Com a luz acesa do quarto de dormir
pude perceber que ela ainda lia
era alta madrugada mas a leitura a envolvia
Passei pelo corredor e fiz algum ruído
queria que ela me chamasse
abandonasse a ficção e enfim me amasse
Mas que nada, precisei me conformar
No café da manhã, ela contou-me
o livro todo, empolgada, consolou-me
Disse sentir-se à história ligada
como se fosse de sua vida que falavam
eu nada disse mas as lágrimas brotavam
Luana não precisou perguntar-me
ela sabia o que se passava em mim
também a ela a emoção saía assim
-Desidério, somos nós aqui retratados
ou fomos nós em algum tempo e espaço?
Não respondi, a cabeça em embaraço
Todo drama, a tragédia exposta em livro
causou-me náusea, como se um diário
houvesse sido aberto, um inventário
-Não é ficção realmente, minha querida.
E cambaleei até o sofá, a minha frente
um portal se abria de forma veemente
Assisti a tudo o que já vivi
com direito a toda a dor sentir
e a culpa ainda a querer me punir
Pois que matei e usurpei e paguei
um alto preço ao perder meu maior bem
o amor que não se vende por qualquer vintém
Luana nada via pois que já havia lido tudo
durante a madrugada, quando assustada
foi relembrando o que parecia ser uma cilada
-Por que volta-nos tudo o que vivemos?
Não foi suficiente o valor de uma vida
para apagarmos as cicatrizes da ferida?
Perguntava-se ela, chorando desconsolada
Eu nada podia fazer, dilacerado pela mente
me acusando pela insanidade ainda presente
Quando o portal de lembranças fechou-se
de súbito ocorreu-me um lampejo na ideia
recorri ao livro, narrativa de minha epopeia
Não havia nome do autor, sentei-me ao computador
Luana quis saber no que eu pensava
porém, totalmente absorto eu me achava
Digitei páginas e páginas de uma história
parecida com aquela tão minha algoz
mas eu a modificava em frêmito feroz
Eu suava e nem mais percebia Luana
que em transe me olhava sem me ver
Seu semblante modificava-se sem querer
Ao terminar de verter a inspiração
salvadora, redentora, expiação pura
uma magia branca ou negra, loucura
Suspirei numa respiração funda
então olhei para Luana, que serena
sorria e me oferecia a boca pequena
A beijei e então eu sabia
que o passado fora modificado
o livro sobre a mesa, consagrado
Pedi a Luana que o lesse novamente
-Desidério, acabei de comprá-lo
nem o li ainda, estou louca para devorá-lo!
Eu ri quase convulsivamente
a amiga que antes me desdenhava
era agora minha esposa e me amava
Toda a punição de um terrível passado
fora apagada de meu livro eterno
hoje é paraíso o que antes era inferno
Oi, Anorkinda!
Gostei do cotidiano transformado em conto de fadas, “e viveram felizes para sempre”. Boa, me lembrou o conto da Sara Parker escrito pelo Gustavo Araújo.
Abç!
Obrigada pela leitura, guria!! 🙂
Parabéns, Anorkinda!
Gostei desta realidade alternativa. Acho até que ela não é tão alternativa assim, pois nós também nos reescrevemos a cada leitura ou criação. Claro que o seu poema vai além, mas escrever em si é um trabalho de rever e recriar a vida.
Abraço!
Olha, que reflexão legal vc fez!
Mas bah! Dá pra viajar nesse pensamento de reescrevermo-nos… show!
Obrigada pela leitura!
Abração
Você conseguiu criar uma história com um pé na FC, dentro de uma poesia. Escolher palavras, rimá-las e ainda fazer sentido, não é para qualquer um. E aqui você o faz, com maestria. Curti o enredo e o tom de cotidiano, quase comum. Mas agora me vou, pois a rima contagia!
hahuahiuha
não tinha visto o comentário!
Obrigada pela leitura e que bom que gostou!
Obrigada pela leitura, Vitor.
Entendo a dificuldade, talvez seja o sotaque, mas acho que a narração de uma historia em forma de versos e uma historia de realidade alternativa, dificulta tudo mesmo! hehehe
Mas é uma diversão escrevê-la!
Abração
um belo texto que não pode ser lido de uma vez, é preciso repetir e meditar. Muito bom. não sei se o problema é a diferença de sotaques, mas há algumas coisitas que me dificultaram a leitura, por exemplo: “-Por que volta-nos tudo o que vivemos?” percebo o que dizes, mas ao ler perde-se o ritmo. percebes?