EntreContos

Detox Literário.

Pessoas Normais – Sally Rooney – Resenha (Givago Thimoti)

“Pessoas Normais” é um romance escrito em terceira pessoa pela irlandesa Sally Rooney, que apresenta ao leitor a história de Marianne e Connell entre os anos de 2011 e 2014. Em 2020, o livro foi adaptado em uma minissérie de 10 episódios, produzida pela Hulu, e apresentou ao público os atores Paul Mescal e Daisy Edgar-Jones.

Conheci a minissérie antes do livro. É uma produção de qualidade, com um casal principal de ótima química e atuações marcantes. A trilha sonora também é muito bem escolhida e toda a série é visualmente cuidadosa. Feita a recomendação, vamos para a minha área.

Connell e Marianne estão no último ano do colégio. Ambos são extremamente inteligentes e introvertidos. Enquanto Marianne não tem amigos e sofre bullying de parte dos colegas, Connell é próximo dos populares (e, claro, a ignora dentro da escola) e ainda é o habilidoso centroavante do time. 

Connell é filho de Lorraine, empregada doméstica na casa de Marianne. O relacionamento entre os dois começa justamente nas idas do garoto à mansão onde a mãe trabalhava para buscá-la. Marianne, por sua vez, tem uma relação extremamente difícil com o irmão e com a mãe, vivendo isolada dentro do quarto.

Até aqui, nada demais, certo? Típico clichê romântico adolescente.

Contudo, Sally Rooney deixa claro, desde o início, que o livro tem apenas a estrutura de uma obra juvenil. De resto, é algo bem mais maduro. Logo no segundo capítulo, após o primeiro beijo deles, há um momento em que Marianne, afastada dos outros alunos, observa Connell na escola:

“(…) Connell era lindo. Passou pela cabeça de Marianne o quanto queria vê-lo transando com alguém: não precisava ser ela, poderia ser qualquer um. Seria lindo apenas observá-lo. Sabia que era esse o tipo de pensamento que a tornava diferente das outras pessoas da escola, mais esquisita.” (p. 18)

Essa frase é interessante porque, embora seja difícil acreditar que isso seja verdade, a geração mais nova (da qual faço parte) é bem mais aberta ao tratar desses assuntos com honestidade, por mais tabus que possam parecer. E, claro, trata-se de um pensamento bastante incomum e inesperado.

É nessa toada que o livro segue: com uma palpável honestidade sobre temas espinhosos.

O romance mostra toda a relação de Connell e Marianne, entre idas e vindas. O casal se separa e se reencontra diversas vezes, por motivos variados. Tentam até ser apenas amigos. Falhas de comunicação, diferenças sociais, oportunidades de vida e novas pessoas se interpõem no caminho deles, enquanto os personagens vão se desenvolvendo no desenrolar das páginas.

Entretanto, o que torna Connell e Marianne um casal mais complexo do que muitos personagens do gênero é a dimensão psicológica que Sally expõe ao leitor, por meio de digressões discretas. A ansiedade de Connell é muito bem retratada ao longo dos capítulos: a preocupação patológica com o que os outros pensam, a dificuldade em pedir ajuda ou em ter conversas difíceis, a necessidade de controlar cada sentimento ou pensamento.

Um trecho em específico do Connell me chamou a atenção por ser extremamente verossímil e condizente com as atitudes e emoções do personagem): 

“(…) suas mãos começam a formigar quando tem que estabelecer interações insignificantes, como pedir café ou responder uma pergunta em aula. A sensação de dissociação dos próprios sentidos, a incapacidade de pensar direito ou interpretar o que veio ouvir as coisas começam a parecer e soar diferentes, mais lentas, artificiais, irreais. Na primeira vez em que aconteceu, acho que estava pirando, que todo o referencial cognitivo com que compreendia o mundo havia desintegrado para sempre, e dali em diante tudo seria apenas sons e cores indistintos.” (P.205)

Do mesmo modo, a personalidade reservada e submissa de Marianne também tem espaço importante no livro. Ela tem a capacidade de abdicar totalmente de si para ser aceita por companheiros e amigos, além de uma tendência a se inferiorizar.

Ao longo da leitura, mais pela fragilidade de suas personalidades do que por um amor idealizado, Connell e Marianne despertaram em mim empatia. Não que o amor entre eles seja descartável ou digno de crítica pesada — seja moral ou literária. Pelo contrário: dentro de sua imperfeição, trata-se de um sentimento bonito, terno e afetuoso. Bem típico do primeiro amor.

Contudo, é a fragilidade do casal que me cativou. A inconsistência. A imaturidade. Isso tudo sem idealizá-los, sem colocá-los num pedestal romântico. O relacionamento deles é também turbulento e imperfeito. Afinal, ambos têm consciência do impacto que causam um no outro. Connell sabe que ela é extremamente permissiva com ele e seus desejos. Por isso, de tempos em tempos, testa os limites. Por sua vez, Marianne consegue constrangê-lo como poucos, incomodando-o na medida exata de sua ansiedade e timidez, fazendo comentários ácidos e provocadores que o tiram da zona de conforto.

Ou seja, resumidamente, o que conquista o leitor (bom, pelo menos no meu caso) é exatamente o que o título do livro escancara: Connell e Marianne são um casal de pessoas normais. Ansiosas, depressivas, amarguradas, rancorosas, apaixonadas, falhas, inteligentes, leais, frágeis… Brigam, se protegem, se amam, se afastam e voltam. Connell e Marianne me lembram — e, de certa forma, personificam — uma fala de um professor de psicologia da personalidade que, durante uma aula, explicou que o que nos torna humanos é justamente a persistência em manter, diariamente, atitudes irracionais.

Críticas ao livro? Tenho.

Não sei se isso se deve à tradução ou ao estilo próprio de Sally Rooney, mas a qualidade da escrita cai significativamente em alguns trechos, especialmente nos mais banais. Tanta repetição de termos… Claro, pode ser uma implicância minha, mas fiquei um tanto surpreso.

Vez ou outra, Sally também tenta direcionar a conclusão à qual o leitor deve chegar. Não considero isso um pecado mortal, mas penso que o autor deve usar esse recurso com moderação.

Além disso, a relação de Marianne com Alan (o irmão violento), o pai falecido (o qual não tem sequer um nome, salvo engano) e Denise (a mãe) não é muito aprofundada. Alan aparece, muitas vezes, apenas como uma figura masculina agressiva e opressora. Já a ausência da mãe chama atenção. Teria sido interessante compreender melhor as motivações por trás dessas relações. Do jeito que está, a família de Marianne surge como uma das questões que a perturbam, mas sem grandes detalhes. 

Ainda assim, Sally é uma escritora muito competente, extremamente direta e com ótima escolha de palavras em boa parte do tempo.

Conclusão final: talvez esse livro não seja para todo mundo. Mas é um romance muito bom, honesto, sensível e contemporâneo, escrito de forma simples e franca.

Nota: ⭐️⭐️⭐️⭐️ – 4/5

5 comentários em “Pessoas Normais – Sally Rooney – Resenha (Givago Thimoti)

  1. Pedro Paulo
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    “Pessoas Normais” está no meu radar há algum tempo. Gosto dos dois atores e recentemente escutava um podcast e uma das interlocutoras leu uma cena em que a mãe de Connor o repreende no carro. Sua resenha me deixou com ainda mais vontade de ler, agora que entendi melhor o escopo da história. De fato, conforme você caracterizava (muito bem) o par de protagonistas, eu fui sentindo que o título conformava muito bem à obra.

    • Givago Domingues Thimoti
      15 de dezembro de 2025
      Avatar de Givago Domingues Thimoti

      Boa noite, PP! Tudo bem? Dos livros que li esse ano, foi o que mais me cativou a atenção. Espero que goste (se comprar) e retorne para completar com sua opinião.

  2. Kelly Hatanaka
    28 de outubro de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Oi Givago.

    Mais uma ótima resenha sua.

    Achei interessante como este livro pareceu o retrato de um tempo, com uma ilustração clara das angústias e inquietações das pessoas e do quanto elas são comuns. Um romance, como você mesmo disse ao final, contemporâneo.

    Fico curiosa em pensar em como um livro como este será lido dentro de, digamos, 40 anos.

    • GIVAGO DOMINGUES THIMOTI
      15 de dezembro de 2025
      Avatar de GIVAGO DOMINGUES THIMOTI

      Boa noite, Kelly! Tudo bem? Que bom que consegui transparecer essa ideia de um livro que retrata o tempo no qual foi escrito. Acho que esse é um dos grandes trunfos da obra.

      Se eu lembrar de ler esse livro em 40 anos, retorno aqui para passar minha visão. Ou a dos meus filhos. Ou talvez netos…

  3. Gustavo Araujo
    8 de outubro de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Ótima resenha, Givago. Não vou dizer que me fez ficar com vontade de comprar o livro, mas pelo menos acho que dá para começar a assistir à série. Daí, quem sabe, posso pular para o romance. Valeu!

Deixar mensagem para Pedro Paulo Cancelar resposta

Informação

Publicado às 2 de outubro de 2025 por em Resenhas e marcado , , .