EntreContos

Detox Literário.

Eternas Cerejeiras (Blanche)

Tudo fazia sentido agora, após um generoso exame na companhia de minha garrafa favorita. Naquele quarto sombrio de hotel, sob a fumaça densa do cigarro e a má iluminação de uma lâmpada cujo brilho progressivamente se esvaía, eu me lembrava dele como quem se lembra de um sonho distante…

Ora, nas últimas semanas eu havia mesmo embarcado em uma curiosa viagem mental pelo passado, pelos estranhos caminhos aos quaispor vezes me vejo retornar, em memórias! Amassei o cigarro no cinzeiro -assisti a brasa se apagar, assim como minha lâmpada o fez num mudo estouro. Não chamaria o zelador: não suportava mais ver ninguém!

Mil e um papéis amassados se espalhavam pelo chão, arrancados direto da maquina de escrever após duas ou três palavras formadas… Mil e uma garrafas vazias enfeitavam o cômodo, ao redor da pia e próximas à cama, e o telefone há muito deixara de existir: eu o desligara porque os elogios me espantavam! As cartas… eu também não as abriria: Tudo fora conquistado com tamanha facilidade – a fama, o dinheiro, o reconhecimento! Sempre os quis ardentemente, e, no entanto lá estava eu, no mesmo quarto velho e sujo que eu alugara, renunciando qualquer luxo que eu agora possuía a condição de manter. Pouco daquilo importava, na verdade.

Abri a janela e respirei do corrompido ar da cidade. Ouvi as buzinas e as distantes sirenes preencherem o espaço numa frequência hipnótica. Estranhamente ali, no caos e na desordem, eu me sentia em casa…

…Creio que eu nunca passara de uma rata esperta, afinal!

“- …Ela é uma rata esperta! Não espere mais do que isso! – A freira ruim alertava, com a expressão mais azeda que podiam conceber os seus músculos faciais, há muitos anos.

– Também eu já fui jovem… – Redarguia o desconhecido diante de mim, e esticava um sorriso terno toda vez que seus olhos pacatos davam com minha face contraída em vincos zangados de infundada insurreição.

– Não como esta, eu garanto, meu bom senhor… Seus pais também não foram nada que prestasse: se mataram; um ao outro! Pode acreditar nisso?!

– E deixaram-na sozinha, pobrezinha? – O homem se abaixava, equiparando-se a minhaconsideravelmente inferior altura. Eu resistia a cruel tentação de cuspir-lhe no rosto.

– Se acha esperta demais!Não lhe vai dizer uma palavra! Espere gratidão pela sua generosidade apenas no Senhor, meu caro… Desta garota conseguirá se não prejuízo!

O homem sorria, como se estivesse sendo levemente provocado numa piada exagerada. Insistia em que fossemos deixados sozinhos, que apenas assim havíamos de nos conhecer. Eu já ouvira histórias – Infelizes eram as garotas dos orfanatos e seus destinos, quando atingiam os dezesseis anos: Nunca tinham ninguém que lhes tomasse conta. A carranca que meu futuro superior não sabia compreender era precisamente a determinação de que eu morreria antes que ele pudesse por a mão em mim. Eu era encrenqueira e zangada, e isso garantiria que eu mesma pudesse tomar conta de mim… Certo?

À essa altura de minhas reminiscências, sentei-me no parapeito da janela, com as pernas cruzadas e um braço ao redor delas, esorri, pois saudoso era aquele tempo… Creio mesmo que sorri como ele costumava fazer: terna, despretensiosamente.

Naquele primeiro e espinhoso contato, após a retirada da freira do orfanato, ele levou-me para uma volta em seu estabelecimento, onde eu doravante haveria de aprisionar minhas revoltas adolescentes em forma de trabalho. Tudo que me apresentava parecia muito querido para si: a coleção de espadas, os quadros nas paredes, a silhueta tortuosa esculpida em barro que secava próxima a porta. Era bonito quando sorria daquela forma orgulhosa, possuía um cabelo longo e claro como o sol numa manhã invernal, um rosto de traços delicados e frescos como os de uma criança, a voz macia de um tranquilo artista. Seu nome era Sr. Esben, era um imigrante norueguês de trina e quatro anos que vivia cansado, mas não sabia se queixar.

Sr. Esbengostava particularmente do quadro no canto do cômodo, onde o deixava para que lhe rendesse um prazer egoísta, do qual apenas ele poderia desfrutar. Sorria-lhe diariamente, louvando a graciosa mulher de fronte contente que se expressava ali, e o fez também antes de me apresentar a ela: Sua obra prima, e também, eu já então supunha, a dona da silhueta que secava contra a porta. ‘Deve ter sido alta e bela’, pensava, ao passo que eu era pequena e feia, sempre zangada, sempre antecipando o chute que detestava e que mesmo assim sempre fazia por merecer.

Após apresentar-me o seu ateliê, o Sr. Esbensentou-se num cômodo ao fundo, diante de um cavalete, e resumiu o traçado que começara antes de ser interrompido pela sua ‘encomenda’ do orfanato. As meninas cochichavam entre si que ele havia solicitado que especificamente eu fosse enviada para trabalhar para si, e que isso apenas poderia significar uma coisa… Tornei a rir, em meu assento na janela, lembrando-me da mista sensação de pavor, zanga e curiosidade… Iria aquele homem querer fazer sexo comigo? Ora, seussorrisos e insistente condolência poderiam significar outra coisa? Meu peito semi-infantil arquejou diante do pensamento, meu espírito deformado latejou em covardia, e eu joguei para o chão todo o conteúdo de um aparador velho sob a janela. Os grandes olhos do Sr. Esben se voltaram rapidamente a mim, e contemplaram, em choque, o meu infundado faniquito. “Eu não sou tola, sabia?!” – Lembro-me de bradar, ansiosa por deixar claro, e correr para longe dali.

Mas não era o meu calado artista um nobre homem, ou um muito determinado? Solicitou-me de volta, e aceitou-me: um animal mais manso e infinitamente mais amargo após uma memorável surra de vara no orfanato. Sorriu de minha carranca magoada, sorriu mesmo quando viu as lágrimas ameaçarem cair, não porque fazia pouco de minhas emoções, mas porque apreciava poder presenciá-las.

Eu dormiria num quartinho nos fundos de seu ateliê, que servia também de depósito para algumas peças de encomenda: O rosto esquálido e gracioso de sua musa em repetidas telas me assombraria durante as mais longas noites, onde as lágrimas não encontravam consolo, e o medo e a revolta possuíamexpressa permissão do escuro para pairar sobre minha cabeça apoiada no frio de um travesseiro estranho.

As semanas fluíam lentamente, e assim como as folhas caíam das árvores, o Sr. Esben se tornava cada dia mais cansado; cada dia era mais longa e ruidosa a sua tosse… E mais quentes e cheias de vida as suas pinturas. Eu varria, certa ocasião, quando parei para vê-lo pintar: o fazia sorrindo deliciosamente, seus olhos tão distantes quanto se estivesse a dormir e contemplar imagens de um sonho, e o retrato de uma longínqua e íntima felicidade ganhava corpo sobre a tela, sob a densa tinta que descuidadamente respingava. Quando seus olhos davam comigo, sorria tão ternamente que quase os fechava. Aquela foi a primeira vez que eu lhe dirigi a palavra: “Quem terá sidoessa mulher?”. Fora sua musa e sua amante, mas agora ela se fora, foi a resposta. Eu não possuía palavras de conforto para dizer.

As sombras da noite se aprofundavam; as luzes da cidade lentamente perdiam potência, e assim lançavam escuridão também sobre mim. Entre os sorrisos das tolas memórias de revolta em vão, uma lágrima escorria, e eu a impedia antes que pudesse atravessar meu rosto… Afinal, o Sr. Esben estava morto e, quase vinte anos depois, eu me tornara tudo o que aprendi a querer ser… E eu tinha tudo… menos sua reconfortante presença. Não é a adolescência uma época de estranhas sensações? A menor palavra por mim dita transformou meu superior em um paciente amigo, que gostava de conversar à despeito de meu silêncio, e gostava de saber da minha vida à despeito das muitas dores que eu descrevia como constituintes desta. Não sentia pena de mim quando me perguntava de meus pais, e do orfanato: sorria e botava a mão sobre minha cabeça por um leve segundo, para então retornar ao seu trabalho. Eu aprendia a adorar sua companhia, seu pacato interesse, seu espírito que transbordava quando, em silêncio, submergia e desaparecia dentro do seu trabalho… Eu logo amava o simples ar que ele respirava…

Após um ano em seu serviço, eu já era a fiel ajudante do artista Daniel Esben. Eu já sabia sorrir como ele, e sentir paz como ele, e começava a aprender sobre a magia na qual se baseava o seu talento. Foi por volta desta época que uma exibição o levou até o Japão. Eu sentia ciúmes da atenção que ele atraía para si com sua graciosa leveza e humildes obras… Sentia ciúmes porque sabia que eu jamais poderia ser de tal modo interessante para os outros, mas principalmente porque eu nada tinha para lhe oferecer, e jamais poderia concorrer com a multidão que o cercava com críticas sublimes e eloquentes ao seu trabalho, com palavras bonitas cujos significados eu sequer conhecia, e mentes tão desanuviadas e tranquilas quanto a sua, todasopostas diretas à minha. Corri para fora antes do fim do evento, e em minha dureza, me recusei a chorar, embora estivesse triste. Não demorou mais que uma hora até que o Sr. Esben me alcançasse e, lá fora, era como se ele voltasse a ser meu novamente… Seu sorriso era novamente apenas meu, assim como seu incondicional interesse na minha tacanha companhia. Eu afundava dentro de minha própria timidez em um acesso de inseguranças, e ele depositava sua mão quente sobre meu ombro, e me levava a um passeio. Nesta mesma ocasião, fui dignamente apresentada às suas preciosas cerejeiras, quando um vento frio de fim de tarde soprava por entre as árvores do parque, arrancando as flores de seus galhos e deixando-as pairar sobre nossas cabeças. O mesmo frio fazia com que eu me encolhesse em meu casaco, e entranhasse a face em desconforto… O Sr. Esben gentilmente censuraria o ato: que eu apreciasse também o vento, pois era ele o responsável pela beleza das pétalas flutuantes do Japão.

– Olhe para elas, Jane… – dizia em sua voz deslumbrada –Se desejar com firmeza, terá seu pedido realizado…

Apanhou minha mão na sua, e segurou minha palma aberta, apenas esperando no ar até que uma pétala de prístino rosa viesse a espontaneamente pousar sobre ela.

– Leve-a consigo onde for, pois um dia a magica vai acontecer com você, também, como aconteceu comigo… – e sorriu saudosamente.

Eu não sabia o que ele queria dizer, mas a manteria em meu bolso por muito tempo desde então. Ali, meus olhos brilhavam pela primeira vez. Pouco eu suspeitava que tão logo eles deixariam de brilhar!

Eu não fora iludida – suspirei, lembrando-me de seus sorrisos naquela tarde em questão, muito longe de onde eu agora me achava em tempo e espaço. Embora sorrisse em sua lúgubre e esperançosa expressão, há muito o Sr. Esbenme dissera que estava doente, e que logo morreria. Não possuía um castelo para deixar-me de herança – dizia, em tom desafetado e livre de sombras – mas queria me ajudar, como todos chegam a querer antes de uma morte anunciada. Queria… ensinar-me. Que um dia eu sentisse da magia da vida, se pudesse – disse-me -, da mesma forma que ele um dia sentiu. Na época eu não diretamente troçava o seu esforço, mas o desprezava: não havia nada que eu quisesse aprender de um moribundo artista… E embora eu soubesse, desde minha primeira semana, que aquele seria seu destino, e que daquilo se tratava o seu interesse em mim, eu o amei, sem saber poupar-me da dor…

– Jane… – Daniel suspirou certa manhã, ao dar comigo no batente da porta, assistindo-o pintar – venha até aqui… Pinte-me um retrato…

Retirou do cavalete a tela com oseu mais recente esboço e deixou uma em branco, para mim.

– Sente-se aqui… Porque não me retrata?

Ora… Eu podia apenas tentar! Sentada sobre suas pernas, eu transpirava em nervosismo pueril, e me empenhava em concentrar minha atenção na tela e na minha carente habilidade, enquanto sentia seu calor próximo e apreciava o seu perfume: cheirava a flores, e ao frescor da natureza.

Oh, quantas vezes, na progressão de sua infeliz doença, eu não me evadi do meu pequeno quarto no fundo do ateliê, nas noites mais tristes, e não me enfiei sob suas cobertas, em sua cama, de onde ele jamais quis me expulsar? Se ocorresse de acordar, me beijaria a testa, e dormiria tranquilo. Se eu fosse sutil o bastante, permaneceria dormindo, e passaria seus braços por mim em seu sono, permitindo que eu afundasse o rosto em seu peito debilitado e pálido.

…Mas nunca, por mais ardentemente que eu desejasse, tocou-me além dos delicados carinhos que fraternamente me dispensava. E eu era uma tola por ter-lhe ciúmes naquela exposição, por detestar que qualquer um chegasse ao ateliê além dos dois de nós: Daniel Esben amara ardentemente uma vez, e jamais teria olhos para qualquer outra pessoa se não a que incansavelmente retratava e carregava por trás de cada um daqueles incondicionalmente pacíficos sorrisos… Jamais teria olhos nem mesmo para mim!

Uma noite perguntei sobre ela, noite esta em que eu o envolvia em cobertores sobre o sofá e implorava que não vagasse sem eles, enquanto preparava um forte chá de ervas para melhorar a dor em seu peito que o cansaço da tosse inspirava.

– Uma mulher absolutamente linda… – sorria, perdendo-se em deslumbramento pelas próprias memórias – Amou-me delicadamente…

– Deixou-o em seguida! – lancei, amargamente.

Daniel sorriu, e uma tristeza brilhou em seus olhos momentaneamente úmidos, numa passiva concordância que não possuía argumentos que contradissessem a minha amarga asserção. Tomou um gole do seu chá, talvez para não ter de falar-me.

– As pessoas são cruéis… São terríveis e egoístas. Não sei como ainda pode amá-las…

– Um dia se apaixonará, querida Jane, e saberá que tal sentimento não obedece a razão que a sua ira conhece tão bem… – suspirou – Mas não era assim a mulher que um dia foi minha! Fora uma determinada viajante, de muito bom espírito, com muitas histórias para contar. Teria adorado conhecê-la: era realmente uma companhia formidável!

Senti pela primeira vez o declarado fogo do ciúme espichar-me o rosto em vincos zangados.

– Que prazer eu teria, por poder simplesmente revê-la… – suspirava, olhando para longe e transpirando frio.

Sua amada fora altruísta, inteligente, uma brilhante escritora e uma bela mulher… Eu era uma órfã zangada e desinteressante. Enfiei a mão no bolso, e tirei dela a pétala da cerejeira que o tempo ainda não soubera tornar seca. Eu poderia desejar ser uma brilhante escritora, e uma mulher boa o bastante para conquistar de tal modo o deslumbre do meu querido artista… Mas ora! Eu podia simplesmente pedir que lhe devolvessem a sua amada, que a magia da bela natureza que ele tão devotamente idolatrava a fizesse voltar…

Abri os olhos, mas nada aconteceu. A sua adorada natureza o traíra: ninguém estava lá, naquele cômodo mal iluminado, além de nós dois. E eu estranhamente suspirava aliviada. Parti para o lado do meu querido e o abracei, e enquanto ele delirava longamente no pico de uma febre alta, eu apenas desejava poder guiar seus pensamentos para que enxergasse algo agradável na ilusão de suas veias inflamadas.

No fim daquele inverno, as mãos macias de Daniel alisavam delicadamente meu rosto, em sua cama. Segurei-a, e enquanto o ouvia dizer que eu crescera bem – que era uma boa garota; que alcançaria muito, se assim desejasse – eu me perguntava o quanto ele sabia que me tornara alguém melhor? …E eu tinha a coragem de dizer-lhe, mesmo agora no mais derradeiro momento de sua estimada companhia? Não possuía, e até lágrimas caíam em meu solitário quarto de hotel, ao recordar de sua rápida decadência naquela noite terrível. Sentia-me como uma criança temerosa novamente, cheia de saudades e ânsias. Mas a pétala agora murchara: uma prega negra que uma vez fora como a sua beleza e a sua magica, e que, assim como ele, se degradara.

Pediu-me que lhe contasse uma história, como sua amada costumava fazer, e assegurou-me que eu poderia muito bem pensar em uma: Desafiou-me a impressioná-lo e inspirar em si emoções com nada além da imaginação e a pouca luz do quarto. E aquela foi a última noite de sua vida.

É desnecessário dizer que cresci e me tornei uma escritora – E escrevi porque queria parecer, aos seus olhos, tão bela e brilhante como fora sua amada. Além do mais, ninguém nunca se dera o trabalho de me ensinar algo, se não aquele pobre e doentio artista: ensinara-me a contemplar e estimar os sentimentos impressos em cada pequeno segmento de existência física e mental; o que mais haveria para fazer da minha vida com isso?

Quando publiquei meu terceiro livro, e vi meu nome nos jornais, recostei-me contra a cadeira e sorri pacificamente, como ele costumava fazer. Já era suficiente? Eu já podia deixá-lo orgulhoso de mim? A pétala inalterada que há muito havia pousado sobre minha mão, apenas ali decidiu liberar sua mágica… E eu aguardara ansiosamente! Afinal… antes de morrer, Esben confiara a mim um íntimo segredo; um que eu não inteiramente decidira se se devia a sua febre e delírio ou não, até então.

Sentei-me ao redor de uma pequena mesa de ferro, na praça do centro da cidade, e desfrutei de um café expresso, enquanto mentalmente devorava um livro de poemas: as palavras românticas possuíam um particular efeito em mim, e um rejúbilo íntimo me contorcia o estômago em infantil excitação.

– Perdoe-me, mas este lugar está ocupado?! – Chamou-me uma voz cavalheiresca, ameaçando raptar a cadeira diante de mim.

Erguendo os olhos, eu contemplei a jovem expressão do meu querido norueguês. Seus ares eram frescos e saudáveis, seus cabelos longos brilhavam loucamente sob um céu nublado, e um casaco cinza o refugiava do frio.

Eu sorri a ele, sem palavras! Aparecera diante de mim, assim com ele disse que seria!Me tirava o ar!

Ele sorriu-me em retorno, confuso e entretido. Eu sabia, então, que aquela fora a primeira vez que aquele leve e característico sorriso esticou-se por seus lábios, se tornando seu.

– Senhorita? – Chamou.

Embora Esben estivesse frágil e cansado no dia de sua morte, sua memória não falhara: Logo começou a chover, também como ele disse que ocorreria, numa violenta e abrupta torrente cujas frias gotas puseram-nos, ambos, a nos contorcer de frio.

O jovem Daniel olhou-me, procurando meu guarda-chuva: eu não trouxera um, como ele, num distante futuro, me dissera que não fizesse: isso arruinaria tudo!

– Senhorita! Oh meu Deus, seus papéis! Aqui, venha comigo!

O forte rapaz envolveu-me em seus braços, puxando-me na direção do seu peito largo, e ofereceu-me abrigo sob o jornal que agora botava sobre a cabeça. Corremos na chuva, atravessando a praça, até pararmos sob o toldo bastante ocupado de um estabelecimento.

Sorrimos histericamente um ao outro, ensopados e confusos.

– Bem… isso foi inesperado! – Sua voz leve se fazia soar, lembrando-me do quanto esta sabia acalmar meu espírito – Oh, me desculpe! Por acaso eu a importunei?!

Não, absolutamente –respondi-o apenas por meio de um sorriso, muito bem retribuído. Ele parecia feliz… Ele parecia descobrir algo… Como se soubesse, assim como eu sabia…

– Sou Daniel… Daniel Esben! – falou, estendendo uma mão.

Depositei a minha dentro da sua:

– Sr. Esben… Acredita em magia?!

Daniel passaria a conhecer-me bem demais, após aquela tarde na chuva. Por qual outro motivo insistiria que uma órfã específica lhe fosse dada como funcionária? Por qual outro motivo teria cuidado tão diligentemente de mim? Ora, eu devo mesmo ter sido um confuso fardo para o homem que, num futuro e passado sinuoso, se tornara meu amante… Afinal, conforme corriam os anos, era chegada a minha hora de retornar. O deixava já um homem amadurecido e doente… porémsabia que logo arranjaria uma pequena moça para trabalhar para si e cuidar de sua frágil saúde com mais amor que qualquer enfermeira, e ela estaria com ele até o mais baixo ponto desta.

E ali eu me sentava, no parapeito, a raciocinar. A noite já progredira complementa em seu curso, escurecendo o céu onde poucas estrelas eram visíveis em meio à poluição. Já não mais havia barulho ou luzes… A cidade dormia. Eu já não queria escrever… já não atenderia os telefonemas ou abriria as cartas. Eu só escrevera por ele, e agora poderia descansar, tendo me tornado quem gostaria de ser, e quem secretamente sempre fui. Agora, já não havia magia… Eu já não podia esperar encontrá-lo em alguma estranha volta naquela faixa contínua que de alguma forma se entrelaçava, sem começo ou fim.Eu podia apenas me sentar ali, e fumarum cigarro, e me lembrar das mágicas cerejeiras do Japão e da bela imagem do meu artista sob elas.

19 comentários em “Eternas Cerejeiras (Blanche)

  1. Bia Machado
    29 de outubro de 2013
    Avatar de Amana

    No geral gostei, embora algumas partes eu tenha achado um pouco lentas… Ou sou eu, já lenta, de tanto conto que li hoje! Acho que é como o Ricardo disse: desenvolver um tantinho mais a história não fará mal, cuidando melhor a revisão… 😉

  2. Juliano Gadêlha
    26 de outubro de 2013
    Avatar de Juliano Gadêlha

    Belo conto, bem executado e desenvolvido. Faltou uma ou outra crase, e percebi alguns errinhos de digitação, nada que uma revisão não resolva. Mas em geral uma boa escrita, um texto de gente grande. Gostei da inclusão do paradoxo temporal, a presença do misticismo, muito bom. Parabéns!

  3. Sérgio Ferrari
    25 de outubro de 2013
    Avatar de Sérgio Ferrari

    A pessoa que escreveu, escreve muito bem. Quero muito ler algo mais movimentado para ver realmente a imaginação dela correndo junto com a bela disposição das palavras. Parabéns por isso. Quanto a história, não faz meu gosto. Apesar de gostar de romances, essa estava morna.

  4. Andrey Coutinho
    25 de outubro de 2013
    Avatar de Daryen

    EXCELENTE! BRAVO! MUITO BOM! Sério, gostei demais. Não é fácil desenvolver tão bem o relacionamento entre dois personagens com esse número restrito de palavras, o autor conseguiu isso de maneira magistral. E como grande fã de viagem no tempo, sempre costumo dizer que qualquer história fica melhor com um paradoxo. Esse texto é a prova viva disso. É um dos melhores que li até agora no Desafio. Parabéns!

  5. fernandoabreude88
    24 de outubro de 2013
    Avatar de fernandoabreude88

    Interessantes como esse tipo de texto mais romântico me faz torcer o nariz, devo ser uma criatura amarga. Confesso que não gostei, achei algumas imagens desnecessárias e também não curti muito o final.

  6. bellatrizfernandes
    24 de outubro de 2013
    Avatar de isabellafernandes

    Incrível! Adorei o conceito, já pensei em escrever algo do gênero, mas nunca consegui. Adorei! Mas me diga, é como um ciclo? Ambos vão renascer para sempre? E ele reconheceu ela ou não? Se ele beijasse ela quando ela era adolescente, isso alteraria os fatos?

  7. Gina Eugênia Girão
    23 de outubro de 2013
    Avatar de Gina Eugênia Girão

    Puxa vida! Que história! O estilo poderia ser mais simples, há falhas na digitação, mas que CONTO! Gostei muito, mesmo.

  8. Thata Pereira
    23 de outubro de 2013
    Avatar de Thata Pereira

    “Eu podia apenas me sentar ali, e fumar um cigarro, e me lembrar das mágicas cerejeiras do Japão e da bela imagem do meu artista sob elas.” Gostei muito disso e especialmente do título… não sei o motivo de nomes de frutas me atraírem tanto! Eu não gosto de frutas… (rs’)

    Bem, eu gosto dessa escrita rebuscada. Acho lindo de ler e imaginar… sempre que aparecem uma voz serena declama toda a narração para mim, como se fosse um filme. No caso, um romance. Não me importei com os errinhos – até porque não é isso que estou procurando analisar.

    Gostei do efeito que o conto causou em mim. Parabéns!!

  9. Frank
    22 de outubro de 2013
    Avatar de Frank

    Mesmo não sendo meu tipo de texto predileto esse conto me agradou muito: fiquei pensando na sucessão eterna de encontro e desencontro dos dois. Ainda que tenha alguns errinhos, a leitura foi muito agradável, pois o autor(a) é muito talentoso e possui estilo próprio. Me fez sonhar e foi um belo complemento à música clássica que ouço no momento! Parabéns!

  10. Elton Menezes
    21 de outubro de 2013
    Avatar de Elton Menezes

    Sobre a história… Romance puro, envolvendo um amor atemporal. Gostei da ambientação, mergulhada em culturas diversas. Gostei dos personagens, errados e entregues. A história em si não tem toda aquela força de surpreender ou impressionar, porque segue um caminho previsível. Mas a beleza do relato está nos sentimentos expostos.
    Sobre a técnica… Gosto da narração elaborada, mas para um conto de palavras limitadas isso pode deixar o texto muito amarrado, lento, e afastar boa parte dos leitores. Também senti falta de maior revisão, o texto carece de correção de falhas de digitação e algumas falhas ortográficas, como crases e próclises mal colocadas. Também achei o uso de algumas palavras exagerado, lírico demais, o que só truncou mais a leitura (exemplo: doravante).
    Sobre o título… Muito bom! Gostei mesmo, ainda mais quando ele é relembrado no final do texto.

  11. Gilnei Nepomuceno
    16 de outubro de 2013
    Avatar de Gilnei Nepomuceno

    A cada conto me vislumbro com o talento. Maravilha.

  12. Gustavo Araujo
    16 de outubro de 2013
    Avatar de Gustavo Araujo

    Eu gostei. Curti a premissa em loop, a ideia de um amor que nunca acaba. Talvez eu seja o último romântico, mas o fato é que a história me prendeu. Claro que há muito o que melhorar — os erros de digitação poderiam ter sido evitados com uma revisão mais paciente, há palavras,em excesso, especialmente adjetivos e advérbios, como se o(a) autor(a) quisesse florear o que não precisa de floreio — mas no geral, o enredo há de agradar muita gente.

    Como disse o Ricardo num comentário em outro conto – acho que foi em “Amor Atemporal” – a surpresa deste desafio está sendo (viva o gerúndio) a enorme quantidade de contos que, ao falar de tempo, na verdade se voltam para discutir o amor, a vida. Acho bacana isso.

    Já o Holloway pode achar que esse tipo de conto soa como receita de romance de banca de revista – Sabrina, Julia, Bianca – mas é certo que existe muito público para isso. De fato, haverá quem o considere meloso demais, enquanto outros, como eu, vão apreciar desse tipo de trama, especialmente pelo final.

    Previsível? Sim, mas também terno. E com certeza escrito com vontade – eu ia dizer “com a alma”, mas o Rubem iria me vaiar, com certeza. De todo modo, parabéns a quem escreveu.

  13. mportonet
    16 de outubro de 2013
    Avatar de mportonet

    Longo. Não sei se é porque não é o tipo de história que costumo acompanhar.

    Existe um estilo por trás (ou através) da escrita rebuscada, que tornou a leitura ainda mais longa.

    Com certeza deve agradar pessoas mais sensíveis do que eu.

  14. C.R.Angst
    15 de outubro de 2013
    Avatar de C.R.Angst

    Alguns erros de digitação a serem corrigidos em uma revisão mais atenta. Confesso que tenhi uma certa impaciência ao me deparar com textos longos demais. Gosto das ideias românticas, mas prefiro uma narrativa mais ágil.

  15. rubemcabral
    15 de outubro de 2013
    Avatar de rubemcabral

    Bem, achei o conto fraco, muito embora em parte a culpa seja minha como leitor, pois odeio textos extremamente românticos como este (e sofri para ler até o final).

    Algumas frases ficaram bonitas, mas a maioria soou feito clichês surrados de fotonovelas.

    O mote em si não é muito ruim, embora também lembre-me talvez ficção espírita (que eu tbm não gosto).

    Por fim, o conto necessita de uma boa revisão, pois há muitos erros, em especial de digitação.

    • José Geraldo Gouvêa
      28 de outubro de 2013
      Avatar de José Geraldo Gouvêa

      Não tenho problemas com o romantismo quando ele transpira, forçosamente, através de palavras que contam uma história. Mas enjoo dele quando ele borbulha, e afoga a história. Este texto foi mais para o segundo lado do que para o primeiro.

      E nesse texto, como em vários outros, eu aponto o grande calo que a literatura brasileira jovem me aperta: o exotismo gratuito. Nada, nada, nada, absolutamente nada nesta história exige que o Daniel seja noruguês, que a viagem seja ao Japão, etc. Tudo ficaria melhor se a ação se comprimisse num universo menor, numa cidadezinha, num subúrbio. O romantismo exagerado até faria mais sentido. Enfim, o texto não é ruim de todo, o/a autor/a tem talento, mas ele se rendeu a praticamente todos os clichês de que já ouviu falar a respeito de uma história de amor, e pôr um lapso temporal no meio para caber no concurso.

  16. Ricardo
    15 de outubro de 2013
    Avatar de Ricardo

    A narrativa esta um pouco truncada, tirando parte do brilho que uma ideia melhor desenvolvida poderia atrair para a obra. Se colocar um óleo nas juntas, grandes chances de desengrenar!
    🙂

  17. selma
    14 de outubro de 2013
    Avatar de selma

    cansativo, longo, não me prendeu a atenção.

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Publicado em 14 de outubro de 2013 por em Viagem no Tempo.