EntreContos

Detox Literário.

Miragem (Fabio D’Oliveira, Luis Guilherme e Bruna Francielle)

I.

Taque-taque.

Quando tinha nove anos, ainda pequenino, uma professora perguntara o som favorito de cada aluno da turma. Essa foi a resposta dele: taque-taque.

— Por quê, Miguel?

— É o barulho que o trem faz quando tá indo embora.

Taque-taque.

Era convicção pura. Fugiria daquele lugar. Sentado nos bancos da estação ferroviária, Miguel escolhia, mentalmente, qual trem entraria, qual destino abraçaria, qual janela olharia Miragem pela última vez.

Taque-taque.

Era o som que mais queria ouvir.

Taque-taque.

E, ironicamente, era o que escutava naquele momento, largado no assento, cabeça grudada na janela, enquanto entrava nos limites de Miragem. Depois de dezessete anos. Conseguira fugir, como havia prometido para si, porém, sob circunstâncias que nunca imaginou serem possíveis. E, agora, precisava retornar.

— Estação final: Jardim das Fuligens, Miragem.

Miguel se ajeitou no assento e esfregou os olhos, dando tapinhas no rosto, em seguida. Não deveria ter bebido na noite anterior.

— Preciso parar de beber tanto — repetiu pela milésima vez.

Assim que o trem parou, e o apito tocou, envolvendo brevemente o ambiente externo em uma fumaça branca, ele alcançou sua bagagem: uma bolsa velha e arrebentada. Atravessou o vagão com tranquilidade, pois, afinal, ninguém queria entrar em Miragem, ainda mais naquela parte da cidade. Quem gostaria de viver no inferno?

Não esperou sair da estação para acender o cigarro. Era proibido, mas ninguém se importava com esse tipo de coisa.

Aquele lugar não havia mudado nada depois de tantos anos. Nadinha. As mesmas lanchonetes superfaturadas, com seus salgados azedos. Os mesmos vigilantes gordos e sacanas, com seus cassetetes sujos de sangue. As mesmas barraquinhas de táxi, com mulheres de meia-idade abordando os recém-chegados com ofertas quase indecentes. Era tudo igual. O mesmo lixo que havia deixado para trás.

“Algumas coisas não mudam, suponho”, pensou Miguel, deixando-se abater pelo mormaço característico da cidade.

O lado de fora era pior: carros, muitos carros, indo e vindo, num movimento frenético e infinito. O cheiro de urina era insuportável. Acima, um enorme viaduto, que, de fato, era uma novidade. Tinha lido em algum lugar, por acaso, que a elite pretendia construir um grande complexo de elevados exclusivos para os moradores de Campo das Esmeraldas.

Terminou o cigarro e, durante a última baforada, jogou o filtro no meio-fio.

— Olha só… Ele conseguiu — sussurrou Miguel, identificando, do outro lado da rua, um boteco com um nome conhecido: Bar do Zinga.

Balançou a cabeça, afugentando a ideia de passar naquela bodega, principalmente por causa do velho conhecido. Não queria encontrar ninguém do passado. Não mesmo. Talvez ela. Mas ainda era um grande “talvez”.

— Deseja um táxi, amigo? Faço baratinho pra ti — um homem de meia-idade, magro e calvo, aproximou-se, oferecendo o serviço com um sorriso amarelo e falso.

Pensou um pouco antes de responder.

— Claro — aceitou, um pouco desconfiado.

Caminharam até a entrada do estacionamento principal da estação. Antigamente, aquele local vivia lotado de jovens, sendo um dos pontos de encontro mais populares da região. Agora, no entanto, havia se tornado um antro de viciados e bandidos.

Miguel não era idiota.

— Desculpe, mas não entro aí. Se quiser, espero aqui.

— Por quê, amigo? Não confia em mim? — o homem não sorria mais.

— Claro que não. Por que deveria confiar em ti?

O homem resmungou algo, cuspindo nos pés de Miguel, e, tão rápido quanto apareceu, sumiu por entre os carros, alguns abandonados. Num suspiro pesaroso, ajeitou a alça da bolsa no ombro direito e seguiu pela calçada.

“Caminhada faz bem para a ressaca. Cura. É o que dizem, pelo menos”, pensou, procurando algum conforto na situação.

II.

Diferente da estação, o bairro havia passado por grandes mudanças, principalmente por causa dos viadutos.

Mesmo sendo bem cedo, cerca de nove horas da manhã, parecia que estava no meio da noite. Para iluminar as ruas, os postes estavam acesos. Imaginou que aquilo se tornara comum. Precisaria se acostumar com a penumbra ininterrupta.

Algumas lojas novas, muitas bocas de fumo, um shopping bem popular. Mais viciados, mais violência. Menos humanos, menos sorrisos. Era como andar por ruas conhecidas como um desconhecido. Familiar, mas distante. Muitas mudanças, muitas, mas algo não havia mudado.

O Parque Verdejante.

Apesar do nome, não havia nada de verde ali, talvez num passado distante. Era quase íntimo daquele lugar. Os bancos aos pedaços, o tronco seco no centro de tudo, os jardins sem flores, os banheirinhos fedidos. Estava tudo igual.

Miguel se sentou no banquinho de sempre. Na lateral, talhado na madeira velha, estava aquela lembrança que lhe doía tanto: “Bando do Miguelito, os reis das ruas”. Passando a mão pelas cicatrizes, fechou os olhos, lembrando-se vagamente do dia que fizera aquele entalhe com a ajuda do canivete de Rafa.

Estava calor, como sempre. O vaivém de carros e transeuntes. Nublado. Eram ignorados por tudo e todos. Luizinho ria sem parar, animado. Mesmo sendo o mais velho do bando, insistia nas palhaçadas. Gael estava um pouco afastado, de olho na Polícia. Era o mais novo e, mesmo assim, o mais estressado e preocupado. E Rafa estava quieto, sorrindo, com o canivete em mãos, entregando-o para Miguel. Seu melhor amigo. A única pessoa que acreditava nele.

Lágrimas.

Quando decidiu voltar para Miragem, numa manhã sombria, do outro lado do país, Miguel havia prometido que não choraria. Nunca mais. Quebrara a promessa em menos de duas horas. Mas como poderia ser diferente? Era mestre em romper juras, além de machucar pessoas. Este último, inclusive, era sua especialidade.

Levantou-se.

Tinha perdido tempo demais naquele lugar. Havia retornado para fazer algo. E não podia Recuar. Não. Precisava fazer aquilo. Era necessário. Mesmo que representasse o fim de tudo. Foram dezessete anos sendo dominado pelo medo. Convivendo com os pesadelos.

III.

Conhecia aquela boate.

As placas de neon vermelho piscavam sem parar. Mesmo com algumas luzes queimadas, o nome era bem visível: Melão e Banana. Sugestivo. A fachada continuava chamativa. Pôsteres de mulheres seminuas, um boneco gigante de banana com óculos de sol, a bilheteria com piscas-piscas nas beiradas. Ao redor, a sujeira abundante, incluindo camisinhas usadas, denunciava a falta de cuidado com a limpeza externa.

Ela ainda trabalhava lá?

Esperava que não, apesar da pouca esperança. O mundo era cruel. E Miragem ainda mais.

Num longo suspiro, sentou-se no meio-fio, de costas para a boate, e acendeu um cigarro. Ainda era meio-dia, mas parecia estar no meio de uma noitada das antigas. Do outro lado da rua, espalhadas pela calçada, algumas barraquinhas se destacavam, parecidas com aquelas de anos atrás; porém, com pessoas diferentes servindo os ébrios. Lembrou-se de uma coisa: não havia comido nada. Também estava quase recuperado da ressaca.

Entre baforadas e fungadas, Miguel atravessou a rua, indo na barraca mais próxima.

— Cachorro-quente, simples, por favor — pediu ele, conferindo o cardápio improvisado.

Prajá, chefe.

Repousou as costas numa parede, fumando nervosamente, esperando o lanche. Não demorou muito. Pagou em moeda. E, na primeira mordida, arrependeu-se. Salsicha azeda, molho sem graça, pão duro. Comeu mesmo assim.

Como acabara ali? Era o caminho mais longo até a antiga casa. Sem perceber, Miguel chegou na Avenida dos Prazeres. Queria vê-la? Por quê? Era coisa do passado. Mas estava lá pra isso, não estava? Lidar com o passado. Superá-lo. Não, não necessariamente. Precisava ter foco. Tinha retornado para consertar uma coisa.

“Não voltei para isso…”, pensou ele. Não podia encontrá-la.

Mas ela apareceu. Na frente da boate, de longe. Por um breve momento, Miguel pensou em atravessar. Abraçá-la. Como costumava fazer antigamente. Acabou se escondendo atrás de uma das barraquinhas. Espiou. Ela havia mudado bastante. Cabelo preto, agora. Não usava mais o ruivo natural. Mesmo assim, numa boa contradição, não escondia as sardinhas. O tom rosado da maçã do rosto e o batom vermelho denunciavam um novo estilo de vida. Não se maquiava, antigamente. A beleza precisava ser natural, dizia. Estava ficando velha. Por isso, escondia as marcas do tempo. Não gostou das roupas. Extravagantes. Um vestidinho curto, todo platinado, mostrando as pernas. E um casaco de pele que caía até os joelhos. Estava com o cabelo preso num coque alto. Fumava com uma piteira dourada. Parecia popular.

Continuava linda. Mas ainda trabalhava naquele lugar.

Miguel suspirou. Por que a vida era tão injusta? Ela merecia muito mais. Quase chorou, novamente, mas aguentou. Era vergonhoso: continuava remoendo o passado. Lembrando, sofrendo, mas não tinha coragem de agir. Esperou que ela entrasse na boate para ir embora.

IV.

Miguel caminhava por uma Miragem mais iluminada e menos decadente. Os demasiados viadutos ainda não haviam sido construídos, dando à cidade uma aparência menos taciturna, ainda que igualmente miserável. Entardecia, e o rapaz caminhava animado em direção à casa da namorada. Planejava chegar por volta das 19:00, quando as sombras da noite de inverno ajudariam a camuflá-lo do olhar do irmão da garota, que nunca havia suspeitado do relacionamento: Rafa com certeza não aceitaria muito bem que Miguel namorasse Renata, sua irmã mais velha.

Mas Miguel tinha planejado muito bem os eventos para a comemoração de seus 19 anos: chegaria sorrateiro pelos fundos, usando o buraco na cerca por onde ele e Rafa tantas vezes escaparam, passaria silenciosamente pela janela do quarto do amigo, e bateria ligeiramente na janela de Renata, onde celebrariam aquela noite especial de um modo que teria deixado os cabelos de Rafa em pé.

A brisa noturna carregava o aroma desagradável do rio que serpenteava pelos fundos da casa do melhor amigo. Utilizando a sebe frondosa dos fundos, espremeu-se pelo vão na cerca e entrou no quintal, agachando-se habilmente para evitar a vista da janela de Rafa. O quarto estava silencioso, exceto por um som de folhear de páginas, fruto do profundo amor do amigo pelos quadrinhos. Chegou facilmente à janela de Renata, bateu três vezes baixinho, usando o ritmo secreto que tantas vezes antes tinha usado para acessar aquele quarto, e entrou.

A noite passou rápida e prazerosamente, os apaixonados compartilhando risos abafados e muitos suor. Miguel sabia que precisava ir embora. O tio odiava que chegasse após a meia noite, e o garoto sabia que tinha testado demais a paciência dele nos últimos meses: vinha se comportando de maneira irresponsável e provocativa. Levar a namorada stripper no aniversário do primo de 8 anos não tinha ajudado a melhorar o humor do tio.

— Preciso ir logo, amor. Senão, estou encrencado pelo resto do ano.

— Feliz aniversário, meu Miguelito — Renata mal continha o riso. — Vê se não se mete em confusão com sua gangue de marginais, meu bebê — completou, num tom complacente que sempre usava ao ressaltar a diferença de idade entre os dois, pois sabia que aquilo irritaria o namorado.

— Ha ha, muito… — a frase foi interrompida por um baque surdo no quarto de Rafa. — Tá, preciso ir, amor. Não esqueça de comprar a pílula amanhã, vai que…

— Sim, eu sei, não sou nenhuma adolescente burrinha que você costumava pegar antes de conhecer uma mulher de verdade. E da próxima vez traz preservativos, fofinho — piscou um olho e virou-se de lado para dormir.

Miguel lançou um último e demorado olhar para ela. Percebia o movimento de suas costas ao respirar, os brilhantes cabelos ruivos caindo em cascatas pelas costas. Suspirou apaixonado, retardando a partida mais alguns segundos, até ouvir um sussurrado “vai logo!”, acompanhado de um riso satisfeito.

“Amo você” — ensaiou mentalmente durante breves segundos, mas incapaz de verbalizar os sentimentos, deu as costas para a garota, que começava a adormecer.

O mais silenciosamente que conseguiu, passou as pernas exaustas pela janela e saiu para o ar quente da noite. O relógio de pulso marcava 23:21. Respirou profundamente o ar fétido, recuperando o fôlego e se agachando para refazer o caminho até a cerca. Ao passar pela janela de Rafa, imaginou a cara do amigo ao saber tudo o que tinha acabado de fazer no quarto ao lado. Segurando o riso, percebeu que a luz do quarto estava acesa e decidiu espiar pela persiana aberta, caçoando mentalmente do amigo. Levantou a cabeça cuidadosamente e olhou. O que viu fez seu coração descompassar, e por muito pouco conseguiu conter um grito horrorizado.

V.

Ainda tentando apagar de sua mente a imagem da mulher que um dia tinha amado — agora mais velha, mas ainda trabalhando naquele lugar infernal —, Miguel avançava por uma avenida, atravessando a rua para evitar os olhares de um grupo de jovens que fumava numa praça depredada. A dor preenchia seu peito, e por mais que tentasse, não conseguia se livrar de um pensamento terrível: era tudo sua culpa. Tinha destruído a vida de Renata 17 anos antes, e era o responsável por aquela mulher, outrora cheia de potencial e vitalidade, ainda trabalhar naquela boate, desperdiçando toda sua vida. Sabia disso, e nada do que tentasse argumentar para si mesmo podia aplacar aquela dor. Mas precisava continuar, em breve chegaria ao local onde por fim encararia tudo.

“De um modo ou de outro, isso acaba hoje”, repetia esse mantra para si, arrastando cada passo como condenado que marcha para a guilhotina.

Com o ar poluído preenchendo seus pulmões e o refluxo do lanche azedo queimando seu esôfago, Miguel virou a esquina da Rua da Esperança. Riu da ironia da situação: todas suas esperanças pareciam ter desaparecido naquela exata rua, no dia de seu aniversário, 17 anos atrás. Os sonhos de fugir daquele inferno com Renata, construir uma vida e uma família, empregos decentes, uma casa com quintal e cachorros.

“É a segunda vez que quebro a promessa em menos de 3 horas”, pensou, abafando um riso sem alegria enquanto secava as lágrimas. Não havia tempo para lembranças e sonhos destruídos, precisava seguir com sua missão.

Chegou à frente do número 278. O número 7 parecia ter caído há muito tempo, mas reconhecia facilmente aquela casa. Passou ali uma parte significativa de sua infância e adolescência. Dessa vez, porém, ao contrário da última em que esteve no número 278 da Rua da Esperança, entraria pelo portão da frente. E dessa vez, resolveria de cabeça erguida seus problemas, ao invés de fugir pela cerca dos fundos como um covarde.

Não sabia se Rafa ainda moraria naquele local depois de quase duas décadas. Será que o melhor amigo teria voltado para a antiga casa após todos aqueles anos na prisão? Tocou a campainha, que incrivelmente ainda funcionava, tentando em vão repassar e organizar mentalmente o discurso que vinha preparando há tantos anos. Esperou alguns segundos, e, quando se preparava para tocar uma segunda vez, a porta de entrada da casa se abriu. Com o coração disparado, Miguel usou toda sua determinação para refrear o desejo de sair correndo. Respirou fundo e gaguejou:

— Oi, Rafa. Precisamos conversar.

Rafa esfregou os olhos, como se para garantir que o que estava vendo não passava de uma miragem.

— Não é pos… — Bateu a porta com toda força, retornando ao aposento.

Miguel sentia as pernas trêmulas. “Então… voltei pra nada.” . Ficou confuso, sem saber se devia ir embora, se seu propósito havia sido em vão. Não era assim que tinha imaginado o reencontro. E olha que viveu imaginativamente ao menos cem reencontros desde que se decidiu a fazer isso.

Preparou-se para dar meia volta, ainda aturdido, quando a porta reabriu.

VI.

Quando viu que seu melhor amigo estava sendo levado pela polícia naquela noite, por um crime que ele sabia que Rafa não cometeu, decidiu tomar a atitude mais covarde que havia.

Isso o havia perseguido por todo esse tempo.

Nem teve tempo de despedir-se de Miragem.

Naquela noite, pegou a bicicleta do amigo que ficava encostada próximo a cerca, e pedalou para o mais longe que conseguia. Dias depois ligou avisando apenas seu tio que havia ido tentar a vida em outro lugar.

Abandonou seu grande amor. Não confiou em seu amigo. O medo havia tirado tudo.

Demoraram dezessete anos para vencer a vergonha de retornar.

Foram dezessete anos imaginando como estava Renata. Lembrando-se de seu jeito travesso.

Perguntando-se se ela ainda lembrava-se, ou se ele não passou de um brinquedo jamais levado a sério, como parecia ser. Por muito tempo, a mente não permitia pensamentos sobre Rafa. Havia um bloqueio, como se aquele assunto fosse proibido por seu cérebro, a cargo de manter a sanidade em dia.

Foi numa conversa com uma taróloga, onde se abriu tentando ao máximo não expor o que de fato havia acontecido, que ela o havia convencido a enfrentar o passado. “Você pode ter fugido de corpo, mas na verdade sua alma nunca saiu de lá. Seu relógio parou. Se não der ré, não seguirá em frente. É isso que dizem as cartas….”.

E era fato. Trinta e seis anos, nunca casou, nem procriou. Não parou em um emprego. Não construiu nada de relevante, exceto um vício em bebidas e outro em nicotina. Era como se tivesse decepcionado o Miguelito que fugiu porque tinha muito pra viver.

Se sua vida fosse um cheiro, seria um hálito de pinga em alguém já fedendo a cigarro.

Mas sabia que perto do cheiro da vida de Renata e Rafa, estava perfumadíssimo.

VII.

— Não precisa falar nada. Não quero ouvir. — Disse Rafa após passar um longo momento fitando seu visitante. — Aceita uma bebida?

Estavam na sala de estar, inesperadamente charmosa em comparação com o exterior decrépito. Flores num vaso, tapete colorido, um quadro decorativo. Estranhou uma bola de futebol num canto. Sabia que Rafa detestava futebol, mas talvez não o conhecesse mais. E não pôde deixar de notar a tornozeleira eletrônica. Rafa continuou:

— Basta olhar pra sua cara que eu vejo que quem realmente passou a vida preso, não fui eu.

Miguel perdeu as palavras. Ele estava certo.

— O que eu fiz com você, não foi certo. E eu sei disso.

— E o que você espera que eu faça agora? Te desculpe? Te dê um tapa? Te mate? Diga, apenas diga. Como posso desfazer todos esses anos? O que passou, passou. Só me resta seguir em frente, e a você também. Creio que todos aprendemos nossas lições.

— Eu nunca agradeci… por não ter me dedurado.

Rafa não respondeu, então Miguel calou o incômodo silêncio:

— Mas antes tivesse. Agora eu estaria realmente livre pra ser feliz de verdade ao invés de estar carregando esse fardo maldito por tantos anos…

— Então é isso que deseja? Que eu te dedure? Ainda dá tempo. Faltam uns três anos pro crime prescrever. Se é isso que deseja, vamos à delegacia agora mesmo.

Como em câmera lenta, um terror invadiu Miguel, e ele voltou a ser o antigo Miguelito daquela noite. O mesmo que temia pagar por seus crimes mais que qualquer outra coisa na vida. Não, ele não queria isso.

Nunca quis ou iria querer. Havia acabado de descobrir que tinha tomado a decisão certa naquele dia.

Uma vez covarde, sempre covarde.

Levantou-se do sofá sentindo urgência.

— Não, por favor. – Exasperou-se. — Bem, acho que… jamais devia ter voltado aqui.

Queria fugir de novo. Estava arrependido. Maldita taróloga. Não devia ter mexido naquele antigo vespeiro. Ah, se arrependimento matasse.

Foi quando seu olhar cruzou com o de um rapaz que havia acabado de adentrar na sala, vindo do corredor de dentro da casa.

— Fala, tio. Tudo certo? — perguntou o recém chegado, para Rafa.

Era um mocinho de idade indefinida, porém devia ter cerca de 16 anos.

— Não vai me apresentar seu amigo?

Calado, Rafa mirou Miguel, sem responder.

Um resquício de suspeita cruzou tão rápido a mente de Miguel que ele não conseguiu capturá-la. O que foi que ele pensou quando viu o rapaz? Era algo tão herético que seu consciente deve ter rejeitado, mas a ideia ainda pairava fora da zona consciente de seu cerebellum.

— É filho da Renata? — questionou Miguel. Mas claro, só podia ser, se não não teria chamado Rafa de titio. — Qual teu nome, moleque?

— Enzo.

O tico e o teco se encontraram.

— Ah, então deve ser tua a bola de futebol ali no canto. Rafa odeia futebol.

Enzo soltou uma gargalhada.

— Sim. To treinando pra passar na prova do clube da capital. — disse sem ninguém ter perguntado.

— Poxa, que bacana. — Por um momento, Miguel esqueceu do porquê estava ali. — Joga em que posição?

— Sou goleiro. — Correu pra porta de saída. — Tenho jogo agora. Falou.

VIII.

— Filho? Eu tenho um… filho?

— Infelizmente sim. — as palavras saiam rudes da boca de Renata.

Tinha encontrado com ela naquele mesmo dia. Percebeu que assim que o viu, Renata se retorceu, como que envergonhada de si mesma. Pairando os cinquenta anos, não havia evoluído muito e sabia disso. Detestou que Miguel a visse tão fracassada e isso ficou bem claro. Estava arredia.

— Tudo aconteceu naquela noite maldita. — completou.

Miguel não sabia como processar a informação. Estava quase dando tilt. Estar perto da mulher com a qual sonhara – e mesmo ela estando longe de seu auge, ainda sentia alguma coisa. Queria abraçá-la, tocá-la, beijá-la. Mas, não podia. E ainda descobrir que era “pai”, seja lá o que isso significasse.

— Porque infelizmente? Porque não sou o amor da sua vida?

Renata parecia estar sofrendo tanto quanto ele com a barreira de gelo invisível que os separava.

— Exatamente. — disse, com menos convicção do que gostaria. Rafa percebeu o momento de fraqueza e decidiu aproveitar. De um pulo, agarrou a cintura de Renata e tascou-lhe um beijo.

Ela tentou fugir por dois segundos, até se entregar.

IX.

Anos se passaram. O casamento não deu certo.

Renata era muito cabeça dura, e Miguel não deixava por menos. O final feliz durou apenas seis meses, dentre os quais dois foram de lua de mel, e quatro de quebradeira, desavenças e gritos.

Demorou dezessete anos pra descobrir que não daria certo. Mas enfim, encerrou a história de amor que no fim virou de inimizade.

Sua agora ex-mulher vivia na Nova Zelândia, para onde imigrou ilegalmente pouco depois de se separarem. Trabalhava como stripper e às vezes mandava alguns dólares neozelandeses nos aniversários de Enzo. Como estava ilegal, não podia viajar pro Brasil e retornar, portanto, era incerto que um dia a vissem novamente.

Certo dia Miguel pesquisou por curiosidade, viu fotos de Renata num site adulto da cidade onde ela morava agora, se sentiu mal, fechou a aba em menos de 3 segundos e nunca mais foi atrás de saber.

Falando em Enzo, seu filho havia tentado por anos participar do futebol profissional, mas a frustração a cada “não” recebido retirava toda força de vontade, até o momento em que desistiu definitivamente de uma carreira no ramo. Terminou trabalhando na Igreja Evangélica que o ex-condenado Rafa abriu na cidade, desde que encontrara Jesus numa torrada.

Rafa inclusive havia ficado milionário nos últimos anos. Mas era um tanto pão duro e pagava a Enzo muito pouco pelos trabalhos prestados. Mesmo assim, era melhor que nada. Sua Igreja havia dado certo e tinha muitos fiéis dizimistas.

Rafa havia até sido abençoado por deus com um Porsche Cayenne. Sua vida atual em nada lembrava toda desgraça que passou anteriormente. Miguel não sentia inveja do amigo, pelo contrário. Sentia-se melhor de ver que ele havia conseguido escalar para fora do buraco em que Miguel o empurrou.

Enfim, a taróloga estava certa. Após seu retorno, quando colocou um ponto final onde antes havia largado vírgulas, sua vida degringolou. Iniciou uma graduação EAD, e após formado passou em um Concurso Público na cidade. Passou a ter uma vida singela, livre de agonias. No trabalho conheceu Paty, com quem logo se juntou. Tornou-se “paidrasto” dos dois filhos pequenos dela. Era como se estivesse tendo a oportunidade de criar um filho que não teve com Enzo. Hoje podia dizer que era feliz.

Miragem continuou a mesma até a data atual.

Sobre Fabio Baptista

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26 comentários em “Miragem (Fabio D’Oliveira, Luis Guilherme e Bruna Francielle)

  1. Fabio D'Oliveira
    30 de setembro de 2024
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas, pessoal!

    Um comentário sobre o Miragem: Por incrível que parece, Miragem é um conto de horror cósmico e um tanto weird. O grupo de Miguelito também tem uma participação maior, não apenas o Rafa. Em resumo, quando jovem, Miguel e seus amigos eram marginais, do tipo que invadia casas para roubar. Renata, que no texto original se chama Candy, andava com eles, apesar de ser um pouco mais velha, e era a menina da garotada. Todos ficavam com ela, mas Miguel era apaixonado por ela. Voltando à trama central, numa dessas invasões, eles acabam encontrando uma grande resistência por parte do velho residente da casa e, numa confusão, acabam matando o homem. O problema é que, dentro dessa casa, tem uma porta trancada, que o velho queria proteger a qualquer custo. Achando que era o local onde o dinheiro, ou joias, estavam guardadas, o bando arromba a porta e se depara com um quarto decrépito e com um poço no meio de tudo. E, de dentro desse poço, um som estranho sai, como se fosse uma música. A partir daí, as coisas tomam um rumo estranho, onde todos começam a ficar obcecados por aquele poço, desejando descer. E, eventualmente, um a um, atende esse desejo, desaparecendo para sempre. Sobra apenas Miguel, Rafa e Candy. Por algum motivo, Miguel tem uma resistência enorme ao som do poço, enquanto Rafa é seduzido aos poucos. Numa noite, achando estranho o sumiço de Rafa, Miguel vai até a casa, encontrando uma corda amarrada ao poço e tendo um breve vislumbre do Rafa sumindo na escuridão do poço. Desesperado pelo melhor amigo, ele desce pelo poço, também. Seguindo por um túnel que fica cada vez mais amplo, até a saída, Miguel se depara com um mundo de céus vermelhos e muita gritaria, com milhares de pessoas crucificadas. Ele presencia seus amigos, assim, e Rafa sendo pregado numa cruz por duas criaturas que pareciam mulheres, mais com pernas e braços enormes, pele plácida e rostos monstruosos. Nuas. Em pânico, ele foge e sela a porta, novamente. Ele faz a Candy prometer que nunca voltaria para aquela casa, fugindo de Miragem em seguida atormentado por pesadelos constantes daquele cenários, dos gritos dos amigos e do cântico maldito e sedutor. Esse seria o problema que ele trataria voltando para Miragem. No conto original, quando ele retorna, demora-se um pouco na cidade e volta para a casa, descobrindo a porta aberta e que Candy não manteve a promessa. E a história toma outra guinada. Esse conto é bem grande, quase uma noveleta, rs.

    Gostei muito de mandar esse início e ver os rumos que uma história pode tomar!

  2. Renato Puliafico da Silva
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Renato Puliafico da Silva

    O conto começou com uma lembrança de infância de mIguel, depois parte para ele adulto de volta ao local onde cresceu. Gostei das descrições de cenário e teve bastante esse “mostrar”.  Ao longo das duas partes seguintes, uma série da acontecimentos foram levando a história para um rumo diferente. O final não me agradou muito.

  3. Victor Viegas
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Victor Viegas

    Olá, Frankensteiners!
    Miguel volta à Miragem, uma cidade que antes era vibrante e atraía muitos jovens e hoje está decadente, sendo antro de viciados e bandidos, e fedendo a urina. Gostei muito da ambientação inicial, o autor 01 soube imprimir com maestria as características da cidade e parecia que eu estava vendo esse cenário diante dos meus olhos, tão rica foi a descrição. Não percebi exageros ou desvios que pudessem comprometer a minha leitura. O segundo autor manteve, em partes, a trajetória esperada e focou na construção dos personagens. Porém, terceiro autor, foi nesse momento que a narrativa perdeu o ritmo e ficou superficial, com um final que pareceu apressado. Parabéns pelo Frankenstein! Boa sorte!

  4. Pedro Paulo
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    COMENTÁRIO: A primeira autoria iniciou bem, utilizando o recurso do barulho do trem para entrecortar momentos da vida do protagonista e criar um suspense a partir do seu retorno para uma cidade da qual sempre quis fugir. Entretanto, assim que as outras autorias assumem, o trem descarrila. A princípio, há um equilíbrio entre protagonista e cenário.  A hesitação do personagem serve para alimentar a tensão e as descrições nos permitem enxergar a miséria de Miragem, sem muita demora, vamos conhecendo mais do passado do personagem pela lente da lamentação, encontrando outros personagens e lugares. O que julgo ter prejudicado o conto é como esses elementos foram trabalhados. O constante alarido de Miguel se torna repetitivo, o que arrasta a leitura, e a revelação do tal passado assombrado se torna sem impacto pela previsibilidade dos eventos, que envolvem uma espécie de triângulo com relações familiares e românticas imersas no crime, um clichê que não é bem desenvolvido em uma escrita sem nada de chamativo a não ser cumprir o seu papel. Assim sendo, o texto não anima a leitura e só se cumpre mais pela obrigação do certame do que por se importar com o desfecho. E, tocando agora na conclusão, o conto se arremeda com uma gafe, confundindo Miguel e Rafa e acabando por sugerir uma relação incestuosa – o que, ironicamente, talvez tornasse um drama mais interessante – e uma conclusão que, confesso, parece ser um dos desfechos IA que os colegas alertaram no grupo de whatsapp, com elementos inusitados que destoam, não surpreendem, e um cuidado artificial em arrumar todas as pontas soltas. Taque-taque-BOOM. Trem descarrilado.

  5. rubem cabral
    21 de setembro de 2024
    Avatar de rubem cabral
    • Enredo. Regular. Foi mais um conto de retorno à cidade natal, embora mais intimista. O começo foi bom, com Miguel chegando na cidade decadente; as descrições do ambiente deram um clima sombrio à história. Infelizmente, conforme a história avançava, foi perdendo força e a parte final foi muito fraca, apenas descrevendo fatos friamente.
    • Personagens. Bons. Miguel, Rafa e Renata são bons personagens, pena que um tanto desperdiçados, em especial pela parte 3 do conto.
    • Escrita. Boa. Escrita correta, diálogos bons. Melhor na 1a parte, pois foi muito sinestésica, telegráfica na parte final.
    • Coesão. Razoável. Começou boa, entre os autores 1 e 2, terminou mal costurada pelo autor 3.
  6. Sílvio Vinhal
    20 de setembro de 2024
    Avatar de Sílvio Vinhal

    Outro conto que começa bem e vai se deteriorando do meio para o final, com direito a muitos erros de concordância, frases mal elaboradas, perda de sentido, deturpação da lógica que vinha sendo tão bem construída pelo primeiro e, relativamente, preservada pelo segundo autor.
    O tal crime insinuado, que parece ter sido determinante para a angústia do protagonista, ficou perdido na história. Era um ponto importante demais para ser simplesmente abandonado. A terceira parte lembra aqueles textos apressados que concluem filmes, tentando dar um final para tramas que ficaram em aberto. Acabou tornando-se uma descrição tosca, um desrespeito ao que foi proposto no início, e que o segundo autor até conseguiu dar continuidade, embora se perceba uma mudança no estilo da escrita.
    Para coroar… a frase “Era como se estivesse tendo a oportunidade de criar um filho que não teve com Enzo.” 
    Miguelito desejou algum dia ter um filho com Enzo? O terceiro autor que me perdoe, mas é quase um suicídio literário.
    Parabéns aos autores pela participação no desafio. Desejo sucesso!

  7. Leo Jardim
    19 de setembro de 2024
    Avatar de Leo Jardim

    🗒 Resumo: Miguel volta pra Miragem, sua decadente cidade natal. Ele foi embora por um acontecimento traumático, que depois descobrimos ser um crime que apenas seu amigo foi preso. Ele descobre ter um filho com a irmã do amigo. Acaba reatando com ela, mas só dura seis meses.
    📜 Trama (⭐⭐▫▫▫): aqui está um bom exemplo da imagem símbolo do desafio. Um conto que começa bem, com ótimas descrições e um clima bastante soturno. A continuação reduz um pouco esse clima pra entregar um pouco do passado. O fim, porém, é muito apressado e deixa muitas pontas soltas (Qual o crime eles cometeram? O que ele viu no quarto do Rafa?). O último trecho lembra o final daqueles filmes que conta a história posterior de cada personagem. Achei bem desnecessário. Ou desenvolve melhor ou nem precisa contar essa parte. Podia ter terminado, por exemplo, com eles casados e uma frase dizendo que eles estavam felizes “por enquanto” ou dando uma indicação de que o passado ainda estava à espreita.
    📝 Técnica (⭐⭐⭐▫▫): é muito boa nas três partes, mas decai um pouquinho (não muito) no fim. 
    ▪ Não deveria ter bebido na noite anterior.(…) — Preciso parar de beber tanto (ou o narrador fala ou o personagem, fica ruim essa repetição)
    ▪ Porque infelizmente? Porque não sou o amor da sua vida? (Confere com a Claudia, mas acho que são por que separados rsrs)
    🧵 Coesão (⭐▫): não é muito boa. Embora não tenha percebido onde começa a segunda autoria, percebi que era diferente da primeira pelo tom. A terceira é ainda mais diferente. 
    💡 Criatividade (⭐⭐▫): voltar ao passado parece ser um tema comum nesse desafio, mas achei ok. 
    🎭 Impacto (⭐⭐▫▫▫): não foi bom. As pontas soltas sempre me deixam chateados, mas esse ainda piorou tudo com esse epílogo-resumo totalmente desnecessário. Um gosto amargo no fim. 

  8. Givago Domingues Thimoti
    19 de setembro de 2024
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Boa tarde, aos autores!

    A construção do início do conto Miragem e o desenvolvimento e a conclusão são tão dissonantes entre si que dá um pouco de dó do enredo promissor. Isso aconteceu algumas vezes nos contos que li. O clima noturno, sombrio e triste é abandonado parcialmente no desenvolvimento e ignorado completamente no desfecho. Uma pena.
    O retorno de Miguel à cidade sofre com a arrastada lembrança de seus últimos momentos com os irmãos Rafa e Renata; o crime testemunhado por Miguel, com potencial de ser aquele fato que traz toda a história consigo, virou apenas uma nota de rodapé no romance proibido entre Miguel e Renata. No final, não sabemos muito como se deu esse crime, motivações, impactos, quem morreu (se é que teve morte). E sabemos até demais de Renata e Miguel, que tiveram um filho (Enzo, que passou desapercebido pelo protagonista) e tentaram (re) iniciar um relacionamento e 6 meses depois cada um para o seu lado.
    Boa sorte!

  9. Fabiano Dexter
    18 de setembro de 2024
    Avatar de Fabiano Dexter

    A história aqui se passa em uma cidade fictícia que poderia ser qualquer uma, mostrando um centro decadente em uma cidade que leva o sugestivo nome de Miragem. Dentro da ideia do desafio, a troca dos autores é mais perceptível, ainda que não cause prejuízo à história. Começamos com a ideia do protagonista retornando a sua cidade natal para resolver algo, que é deixado (imagino que propositalmente) para os demais autores. O segundo autor demora um pouco para engrenar, mas ainda se mantém fiel ao início do conto, mas o final da história acaba um pouco corrido, completamente fora do que havia sido proposto inicialmente. Lendo os primeiros e os últimos parágrafos tenho a noção de que são dois contos diferentes.
    O modo como o conto é distribuído, em pequenos capítulos, ajuda na leitura e faz o conto parecer uma peça de teatro, onde temos diversos atos diferentes. Mesmo aqueles em que nada significativo acontece temos a composição do cenário e, pelo menos no inicio do Conto, o ambiente e a cidade são parte da história. Do meio para frente isso se perde um pouco e temos o foco em Miguel e sua relação com Rafa e Renata. E depois Enzo e uma concussão para o futuro de uma história que começa sendo uma mistura apenas de passado e presente. Além disso deixa em aberto o que aconteceu para que Rafa fosse preso e qual a participação de Miguel nisso tudo.
    A história começa bem e cria uma expectativa boa, até pelo estilo e descrições de Miragem, mas acaba se perdendo um pouco e a experiência completa é altamente impactada por um final simplista.

  10. Priscila Pereira
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, autores! Tudo bem com vocês?

    Começo: Gostei bastante do começo cheio do estilo próprio do autor, e do personagem amargurado, destruído pela vida. Tudo no começo é esfumaçado, desiludido e fundo do poço. As descrições são ótimas e tudo gira em torno da cidade e do que aconteceu lá no passado.

    Meio: O autor apesar de escrever muito bem, não conseguiu emular o estilo desiludido do primeiro autor e focou mais no cotidiano voltado ao drama. Deu mais uma camada a trama narrando uma cena do passado, o que foi bem legal, mas parou em um momento crucial e deixou que o terceiro inventasse o que quisesse depois e esse foi o seu erro. 🥺

    Final: O autor chutou o pau da barraca e só foi acrescentando coisa e mais coisa, que não tinha nada a ver com a cidade (é o título do conto!), nem com o que estava sendo construído até então… Como assim que a Renata tinha quase 50 anos?? Quando o autor 2 disse que era a irmã mais velha eu imaginei que tivesse uns 22, 23 anos e não 30 e poucos. E daí começou só a piorar… Nada a ver com nada mesmo… Poxa vida 🥺 por quê? Podia ter sido um conto tão legal…

    Coesão: Nenhum dos autores conseguiu manter o tom do primeiro, mas era muito difícil mesmo, mas o autor 2 manteve a narrativa muito bem encaminhada e o autor 3 decidiu acabar com tudo. E não estou dizendo que foi de propósito nem que o autor 3 escreve mal nem nada, acho que só estava tentando alguma coisa diferente, ou achou que seria legal e inesperado bagunçar com tudo…

    Visão geral: O começo prometia muito e o final não entregou nada. Não gostei do conto. Uma pena mesmo.

    Parabéns aos autores!

    Boa sorte no desafio!

    Até mais!

  11. Fabio Baptista
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Fabio Baptista

    X Sensação após a leitura: Santa mãe do céu…

    X Citações pro bem e pro mal:

    x Ao redor, a sujeira abundante, incluindo camisinhas usadas, denunciava a falta de cuidado com a limpeza externa
    Em vez de explicar, seria melhor fornecer mais exemplos de descaso com a limpeza e deixar o leitor tirar suas próprias conclusões.

    x O mundo era cruel. E Miragem ainda mais.
    Essa ficou legal

    x não escondia as sardinhas
    Ok, estávamos falando de uma característica do rosto de uma ruiva e o contexto não deixa dúvidas. Ainda assim, sugiro evitar essas palavras com duplo significado. Não havia motivo para usar o diminutivo.

    x muitos suor

    x Enzo
    kkkkkk

    x Rafa percebeu o momento de fraqueza e decidiu aproveitar
    Será que esse conto vai terminar incesto lugar no desafio?
    Não, foi só o(a) terceiro(a) autor(a) trocando o nome do protagonista na reta final.

    x Trabalhava como stripper e às vezes mandava alguns dólares neozelandeses
    Não querendo soar etarista, mas já soando… tenho dúvidas sobre quantos dólares uma stripper beirando os 70 conseguiria obter em qualquer parte do mundo.

    X Conclusões:
    O conto começa bem, ritmado pelos “taque taque” (até pensei que viria algo estilo “A Praia”) e com uma ambientação muito boa, quase onírica, da “Miragem”. Aqui temos menções a alguns lugares que não voltam a aparecer: Jardim das Fuligens, Campo das Esmeraldas, O Parque Verdejante, mas que colaboram com essa ambientação (mais para frente teríamos a rua da esperança, em sintonia com essas nomenclaturas).

    Também temos uma promessa que não é cumprida “sob circunstâncias que nunca imaginou serem possíveis”, referente à fuga de Miguel. Mais para frente vemos que aparentemente essa fuga não teve nada de especial e era bem mais simples do que essa primeira parte deixou a entender.

    Também há a promessa “Precisava fazer aquilo”, aqui já não sei se na primeira ou segunda parte.

    Falando nela, nessa segunda parte perde-se um pouco do tom mais “esfumaçado” que o conto teve no começo, com tudo soando mais real. Eventos do passado são descritos, motivações e laços aprofundados. Não havia muitas opções para o segundo autor aqui, esse era o caminho que o conto pedia e foi feito com competência, embora, na minha visão, destoando um pouco do clima mais “noir” que senti na primeira parte. É deixado o gancho de uma possível gravidez e o mistério sobre o que diabos aconteceu no quarto do Rafa: “O que viu fez seu coração descompassar, e por muito pouco conseguiu conter um grito horrorizado.”

    Esse evento no quarto do Rafael, no entanto, parece não ter qualquer relevância na terceira parte. Aqui (a menos que tenha me escapado alguma coisa), entendi que Rafa foi preso por algo (não fica muito claro o quê) feito em conjunto com o Miguel e os “donos da rua”. Miguel fugiu na ocasião, deixando o amigo se lascar sozinho e a namorada grávida (disso ele não tinha conhecimento).

    Além da parte técnica destoante da segunda e ainda mais da primeira, usando expressões como “O tico e o teco se encontraram” e “Estava quase dando tilt”, numa tacada só temos: a bola levantada na segunda parte ignorada, e duas pontas soltas: quais foram as circunstâncias que não imaginara serem possíveis para ter saído da cidade (ok, aqui ainda dá pra dar uma relevada que o motivo foi um crime e tal) e o que era o “aquilo” que Miguel precisava fazer. Era só se desculpar com Rafa? Precisava de cartomante ler sorte pra ele tomar essa decisão?

    Até aqui eu ainda estava pensando “tá, beleza…”

    Mas daí veio o epílogo. Esse trechinho só não perde o troféu “viagem na maionese” para o final de “siameses”. Ok, é um futuro possível para os personagens, mas totalmente desconectado em tom e teor em relação ao que o conto parecia propor no início.

    RUIM

  12. Jorge Santos
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá trio.

    Acabei de ler o vosso trabalho. Creio que faltou coerência na narrativa, a construção dos personagens ficou confusa, tal como a linha narrativa. A vida de um trio de marginais, que leva um deles a fugir não se sabe ao certo a razão, e que depois força a regressar sem saber a razão, 17 anos depois, descobre que tem um filho, casa, passados 17 anos separam-se. Faltou elegância e demonstração de motivação. Miguel é retratado como um frouxo que tinha feito parte de uma gangue, o que não é propriamente coerente. Não deveria ter mostrado sinais de remorsos, nem ter ficado tanto tempo fora sem motivo aparente.

    Existem elementos de realidade que mantêm o interesse do texto, mas o impacto deveria ter sido maior para prender o leitor.

  13. Luis Guilherme Banzi Florido
    14 de setembro de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Olá, autores! Tudo bem? Primeiramente, parabéns pela participação num desafio tão dificil e maluco quanto esse!

    Início: o conto começa muito bom, com uma ambientação excelente da cidade de Miragem, e uma caracterização também muito boa dos personagens. A própria personalidade de Miguel, covarde, cheio de arrependimentos, amargurado, ajuda a construir o mistério sobre o passado, e sobre o que o fez fugir e passar tanto tempo fora. Essa parte também levanta muitos mistérios, como: o que aconteceu há 17 anos que fez Miguel fugir? Por que ele tem pesadelo com isso? Por que ele está voltando só agora, e não antes? Qual foi o gatilho do retorno? Entre outros. Espero que os próximos autores trabalhem isso.

    Meio: o segundo autor desenvolve bem a história, cumprindo seu papel de desenvolver os personagens, apresentar o passado e especialmente trabalhar as relações entre os diversos personagens. O conto segue trabalhando e desenvolvendo o mistério principal, e me parece deixar na cara do gol pro terceiro autor, ao apresentar a cena do Miguel olhando pela janela. O que aconteceu lá dentro, que fez Miguel fugir, viver em arrependimento, e agora voltar? Espero que o último autor responda essa pergunta.

    Fim: aqui para mim, infelizmente, está o elo mais fraco do conto. Ao invés de mostrar o que aconteceu naquele quarto, o autor preferiu focar no presente, e decidiu que, a missão de Miguel nesse retorno é pedir desculpas, mas não nos mostra claramente o motivo do pedido de desculpas. Isso foi um pouco anticlimático pra mim, pois eu estava muito curioso com os acontecimentos no quarto que levaram à prisão de Rafael. Fiquei com um gosto amargo no final da leitura, especialmente no parágrafo final, que destoa bastante do tom mais sombrio e enigmático dos dois terços anteriores. Achei o humor bastante deslocado, com as inserções do “Enzo, “paidrasto”, EAD, Enzo, etc.

    Coesão entre os autores: o primeiro autor viu uma miragem no horizonte e traçou um caminho enigmático pelo deserto. O segundo autor trilhou o caminho, chegou na cara do laguinho, tirou a camisa e se preparou pro mergulho. O terceiro autor esqueceu que era uma miragem e deu de cabeça numa naja. Em outras palavras: apesar de a escritar ser bem consistente entre as três partes, senti que o segundo autor foi mais feliz em conectar o enredo à parte anterior, enquanto o terceiro deixou de lado elementos essenciais e acabou errando no tom, destoando muito do mistério e peso dramático que vinha sendo construído.

    Nota final: Razoável.

  14. vlaferrari
    11 de setembro de 2024
    Avatar de vlaferrari

    Foi realmente uma miragem, pois se a ideia geral era confundir, conseguiu com sucesso. Peguei um erro que não vi nos demais comentaristas: o beijo entre Renata e Rafa(?) — não seria Miguel? De resto, são erros de revisão mais apurada. Ficou no ar também “o baque surdo”, pois se pode intuir um assassinato que levou Rafa para o xilindró, mas quem é o presunto? A ambientação do conto também me soou estranha. Na primeira parte, fala-se de trânsito intenso (fuligem, CO₂) e cheiro de urina, ambiente decrépito, junkies. Ficou estranho e difícil “montar” na cabeça o que os olhos do protagonista viam.

    Creio que na ânsia de fornecer pormenores para os outros autores, tem-se a ilusão de construir frases sugestivas, como se fosse deixar um animal de estimação com terceiros: não faça isso, ele gosta daquilo, sabe? E essas “iscas” não foram aproveitadas, é o sentimento ao final da leitura.

  15. Fernando Cyrino
    10 de setembro de 2024
    Avatar de Fernando Cyrino

    Olá, pessoal. Pois é, depois de ler, reler e refletir bastante, voltando muitas vezes a pedaços dela, sobre a história que vieram me contar. O sentimento vivido aqui no final de tudo foi de frustração. Achei o conto um tanto confuso. Os flashbacks não produziram os efeitos pretendidos por vocês. A história até que começou prometendo bastante. Uma volta à cidade de origem (mais uma). Essa tem o nome sugestivo: Miragem. Mas fica nisso. Achei que os personagens poderiam ter sido mais bem trabalhados. Senti falta de que fossem mais aprofundados. O final me deixou bem confuso, não o Enzo, mas alguns elementos surgiram sem que realmente fizessem crescer a história. A covardia do nosso Miguelito merecia ser mais trabalhada, eu achei. Bem, é isto. Um bom argumento que poderia ter sido bem melhor aproveitado por vocês, meus amigos/amigas. Fiquem com o meu abraço e com os votos de muito sucesso no desafio.

  16. Kelly Hatanaka
    10 de setembro de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá, caros colegas entrecontistas!

    Primeiramente, parabéns pela participação corajosa e desapegada.

    Vou avaliar e comentar de acordo com meu gosto, não tem muito jeito, afinal não tenho conhecimento nem competência para avaliar de forma mais “técnica”. Ou seja, vou avaliar como leitora mesmo. Primeiro, cada parte separadamente, valendo 1 ponto cada. Depois, a integridade do resultado, valendo 3 e, por último, o impacto da leitura, valendo 4.

    Começo

    Um bom começo. Miguel volta a Miragem com o objetivo de fazer as pazes com o passado. São mostrados flashbacks da infância de Miguel, ele revê seu amor e parece procrastinar o que precisa ser feito.

    Meio

    No passado, Miguel se encontrava com Renata, irmã de Rafa, seu melhor amigo. Passou a noite de aniversário no quarto da garota e, ao sair, viu o amigo sendo preso e fugiu da cidade. Por que ele fugiu e por que ele acha que destruiu a vida de Renata? Não entendi. Espero que o final explique. 

    Fim

    Miguel se encontra com Rafa e descobre que tem um filho com Renata. A partir daí, tudo se precipita para um final esquisitíssimo, corrido, narrado e sem pé nem cabeça. Mas, pera. O que Miguel foi fazer em Miragem, afinal? No começo ele ficou dizendo o tempo todo que tinha algo a fazer. O que era? Agradecer o amigo por não tê-lo dedurado? Só? Então, por que ele ficou evitando Renata, que é irmã de Rafa, ainda mais se ele sentia que tinha destruído a vida dela? Não deveria então, querer agradecer o amigo e pedir perdão a Renata? E que crime foi esse que Miguel cometeu e pelo qual Rafa pagou?

    Coesão

    Do autor 1 para o autor 2 quase não deu para notar a diferença. Para o bem e para o mal. Mas o autor 3 destoou um tanto. Pareceu que estava com pressa. Tudo bem, que se a ideia era informar tudo o que aconteceu com os personagens nos próximos 20 anos, realmente o espaço era pouco. Mas, ao invés disso, bem poderia ter focado em fechar a história que já tinha sido apresentada até então e que tinha muitos elementos em aberto.

    Impacto

    Baixo. Um bom começo e um bom meio que prometeram algumas coisas que não foram entregues pelo final.

  17. claudiaangst
    7 de setembro de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem? Sem mais delongas, vamos ao que interessa.

    Neste desafio, usarei o sistema ◊ TÁ FEITO ◊ para avaliação de cada conto.

    ◊ Título = MIRAGEM. O título provoca a ideia de algo ilusório, algo que pode nem ser real. Nunca imaginaria como nome de uma cidade.

    ◊ Amálgama = Percebe-se claramente a mudança de autoria. Não de forma precisa, mas pela linguagem e estilo dá para definir que há três autores trabalhando na obra, embora separados.

    ◊ Fim = Os fins justificam os meios? Talvez… E a ordem dos fatores altera o produto? Permita-me começar pelo fim, observando o impacto causado na leitura. Creio que o(a) terceiro(a) autor(a) se empolgou e tascou um monte de informação para finalizar o conto. Não precisava. Aliás, nem precisava dar margem ao suposto gancho deixado pelo(a) segundo(a) autor(a) – da falta de camisinha, etc. Sim, era um risco, mas não foi dito se Renata tomou ou não a pílula do dia seguinte, ou se simplesmente, não estava fértil e tudo terminou por ali. O final poderia ignorar essa questão. No entanto, melhor ainda seria se o tal filho fosse uma surpresa para o leitor (eu, por exemplo, logo imaginei a existência do pimpolho quando o(a) segundo(a) autor(a) incluiu aquele diálogo desnecessário. Mas de forma alguma, havia a obrigatoriedade de seguir por esse caminho. Enfim, o desfecho ficou lotado de informação, novidade, casamento, divórcio, viagem, mudança de vida… aff… Desnecessário!

    ◊ Entremeio = Criou-se o tumulto para dar respostas a perguntas mal formuladas. Um crime, mas que crime foi esse? Foi Miguel que cometeu o delito? Fiquei confusa com as informações entrecortadas. Houve um exagero do uso de advérbios terminado em MENTE. Foram muitos, demasiados. Ficou cansativo.

    ◊ Início = O início apresentou uma narrativa segura, com belas imagens, uma linguagem fluida e frases curtas como gosto. A ambientação está adequada, tudo instiga a imaginação do leitor. Sinto muito, autor(a), mas seu promissor texto foi desperdiçado pelos coleguinhas.

    ◊ Técnica e revisão = O(a) primeiro(a) autor(a) mostrou-se muito mais seguro e hábil ao lidar com a construção da narrativa. Soube trazer à tona a ambientação e o clima psicológico que deram suporte a um desenvolvimento interessante da trama. Os(as) dois(duas) autores(as) seguintes não conseguiram manter o padrão proposto, o que tornou o aspecto técnico também falho.

    E não podia Recuar. > E não podia recuar.

    Repetição de palavras ou sons semelhantes muito próximos > esperava/esperança, meio-fio/meio-dia/meio de uma noitada

    Excesso no uso de advérbios terminados em -mente: silenciosamente, ligeiramente, habilmente, facilmente, prazerosamente, mentalmente, profundamente, mentalmente, etc.

    […] muitos suor > […] muito suor

    Demoraram dezessete anos > Demorara dezessete anos

    […] quem realmente passou a vida preso, não fui eu. > Não há essa vírgula, pois não se separa o sujeito do predicado. A opção seria isolar o advérbio: […] quem passou, realmente, a vida preso não fui eu.

    ◊ O que ficou = Frustração ao notar que um começo tão promissor foi desperdiçado sem dó ou piedade. Tinha tudo para dar certo e acabou sendo uma grande miragem.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  18. Leandro B.
    7 de setembro de 2024
    Avatar de leandrobarreiros

    *Todo e qualquer crítica refletem mais um ponto subjetivo meu do que qualquer outra coisa. Outro leitor pode achar o oposto.

    Mais uma história sobre alguém retornando a sua cidade natal para resolver o passado. E, até agora, continuo interessado nessas histórias. É um tema, afinal, muito rico e cheio de possibilidades.

    O tom inicial da história é um pouco melancólico e pessimista. Gostei do uso do “Tic-Tac” no início da história, gostaria que o recurso tivesse sido continuado, mas tudo bem.

    Gostei das descrições e da narrativa lenta, apertando o protagonista em diversas pequenas torturas que ele, de certa forma, foi causando a si mesmo por conta da culpa. Desde o banco com lembrança dos amigos até a salsicha radioativa.

    Por volta do meio começamos a entender um pouco melhor o que fez com que Miguel deixasse Miragem. É certa tarefa ingrata ter que decidir os rumos da história a essa altura. Há, afinal, infinitas possibilidades e o risco de escolher algo que não seja tão excitante quanto o esperado pelo leitor é alto.

    A escolha final do motivo, contudo, me agradou bastante. Saímos um pouco do clichê da vingança e morte e adentramos em algo mais sutil: deixou o amigo ser preso em seu lugar.

    Gostei da escolha. Achei condizente com a história que vinha sendo criada até então. A construção da coisa toda, contudo, ficou um pouco aquém do que foi imposto pelo primeiro autor. Suponho que o estilo dele era um pouco difícil de copiar, ou o segundo autor decidiu por algo mais próprio.

    E a terceira parte… eu ri. E ri bastante. Isso vai adicionar alguns pontos ao meu critério de quanto gostei da história, mas a avaliação como um todo também deve ser reavaliada.

    Obviamente é um texto feito por três pessoas, mas quando começamos uma história fazendo certas promessas para o leitor e quebrá-las é, acredito, um pequeno pecado.

    Ainda que tenha me feito rir, o que sugere que o autor 3 domina o estilo cômico que eu gosto, há também uma certo gosto de mentira. É como se eu tivesse ido ao cinema assistir “The green mile” depois de ver o trailer e, ao final, o filme se transformasse em uma sketch de Monty Python.

    Parabens aos autores, certamente muito competentes.

  19. Thales Soares
    4 de setembro de 2024
    Avatar de Thales Soares

    Este conto não me agradou.

    De início, a imagem e o título dele me chamaram bastante a atenção. Adoro histórias em trens, principalmente quando são de suspense ou terror, como aquela que tivemos no desafio passado, o Peso da Bagagem, e que foi uma das minhas favoritas do certame. No entanto, esta aqui parece não ser nem de suspense e nem de terror, mas sim de… drama?

    O primeiro capítulo me fisgou bastante. Pensei “Caramba! Este autor é bom!”. Com descrições ágeis e frases muito bem construídas, o autor consegue narrar a história de forma muito habilidosa. Esse estilo de contar história com orações bem curtas, às vezes de uma única palavra, como se fossem tiros, onde o leitor deve pegá-las para acompanhar a linha de raciocínio, é muito interessante. Os autores seguintes não souberam emular isso, talvez por ser um estilo muito autoral do autor 1, causando um pouco de estranheza na escrita. No entanto, tanto o autor 2 quanto o 3 escrevem muito bem, e souberam manter o nível alto de descrição. Mas vamos por partes.

    Os capítulos 2 e 3 seguem com essa escrita ágil de que prende o leitor, com ótimas descrições. Mas aqui o conto começa a sofrer com o fato de que ele parece não estar levando o leitor para lugar algum. As informações que recebemos vêm de forma fragmentada, não deixando claro os propósitos do personagem, e não sabemos para onde vamos seguir. O problema é que ficamos tanto tempo nesse ausência de informação, que a história começa parecer se arrastar um pouco. Sabemos apenas que o protagonista é assombrado pelo passado, e ele está de volta a essa cidade para acertar as contas com algo.

    Quando o autor 2 entra, mostrando um flashback do passado, as coisas começam a agilizar, e finalmente alguma ação começa a acontecer. Ficamos animados, achando que alto interessante vai ocorrer. Então vem uma parte bastante peculiar da história… que é aquela parte onde a irmã do Rapha está sentando no protagonista. Eles se divertem a noite inteira, escondidos, e então o protagonista sai da casa, mas antes dá uma espiadinha pela janela. Ali, ele fica horrorizado!!!!! Com o quê? Me parece que nem mesmo os autores do conto sabem. Um grande suspense é criado aqui… no entanto, sem muitos frutos.

    Voltamos ao presente, e o protagonista vai na casa do antigo amigo, Rafa, que é o irmão da garota que dava umas sentadas nele. Descobrimos que ele foi preso por 17 anos, por culpa do protagonista. Mas qual crime ele cometeu? Por que o protagonista foi culpado? Então… novamente, me parece que nem mesmo os autores do conto têm respostas para essas perguntas. A história continua mostrando uns elementos aleatórios, mas sem dar muita satisfação para o leitor.

    Então, por fim, chega o autor 3, e carca forte na questão do drama familiar. Aqui vemos que a história assume um corpo mais semelhante às novelas da Record. O protagonista descobre que possui um filho, que gosta de jogar bola. Então ele começa a fazer um curso EAD (pera… o quê?!), e o seu amigo Rafa acaba virando pastor. Certo…………. mas………. o que o protagonista viu pela janela há 17 anos atrás, que tanto o horrorizou? Esse fato é tão ignorado que nem na mente do leitor isso está mais.

    Achei bastante interessante como este conto começou como o Curió, com um protagonista voltando à sua cidade natal para acertar as contas, e também terminou como o Curió, com um final onde nada faz sentido, e um personagem importante para a trama foi preso e virou pastor. Dois contos onde um ex presidiário vira pastor… fico imaginando como uma coincidência assim aconteceu. Será que o caso do Pádua, que foi preso por matar a Daniella Perez e depois virou pastor, estava tão fresco assim no inconsciente coletivo? Ou esse é apenas um cliche ao qual eu desconheço?

    Enfim… este conto parece ir de nada a lugar nenhum. É bastante triste, pois o começo parecia promissor, e os três autores mostraram grande habilidade na escrita, mas não souberam conversar entre si (no sentido figurativo, já que no sentido literal seria contra as regras do desafio). O resultado é uma história fraca, cheia de buracos, e que não mostra para o que veio… o leitor termina ela com a sensação de que não leu nada, pois é um conto que não instiga a imaginação, não diverte, não nos faz refletir, e não discute sobre nada.

    Boa sorte para os autores.

    • Autor 3
      6 de setembro de 2024
      Avatar de Autor 3

      “Ali, ele fica horrorizado!!!!! Com o quê? Me parece que nem mesmo os autores do conto sabem. Um grande suspense é criado aqui… no entanto, sem muitos frutos.”

      Caro Thales, ele fica horrorizado com o amigo sendo preso pela polícia, conforme um flashback posterior explica. Percebo que você não conseguiu distinguir com sucesso a separação das partes, isso deve ser um bom sinal! : D

  20. JP Felix da Costa
    2 de setembro de 2024
    Avatar de JP Felix da Costa

    Este conto captou a minha atenção desde o inicio. O ambiente negro, a degradação e o ritmo lento da narrativa, no ponto certo, tornaram a leitura bastante imersiva. A parte dois mantém o tom e vai desenvolvendo a história.

    Todo o enredo leva-nos para um evento ocorrido no passado quando Miguel presencia algo através da janela de Rafa, algo tão horrível que o faz fugir de imediato e abandonar tudo. No entanto, mais à frente, quando Miguel reencontra Rafa, pela conversa, já estamos perante um crime perpetrado por Miguel pelo qual foi preso Rafa “Então é isso que deseja?Que eu te dedure? Ainda dá tempo. Faltam uns três anos pro crime prescrever. Se é isso que deseja, vamos à delegacia agora mesmo.” Aqui a história começa a ser confusa e perde foco. O evento começa a ser deixado para segundo plano e nunca se chega a saber o que realmente aconteceu. A inclusão do filho, que podia ser um ponto de viragem na história, não tem peso no enredo.

    O capítulo final foi uma completa desilusão. Em algumas partes parecia-me estar a ver um daqueles filmes baseados em factos reais em que, no final, passam legendas a contar o que aconteceu a cada um dos personagens. A história, pela sua carga negativa e pesada, merecia um final no mesmo tom, na minha opinião.

    Resumidamente, o conto começa bem, tem bastante potencial, principalmente pela forma como está escrito, mas, mais para o final, perde-se por completo.

  21. André Lima
    30 de agosto de 2024
    Avatar de André Lima

    Sinceramente? Entendi foi NADA. kk

    Vamos lá. O conto possui uma atmosfera interessante. É muito bem escrito, contextualizado, embora tenha um início que custou mais tempo que deveria.

    O “incidente incitante” ou “catalisador”, como queira chamar, demora a chegar. Fiquei cansado, lendo uma ambientação sem saber do que se trata a história.

    Até que ele vem, o incidente ocorre, Miguel assiste a um crime e tudo que foi escrito antes finalmente se justifica.

    Não é das premissas mais originais. Constantemente vemos isso em filmes hollywoodianos. O homem que retorna para reencontrar a mulher destroçada, pobre, prostituta etc (Tudo ocasionado por conta das ações do homem). Mas tínhamos aí uma premissa! Um fio condutor! De repente, me vi imerso, desejando entender o desenrolar desse fato…

    … e o desenrolar simplesmente não veio. Entendi foi NADA ao fim. Qual foi o crime? O que aconteceu naquele aniversário? O conto vendeu o fato como o incidente incitante, como o que move o personagem através da trama. Este fato não pode ser esquecido, tratado en passant, com um redirecionamento estranho pra razão de ser da história.

    Fiquei extremamente frustrado por isso.

    E a frustração é maior ainda porque há muita qualidade de escrita. Os 3 escreveram muito bem.

    Há, sim, alguns errinhos. Uma vírgula aqui, um uso dos “porquês” ali, um Rafa em vez de Miguel acolá. Mas, sinceramente? Eu não ligaria pra nada disso se houvesse a grande explicação que o conto tanto vendeu.

    E que não veio.

    Foi um redirecionamento arriscado que, particularmente, não me convenceu.

    O conto é tecnicamente MUITO BOM. Mas, acaba por ser uma experiência frustrante.

  22. Gustavo Araujo
    28 de agosto de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Interessante como os contos postados por último têm premissas semelhantes. Neles, um sujeito qualquer retorna a sua cidade de origem depois de algum tempo para acertar contas com o passado. Claro, cada autor dá sequência a essa ideia de maneira distinta, mas não deixa de ser curiosa essa coincidência… Enfim, vamos ao Miragem.

    Confesso que tive sentimentos contraditórios ao ler este conto. No início, me pegou de jeito, por conta da atmosfera quase onírica. O nome de “Miragem” para uma cidade contribuiu bastante para isso. Seria tudo ilusão, auto-engano? Uma mistura de Mulholland Drive com O Clube da Luta? Me empolguei. Aliás, o uso do trem como metáfora do afastamento e do retorno foi excelente. Tac-Tac. Muito bom!

    Em seguida, a narrativa adota um tom mais parecido com o “Amar e Morrer”, do Remarque, ou com “O Menino Perdido”, do Thomas Wolfe (um dos meus contos favoritos da vida), por conta da revisitação, ou melhor, da ressignificação (para usar uma palavra da moda) dos lugares por onde o protagonista Miguel passou antes de ir-se embora. Pelo menos nesse trecho da história o caráter onírico deu lugar à nostalgia. Não era o que eu esperava, mas a surpresa foi válida e me manteve conectado.

    Em seguida, porém, a história dá uma guinada — por conta, acredito, da mudança de autoria. No capítulo IV há um flashback mal colocada, mas que depois ajuda a entender o que vem na sequência. Destaque (negativo, pela teatralidade) para o diálogo entre Miguel e Renata.

    De todo modo, a atmosfera onírica e a nostalgia deram lugar a algo policialesco — bem escrito, diga-se — mas que se afasta muito do estilo inicial, especialmente pela menção, um tanto deslocada, a uma taróloga.

    O fim destoou de vez. O surgimento de um filho inesperado (Enzo, claro — quase ri), e a redução da história a um caso de amor digno de novela das seis, pôs por terra os pilares do conto. Novamente, não está mal escrito, mas essa dissonância com tudo o que foi erigido lá no início gerou em mim um sentimento de frustração.

    Mal sabia eu que o mais decepcionante ainda estava por vir. O último capítulo é incrivelmente apartado do resto da história. Diversos elementos são trazidos aos montes. Nova Zelândia? Porsche Cayenne? Graduação EAD? Igreja Evangélica? São tantas as novidades que fiquei tonto kk. Não possuem nada a ver com o que fora produzido nas partes anteriores e por isso soam artificiais, mal colocados, dispensáveis na verdade. Acredito na boa intenção do terceiro autor ao optar por esse caminho, querendo mudar, inovar, mostrar criatividade, mas para mim o resultado ficou longe, muito longe do que seria adequado.

    Enfim, um conto que tinha tudo para ser excelente, mas que acabou sendo trágico em termos de coesão.

    De todo modo, parabenizo os autores e desejo boa sorte no desafio.

    • Autor 3
      30 de agosto de 2024
      Avatar de Autor 3

      Boa noite, caríssimo leitor.

      Fico contente pelo seu comentário altamente descritivo e tudo mais.

      Apareci apenas para chamar atenção ao seguinte fato

      “O fim destoou de vez. O surgimento de um filho inesperado (Enzo, claro — quase ri)”- primeiramente, fico triste por não ter arrancado nem mesmo um sorriso pré risada. Porém, ao menos a questão da possibilidade da existência do filho havia sido introduzida por um dos autores iniciais em certo diálogo da trama, a saber:

      “— Ha ha, muito… — a frase foi interrompida por um baque surdo no quarto de Rafa. — Tá, preciso ir, amor. Não esqueça de comprar a pílula amanhã, vai que…

      — Sim, eu sei, não sou nenhuma adolescente burrinha que você costumava pegar antes de conhecer uma mulher de verdade. E da próxima vez traz preservativos, fofinho — piscou um olho e virou-se de lado para dormir.”

      • Gustavo Araujo
        30 de agosto de 2024
        Avatar de Gustavo Araujo

        Meu caro autor, entendi agora que você tentou prosseguir com um sentido mais próximo da comédia para o conto, seguindo a proposta do Autor 2. E percebo também que foi o autor 2 quem deu margem para essa história de filho, aproveitada por você. De qualquer forma, isso não altera o desapontamento que senti com a mudança de estilo ao longo do conto — de algo onírico-filosófico na parte 1 para o escracho puro e simples das demais. Não funcionou comigo, mas, de repente, outros leitores podem ter uma opinião diferente da minha. Boa sorte para vocês.

  23. Antonio Stegues Batista
    20 de agosto de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    O conto é a história de Miguel que, 17 anos depois, volta à cidade onde morou e presenciou um crime, onde seu amigo Rafael, irmão de Renata, foi acusado injustamente, ou algo assim. Naquela noite que ele foi visitar Renata no quarto dela, Miguel passa pela janela de Rafa e ouve um barulho de papel, ou algo parecido. Minutos depois ele sai do quarto da moça, passa pela janela de Rafa e resolve olhar, quando vê algo que o deixa horrorizado. Rafa é preso por um crime que não cometeu e tal crime não está claro na narrativa. Mais adiante no enredo, Miguel se encontra com Renata e quem dá um beijo nela é Rafa, ou seja, o autor trocou o nome do personagem. O final do conto virou uma miscelânia de fatos aleatórios. A narrativa tem muitos furos e não é culpa do autor primeiro. Acredito que o autor 1 concebeu um roteiro que foi prejudicado pelos autores 2 e 3 que não captaram a ideia e não tiveram boa inspiração. A ambientação ficou interessante, os detalhes de uma cidade decadente, suja e tomada por marginais, mas isso não salva o conto. Eu achava que a estrutura com o taque-taque do trem ficaria interessante, mas tudo se desvaneceu como a fumaça da locomotiva na curva do caminho

E Então? O que achou?

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Publicado às 17 de julho de 2024 por em Começo, meio e fim e marcado , , .