EntreContos

Detox Literário.

Outro Astral (Bruno de Andrade)

— Você não diz sempre que isso é uma bobagem?

— E é!

— E que não faz diferença nenhuma?

— Óbvio.

— Então, se não faz diferença nenhuma, não tem problema mudar. A partir de hoje, sou aquariana.

Ele massageou a têmpora esquerda com o indicador e o dedo médio, fechou os olhos, encheu os pulmões de ar. No começo, achava fofo o esoterismo dela. Uma bobagem, claro, mas até que bonitinho. Como uma criança oferecendo uma explicação mágica para um assunto qualquer. Depois, passou a ser irritante. Como uma criança insistindo no abracadabra depois de explicado o tal assunto. E nenhum assunto o irritava tanto quanto a astrologia.

— Júlia, você nasceu em vinte e oito de maio.

— Tô sabendo.

— Então você é de gêmeos.

— Era. Agora sou de aquário.

— Você não pode simplesmente trocar de signo.

— Por que não?

— Porque não é assim que funciona.

— E por acaso alguma coisa na astrologia funciona?

— Não foi isso que eu quis dizer.

— Aquário.

— Existem regras, Júlia.

— Aquário.

— Tem uma lógica por trás da separação dos signos.

— Científica?

— Não, Júlia, isso é tudo uma grande invenção.

— Então aquário.

— Júlia!

Não havia como argumentar. Deu de ombros. Aquário, gêmeos, touro, dragão. Que diferença faria? Melhor tratar de assuntos mais importantes.

***

— Pizzaria nova?

— Uhum.

— Pizza de cogumelos?

— É. O Cláudio disse que é boa.

— Sei não. Acho melhor irmos de sushi mesmo.

— Por quê?

— Não gosto de me arriscar. Sabe como é, sou de aquário.

Fazia toda a diferença.

E não parou por aí. Júlia decidiu espalhar a novidade. Família, amigos, todos ficaram sabendo da mudança. Ninguém pareceu se incomodar, houve até quem quisesse aderir à novidade. A Carminha não queria mais ser de peixes havia um tempo. Dizia que era TDAH astrológico. Já o Pedro não curtia ser taurino porque achava que signo chifrudo era mau presságio, enquanto o Jonas viu a possibilidade de reparar um trauma de infância e escolher um Cavaleiro do Zodíaco diferente.

Ele não se conformava. Aquilo era uma afronta. Devia ser caso de loucura. Depois de muita insistência, conseguiu convencê-la a buscar terapia. A psicóloga, porém, achou ótima a ideia, uma tremenda oportunidade de ressignificar signos através dos signos, ficou até de espalhar o conceito para outros pacientes.

Decidiu apelar para a fonte e buscar um astrólogo. Precisaria engolir o orgulho, mas resolveria o problema. O sujeito desenhou um mapa astral, consultou fontes, fez medições. Parecia mesmo saber o que estava fazendo. O veredito? Devia ser o ascendente tomando conta. Ou talvez a lua. Vai ver era até algum novo alinhamento dos planetas. Muitas possibilidades, ele precisava estudar. Mas ela devia mesmo ser aquariana naquele momento.

Ele quase furou a têmpora esquerda.

***

— Júlia, meu amor.

— Sim?

— Queria te pedir uma coisa.

— Aquário.

— Você sabe que meu aniversário está chegando, não é?

— Sei. Quer um aquário de presente?

— Não. Quero que você pense no que isso significa.

— Achei que não significasse nada pra você. “É só mais um dia, vira o ano, não muda nada…”

— Quatro de setembro, Júlia. Quer dizer que sou virginiano. E virgem é o signo da organização. Por isso tenho sofrido tanto com essa mudança, entende?

— É esse o motivo, então?

— Lógico. Você não faz ideia de como um virginiano se sente nessa situação.

— Imagino.

— Volta a ser de gêmeos, meu amor? Por mim?

— É justo. Volto, sim.

— Obrigado.

— Quer comemorar com uma pizza? Liga para aquela que o Cláudio falou.

— Cogumelos?

— Claro. Mas pede meia marguerita. Sempre fico indecisa. Sabe como é, sou de gêmeos.

Ele sorriu, aliviado.

Fazia mesmo toda a diferença.

Sobre Fabio Baptista

Avatar de Desconhecido

15 comentários em “Outro Astral (Bruno de Andrade)

  1. Luis Guilherme Banzi Florido
    28 de março de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Oieee entrecontista! Blz? Esse conto não faz parte das minhas leituras obrigatorias.

    Um conto bastante divertido. Por meio do cotidiano do casal, você brinca com a convivência deles, e sobre como as diferenças de personalidade afetam o dia a dia de casais. Acho que isso é algo universal, né? Os dois personagens são carismáticos e é possível perceber o carinho entre eles e os desentendimentos. É muito fácil gostar dos dois e se envolver na brincadeira. Imagino o cara, todo sistemático e a mina, toda doidinha. Uma mistura explosiva e divertida. Desse modo, com uma escrita excelente e diálogos naturais e fluidos, você entrega um dos contos mais engraçados que li até agora, entre a série B toda e a maioria da C. Parabéns. Como nem tudo são rosas, achei que o final é um pouco brusco e não é tão bom quanto o restante do conto. Achei que faltou algo ali, um temperinho. Ainda assim, um ótimo conto. Parabéns!

  2. claudiaangst
    28 de março de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Que conto mais gostosinho de se ler! Leve, sem pretensões de agradar a população mundial, apenas uma brincadeira com signos e banalidades. Espero que o(a) autor(a) suba para a série B e vire meu(minha) coleguinha, viu? Gostei imenso do seu texto.

  3. Alexandre Parisi
    27 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Parisi

    O conto apresenta um diálogo espirituoso e bem construído, abordando a leveza e a subjetividade das crenças pessoais, especialmente no contexto da astrologia. A narrativa flui naturalmente, com personagens bem delineados: a protagonista, Júlia, desafia a lógica convencional com sua mudança de signo, enquanto seu companheiro se vê preso a um senso de ordem que é constantemente minado pelo humor e pela insistência dela.

    O autor utiliza a repetição cômica, como o “Aquário” de Júlia, para enfatizar sua teimosia bem-humorada, e o conto ganha força ao explorar o impacto da crença na identidade. Há um equilíbrio interessante entre racionalidade e subjetividade, que culmina na ironia final: o protagonista, que desprezava a astrologia, acaba justificando sua angústia por meio dela.

    Gostei do conto. Ele combina humor inteligente, ritmo ágil e um desfecho satisfatório, mantendo o leitor engajado. A inversão final reforça a crítica sutil à necessidade humana de encaixar-se em rótulos, mesmo os que consideramos irrelevantes.

  4. Felipe Lomar
    25 de março de 2025
    Avatar de Felipe Lomar

    olá

    um dos raros textos que apostaram na comédia. É uma escrita coerente e bem pensada, coisas que seriam encontradas fáceis em crônicas de segundo caderno de grandes jornais. Tem um humor sagaz e leve, mas não sei se conta como comédia. Mas não vou me aprofundar muito nessas tecnicalidades que não domino. Para mim, é um bom texto e gera humor, e isso já o enquadra no gênero.

    boa sorte

  5. Givago Domingues Thimoti
    25 de março de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Achei um conto divertido, que brinca de uma forma leve com os signos. Lembrou um pouco a célebre frase “Tem quem goste de estar certo, e tem quem goste de ser feliz”. 

    Escrita simples e leve, ao mesmo correta gramaticalmente.

    Muito bom!

    😊 

  6. Priscila Pereira
    25 de março de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Sr Autor! Tudo bem?

    Gostei bastante do seu conto!

    Bem leve e divertido, gostoso de ler.

    Eu não entendo nadinha de signos, então não vi nada inverossímil (dá pra falar isso de signos?), e achei a saída do protagonista muito boa.

    Gostei bastante da escrita também, ótimo conto!

    Desejo sorte!

    Até mais!

  7. André Lima
    25 de março de 2025
    Avatar de André Lima

    O conto se inicia com um diálogo leve, com um humor interessante. A voz narrativa é simples, mas de técnica bem apurada, num estilo que casa bem com o diálogo proposto, emprestando ao conto um tom de uma narrativa cômica e “descompromissada”.

    “E não parou por aí. Júlia decidiu espalhar a novidade. Família, amigos, todos ficaram sabendo da mudança. Ninguém pareceu se incomodar, houve até quem quisesse aderir à novidade. A Carminha não queria mais ser de peixes havia um tempo. Dizia que era TDAH astrológico. Já o Pedro não curtia ser taurino porque achava que signo chifrudo era mau presságio, enquanto o Jonas viu a possibilidade de reparar um trauma de infância e escolher um Cavaleiro do Zodíaco diferente.”

    Aqui há um parágrafo muito bom, cheio de referências pop e com soluções criativas. O conto PARECE apontar para uma crítica além, sobre as questões modernas de identidade (gênero, orientação sexual, etc).

    O conto se encerra de forma arrebatadora e criativa!

    Ora, embora seja uma comédia de cotidiano, a história transcende numa crítica social oportuna e bem construída. Podemos falar desde relacionamentos modernos, passando sobre o identitarismo exagerado e encerrando nas crescentes pseudociências.

    O humor é bom, na medida certa, sem forçar, sem faltar.

    Queria poder falar mais, mas não tenho pontos negativos a atribuir. Nota 10.

    Parabéns pelo trabalho!

  8. Alexandre Costa Moraes
    25 de março de 2025
    Avatar de Alexandre Costa Moraes

    Conto leve em comparação aos demais do desafio, com bom humor e dinâmica de diálogos, que gira em torno da decisão da protagonista em mudar de signo, algo inusitado. A premissa é divertida, mas pouco desenvolvida. A crítica ficou um pouco superficial e a construção astrológica da personagem é incoerente (a Júlia geminiana se mostra decidida demais, com exceção da fala no final). O conto se sustenta nos diálogos perspicazes do casal e na leveza do tom, mas falta profundidade e um arco mais marcante. As tentativas de humor funcionam parcialmente, e o final não surpreende. É simpático, mas não me conquistou em comparação com os demais contos. Boa sorte no desafio.

  9. Fabio Baptista
    23 de março de 2025
    Avatar de Fabio Baptista

    Como diria Rogerinho: Achou que a série C não teria comédia? Achou errado, otário!
    Texto bem gostoso de ler, com diálogos naturais e um plot nonsense que acaba funcionando. Dei risada com o signo chifrudo e imagino que o trauma de infância era de um canceriano (meu caso) que tinha o cavaleiro de ouro mais filha da puta.
    MUITO BOM

  10. Leandro Vasconcelos
    23 de março de 2025
    Avatar de Leandro Vasconcelos

    Uma narrativa bem humorada sobre astrologia. Leve, corre rápida. Quase um micro conto. O que achei curioso é que o personagem central parecia desprezar essa coisa de signos, mas foi o que mais sentiu a “bipolaridade” da companheira. Por qual razão? Ficou pairando a dúvida.

  11. José Leonardo
    23 de março de 2025
    Avatar de José Leonardo

    Olá, Aiolia.

    Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).

    FRIACA: Do que se trata o conto?

    R.: Em reação à indiferença do marido a respeito da astrologia, Júlia resolve mudar de signo. O marido acha um absurdo, mas a atitude de Júlia acaba se espalhando por pessoas próximas e causando modificações também. Por fim, o marido tenta usar de um estratagema para que a esposa volte a se declarar pelo signo imputado pelo nascimento dela. E consegue. De certa forma, é o marido passando a dar (algum) crédito para a astrologia, mas francamente, é o latente triunfo da esposa.

    FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?

    R.: Sua prosa é fluida, Aiolia. Alguns narradores deixam discrepâncias entre, digamos, o “estilo” da narração e o “estilo” dos diálogos – há um caso aqui neste desafio, mas vou deixar para o respectivo conto. No seu caso, tais elementos se aglutinaram bem, e as falas são muito boas (demonstram uma Júlia empedernida, irretornável na sua resolução, ao passo que o marido ainda está tateando um terreno de reação e reaproximação).

    Com quantidade relativamente curta de palavras (para a média deste desafio, presumo), é o texto pá-pum: situação dialogada, conflito narrado, caminhos para resolução e o desfecho harmonioso. Não há entraves e nem encheção de linguiça. Muito bom, nesse sentido também.

    FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?

    R.: Adequado à comédia, sim, e envolve não exatamente elementos de astrologia, mas a maneira como as pessoas se relacionam, rechaçam ou tratam os seus conceitos, perfis, etc.

    FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?

    R.: Há passagens que podem causar comicidade (na verdade, a situação em si pode causar, o atordoamento do marido tentando reverter a resolução da esposa sem perceber que, no fundo, está concordando com ela – sobre a astrologia). Também pode ser lido como um esposo que lança uma artimanha (cujo substrato é o blefe) para obter êxito, mas, repito, o êxito, aqui, é de Júlia.

    FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?

    R.: Gostei do casamento narração/diálogos do seu conto, Aiolia. 

    Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.

  12. Rangel
    21 de março de 2025
    Avatar de Rangel

    Aliolia, que texto legal de ler! Eu também tinha um trauma com Cavaleiros do Zodíaco. Sou de Sagitário e meu cavaleiro estava morto. Detalhe eu e o Aioros nascemos no mesmo dia, 30 de novembro, e ele é o único que não é ressuscitado na saga de Hades🥲. Bom, vamos ao texto. Amei ler esse drama romântico, cheio de brincadeiras,.um suspiro divertido em meio a morto ressuscitando, monstro em avião, santas satânicas etc.A história do cético em luta com a esposa esotérica não é inédita (nenhuma é), mas sua versão me deixou com uma sensação tão gostosa, tão aquecido, como aquelas comédias da sessão da tarde ou aqueles livros despretensiosos que nos trazem para o conforto.Gostei também da proporção absurda que tudo vai tomando. Essa escalada que só é permitida justamente no humor, na brincadeira. Dizem que sagitário é o signo do humor, da brincadeira, talvez por isso, eu tenha gostado tanto do seu texto. Que seu sol e sua lua estejam em Júpiter nesse desafio! Boa sorte!

  13. paulo damin
    21 de março de 2025
    Avatar de paulo damin

    Boa ideia, bem no clima das crônicas brasileiras, que muitas delas são contos mesmo, essa definição genética é só um detalhe. Só acho que, nesse caso aqui, o autor podia ter aproveitado melhor as características da crônica, como o tamanho (reduzir) e a rapidez no desenvolvimento. Uma coisa vem com a outra. E isso poderia ser feito eliminando metade dos diálogos e das maquinações do narrador. Ia se ganhar muito se o texto focasse nos melhores momentos (a insistência da personagem em dizer a palavra Aquário, a premissa de trocar de signo, a solução no fim, como uma rasteira). Tudo isso caberia em 2100 caracteres com espaço. Uma bela duma lauda, o segredo da literatura brasileira de melhor qualidade.

  14. Augusto Quenard
    21 de março de 2025
    Avatar de Augusto Quenard

    Eu ri com o trecho dos cavaleiros do zodíaco. Achei engraçado.

    Só fico pensando se atualmente fazer piada com mulher teimosa/louquinha que gosta de astrologia ainda pega bem no público. E se não é uma reprodução de estereótipos que vale a pena evitar. De repente seria interessante mudar isso. Botar dois amigos, um casal de velhos, sei lá, algo mais inusitado que evite o reforço desse estereótipo.

    Mas o enredo e o cara entendendo, afinal, que faz diferença, achei bem legais.

  15. Kelly Hatanaka
    20 de março de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Uma comédia levinha e graciosa. O autor, com certeza ou não é de aquário ou entende patavivas de astrologia. Mas isso não tem a menor importância. O conto entretém e é divertido. Uma boa ideia, bem desenvolvida. Gostei, porque sou de sagitário. Se eu fosse de capricórnio, não ia gostar não.

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Publicado às 16 de março de 2025 por em Liga 2025 - 1C, Liga 2025 - Rodada 1 e marcado .