— Você não diz sempre que isso é uma bobagem?
— E é!
— E que não faz diferença nenhuma?
— Óbvio.
— Então, se não faz diferença nenhuma, não tem problema mudar. A partir de hoje, sou aquariana.
Ele massageou a têmpora esquerda com o indicador e o dedo médio, fechou os olhos, encheu os pulmões de ar. No começo, achava fofo o esoterismo dela. Uma bobagem, claro, mas até que bonitinho. Como uma criança oferecendo uma explicação mágica para um assunto qualquer. Depois, passou a ser irritante. Como uma criança insistindo no abracadabra depois de explicado o tal assunto. E nenhum assunto o irritava tanto quanto a astrologia.
— Júlia, você nasceu em vinte e oito de maio.
— Tô sabendo.
— Então você é de gêmeos.
— Era. Agora sou de aquário.
— Você não pode simplesmente trocar de signo.
— Por que não?
— Porque não é assim que funciona.
— E por acaso alguma coisa na astrologia funciona?
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Aquário.
— Existem regras, Júlia.
— Aquário.
— Tem uma lógica por trás da separação dos signos.
— Científica?
— Não, Júlia, isso é tudo uma grande invenção.
— Então aquário.
— Júlia!
Não havia como argumentar. Deu de ombros. Aquário, gêmeos, touro, dragão. Que diferença faria? Melhor tratar de assuntos mais importantes.
***
— Pizzaria nova?
— Uhum.
— Pizza de cogumelos?
— É. O Cláudio disse que é boa.
— Sei não. Acho melhor irmos de sushi mesmo.
— Por quê?
— Não gosto de me arriscar. Sabe como é, sou de aquário.
Fazia toda a diferença.
E não parou por aí. Júlia decidiu espalhar a novidade. Família, amigos, todos ficaram sabendo da mudança. Ninguém pareceu se incomodar, houve até quem quisesse aderir à novidade. A Carminha não queria mais ser de peixes havia um tempo. Dizia que era TDAH astrológico. Já o Pedro não curtia ser taurino porque achava que signo chifrudo era mau presságio, enquanto o Jonas viu a possibilidade de reparar um trauma de infância e escolher um Cavaleiro do Zodíaco diferente.
Ele não se conformava. Aquilo era uma afronta. Devia ser caso de loucura. Depois de muita insistência, conseguiu convencê-la a buscar terapia. A psicóloga, porém, achou ótima a ideia, uma tremenda oportunidade de ressignificar signos através dos signos, ficou até de espalhar o conceito para outros pacientes.
Decidiu apelar para a fonte e buscar um astrólogo. Precisaria engolir o orgulho, mas resolveria o problema. O sujeito desenhou um mapa astral, consultou fontes, fez medições. Parecia mesmo saber o que estava fazendo. O veredito? Devia ser o ascendente tomando conta. Ou talvez a lua. Vai ver era até algum novo alinhamento dos planetas. Muitas possibilidades, ele precisava estudar. Mas ela devia mesmo ser aquariana naquele momento.
Ele quase furou a têmpora esquerda.
***
— Júlia, meu amor.
— Sim?
— Queria te pedir uma coisa.
— Aquário.
— Você sabe que meu aniversário está chegando, não é?
— Sei. Quer um aquário de presente?
— Não. Quero que você pense no que isso significa.
— Achei que não significasse nada pra você. “É só mais um dia, vira o ano, não muda nada…”
— Quatro de setembro, Júlia. Quer dizer que sou virginiano. E virgem é o signo da organização. Por isso tenho sofrido tanto com essa mudança, entende?
— É esse o motivo, então?
— Lógico. Você não faz ideia de como um virginiano se sente nessa situação.
— Imagino.
— Volta a ser de gêmeos, meu amor? Por mim?
— É justo. Volto, sim.
— Obrigado.
— Quer comemorar com uma pizza? Liga para aquela que o Cláudio falou.
— Cogumelos?
— Claro. Mas pede meia marguerita. Sempre fico indecisa. Sabe como é, sou de gêmeos.
Ele sorriu, aliviado.
Fazia mesmo toda a diferença.
Oieee entrecontista! Blz? Esse conto não faz parte das minhas leituras obrigatorias.
Um conto bastante divertido. Por meio do cotidiano do casal, você brinca com a convivência deles, e sobre como as diferenças de personalidade afetam o dia a dia de casais. Acho que isso é algo universal, né? Os dois personagens são carismáticos e é possível perceber o carinho entre eles e os desentendimentos. É muito fácil gostar dos dois e se envolver na brincadeira. Imagino o cara, todo sistemático e a mina, toda doidinha. Uma mistura explosiva e divertida. Desse modo, com uma escrita excelente e diálogos naturais e fluidos, você entrega um dos contos mais engraçados que li até agora, entre a série B toda e a maioria da C. Parabéns. Como nem tudo são rosas, achei que o final é um pouco brusco e não é tão bom quanto o restante do conto. Achei que faltou algo ali, um temperinho. Ainda assim, um ótimo conto. Parabéns!
Que conto mais gostosinho de se ler! Leve, sem pretensões de agradar a população mundial, apenas uma brincadeira com signos e banalidades. Espero que o(a) autor(a) suba para a série B e vire meu(minha) coleguinha, viu? Gostei imenso do seu texto.
O conto apresenta um diálogo espirituoso e bem construído, abordando a leveza e a subjetividade das crenças pessoais, especialmente no contexto da astrologia. A narrativa flui naturalmente, com personagens bem delineados: a protagonista, Júlia, desafia a lógica convencional com sua mudança de signo, enquanto seu companheiro se vê preso a um senso de ordem que é constantemente minado pelo humor e pela insistência dela.
O autor utiliza a repetição cômica, como o “Aquário” de Júlia, para enfatizar sua teimosia bem-humorada, e o conto ganha força ao explorar o impacto da crença na identidade. Há um equilíbrio interessante entre racionalidade e subjetividade, que culmina na ironia final: o protagonista, que desprezava a astrologia, acaba justificando sua angústia por meio dela.
Gostei do conto. Ele combina humor inteligente, ritmo ágil e um desfecho satisfatório, mantendo o leitor engajado. A inversão final reforça a crítica sutil à necessidade humana de encaixar-se em rótulos, mesmo os que consideramos irrelevantes.
olá
um dos raros textos que apostaram na comédia. É uma escrita coerente e bem pensada, coisas que seriam encontradas fáceis em crônicas de segundo caderno de grandes jornais. Tem um humor sagaz e leve, mas não sei se conta como comédia. Mas não vou me aprofundar muito nessas tecnicalidades que não domino. Para mim, é um bom texto e gera humor, e isso já o enquadra no gênero.
boa sorte
Achei um conto divertido, que brinca de uma forma leve com os signos. Lembrou um pouco a célebre frase “Tem quem goste de estar certo, e tem quem goste de ser feliz”.
Escrita simples e leve, ao mesmo correta gramaticalmente.
Muito bom!
😊
Olá, Sr Autor! Tudo bem?
Gostei bastante do seu conto!
Bem leve e divertido, gostoso de ler.
Eu não entendo nadinha de signos, então não vi nada inverossímil (dá pra falar isso de signos?), e achei a saída do protagonista muito boa.
Gostei bastante da escrita também, ótimo conto!
Desejo sorte!
Até mais!
O conto se inicia com um diálogo leve, com um humor interessante. A voz narrativa é simples, mas de técnica bem apurada, num estilo que casa bem com o diálogo proposto, emprestando ao conto um tom de uma narrativa cômica e “descompromissada”.
“E não parou por aí. Júlia decidiu espalhar a novidade. Família, amigos, todos ficaram sabendo da mudança. Ninguém pareceu se incomodar, houve até quem quisesse aderir à novidade. A Carminha não queria mais ser de peixes havia um tempo. Dizia que era TDAH astrológico. Já o Pedro não curtia ser taurino porque achava que signo chifrudo era mau presságio, enquanto o Jonas viu a possibilidade de reparar um trauma de infância e escolher um Cavaleiro do Zodíaco diferente.”
Aqui há um parágrafo muito bom, cheio de referências pop e com soluções criativas. O conto PARECE apontar para uma crítica além, sobre as questões modernas de identidade (gênero, orientação sexual, etc).
O conto se encerra de forma arrebatadora e criativa!
Ora, embora seja uma comédia de cotidiano, a história transcende numa crítica social oportuna e bem construída. Podemos falar desde relacionamentos modernos, passando sobre o identitarismo exagerado e encerrando nas crescentes pseudociências.
O humor é bom, na medida certa, sem forçar, sem faltar.
Queria poder falar mais, mas não tenho pontos negativos a atribuir. Nota 10.
Parabéns pelo trabalho!
Conto leve em comparação aos demais do desafio, com bom humor e dinâmica de diálogos, que gira em torno da decisão da protagonista em mudar de signo, algo inusitado. A premissa é divertida, mas pouco desenvolvida. A crítica ficou um pouco superficial e a construção astrológica da personagem é incoerente (a Júlia geminiana se mostra decidida demais, com exceção da fala no final). O conto se sustenta nos diálogos perspicazes do casal e na leveza do tom, mas falta profundidade e um arco mais marcante. As tentativas de humor funcionam parcialmente, e o final não surpreende. É simpático, mas não me conquistou em comparação com os demais contos. Boa sorte no desafio.
Como diria Rogerinho: Achou que a série C não teria comédia? Achou errado, otário!
Texto bem gostoso de ler, com diálogos naturais e um plot nonsense que acaba funcionando. Dei risada com o signo chifrudo e imagino que o trauma de infância era de um canceriano (meu caso) que tinha o cavaleiro de ouro mais filha da puta.
MUITO BOM
Uma narrativa bem humorada sobre astrologia. Leve, corre rápida. Quase um micro conto. O que achei curioso é que o personagem central parecia desprezar essa coisa de signos, mas foi o que mais sentiu a “bipolaridade” da companheira. Por qual razão? Ficou pairando a dúvida.
Olá, Aiolia.
Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).
FRIACA: Do que se trata o conto?
R.: Em reação à indiferença do marido a respeito da astrologia, Júlia resolve mudar de signo. O marido acha um absurdo, mas a atitude de Júlia acaba se espalhando por pessoas próximas e causando modificações também. Por fim, o marido tenta usar de um estratagema para que a esposa volte a se declarar pelo signo imputado pelo nascimento dela. E consegue. De certa forma, é o marido passando a dar (algum) crédito para a astrologia, mas francamente, é o latente triunfo da esposa.
FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?
R.: Sua prosa é fluida, Aiolia. Alguns narradores deixam discrepâncias entre, digamos, o “estilo” da narração e o “estilo” dos diálogos – há um caso aqui neste desafio, mas vou deixar para o respectivo conto. No seu caso, tais elementos se aglutinaram bem, e as falas são muito boas (demonstram uma Júlia empedernida, irretornável na sua resolução, ao passo que o marido ainda está tateando um terreno de reação e reaproximação).
Com quantidade relativamente curta de palavras (para a média deste desafio, presumo), é o texto pá-pum: situação dialogada, conflito narrado, caminhos para resolução e o desfecho harmonioso. Não há entraves e nem encheção de linguiça. Muito bom, nesse sentido também.
FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?
R.: Adequado à comédia, sim, e envolve não exatamente elementos de astrologia, mas a maneira como as pessoas se relacionam, rechaçam ou tratam os seus conceitos, perfis, etc.
FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?
R.: Há passagens que podem causar comicidade (na verdade, a situação em si pode causar, o atordoamento do marido tentando reverter a resolução da esposa sem perceber que, no fundo, está concordando com ela – sobre a astrologia). Também pode ser lido como um esposo que lança uma artimanha (cujo substrato é o blefe) para obter êxito, mas, repito, o êxito, aqui, é de Júlia.
FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?
R.: Gostei do casamento narração/diálogos do seu conto, Aiolia.
Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.
Aliolia, que texto legal de ler! Eu também tinha um trauma com Cavaleiros do Zodíaco. Sou de Sagitário e meu cavaleiro estava morto. Detalhe eu e o Aioros nascemos no mesmo dia, 30 de novembro, e ele é o único que não é ressuscitado na saga de Hades🥲. Bom, vamos ao texto. Amei ler esse drama romântico, cheio de brincadeiras,.um suspiro divertido em meio a morto ressuscitando, monstro em avião, santas satânicas etc.A história do cético em luta com a esposa esotérica não é inédita (nenhuma é), mas sua versão me deixou com uma sensação tão gostosa, tão aquecido, como aquelas comédias da sessão da tarde ou aqueles livros despretensiosos que nos trazem para o conforto.Gostei também da proporção absurda que tudo vai tomando. Essa escalada que só é permitida justamente no humor, na brincadeira. Dizem que sagitário é o signo do humor, da brincadeira, talvez por isso, eu tenha gostado tanto do seu texto. Que seu sol e sua lua estejam em Júpiter nesse desafio! Boa sorte!
Boa ideia, bem no clima das crônicas brasileiras, que muitas delas são contos mesmo, essa definição genética é só um detalhe. Só acho que, nesse caso aqui, o autor podia ter aproveitado melhor as características da crônica, como o tamanho (reduzir) e a rapidez no desenvolvimento. Uma coisa vem com a outra. E isso poderia ser feito eliminando metade dos diálogos e das maquinações do narrador. Ia se ganhar muito se o texto focasse nos melhores momentos (a insistência da personagem em dizer a palavra Aquário, a premissa de trocar de signo, a solução no fim, como uma rasteira). Tudo isso caberia em 2100 caracteres com espaço. Uma bela duma lauda, o segredo da literatura brasileira de melhor qualidade.
Eu ri com o trecho dos cavaleiros do zodíaco. Achei engraçado.
Só fico pensando se atualmente fazer piada com mulher teimosa/louquinha que gosta de astrologia ainda pega bem no público. E se não é uma reprodução de estereótipos que vale a pena evitar. De repente seria interessante mudar isso. Botar dois amigos, um casal de velhos, sei lá, algo mais inusitado que evite o reforço desse estereótipo.
Mas o enredo e o cara entendendo, afinal, que faz diferença, achei bem legais.
Uma comédia levinha e graciosa. O autor, com certeza ou não é de aquário ou entende patavivas de astrologia. Mas isso não tem a menor importância. O conto entretém e é divertido. Uma boa ideia, bem desenvolvida. Gostei, porque sou de sagitário. Se eu fosse de capricórnio, não ia gostar não.