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Detox Literário.

A Mulher de Pano – Conto (Antonio Stegues Batista)

A MULHER DE PANO- Roteiro Para Filme

Personagens:

Filinto, 23 anos, noviço na Ordem de São Benedito.

Daniel, 25 anos, noviço.

Frei Januário, 39 anos, cozinheiro do mosteiro.

Dom Ramiro, 61 anos, abade do mosteiro.

Dr. Zenildo, 54 anos, médico do Hospital Dom Pedro II.

Bernadete, 17 anos, interna no Hospital.

Local em que se passa a história: Mosteiro de São Benedito.

Na cidade do Rio de Janeiro.

Época: 1882

 

Cena 1 ─ Exterior ─ Dia

Cenário ─ Jardins do mosteiro.

Filinto e Daniel caminham pelo jardim, concentrados na leitura de seus breviários.

A certa altura, Daniel quebra o silêncio ─ Você teve namorada? Antes de fazer os votos?

Filinto sacode a cabeça. ─ Não.

Daniel fica surpreso, esboçando um sorriso de escárnio. Depois, apruma o peito e afirma ─ Eu tive várias.

Filinto olha para ele ─ Várias? Não acredito! Estais mentindo.

Daniel─ Bem, na verdade, foram duas.

Filinto─ E você resolveu ser padre porque foi rejeitado, suponho.

Daniel gesticula ─ Não! Nada disso. Bem, não importa.

Daniel para no caminho lajeado e olha para os lados. Certificando-se de que não há ninguém nas proximidades para ouvi-los, pergunta, baixando o tom de voz ─ Você não sente vontade de ter uma mulher?

Filinto, senta num banco e quando o companheiro senta ao lado, responde─ Minha mãe me preparou desde criança para a vida sacerdotal, ensinou-me os preceitos religiosos, explicou o que eram as boas virtudes, o que eram os vícios e os pecados. O pecado é a porta do inferno. A mãe dizia para eu nunca esquecer que uma vida dedicada ao bem, livre dos pecados, dos vícios e prazeres mundanos, agrada à Deus. ” Só os puros de coração têm lugar garantido no paraíso. Para dedicar sua vida a Deus, é preciso ignorar, renunciar, esquecer certas coisas. Até atingir a perfeição do espírito, é um caminho árduo. O inimigo lançará de muitos subterfúgios para fazer você mudar de caminho e entrar na porta larga, aquela que leva ao inferno. Se você quer ser um padre, não poderá se casar, nem olhar com desejo para mulher alguma”. Nunca olhei diretamente para uma mulher, solteira ou casada. Se por algum motivo algum pensamento de luxúria vem à minha mente, eu rezo o Pai Nosso e a Ave Maria. Procuro rezar e afastar tais pensamentos. Meu objetivo é a vida monástica, seguir os preceitos religiosos. Quero ser um sacerdote puro de corpo e alma.

Daniel retruca ─ Deixa de ser bobo! Ter uma mulher não é pecado nenhum. A proibição é uma regra criada pelos homens e não uma Lei de Deus.

Filinto ─ Escolhi viver num mosteiro, longe da sociedade, me dedicar a uma rotina só de orações e trabalho. Sabes muito bem que o Abade não permite mulheres no mosteiro, nem que seja para uma visita. Nem os outros padres aceitariam uma mulher vivendo conosco! Onde estais com a cabeça?

Daniel dá de ombros, fala num tom amistoso. ─ Eu só queria saber a tua opinião!

Filinto ─ Se você quer se casar, por que não abandona a clausura e vai viver tua vida lá fora?

Daniel fica em silêncio por um momento, depois confessa ─ Quando meus pais morreram, andei vagando pelas ruas, pedindo esmolas até que o padre Gregório me acolheu e desde então, estou me preparando para ser sacerdote. Não quero sair daqui, não. Esquece o que eu disse.

O rapaz cala-se e eles continuam a caminhar, cada um lendo o seu breviário. O assunto parece ter se esgotado ali, mas no dia seguinte, quando eles estavam lavando o piso da cozinha, Daniel voltou a falar no mesmo tema.

Cena 2 ─ Interior- ─ Dia

Cenário ─ Refeitório do mosteiro.

Na tarde seguinte, os dois rapazes estão lavando o piso do refeitório.

Daniel faz uma pausa na esfregação e fala num sussurro─ Nós podemos criar uma mulher.

Filinto olha ao redor, certificando-se de que eles estão sozinhos na cozinha, mesmo assim, teve receio que alguém ouvisse a conversa. Acha que o companheiro está sendo impertinente. Não quer ser rude, mas precisa tirar aquelas ideias da cabeça dele.

Filinto, num tom reprovador─ De onde você tirou essa maluquice? Não somos Deus para fazer tal coisa!

Daniel ─ Tem um livro na biblioteca que ensina.

Aquela revelação deixa Filinto admirado ─ Eu estou há mais de um ano no mosteiro e nem sei o que tem na biblioteca, aliás, sei que tem livros, mas nunca entrei lá porque o meu livro de orações me basta. O Abade proíbe que os noviços entrem na biblioteca sem autorização. A maioria dos livros vieram da Europa, principalmente de Portugal. Como ele mesmo disse; “A biblioteca contém segredos, verdades e mentiras e a proibição de entrar lá, é porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem toda mentira é vista como tal e isso pode afetar o espírito de quem ainda não está preparado para enfrentar o maligno “.

Daniel ─ É uma fórmula mágica. A criatura obedecerá a seus criadores e somente a eles. Podemos escondê-la em minha cela e brincar com ela depois das Completas.

Filinto ─ Brincar, você quer dizer, deitar com ela?

Daniel ─ Você sabe que não podemos ir a um bordel, tampouco trazer uma mulher para o nosso quarto!

Filinto ─ Como você descobriu esse livro? Já o leu?

Daniel ─ Não. Foi irmão Antero que falou. Ele é quem faz a limpeza lá e encontrou o livro por acaso. Ficou curiosos e leu algumas partes. Disse que a criatura obedecerá a seus criadores e somente a eles.

Filinto continua esfregando o chão com a escova. Ele para e se apoia nos calcanhares ─ Como vamos entrar lá se a porta está sempre trancada?

Se arrepende de ter feito a pergunta e faz o sinal da cruz, mas é tarde demais.

Daniel ─ Antero faz a limpeza do lugar. Ele tem uma cópia da chave. Guarda no quarto dele. Quando ele estiver dormindo, entrou lá e pego, mas eu vou precisar da tua ajuda para encontrar o livro.

Cena 3 ─ Interior ─ Noite

Cenário ─ Quarto de Filinto.

Filinto acaba de rezar e senta-se na beira da cama. Pensamentos vem a sua cabeça:

“Tenho pensado exaustivamente nos prós e contra desse ato que estou pensando em a fazer. Daniel afirmou que não é bruxaria, caso contrário, não estaria na biblioteca do mosteiro. Disse que é ciência. A golem será criada para as necessidades do corpo, assim como as orações e súplicas o são para a alma. Daniel citou o apóstolo Paulo que disse; “cada homem deve ter sua própria mulher”. Mas ele não falou dos monges. A Ordem incentiva o celibato, mas não proíbe que o monge tenha esposa, desde que se comprometesse a visita-la uma vez por mês.

Esses pensamentos vinham à cabeça de Filinto, enquanto ele aguarda por Daniel. Queria poder ter certeza de que sua alma não arderia nas chamas do inferno. Já estava na idade adulta e nunca esteve com uma mulher. Sua mãe sempre o manteve trancado em casa, “longe das maldades do mundo”, como dizia ela. Achava que nenhuma garota da vila era boa o suficiente para ser esposa dele, além do mais, a mãe queria que ele fosse padre. Agora tinha uma oportunidade para ter uma namorada, alguém que faria tudo por ele. Outra preocupação era a reação do Abade caso descobrisse a mulher. Provavelmente os dois seriam expulsos do mosteiro e da Ordem.

Uma luz tremula por debaixo da porta e Daniel entra, segurando um candeeiro. Exibi a chave e sussurra: ─ Vamos.

Filinto respira fundo, não consegue resistir à tentação. Segue Daniel através do corredor escuro, na ala dos dormitórios. Passam pela porta do refeitório, atravessam a sala de estar e sobem a escada para a biblioteca. O silêncio é imenso, como se tudo e todos estivessem mortos, ausente do mundo. Filinto se sente em outro lugar, em outro tempo, como uma alma penada vagando no limbo. Daniel enfia a chave na fechadura e gira. Entram rapidamente e tornam a fechar a porta.

Cena 4 ─ Interior ─ Noite

Cenário ─ Uma sala espaçosa, cheia de prateleiras com livros, cartas, pergaminhos, bulas, uma infinidade de textos.

Daniel acende outro candeeiro e dá para Filinto. ─ Procure do outro lado. É um livro de capa vermelha.

Filinto vai para o próximo corredor. Precisa aproximar a chama para enxergar melhor e há o perigo de colocar fogo em alguma coisa. Seria uma tragédia se a biblioteca incendiasse. O cheiro de poeira faz seu nariz coçar. Eram muitas prateleiras para examinar. O tempo foi passando e parecia que a noite acabaria e o livro não seria encontrado. Filinto já está começando a se sentir cansado quando finalmente, Daniel tocou o braço dele.

Daniel ─ Achei! Vamos embora.

Voltam pelo mesmo caminho e entram no quarto de Filinto. Sentam-se na beira da cama e à luz dos candeeiros, começam a examinar o livro. Devia ter umas 50 páginas, todas perfuradas numa borda com um barbante encerado amarrando-as juntamente com uma capa lisa, de couro, pintada de carmim. A maioria dos textos eram simpatias para dar sorte, ganhar dinheiro, amaldiçoar um inimigo, expulsar demônios, fórmulas para acabar com pragas nas plantações, curar doenças nas tetas das vacas e muitas outras coisas. A fórmula para criar um golem feminino estava nas últimas páginas.

“Para fazer um golem feminino são necessários cinco ingredientes; uma boneca de pano,1 ovo de galinha,1 colher de pó de calcário, 1 colher de sal e 5 colheres de vinho tinto. Mistura-se tudo numa tigela e com a poção, besunta-se a boneca e em seguida pronuncia-se as palavras mágicas; Ortus Erat Spiritus Vitae et Femina Reservat. ”

Daniel ─ Amanhã temos que arranjar esses ingredientes. Acho bom irmos bem cedo.

Cena 5 ─ Exterior ─ Dia

Cenário ─ Pátio do mosteiro. Daniel e Filinto andam ao redor do mosteiro, recolhendo os objetos para o sortilégio. No galinheiro pegam um ovo, no jardim, um torrão de calcário, na cozinha, uma tigela, colher de pau, sal e o vinho, na despensa, pano, agulha, linha e dois botões pretos.

Cena 6 ─ Interior ─ Noite

Cenário ─ quarto de Filinto

Filinto mistura os ingredientes na tigela, enquanto Daniel faz a boneca de pano, desenhando a boca e costurando os botões como se fossem os olhos. Os cabelos são as franjas de uma cortina velha que ele cortou e colou na cabeça da boneca, com goma de mandioca. A receita não mencionava o tamanho da boneca, por isso eles fizeram uma pequena, crendo que o ovo a faria crescer e se desenvolver numa mulher de tamanho médio. Daniel coloca a boneca no chão e os dois se ajoelham ao redor.

Trocam um olhar tenso e com o livro na mão, pronunciam as palavras mágicas que dariam vida ao golem. ─ Ortus Erat Spiritus Vitae et Femina Reservat.

Permanecem em silencio, olhando a boneca, esperando a transformação. Cinco minutos depois eles repetem as palavras mágicas, mas de novo, nada acontece.

Decepcionado, Filinto senta-se na beira da cama ─ Besteira! Tudo isso é bobagem! Acho melhor você devolver esse livro à biblioteca antes que alguém dê por sua falta. Aliás, isso aí não vale nada!

Daniel ainda fica algum tempo ajoelhado sem piscar os olhos, com a esperança de ver alguma coisa diferente naquele boneco lambuzado com os ingredientes, onde o calcário se transformaria em ossos, o tecido em carne, o vinho em sangue. Mas, nada acontece. Permanece imóvel, de cabeça baixa, depois pegou o livro e saiu. Filinto chuta a boneca para debaixo da cama e deita-se para dormir.

Cena 7─ Exterior/ interior─ Dia

Cenário ─ Pátio e cozinha do mosteiro.

Pela manhã, Filinto levanta-se na hora habitual para as orações. Depois do desjejum, vai trabalhar nos vinhedos. O dia passa sem novidades, mas no outro dia, o cozinheiro reclama que alguém pegou o toucinho que ele iria colocar no feijão. Em outra manhã, ele descobre que um pedaço de queijo e um pão tinha sumiu da despensa. Não foi rato, pois a despensa estava fechada e não havia nenhum buraco na madeira!

Uma busca é feita na cozinha, mas nada encontraram. Chega-se à conclusão, que alguém havia pegado os alimentos fora do horário das refeições. O abade faz uma advertência, dizendo que aquilo, além de ser um pecado, era antiético.

Cena 8 ─ Interior ─ Noite

Cenário ─ Quarto de Filinto.

Filinto acorda no meio da noite sentindo que alguma coisa bateu nas ripas da cama. Ele levanta-se, acende a lamparina, ajoelha-se, iluminando debaixo do leito. O susto foi tão grande que ele se atirou para trás e arrastou-se até a parede oposta. Debaixo da cama está uma mulher. Filinto fica sentado no chão, surpreso, espantado. O sortilégio havia dado certo! O rosto dela surge na luz tremeluzente da lamparina.

Filinto, num tom amigável ─ Saia daí, não tenha medo.

Ela sai e fica sentada no chão, de cabeça baixa. Usa um vestido cinzento, sujo, os cabelos estavam emaranhados, as unhas também sujas. Porém, a beleza da garota era sobrenatural.

Filinto ─ Meu nome é Filinto e o seu? Como se chama? Ah! Como sou bobo, você acabou de nascer e ainda não tem nome.

Ela aparenta ser mais jovem do que ele. Permanece calada, torcendo a barra do vestido com os dedos engordurados, depois de comer o toucinho roubado da despensa. Olha para o rapaz com olhos brilhantes, com uma expressão de ingenuidade.

Filinto, num tom afetuoso ─ Não importa. Eu vou te ensinar tudo, até ler e escrever. Espere aqui, não saia do quarto. Eu já volto.

Filinto sai com os pensamentos em alvoroço, foi até o quarto de Daniel e acordou-o, dizendo que a magia deu certo. Incrédulo, Daniel vai ao quarto dele e fica maravilhado com a beleza da garota.

Daniel, eufórico ─ Nós podemos fazer tudo o que quiser com ela!

Filinto retruca ─ Não! Ela merece o nosso respeito! Precisamos tirá-la do mosteiro.

Daniel ─ Sim, tem razão! Se os outros a descobrem a tiram de nós, com certeza.

Filinto ─ E seremos castigados por bruxaria.

Daniel dá algumas passadas pelo quarto, pensativo. Para, voltando-se. ─Tem uma cabana abandonada no bosque. Podemos deixá-la lá.

Filinto ─ Ótima ideia.

Daniel ─ Sairemos ao amanhecer.

Enquanto eles conversavam em voz baixa, a garota se deita na cama de Filinto e adormece. Filinto pega um cobertor na cômoda e estende num canto para dormir.

Daniel pega outro para ele. – Vou dormir aqui essa noite. Sairemos logo que o sol nascer.

Cena 9 ─ Interior ─ Noite

Cenário ─ Quarto de Filinto.

Filinto acorda com gemidos e batidas na parede. Pega os fósforos e acende a lamparina. Fica surpreso ao ver Daniel sobre a garota, na cama. Ele acha que eles estavam tendo conjunção carnal, mas percebe que Daniel tampa a boca dela e ela estava se defendendo. Filinto nunca tinha visto Daniel tão descontrolado e selvagem. A garota esperneia, empurrando-o, mas ele está decidido a satisfazer seus instintos.

Filinto tira o cordão da cintura, enrola no pescoço de Daniel e começa a puxar. O rapaz tenta se desvencilhar, mas a raiva de Filinto e o dever de proteger a garota multiplicam suas forças. Dali em instantes, Daniel deixa de lutar e suas mãos caem, inertes. Com a respiração ofegante, Filinto se afasta. Fica estático, sem remorso, olhando o corpo sem vida do companheiro. A garota aproxima-se dele e o beija na face. Um beijo que sela o compromisso dos dois, cada um protegeria o outro e só ao outro deveria confiar.

Cena 10 ─ Exterior- Dia

Cenário ─ Pátio do mosteiro.

Frei Januário vai ao poço pegar água para fazer o almoço. Naquela quarta-feira faria uma sopa de legumes. Quando vai descer o balde, vê algo lá no fundo. Fica apavorado ao perceber que era um corpo humano. Ele sai gritando e o mosteiro entra em grande agitação.

Quando içam o corpo, descobrem que é Daniel Dantas. As investigações da polícia levam à conclusão de que foi um acidente, o rapaz foi pegar água para regar a horta, se descuidou e acabou caindo no fundo do poço.

Filinto chora no velório, um choro real causado por um sentimento verdadeiro. Ele gosta de Daniel, sempre foram bons companheiros e amigos inseparáveis. Havia tirado sua vida por um motivo muito forte e justo. Daniel tinha sido possuído pelo maligno, estava para cometer um crime, possuir a garota sem o consentimento dela, macular o seu corpo, visto que anjo era. Filinto achava que tinha salvado a alma do amigo do fogo do inferno. Ele está em paz com sua consciência.

Cena 11 ─ Interior-Dia

Cenário ─ Quarto de Filinto.

Depois do funeral de Daniel, Filinto aproveita que não tem ninguém na cozinha para pegar pão, queijo e salame. Leva para o quarto. Com uma faca corta algumas rodelas de salame, um pedaço de queijo, coloca no pão e dá para a garota comer. Enquanto ela coma, ele fica pensando num nome para ela. Tem que ser um nome que combine tanto com sua beleza angelical, quanto o porte físico. Súbito, a porta se abre e entra o cozinheiro, esbaforido.

Januário ─ Eu vi quando você pegou… – começou ele, mas para, ao ver a garota. A olha de alto a baixo. ─ O que ela está fazendo aqui? Como entrou no mosteiro?

Filinto se mete no meio dos dois – Ela é minha.

Januário enruga a testa, intrigado. ─ Sua, o quê? Irmã? Amiga? Não interessa, o Abade vai saber disso agora mesmo. As regras são claras, é proibido mulheres no mosteiro.

Filinto não gosta nada da possibilidade de ficar sem a sua criação. Ele pega a faca e quando o cozinheiro saía, crava nas costas dele. Januário cai de joelhos sob o umbral, faz uma careta de dor e ainda teve forças para pedir por socorro. Grita o mais alto que pode. Filinto pega a mão da garota, enquanto ela se detém por um momento para arrancar a faca do corpo do cozinheiro. Deixando o quarto, atravessam a cozinha e chegam aos fundos do pátio.

Sempre segurando a garota pela mão, Filinto sobe a escada e entra na torre do sino. Há uma árvore do outro lado do muro. Alcançando os galhos eles poderiam subir na árvore e saltar para o outro lado, para a rua. Ele se volta para a garota, quando ela fez um gesto com o braço e crava a faca no peito dele. O rapaz arregala os olhos de espanto, olha para o próprio peito e depois para ela. A garota sorri, no rosto suado uma expressão cândida, considerando que tudo não passa de uma brincadeira.

Os joelhos de Filinto se dobram e ele cai, bate com a cabeça no sino e despenca no vazio. O sino balançou, o badalo tocando as paredes de aço. Ouviu-se duas badaladas. O som fúnebre ecoou sobre o mosteiro.

Cena 12 ─ Interior ─ Dia

Cenário ─ Escritório do mosteiro.

Dom Ramiro recebe o diretor do Hospício Dom Pedro II, doutor Zenildo D’Almeida.  Dois enfermeiros troncudos seguram a garota que está com os braços presos numa camisa-de-força.

Doutor Zenildo revela ─ Bernadete tem problemas mentais. Sua mentalidade é de uma criança de cinco anos. Ela aproveitou a distração dos enfermeiros para fugir do hospital. De agora em diante nós vamos ter que mantê-la num quarto, bem trancada.

Dom Ramiro ─ E eu vou mandar cortar aquela árvore nos fundos. Creio que foi por ali que ela entrou no mosteiro e se escondeu no quarto do pobre Filinto, que tentou ajudá-la a fugir. Coisa que não entendo, pois tudo indica que ela matou Januário antes de matar o Filinto!

Dom Ramiro, fita o médico, como que buscando uma resposta.

Zenildo ─ Como Bernadete não tem condições de dizer o que realmente aconteceu, tudo o que podemos fazer é suposições.

Zenildo se despede. Antes de ser levada, Bernadete volta o rosto para o abade e sorri. Ramiro estremece, sentindo uma pontada na barriga, como se uma lamina de aço perfurasse suas entranhas.

Fim

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2 comentários em “A Mulher de Pano – Conto (Antonio Stegues Batista)

  1. Juliana Calafange
    30 de setembro de 2019

    Antonio, bom conto de suspense. Mas longe de ser um roteiro. Num roteiro a gente precisa mostrar e não dizer. Tudo o q é sentimento ou pensamento dos personagens precisa ser mostrado e não apenas descrito. Um bom desafio pra vc, transformar essas passagens que descrevem o q os personagens sentem em imagens e ação. Vai fundo, porque a história é boa.

    • Antonio Stegues Batista
      30 de setembro de 2019

      Claro e há muito mais num roteiro de verdade, mas para mim foi apenas um exercício de “marinheiro de primeira viagem”. Obrigado pela sugestão.

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Publicado às 28 de setembro de 2019 por em Contos Off-Desafio e marcado .
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