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Detox Literário.

Em 300 metros você chegará – Crônica (Milton Meier Junior)

Eram duas morenas. Lindas. Novinhas, deviam ter uns 20 e poucos anos. Bem arrumadas, maquiadas e com cabelos longos e lisos. As duas carregando essas malas de rodinha.
Entraram no carro conversando, mas foram educadas o bastante para me dar boa noite. Tem gente que nem se dá ao trabalho.

Pela conversa das duas percebi que uma era maquiadora e a outra cabeleireira, e estavam indo para a casa de uma mulher que ia a uma festa. Estávamos na Lapa e elas iam para o alto da Tijuca, portanto, foi uma boa corrida.

Lá pelas tantas uma delas me diz:

– Moço, me desculpe dizer isso, mas outro dia eu tive uma experiência horrível com um motorista do Uber.

– O que aconteceu?

– O cara veio me pegar e depois que entrei no carro ele começou a dizer que eu era linda, cheirosa… só faltou me chamar de gostosa. Depois ele parou num sinal, acendeu a luz do carro, se virou e ficou me olhando de cima à baixo, e dizendo que eu era linda. Me ofereceu cigarro, perguntou se eu não queria sair com ele. Eu fui fazendo o jogo dele, mas sempre me esquivando. Disse que estava indo encontrar o meu namorado que era da polícia federal, que o meu pai era delegado. Inventei um monte de história. Não sei se ele acreditou ou não, mas felizmente ele me deixou no meu destino e não tentou mais nada. Foi horrível. Fiquei super assustada.

– Sinto muito por você. Tem uns caras muito escrotos.

A outra, que ficara ouvindo, começou a contar a história dela.

– Amiga, quando ainda morava em Curitiba, certa noite saí com uns amigos e voltei para casa de táxi sozinha. Já era de madrugada. Entrei no carro do cara, disse para onde ia e ele foi seguindo pelo caminho, até um momento que mudou o trajeto. Disse pra ele que aquela não era a rota certa, mas ele me ignorou e continuou dirigindo. Paramos num sinal e tentei abrir a porta para sair correndo, mas ele tinha trancado as portas todas. Ele rodou mais um pouco e parou numa rua deserta e mal iluminada, saltou do carro e veio para o banco de trás. Me encolhi toda. Começou a me agarrar, dizer que eu era linda, que ia me fazer muito feliz.

Comecei a lutar com ele. Me agarrou pelo pescoço e me estrangulou, e começou a me lamber toda. Fui ficando sem ar e perdendo as forças. Fiquei quieta por uns instantes, para me recobrar, deixando ele fazer o que quisesse. Até que me recuperei, enfiei o dedo no olho dele, abri a porta e saí correndo. Ele veio atrás de mim. Gritando que ia me pegar, que não adiantava eu fugir. Continuei correndo. Por sorte encontrei um prédio que estava com a portaria aberta e entrei. Não tinha elevador, por isso subi as escadas correndo, até o terceiro andar, que era o último. E ele atrás de mim. Me encostei na parede que fazia esquina com a escada e fiquei esperando o cara. Quando senti que ele estava quase me alcançando, saí de trás da parede e dei um chute bem no meio do peito dele. Ele se desequilibrou e caiu, rolando escada abaixo. Desci correndo, passei por ele e vi que estava desacordado e com um monte de sangue saindo da cabeça. Não sei se morreu ou não. Voltei a pé para casa. No dia seguinte eu estava toda roxa. Minha mãe perguntou o que tinha acontecido e eu disse que tinha levado um tombo. Fiquei mais de um ano sem pegar um táxi. Sempre que via um passar ficava morrendo de medo, sem saber se era o cara. Acho que uma vez eu o vi, mas não tenho certeza. Nunca contei essa história para ninguém.

Eu e a amiga dela ficamos mudos. O que dizer depois de um relato desses?

Chegamos ao destino.

– Muito obrigado. Tenham uma boa noite.

– Me perdoe pela história escabrosa, moço.

– Me perdoe você, pelo comportamento de certos homens. Você foi muito corajosa.

Felizmente você ficou bem. Seja feliz.

– Obrigada, moço.

Já estava rodando há um bom tempo e tinha uma vaga bem perto do prédio onde as tinha deixado. Encostei o carro e saí para esticar as pernas. Fiquei pensando naquela história horrível. Mulher tem que ter coragem só para sair na rua.

Estava encostado no carro e de repente as duas saem da portaria do prédio. Acho que estavam indo comer alguma coisa na padaria da esquina. Elas me viram e arregalaram os olhos.

– Não se preocupem, só parei para descansar e fumar um cigarro.

Elas riram, me deram tchau e seguiram em frente.

Sentir medo o tempo todo deve ser uma merda.

4 comentários em “Em 300 metros você chegará – Crônica (Milton Meier Junior)

  1. josewaenyescritor
    18 de setembro de 2017
    Avatar de josewaenyescritor

    Isto é o que acontece num país onde mulheres têm que levar 2 ejaculadas consecutivas para levar um canalha para prisão! Armas pra elas… Gostei muito do seu estilo!

  2. areweexperienced
    18 de setembro de 2017
    Avatar de areweexperienced

    Olisomar, não foram casos hipotéticos, foi o que as duas mulheres me contaram sobre o que aconteceu com elas. não teriam por que mentir.

    • Olisomar Pires
      18 de setembro de 2017
      Avatar de Olisomar Pires

      Lamentável. Só na bala mesmo !

  3. Olisomar Pires
    17 de setembro de 2017
    Avatar de Olisomar Pires

    Bem escrito o texto. Um retrato da realidade e do sofrimento que as mulheres estão sujeitas. Por essas e outras sou a favor da liberação do porte de armas de fogo para civis, claro que com treinamento e regras de controle, desde que sejam sensatas.

    Nos dois casos hipotéticos a arma teria resolvido e nos casos reais também.

E Então? O que achou?

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Publicado às 17 de setembro de 2017 por em Crônicas e marcado .