto da ida ao passado para contextualizar, o desfecho também é muito bom.

    Você abordou o recomeço como um looping, recomeçar não é sempre fazer algo novo, pode ser voltar ao que se fazia anteriormente, antes do recomeço anterior. Muito bom.

    Porém, na minha opinião, houve excessos, o que tornou o conto cansativo. Todo aquele trecho em que começa a divagar, passa por religião, Platão, larva Machadiana, sobram informações. Ali, você pode perder seu leitor.

    Quando o narrador assume estes exageros, cita e se desculpa por suas digressões, fica ainda mais arrastado para mim.

    A parte em que fala do passado, flui muito bem, uma escrita madura, interessante.

    A questão da morte, como morreu, o local onde permaneceu, pareceram contraditórios. Primeiro você escreve: “A partida foi de supetão. Percebi apenas um solavanco, uma implosão, uma espécie de urro colado na garganta, que retroagiu, arranhando meu estômago e inundando meus pulmões com sons guturais, depois disso, evaporei para o nada”. Depois, você descreve o instante da morte como um sonho, como algo tranquilo: “Havia comigo uma absoluta certeza de que minha passagem seria assim, durante o sono enquanto vivo para o sono da eternidade. Acertei. Acho. E era como um sono mesmo, um sonho”

    Estranhei também este cenário de “ruas desertas, prédios abandonados, chuva fina perene e uma penumbra que não findava” / “subindo e descendo escadas de prédios deteriorados, entrando e saindo de cômodos vazios, passeando por amplas alamedas despovoadas”. Não era um “cenário repetitivo e lúgubre, sem cheiro e sem cor, com uma atmosfera tão densa, que parecia ser composta por uma teia gelatinosa, onde o tempo parecia não existir”? Fiquei confusa.

    “cenário repetitivo “ – o que seria um cenário repetitivo que você vê pela primeira vez?

    “estava ali a (havia) um segundo ou a (havia) vinte décadas”

    “A única família dela era eu” – e as crianças?

    Cuidado com a crase: a (à) noite ou a (à) tarde / comparavam-se as (às) repetições / amalgamada a (à) culpa

    “a (havia) menos de uma hora”

    Angustia – angústia

    Não entendi o final no pretérito imperfeito “acordava às onze da manhã, ligava o notebook e assistia séries…” –  não é o presente?

  7. danielreis1973
    23 de fevereiro de 2024
    Avatar de danielreis1973

    Peixes no Aquário (Peixe Weever)

    Comentário:

    História contada por defunto, desde Machado e seu Brás Cubas, passando pelo Crepúsculo dos Deuses e Beleza Americana, é sempre interessante. Mas a experiência inicial do pós-vida, como recomeço, é mais comum nas novelas espíritas do que na literatura convencional. Uma pequena digressão: li por curiosidade alguns desses romances espíritas, como pretensamente ditadas por Cazuza, Renato Russo, etc. e me pareceu que o estilo do morto não combinava com o estilo de quando era vivo –  por isso o meu preconceito com o gênero. Mas, bom, retornemos ao seu conto, que ultrapassa isso: após esse trecho, com suas considerações filosóficas (que acredito poderiam ser um pouco mais sintéticas), conhecemos a história do narrador-escritor, Marcos, um sergipano (pesquisei o Parque da Sementeira), sua vida rotineira e as obsessões (de espíritos obsessivos, mesmo), que o levaram a se afastar da vida e do casamento e família. Após uma experiência de quase-morte, veio uma tentativa de reaproximação e, logo após, o afastamento definito de Malu e dos filhos. Um recomeço, como escritor bem-sucedido, e um novo casamento. E assim começa tudo de novo… mas a narrativa termina!

    Critérios de avaliação:

    1. Premissa: a premissa é boa, a do narrador post-mortem, ainda que bastante utilizada – um ponto de partida para saber “como ele chegou até ali”. O título, apesar da imagem onírica ter conexão com o contexto e estar presente lá no meio do conto, ficou um pouco convencional, não surpreendente.
    2. Construção: achei que a primeira parte, na narrativa do morto, foi excessiva nos momentos filosóficos; e que a história parece ter sido “acelerada” pelo limite de palavras no desafio.
    3. Efeito: aqui foi o principal ponto de desagrado meu com o conto: parece que terminou abruptamente, sem explicação para a morte definitiva do narrador. Uma pena, com mais 1000 palavras poderia ter um efeito melhor.
  8. Vladimir Ferrari
    23 de fevereiro de 2024
    Avatar de Vladimir Ferrari

    O texto começa com uma frase recheada de pronomes. Poderia ser “Lembrava do pesar que senti ao morrer”. E continuam a aparecer aos montes, ao longo do texto, cheio de parágrafos desnecessários. Então, o autor/autora evoca o título e uma grande narrativa se inicia. Há vigor a partir dali. Pena que o parágrafo sobre “conhecer o paraíso”, na minha opinião, esteja fora de lugar. Deveria encaixar-se logo após o despertar definitivo, após o “… voltei definitivamente do mundo dos mortos.” Há uma ótima e cativante narrativa, escondida em uma montanha de textos, divagações e uma ou duas frases diretas ao leitor (que, na minha opinião, são um erro para contistas). O recomeço está ali, mas é preciso grande esforço e paciência para identificá-lo. Sucesso.

  9. fabiodoliveirato
    17 de fevereiro de 2024
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas!

    Irei usar dois critérios para avaliar os textos deste desafio: técnica e criatividade. A parte técnica abrange toda a estrutura do conto, desde o básico até o estilo do autor. E a parte criativa abrange o enredo, personagens e tudo que envolve a imaginação do autor.

    Vamos lá!

    TÉCNICA

    Não consigo somar tanto na parte gramatical: a escrita está correta, bem executada e sem tropeções. Se pudesse falar algo, seria sobre a lapidação, mas está muito bem revisado, também. Poderia cortar alguns pronomes aqui e ali, tomar cuidado com o uso do artigo “de” quando estiver em primeiro pessoa na hora de se referir a alguém ou algo próximo do personagem, pois isso dá um tom de impessoalidade para o alvo (ao invés de escrever “para os dias de minha vida terrena”, o ideal seria “para os dias da minha vida terrena”; ou de “o nome de minha esposa” para “o nome da minha esposa”). É algo bobo, eu sei, mas que realmente compromete a leitura. O leitor acaba se afastando, inconscientemente, de tudo que é importante para o narrador, por causa do tom impessoal.

    Agora, algo que me incomodou, um pouco, foi com o tamanho dos parágrafos. Mas isso é pessoal. Parágrafos grandes, recheados de informações, deixam a narrativa densa e, admito, cheguei na metade da leitura pensando no alívio do final. Uma boa cadência na narrativa ajudaria a criar estes pontos de alívio para o leitor. Você não dá trégua, nenhum descanso, e, com isso, corre o risco de cansar e perder o interesse do leitor. Deixar a narrativa bem cadenciada, com pontos de alívio, é uma estratégia interessante Avalie, se puder. Mas, obviamente, esse pode ser seu estilo. Não tem problema escrever desta forma. Só repassando minhas impressões como leitor.

    CRIATIVIDADE

    Preciso admitir que, assim que o personagem entrou no umbral, pensei que adoraria o conto. Criei expectativas, sim, até bastante. Amo ambientações sombrias. E a imagem clássica do umbral é verdadeiramente aterradora. Mas o umbral foi apenas um cenário para o narrador reviver sua vida, seus acertos e erros. Então, no decorrer da leitura, fui perdendo o fôlego, murchando, até chegar na metade do conto e desejar o final dele.

    Quando terminei a leitura, percebi que o foco da história não é o recomeço, em si, mas sim o ciclo de todas as coisas. Início, meio e fim. Tanto que vemos três ciclos no conto. O grande problema disso, no meu ponto de vista, é que o texto ficou arrastado demais. Muitas informações desnecessárias, que serviam apenas para distrair o leitor, o final que casa com o início, reforçando a ideia do ciclo sem fim, mas sem qualquer originalidade. Tem muitos pontos na parte criativa que me desagradam, sabe? O conto poderia ser enxugado e limitado a um ciclo bem feito.

    Existem várias formas de deixar um conto interessante, desde quebras de expectativas (as expectativas pessoais do leitor não se encaixam aqui, mas sim aquelas que você constrói no decorrer do texto) até uma execução textual improvável. A escrita está bonitinha, sem tropeços, sem erros grosseiros. Mas falta algo. Talvez paixão. Não sei.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Apesar de tudo, não dá pra considerar que o conto é ruim. Tecnicamente, ele é bom. Apesar de que sempre insistirei que escrever bem e ter uma história bem executada não é o bastante para fazer o conto brilhar. Qualquer um aprende isso. Quando estiver pensando na execução de um conto, pare e reflita: existem quantas formas de contar essa história? Você pode se surpreender com a resposta da sua imaginação.

  10. Simone
    16 de fevereiro de 2024
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    Um texto com tom de crônica do início ao fim. Início muito bom, que prende o leitor, mas é logo resolvido — o personagem não morreu. Interessante a visão tranquila dele na experiência de quase morte. Já nos mostra que a vida não é empolgante. Escrito em primeira pessoa, logo entendemos que a natureza desse personagem é apática. Acompanhamos o flashback de sua vida, o romance morno, a tentativa frustrada de recomeçar. Ele tem um grande sucesso como escritor e não parece alegre de verdade. Um novo casamento, um novo ciclo que não decola. Muito boa construção desse ciclo repetitivo.
    E no final parece que voltamos ao início. No subtexto creio que esta essa apatia, a falta de paixão pela vida. Mesmo quando ele fala em felicidade, não convence.
    Eu prefiro ler algumas cenas intercaladas no relato, com diálogos. Os relatos muitos longos as vezes parecem para mim resumos de romances. No entanto, reconheço o valor da construção desse texto e da composição do personagem. Há muitas pessoas assim, procurando paraíso sem perceber onde estão. O título bem escolhido: peixes no aquário.

  11. Marco Aurélio Saraiva
    15 de fevereiro de 2024
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    O conto é sem dúvidas muito bem escrito. Toda a melancolia que o autor quis passar floresceu no texto. Especialmente na descrição do pós-vida, que para mim foi maravilhosa:
    “E era como um sono mesmo, um sonho; ruas desertas, prédios abandonados, chuva fina perene e uma penumbra que não findava. Mesmo sentindo que estava sendo observado a todo instante, era um vazio tremendo. A morte poderia ser chamada de solidão.”
    Então a narrativa das sombras que ele vê no pós-vida, e o puxão final que o traz de volta a vida, foram muito bem feitas. Mostra o ponto de vista dele ao experienciar as três ressuscitações.
    Gostei muito também da distinção entre Alma e Espírito. O conto tem vários trechos assim, escritos com muita inteligência, com uso muito bom das palavras. Destaque para a comparação do comportamento dele, como pai, ao comportamento de alguém cuidando de peixes no aquário. Maravilhosa.
    O que não gostei: o texto está mais para um relato do que para um conto. Muitas partes são narradas de forma resumida, como se o narrador estivesse lendo o que fala em algum relatório, e a maior parte do conto são apenas relatos do próprio narrador, desencontrados, que não nos levam a lugar algum, apenas nos dão um vislumbre do seu espírito já quebrado.O ponto alto do conto, a grande reviravolta, é quando o narrador acorda e descobre que ainda está vivo. É o único ponto que quebra a melancolia e traz alguma mudança na curva de evolução do personagem, que até então era extremamente monótono e derrotado. Só que ao invés de acabar aí, o conto continua, e o personagem termina no mesmo ponto onde começou. Acho um final válido, mas ficou um gosto ruim na boca, como se o conto já estivesse terminado alguns parágrafos atrás, e o autor decidiu prosseguir e forçar um retorno à narrativa desiludida do início.

  12. Kelly Hatanaka
    15 de fevereiro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Estou avaliando os contos de acordo com os seguintes quesitos: adequação ao tema, valendo 1 ponto, escrita, valendo 2, enredo, valendo 3 e impacto valendo 4.

    Adequação ao tema
    Totalmente adequado ao tema. A história, narrada de forma cíclica, mostra o que parecia ser o um recomeço redentor do personagem narrador, mas que acaba se mostrando, na verdade, uma repetição. O recomeço não é só uma palavra encaixada; ele é mostrado em múltiplas possibilidades.

    Escrita
    A história foi escrita com correção e estilo. É um texto agradável de ler, fluido, rico.

    Enredo
    Excelente. Primeiro, somos levados a acreditar que se trata de um relato pós morte. Depois, quando ele é ressuscitado, acreditamos que teremos um final feliz, um recomeço redentor. Mas, não. O peso da inação do personagem cobra seu preço e a família o deixa. E ele, então volta a agir como sempre e recomeça seu ciclo autodestrutivo. O conto termina remetendo ao início, de forma a sugerir o que vai acontecer.

    Impacto
    Adorei este conto. Muito bem escrito, criativo, um final bem pensado. Explorou o tema totalmente e foi muito agradável de ler. Os sentimentos e ações dos personagens são bem explorados e tudo faz muito sentido. Além disso, me surpreendeu. Normalmente, acho que textos em forma de fluxo de pensamento tendem a ser maçantes, mas o seu conto foi instigante desde a primeira linha.
    Parabéns!

    Kelly

  13. Gustavo Castro Araujo
    12 de fevereiro de 2024
    Avatar de Gustavo Castro Araujo

    É evidente que o autor (ou a autora) deste conto sabe aonde quer chegar. É alguém com tempo de estrada, com uma escrita segura e firme, o que facilita e instiga a leitura.

    Aqui temos uma pequena saga dividia em três atos.

    O primeiro, mais interessante, nos insere nos pensamentos de um famoso escritor que morreu (o que, mais tarde, descobriremos não ser verdadeiro) e que divaga sobre a cessação da vida e sobre os momentos mais marcantes antes dessa cessação. Há uma fina ironia nessa prosa, que me atraiu bastante, pois há digressões bem montadas sob os aspectos filosófico e religioso, sem esquecer de prestar a devida homenagem ao Brás Cubas e ao velho Machadão. De fato, a sensação que o texto me passou foi de que esse nosso escritor até mesmo gosta de estar morto, já que procurou voluntariamente esse estado, uma vez que a vida que levava era tudo menos empolgante: rotina cansativa, uma mulher com quem ele já não tinha conexão, filhos distantes, etc. Desse modo, estar morto lhe permitia uma visão mais ampla, mais interessante por que não dizer, do que fora sua existência.

    Nesse ponto, inicia-se o segundo ato. Nosso escritor não morreu, encontrava-se apenas naquele limbo entre a vida e a morte, e acabou ressuscitado por manobras médicas. Retornando de seu limbo, ele diz recuperar seu entusiasmo, principalmente no que se refere à relação com a esposa. Aqui, Brás Cubas cede lugar a Ebenézer Scrooge: tendo se arrependido de seus pecados, o protagonista revê suas atitudes e reconquista sua melhor versão. Bem, confesso que torci o nariz nesse momento, primeiro porque a visão que tive do sujeito morto era de que ele estava apreciando a situação de alma penada, de modo que a busca pelo tempo perdido depois de ressuscitado me pareceu um tanto clichê…

    Mas aí veio o terceiro ato, com a realidade crua da nova vida se impondo: a mulher decide abandonar nosso protagonista em favor de sua carreira profissional. O escritor, porém, não se dá por vencido: escreve mais uma obra magnífica, ganha muito dinheiro e se casa com uma mulher mais jovem – tudo para afundar na mesma rotina suicida de sua versão primeira. Sim, o terceiro ato fecha o ciclo, fazendo-nos perceber que os recomeços se conectam e que a natureza humana permanece a mesma. Não é, devo confessar, o tipo de final que eu gostaria para um conto como esse. A mim pareceu um pouco moralista, apressado até, desconectado da primeira parte, que é evidentemente mais bem construída.

    No geral, é um bom conto, bem escrito, dinâmico e fluido. Há alguns errinhos gramaticais, como a falta do verbo haver para se referir a eventos passados. Mas, de todo modo, a construção dos parágrafos e do raciocínio compensam por larga margem esse pequeno lapso.

    Parabéns e boa sorte no desafio.

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Publicado às 10 de fevereiro de 2024 por em Recomeço e marcado .