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Detox Literário.

Bença, mãe – Conto (Priscila Pereira)

—  Mãe, tá me ouvindo? Tô aqui com a senhora agora, pelo menos uma horinha por dia. Tenho certeza que pode me ouvir. Aperta a minha mão, vai. Tenta, pelo menos.

— (respirador)

— As crianças estão com saudades. Deixei elas com a vizinha. Vim de ônibus. Peguei um táxi na rodoviária. Pra voltar agora só de noite. Vou aproveitar e procurar roupa pras crianças. Tudo é mais barato por aqui. Não vai acreditar em como o Lucas cresceu nesse mês… Ele começou a andar… Queria muito que você estivesse lá pra ver… Ah, mãe, o que vou fazer sem a senhora? Tenta melhorar! Por favor!

— (respirador)  (bip)

— O pingo fica o dia todo deitado no tapete da sala esperando a senhora voltar. Nem está comendo direito.

— (respirador)

— Sua mão tá quentinha, se não fosse esse tubo na garganta até ia parecer que você tá dormindo. Eu devia ter te obrigado a ir pro hospital antes, eu não paro de pensar nisso. Talvez a senhora não tivesse ficado tão mal … Eu fiz tudo que podia pra te proteger, tudo! Mas a senhora escondeu os primeiros sintomas de mim! Por quê? Mãe, você não pode morrer agora!

— (bip)  (respirador)

— A senhora quer se encontrar com o pai, eu sei… Mas eu ainda preciso de você! As crianças precisam da avó. Promete que vai fazer um esforço pra melhorar?

— (respirador)  (bip)

— Suas unhas estão compridas. Vou perguntar pra enfermeira se posso cortar. Peraí.

— (bip)  (respirador)

— Ela deixou! É tão bom poder cuidar de você! Foi horrível ficar um mês sem te ver, só recebendo os boletins médicos e as chamadas de vídeo da psicóloga. A senhora parecia muito pior no vídeo. As crianças sempre mandavam beijos e diziam que te amavam. A senhora ouviu, né.

— (respirador) (bip)  (bip)

— Não vou poder vir todos os dias, tem o dinheiro do ônibus e não posso deixar as crianças com a Vilma todo dia. E o pior é que aqui não tem as chamadas de vídeo, nem os boletins por telefone. O que vou fazer, mãe? Eu queria te visitar todos os dias, mas como? Venho dia sim e dia não. Vou pegar mais unha pra fazer, até de noite, se precisar. 

— (respirador)

— Tô sendo muito egoísta, né. A senhora ouviu o médico, se conseguir sobreviver, vai ficar com sequelas. Presa numa cama. Dependendo de mim pra tudo. Sei que ia preferir morrer! Eu sei disso. Então… o pai tá te esperando lá no céu. Faz anos, já. A saudade deve estar forte, né. Se a senhora quiser ir, pode ir. Eu vou sobreviver. A vida sempre continua. Dá um beijo bem grande no pai por mim. 

— (bip)  (respirador)  (bip)

— A hora de visita acabou. Se eu não te ver mais, lembra que eu te amo muito. Obrigada por tudo e me perdoa por qualquer coisa. Vai com Deus! Bença, mãe.

— (respirador)  (bip)

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28 comentários em “Bença, mãe – Conto (Priscila Pereira)

  1. Emanuel Maurin
    1 de julho de 2021

    Chorei.

  2. Luiz Carlos de Sousa
    1 de julho de 2021

    Muito… Mas, muito bom o seu conto. Você pensou fora da caixinha. Significa que foi muito original. Diálogo… Diálogo… Conflito… Parabéns, porque voce me encantou. Sua bênção.

    • Priscila Pereira
      1 de julho de 2021

      Deus te abençoe, Luiz! Muito obrigada! Feliz por ter gostado! 😘

  3. Kelly Hatanaka
    1 de julho de 2021

    Oi Priscila.

    Que conto mais lindo e triste. Comovente demais esse momento de adeus, muito bem retratado!

    Parabéns!

    • Priscila Pereira
      1 de julho de 2021

      Muito obrigada, Kelly! Feliz por você ter gostado! 😘

  4. Júlio Alves
    30 de junho de 2021

    Olá, Priscila, boa tarde

    Achei seu conto muito tocante, bem ritmado e quase como um lugar-eterno, como se o fim não fosse o fim, mas que ia de novo e de novo. O jeito como os estágios do luto foram se desenvolvendo também foi bem interessante.

    Senti falta de mais detalhes “inúteis” da relação das duas em alguns momentos, acho que assim a exposição não ficaria tão afiada.

    Parabéns pelo conto!

    • Priscila Pereira
      1 de julho de 2021

      Muito obrigada, Júlio! Fiz esse conto como um exercício, tinha que caber em 500 palavras então ficou bem apertado mesmo. 😁

  5. Fernanda Caleffi Barbetta
    30 de junho de 2021

    Nossa, Pri, seu texto é lindo, apesar de muito triste. É realmente difícil aceitar o adeus… Bjs

    • Priscila Pereira
      1 de julho de 2021

      Verdade, Fer! Mas faz parte da vida né. Obrigada 🥰

  6. Zulmira
    29 de junho de 2021

    Só me ocorre uma palavra: tocante.
    O coração querendo uma coisa, a razão apontando para a direção inversa.
    A vida é isso mesmo. Chorar não resolve, mas é inevitável.
    Parabéns.

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Muito obrigada, Zulmira! Exatamente isso, razão versus emoção. 😘

  7. André
    29 de junho de 2021

    Que triste história! Muito bom seu conto. Parabéns.

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Muito obrigada, André! 😘

  8. Cilas Medi
    29 de junho de 2021

    Eu também te abençoo… parabéns!!!

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Muito obrigada, Cilas!😘

  9. Anderson Prado
    29 de junho de 2021

    Tocante. Parabéns, Priscila!

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Muito obrigada, Anderson! 😘

  10. antoniosbatista
    29 de junho de 2021

    Bom conto, é a triste realidade. Lembrei-me de minha mãe no hospital. Ficou em minha memória, o nosso último olhar, quando eu ia saindo. No dia seguinte ela partiu.

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Obrigada por compartilhar essa lembrança especial, Antônio! 😘

  11. claudiaangst
    29 de junho de 2021

    Conto emocionante escrito com a sensibilidade de quem vive tudo no verso e reverso. Leitura agilizada pelo diálogo/monólogo. Parabéns, Pri. Você é vencedora! ❤

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Muito obrigada, Cláudia, querida! Muito feliz que você tenha gostado! 😘

  12. thiagocastrosouza
    29 de junho de 2021

    Lindo conto Pri. Bom uso dos diálogos e silêncios para ritmar a despedida dessa filha. A protagonista conversa com a mãe, mas também consigo mesmo, se preparando para o luto e o remorso de certas decisões.

    A vida não é fácil.

    Parabéns.

    • thiagocastrosouza
      29 de junho de 2021

      *mesma.

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Obrigada, Thiago! Sim, não é fácil, mas ainda vale a pena! Feliz que tenha gostado!😘

  13. Paula Giannini
    29 de junho de 2021

    Lindo, minha querida, escrito com coração e com o lugar de afeto de qeum passou por isso. Amo você.

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Obrigada, Paula, querida! Também amo você! 🥰😘

  14. simone mattos
    29 de junho de 2021

    Como não chorar?
    Muito tocante.

    • Priscila Pereira
      29 de junho de 2021

      Muito obrigada! Fico feliz com seu retorno! 😘

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Publicado às 29 de junho de 2021 por em Contos Off-Desafio e marcado .
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