(entre) linhas e guias – Claudia Roberta Angst – Resenha – Gustavo Araujo

O que esperar da vida quando tudo parece apontar para um inexorável fim de história? Não é raro que muitas pessoas sintam-se como que perdendo o protagonismo de suas próprias existências, passando à condição de meros coadjuvantes das jornadas alheias.

Diz a canção que somos compostos por fragmentos de outras pessoas e de certa forma é assim que costuramos nosso caminho. Pelo menos até percebermos que na verdade nós é que somos os pedaços que constroem a biografia de quem nos orbita.

É com esses conceitos que Claudia Roberta Angst tece a trama de “(entre) linhas e guias”, convidando o leitor a testemunhar os passos de Cipriano e Teresa, tão distantes, tão diferentes, com relatos de vida tão diversos que só podiam terminar em amor.

Não, não há spoiler algum nessa assertiva. A contracapa do livro editado pela Folheando já avisa que esse é um encontro inevitável.

Cipriano, certo dia, chega a Santa Luzia para viver na casa de um primo, Damião. Sobrevivente de uma vida difícil, forjada no garimpo e temperada pela presença de Orixás, Cipriano é ainda jovem e está disposto a erguer ali um destino diferente para si. É quando conhece Teresa, sogra de Damião, uma mulher que encontrou na arte da costura a saída para uma existência de provações, de limites, de segredos e de desafios.

Ele, praticante da umbanda. Ela, tão mais velha, católica. Ambos solitários em seus próprios anseios de paz, procurando a serenidade que só seria encontrada nos braços um do outro.

Claudia Angst é perita na manipulação do leitor. Ainda que nos seja permitido conhecer o trajeto da história, não há como evitar o deslumbramento pela maneira como a autora nos conduz, misturando versos típicos da umbanda com termos típicos do trato com linhas, agulhas, carretéis e tecidos em capítulos curtos e ágeis.

De fato, é nessa mistura de dois universos tão diferentes que se vislumbra a força do livro, dada a maneira cuidadosa com que Claudia Angst cerze as sílabas, as palavras, as linhas e os parágrafos, sem descuidar da herança africana que permeia os passos de Cipriano e Teresa.

Não espere arroubos ou reviravoltas inesperadas. Claudia Angst é muito melhor do que isso. É uma autora que não cai na armadilha da superficialidade, alguém que se recusa a aderir a um tipo de narração tão comum hoje em dia, concebida para consumo e esquecimento imediatos.

É verdade que os personagens carecem de nuances mais profundas, mas não acredito que os fatores psicológicos de um ou outro tenham sido objeto de preocupação da autora. Antes, seu foco parece ter-se voltado para a concepção do encontro entre os dois, para a superação da insegurança e da desconfiança dos moradores de Santa Luzia. E isso tudo numa obra que jamais soa panfletária ou oportunista. Ao contrário.

A prosa poética que marca o encontro e a história dos protagonistas, do início ao fim, demonstra tratar-se de uma autora segura, que privilegia a estética literária em detrimento de saídas fáceis e pasteurizadas que se veem por aí.

“(entre) linhas e guias” é uma obra dotada de rara sensibilidade, escrita com atenção e esmero, um exemplo para quem busca generosidade e inteligência. Uma obra que permanece na memória e que, por isso, vale cada segundo.