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Realidade Alternativa – Poesia (Anorkinda Neide)

realidade alternativa

Com a luz acesa do quarto de dormir
pude perceber que ela ainda lia
era alta madrugada mas a leitura a envolvia

Passei pelo corredor e fiz algum ruído
queria que ela me chamasse
abandonasse a ficção e enfim me amasse

Mas que nada, precisei me conformar
No café da manhã, ela contou-me
o livro todo, empolgada, consolou-me

Disse sentir-se à história ligada
como se fosse de sua vida que falavam
eu nada disse mas as lágrimas brotavam

Luana não precisou perguntar-me
ela sabia o que se passava em mim
também a ela a emoção saía assim

-Desidério, somos nós aqui retratados
ou fomos nós em algum tempo e espaço?
Não respondi, a cabeça em embaraço

Todo drama, a tragédia exposta em livro
causou-me náusea, como se um diário
houvesse sido aberto, um inventário

-Não é ficção realmente, minha querida.
E cambaleei até o sofá, a minha frente
um portal se abria de forma veemente

Assisti a tudo o que já vivi
com direito a toda a dor sentir
e a culpa ainda a querer me punir

Pois que matei e usurpei e paguei
um alto preço ao perder meu maior bem
o amor que não se vende por qualquer vintém

Luana nada via pois que já havia lido tudo
durante a madrugada, quando assustada
foi relembrando o que parecia ser uma cilada

-Por que volta-nos tudo o que vivemos?
Não foi suficiente o valor de uma vida
para apagarmos as cicatrizes da ferida?

Perguntava-se ela, chorando desconsolada
Eu nada podia fazer, dilacerado pela mente
me acusando pela insanidade ainda presente

Quando o portal de lembranças fechou-se
de súbito ocorreu-me um lampejo na ideia
recorri ao livro, narrativa de minha epopeia

Não havia nome do autor, sentei-me ao computador
Luana quis saber no que eu pensava
porém, totalmente absorto eu me achava

Digitei páginas e páginas de uma história
parecida com aquela tão minha algoz
mas eu a modificava em frêmito feroz

Eu suava e nem mais percebia Luana
que em transe me olhava sem me ver
Seu semblante modificava-se sem querer

Ao terminar de verter a inspiração
salvadora, redentora, expiação pura
uma magia branca ou negra, loucura

Suspirei numa respiração funda
então olhei para Luana, que serena
sorria e me oferecia a boca pequena

A beijei e então eu sabia
que o passado fora modificado
o livro sobre a mesa, consagrado

Pedi a Luana que o lesse novamente
-Desidério, acabei de comprá-lo
nem o li ainda, estou louca para devorá-lo!

Eu ri quase convulsivamente
a amiga que antes me desdenhava
era agora minha esposa e me amava

Toda a punição de um terrível passado
fora apagada de meu livro eterno
hoje é paraíso o que antes era inferno

8 comentários em “Realidade Alternativa – Poesia (Anorkinda Neide)

  1. mariasantino1
    24 de agosto de 2015
    Avatar de mariasantino1

    Oi, Anorkinda!

    Gostei do cotidiano transformado em conto de fadas, “e viveram felizes para sempre”. Boa, me lembrou o conto da Sara Parker escrito pelo Gustavo Araújo.
    Abç!

  2. Wender Lemes
    23 de agosto de 2015
    Avatar de Wender Lemes

    Parabéns, Anorkinda!
    Gostei desta realidade alternativa. Acho até que ela não é tão alternativa assim, pois nós também nos reescrevemos a cada leitura ou criação. Claro que o seu poema vai além, mas escrever em si é um trabalho de rever e recriar a vida.
    Abraço!

    • Anorkinda Neide
      23 de agosto de 2015
      Avatar de Anorkinda Neide

      Olha, que reflexão legal vc fez!
      Mas bah! Dá pra viajar nesse pensamento de reescrevermo-nos… show!

      Obrigada pela leitura!

      Abração

  3. Brian Oliveira Lancaster
    9 de julho de 2015
    Avatar de Victor O. de Faria

    Você conseguiu criar uma história com um pé na FC, dentro de uma poesia. Escolher palavras, rimá-las e ainda fazer sentido, não é para qualquer um. E aqui você o faz, com maestria. Curti o enredo e o tom de cotidiano, quase comum. Mas agora me vou, pois a rima contagia!

    • Anorkinda Neide
      15 de agosto de 2015
      Avatar de Anorkinda Neide

      hahuahiuha
      não tinha visto o comentário!

      Obrigada pela leitura e que bom que gostou!

  4. Anorkinda Neide
    3 de julho de 2015
    Avatar de Anorkinda Neide

    Obrigada pela leitura, Vitor.

    Entendo a dificuldade, talvez seja o sotaque, mas acho que a narração de uma historia em forma de versos e uma historia de realidade alternativa, dificulta tudo mesmo! hehehe
    Mas é uma diversão escrevê-la!

    Abração

  5. vitor leite
    30 de junho de 2015
    Avatar de vitor leite

    um belo texto que não pode ser lido de uma vez, é preciso repetir e meditar. Muito bom. não sei se o problema é a diferença de sotaques, mas há algumas coisitas que me dificultaram a leitura, por exemplo: “-Por que volta-nos tudo o que vivemos?” percebo o que dizes, mas ao ler perde-se o ritmo. percebes?

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Informação

Publicado às 22 de junho de 2015 por em Poesias e marcado .