EntreContos

Detox Literário.

Siameses (Bruna Francielle, Rubem Cabral e Fernando Cyrino)

Cracolândia, 1996

Várias meninas e mulheres disputavam a atenção dos motoristas que por ali passavam, embora a maioria deles tivesse mais medo do que interesse em conhecer alguém dali. Algumas tão jovens quanto treze anos, outras com mais de sessenta e sete. Entre elas, uma jovem afrodescendente chamava a atenção por sua altura e corpo esbelto. “Você tem jeito para ser modelo”, “Você é linda, menina. Varapau desse jeito, vai para São Paulo, com certeza conseguirá trabalho como modelo lá”, diziam várias pessoas. Kauane acreditou. Aos dezessete anos e cheia de sonhos, comprou uma passagem do interior da Bahia para São Paulo, imaginando-se em revistas e passarelas e com dinheiro para ajudar a família.

Isso foi há dois anos. A última vez que conversou com a mãe foi há um ano e meio, por telefone. Teve vergonha de contar sua situação e decidiu se afastar definitivamente da família.

Agora estava grávida de nove meses e escrava do vício em drogas. Não sabia quem era o pai. Quis abortar, mas soube que era proibido pela lei e, assim, foi obrigada a ter a criança naquele ambiente impróprio.

Não se sabe se pelo uso contínuo de crack e outras substâncias, mas o bebê nasceu com deformidades. Tinha duas cabeças. E não era apenas isso, o bebê também era viciado em drogas.

Certo dia, Kauane saiu com um cliente e não voltou mais. Seus amigos acreditavam que ela poderia ter sido morta. A criança cresceu sozinha, dormia durante o dia em uma barraca e saía apenas à noite para roubar.

São Paulo, 2018

Muitos não conseguiam olhar para eles, enquanto outros não conseguiam desviar o olhar. Os roubos geralmente eram fáceis, pois as pessoas ficavam paralisadas de estupefação e susto apenas com a proximidade dos ladrões. Não demorou para jornalistas aparecerem e explorarem a situação.

Era Malcolm quem tinha maior controle sobre o corpo único, pois sua cabeça estava posicionada mais ao centro. Martim também conseguia, porém tinha mais facilidade em mover os membros do lado esquerdo, onde estava sua cabeça. Geralmente concordava em deixar Malcolm liderar a dupla.

“Monstro!”

“Aberração!”

“Deveria morrer!”

Era comum ouvirem essas frases. Já foram até apedrejados certa vez, quando decidiram sair para assaltar um parque durante o dia. Outros queriam tirar fotos com eles, principalmente durante o tempo em que estamparam os jornais. Suas faces nada fotogênicas porém extremamente atraentes para cliques renderam alguns milhões de reais para publicações físicas e virtuais, mas nem um centavo para os dois. Devido ao assédio, preferiam perambular à noite usando uma blusa com um grande capuz, que cobria ambas as cabeças. Com o tempo foram esquecidos e retornaram à sua realidade de zé-ninguéns.

Suas vidas resumiam-se basicamente em arranjar dinheiro para comprar drogas e, finalmente, usá-las. Nunca conheceram nenhuma outra perspectiva, e o momento em que mais sofreram foi quando desmaiaram numa praça devido a uma overdose de crack adulterado e acordaram num hospital. Se vender crack já não fosse um crime, quem produziu aquela mistura intoxicante seria considerado bandido. Após isso, foram mais de cinco dias sem usar. A abstinência era a pior coisa que eles podiam sentir. Ficavam loucos, só pensavam nisso.

Foi nesse período que as duas cabeças tiveram uma de suas piores brigas, e quem sofria era o corpo compartilhado. Logo na saída do hospital ambos estavam desesperados para cheirar alguma coisa. Martim queria partir pra cima da primeira pessoa que cruzassem na rua para roubar alguma coisa, porém Malcolm sabia que não poderiam ser presos pois corriam o risco de receber uma nova condenação à abstinência angustiante. Com o resto de consciência não afetada pela privação das drogas, tentou explicar para Martim que a prisão em si não era o problema, a dificuldade de arranjar drogas lá dentro por outro lado… Logo, não podiam arruinar a chance de um roubo bem sucedido para poder sair daquele jejum indesejado. Contudo Martim estava incontrolável, não aguentava esperar mais nem um segundo. Malcolm queria aguardar o anoitecer, Martim queria assaltar alguém pra ontem.

Do hospital só levaram uma agulha como arma para um possível roubo.

Agoniado, Martim alcançou a agulha e numa tentativa de fazer o irmão consentir, começou a dar agulhadas perfurantes no lado direito do tronco, onde ele próprio sentia menos dor. As primeiras agulhadas não tiveram resistência pois pegaram Malcolm de surpresa, mas logo  o mesmo buscou se defender do ataque covarde. Eles disputavam pelo controle do braço esquerdo, mas Martim levava ligeira vantagem naquela área. Porém, quando o assunto era o braço direito, Malcolm liderava. Podia-se considerar o corpo ambidestro, pois os dois lados moviam-se bem. A mão direita tentou tirar a agulha da mão esquerda, levando mais agulhadas doídas no processo. Em certo momento, Malcolm mudou de tática, e decidiu agarrar o antebraço “inimigo” e levá-lo à boca, momento em que se deliciou com uma imensa mordida. Não fosse alguns dentes quebrados e outros frágeis, era capaz de Malcolm ter sido bem sucedido em arranjar uma parte do braço esquerdo.  Martim gritou, e a agulha caiu de sua mão sobre a ligeira poça do sangue que se formou no chão. O sangue vinha principalmente do rim direito que havia sofrido duas ou três perfurações.

A briga só parou quando surgiram duas testemunhas em uma esquina próxima que gritaram e correram ao ver a cena. Com medo de serem presos, a dupla siamesa saiu correndo do local, abandonando a agulha e o sangue.

Porém, devido a perda de sangue não conseguiram ir muito longe. Com medo de voltar para o hospital novamente, Malcolm decidiu ceder ao irmão. “Tá certinho, mano. Tá cer… “ , sentiu-se tonto. – “…tinho.” . Martim olhou com espanto: – “Que?”, ao que o irmão respondeu: “Vamos roubar a primeira pessoa que virmos pela frente.”. Um sorriso estampou os lábios naturalmente rubros e volumosos de Martim.

E a primeira pessoa que viram pela frente foi uma adolescente que voltava da escola sumindo ao dobrar uma esquina. Piscaram um para o outro – sinal combinado entre os dois desde criança, com Martim piscando com o olho esquerdo e Malcolm com o direito, e partiram atrás de sua presa fácil.

Correram naquela direção e esticaram o pescoço para vislumbrar a rua pela qual ela adentrou a fim de bolar um plano.

Velhos de guerra, já sabiam pelo que procurar: becos, obras abandonadas ou vazias, locais onde pudessem se esconder e rotas de fuga promissoras. Nenhum transeunte passava pela rua, mas há uns duzentos metros à frente da adolescente havia um ponto de ônibus lotado de gente.

“Muito cheio de gente, não sei se é boa ideia…” – falou Malcolm, ao que Martim logo se exasperou, levantando a voz: “Você prometeu!”. Antes que uma nova briga degringolasse, um ônibus apareceu. A adolescente correu para pegá-lo, mas não deu tempo. O veículo se foi, levando o agrupamento do ponto, agora vazio.

Como que pensando a mesma coisa, os gêmeos aumentaram o passo. No caminho, pegaram a maior pedra que encontraram. A menor não havia se dado conta da presença deles e estava visivelmente cansada devido à corrida inútil. Não teve chance de se defender quando uma pedrada na cabeça a atingiu em cheio.

Os gêmeos rapidamente pegaram sua mochila e tatearam seu corpo em busca de mais objetos. Encontraram o celular dentro da calça. Ela estava zonza, mas ainda acordada. Tentou gritar mas as palavras não saiam de sua boca entreaberta.

Nisso, involuntariamente, o membro inferior dos gêmeos ficou animado. Fazia muito tempo desde que tiveram algum contato íntimo com uma mulher. Costumavam tentar pagar prostitutas, porém era raro uma que ousasse atendê-los. Inclusive, foi numa dessas recusas que os gêmeos cometeram seu primeiro homicídio. Haviam visto aquela loira deslumbrante e comentado com um conhecido cracudo. Ele havia dito que já havia pego aquela, e que ela custava seiscentos reais a noite. Os gêmeos então cometeram diversos roubos, inclusive alguns muito arriscados, apenas tendo em mente uma noitada com aquela meretriz safada. Abordaram-na com o capuz cobrindo suas faces e o dinheiro em mãos. Imediatamente ela aceitou, feliz com a grana. Porém, já no quarto de hotel, quando eles removeram o capuz, a mulher ficou horrorizada com a deformidade e quis fugir. Os gêmeos embruteceram na hora e decidiram que iriam ter a noite deles por bem ou por mal.

Agora eles tinham uma nova oportunidade para afogar o ganso. Olharam em volta e encontraram nas proximidades uma caçamba de entulhos que estava quase vazia. Arrastaram a adolescente para lá pelos cabelos e a jogaram dentro da caçamba.

Mais que rápido pularam para dentro também. Uma fraqueza, contudo, adentrou seu corpo, e a pressão baixou. O fio de sangue escorrendo do rim havia diminuído, mas não cessado. Mesmo assim insistiram em colocar o membro para fora, mas perceberam que ele não estava em condição de cometer o abuso.

A contragosto desistiram. Abandonaram a moça dentro da caçamba e decidiram retornar para a Cracolândia, a fim de trocar o celular dela por crack.

***

“O Homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe” – Jean-Jacques Rousseau.

O quadro com a imagem tranquila do pensador francês cedia um tom austero à sala ricamente decorada. Contudo, na parede ao lado, uma enorme foto colorida de um lago com flores de lótus trazia um bem-vindo contraste às cores pasteis das paredes e às cortinas drapeadas.

Dra. Maria Schwanstein não poderia concordar mais com o nobre iluminista. Em mais de quinze anos à frente do Instituto Schwanstein, ela vira e produzira verdadeiros milagres. A imagem da flor branca ou rosada, nascida da lama, um símbolo de pureza e transformação, era sua inspiração para vencer, sempre vencer.

Em outra parede,  um mural de fotos mostrava alguns dos internos que por lá haviam passado: recordação viva do sucesso dos princípios que norteavam o instituto. Maria de Lourdes da Silva, antes uma viciada em drogas pesadas, agora cozinheira à frente de um restaurante de culinária baiana-fusion, o queridinho dos Faria Limers. Robisney Anderson de Oliveira, ex-trombadinha, alcóolico desde os nove anos, viciado em cola de sapateiro e éter, descobriu na dança de rua sua vocação, com apresentações programadas até no exterior. E muitos, muitos mais: crianças e jovens adoráveis que resultaram em adultos excepcionais.

“Um desafio” – Dra. Maria devaneou. “Precisava de algo que demonstrasse sem dúvidas o potencial de seus métodos aos novos investidores noruegueses” – ela refletiu, enquanto assistia sem interesse à tevê. Ao zapear preguiçosamente, no entanto, passou por algum daqueles programas sensacionalistas de mundo cão”, comentando sobre uma provável lenda urbana no centro da cidade: um jovem de duas cabeças, cracudo, ladrão e possível estuprador.

Dra. Schwanstein sorriu com o potencial de tal candidato. Pequenas lágrimas alojaram-se nos cantos de seus olhos claros. Não lhe importavam mais os pobres fracassados escondidos e esquecidos numa pasta protegida em seu computador. Os Jobersons, as Deolaines e todos aqueles outros com nomes criativos e quase impronunciáveis.  Havia um novo candidato que cederia sua imagem quase messiânica quando devidamente podado e de banho tomado! Chegara a hora de mover peças em seu tabuleiro. Era hora de chamar o Turco.

***

Fazia calor, e Malcolm e Martim descansavam sentados à beira da calçada, à sombra. Martim estava na fissura de uma nova pedra e não notou o homem, mas Malcolm o fez. O sujeito era grande, embora não tão alto. Parecia ser do tipo que ganhou massa muscular com trabalhos duros, e não levantando halteres coloridos numa academia com ar condicionado. Certamente ganhara a vida na construção civil ou na zona portuária. Usava óculos escuros, tinha barba preta e espessa, braços peludos tatuados e cabeça raspada.

Quando o homem se aproximou, Malcolm disse logo: “Vaza daqui, meu! A gente não faz programa com homem”. Não seria a primeira vez que algum tarado oferecia grana ou droga por “favores”.

No entanto, o parrudão sorriu um sorriso cheio de dentes pequenos e perfeitos – quase uma careta – e falou com um sotaque estranho: “Me chamo Youssef. Tô vendendo mercadoria nova aqui. Quer uma amostra grátis?”.

Ele abriu então a mão – que era espessa e coberta de calos amarelos – e dentro de um saco de papel branco havia umas pedras estranhas, meio amareladas e cristalinas. Malcolm ia recusar, mas Martim já movera o braço que ele controlava melhor, dando quase um bote e pegando três pedras de uma vez.

Youssef voltou a sorrir, fechou a mão e guardou os cristais restantes no bolso. “Vão devagar com estas, é coisa boa, forte que nem um chute de camelo!”.

Cerca de uma hora depois, Martim e Malcolm gargalhavam caídos num beco, antes de apagarem ao sonhar com camelos bons de coice e traficantes com sotaques exóticos.

***

Despertaram vestidos de branco, num quarto com paredes e chão acolchoados.

O tratamento de desintoxicação do instituto era simples: comida leve e água “tratada” com modafinila. Malcolm e Martim protestaram, mas um documento assinado por eles, autorizando a própria internação, foi apresentado, além do convencimento extra de enfermeiros que poderiam ser jogadores de rugby se assim o quisessem. Por dias tiveram delírios e apagões, tendo sido mantidos em isolamento. Rasparam seus cabelos, deram-lhes banhos com escabicida, trataram de problemas de pele e verminoses, colheram sangue, urina e fezes para exames.

Duas semanas após, isso era impreciso, haviam perdido a noção do tempo, foram levados à sala da “doutora” – desde que chegaram haviam escutado falar da “doutora”, como se o instituto fosse um tipo de seita liderada por uma santa viva ou profeta.

“Vocês sabiam que siameses que compartilham o mesmo tronco e só têm um coração são muito raros? Normalmente morrem por falta de oxigênio ainda na maternidade. Dois cérebros para alimentar, dois pulmões e um coração? Isso não funciona muito bem.” – a mulher loura começou a falar, logo que os rapazes entraram e sentaram. Youssef estava num dos cantos da sala, bebericando displicentemente.

“No entanto, vocês têm um terceiro pulmão. Menor que os demais, espremido, mas funcional. Fascinante, não?”.

“O que a gente tá fazendo aqui?” – Martim perguntou. “Isso é contra as lei. Nós não podia…”.

“Existem dois caminhos a trilhar a partir daqui” – a doutora não dera atenção a Martim. “Um dos caminhos leva a uma vida plena e longa, de conforto e alegrias. O outro leva ao esquecimento, ao acréscimo de mais um número às estatísticas vis da cidade”.

“Nós não queremo tá aqui, porra! Solta a gente, agora!” – Malcolm completou.

“Eu acho que vocês não perceberam. Estou falando dos caminhos, não das opções ou escolhas de vocês. A escolha já foi feita”.

Os rapazes ficaram calados por uns instantes, tentando compreender.

“Temos agora que descobrir no que vocês são bons. Se podem cantar, pintar, fazer acrobacias ou qualquer outra coisa que encante um público com sua incrível transformação”.

“Uma conversão religiosa também seria uma boa” – Youssef comentou, do fundo da sala. “Sim” – a doutora concordou. “Estão prontos, então, para o próximo capítulo da vida de vocês?”

Barbacena 2024

Apesar da falta de avanços no Projeto Parapágicos, nome pelo qual o programa era conhecido pelos que lá trabalhavam, em nenhum momento houve o risco de ele ser descontinuado pelo Instituto Schwanstein, com os irmãos sendo devolvidos a alguma Cracolândia pelo país afora. E mesmo que não existisse crescimento, havia o mais importante, o dinheiro. Os noruegueses eram fieis e insistentes. Permaneciam firmes no propósito de gerar uma mudança nos dois que fosse celebrada em todo mundo. O dinheiro, religiosamente depositado a cada mês, funcionava como incentivo irresistível a que Martim e Malcolm continuassem reféns de tantos cuidados.

Obviamente que os relatórios enviados à Noruega seguiam maquiados com avanços no tratamento e a planilha sendo enxertada com gastos que nem passavam perto dos siameses.  A dificuldade maior vivida no Instituto consistia em arrumar boas desculpas, visando adiar a visita requerida insistentes vezes por Oslo e até agora sem sucesso.

Passada a fase de desintoxicação e vencidos os terríveis tempos da abstinência, quando eram mantidos amarrados numa cama hospitalar, começaram a fingir docilidade, mostravam que tinham sido domados. Foram soltos e o caos se fez, ansiavam por crack e heroína. Ferozes, atacaram tudo e todos até que dominados foram enjaulados. Pareciam animais selvagens em exposição no circo de horrores e se defendiam cuspindo, jogando urina, fezes e xingando os cuidadores. 

Viviam presos há quase três anos, quando uma jovem médica se iludiu imaginando ter se tornado amiga dos siameses. No seu turno de observação, alta noite, pegou as chaves, abriu a pequena porta e entrou na gaiola. Salva pelo segurança, foi estuprada e bastante ferida pelos dois.

Ficaram na jaula por seis anos até que surgiram pequenos indicadores de mudança. Martim e Malcolm, depois de tanto conflito, começavam a interagir com os cientistas. Desconfiados, eles se negavam a acreditar que aquela fosse uma transformação verdadeira.

Por essa época, tudo que a Dra. Maria, já bastante debilitada pelo câncer, não desejava era morrer sem testemunhar um avanço naquele que tinha se tornado o seu grande – e frustrante – projeto de vida.

– Não tenho nada a perder, sou uma simples velha em estado terminal.  Quando os dois dormirem me coloquem lá dentro.

O risco existia, mas a ordem era clara e, mesmo enfraquecida, ninguém no Instituto tinha força suficiente para ir contra a vontade da diretora. Ao acordar, os siameses agiram como se ela estivesse, como seus técnicos, do lado de fora das grades, observando, fazendo perguntas e tomando notas nas pranchetas.

Tomadas as precauções com os sprays de gás de pimenta, dardos tranquilizadores e injeções “mata leão”, os gêmeos foram enfim libertados. Nada no arsenal defensivo precisou ser usado.

– Queremos colaborar, participar de tudo.

Diziam, repetiam e tornavam a falar que concluíram que a vida seria melhor para todos se se unissem no mesmo propósito. Sentiam-se cansados de lutar contra o sistema e caso não fizessem isto, mil vezes melhor seria a morte.

Foram alfabetizados em pouquíssimo tempo, a facilidade com as línguas era incrível. Aprendiam rápido demais e estavam sempre instigando os professores para que lhes trouxessem novidades. Superavam o desenvolvimento dos superdotados mais capazes. Os siameses iam se tornando experts em todos os campos do conhecimento aos quais foram apresentados. Eram físicos, matemáticos, biólogos, químicos, linguistas…

Atuavam como uma pessoa só e a sinergia alcançada pelos cérebros em rede ampliava, exponencialmente, as sinapses. Era incrível e os cientistas se lamentavam por terem que guardar segredo do que acontecia nos laboratórios do Instituto Schwanstein. Estavam diante dos cérebros mais capazes, inteligentes e brilhantes já gerados na humanidade.

Nas visitas dos noruegueses, agora muito bem-vindos, sempre surgia a oferta de levarem os gêmeos. O argumento é que teriam muito melhores condições de avançar com eles do que aqui no Brasil. Brasileiros e noruegueses, todos sabiam que era preciso ir além e o Projeto tinha estacionado. Em crise desde a morte da criadora, o Instituto havia chegado ao limite e os investidores foram embora com Malcolm e Martim.

Trondheim 2030

Os irmãos siameses chegaram ao Instituto de Pesquisas do Cérebro no final do inverno. Conheceram a neve e se encantaram com ela. Apesar dos 34 anos, não se podia considerar que fossem maduros. Emocionalmente, haviam parado na adolescência. Os conflitos entre os dois se mantinham. Possuíam uma libido bem forte e os momentos em que relaxavam com alguma mulher era a única hora de paz da dupla. Passou-se a usar a estratégia de ter sempre uma disponível para atuar como amortecedora de tensões entre eles. Oriundas de dois bordeis, foram escolhidas entre as poucas que não se chocavam e aceitavam passar uma hora com os irmãos. Bem remuneradas elas cumpriam a contento a sua parte no projeto.

Foi com as mulheres que se descobriu mais uma habilidade dos siameses. Eram como as antigas máquinas da verdade. Possuíam a capacidade de saber se a pessoa estava mentindo e, ao contrário dos polígrafos, não costumavam errar. Ai daquela que mentisse para eles. Nessa hora, seus instintos mais brutos afloravam e os cientistas precisavam intervir para que não a machucassem.

Os ventos frios e assustadores da guerra sopravam cada dia mais intensamente. China e Rússia contra os Estados Unidos e a OTAN. Numa noite, quando cientistas e os gêmeos, preocupados, assistiam a uma entrevista de Den Pien, o novo líder da China, Martim cochilava quando Malcolm, como quem não quer nada, disse que era evidente que mesmo afirmando não desejar a guerra, já tinha definido a incorporação de Taiwan e a invasão da Coréia do Sul.

Passaram-se só dois dias e começou a guerra. Taiwan, como nação tinha sumido do mapa e a Coréia do Sul, vencida, foi incorporada ao Norte. Os irmãos, os estudiosos relembravam a profecia, eram donos de um poder ainda maior.

Mostrar aos líderes do Ocidente essa capacidade não foi nada simples. Depois de muita insistência, enviaram uma equipe inglesa de especialistas da paranormalidade ao Instituto. A chegada dos visitantes se deu no mesmo dia do discurso de Putin, sofrendo terríveis pressões desde que perdera a guerra para a Ucrânia. Com o poder balançando, não teve alternativa senão falar aos russos, não só para se defender, como também para mostrar que o velho e duro Putin, apesar do AVC, estava firme. A desculpa dada para o discurso foi a de que precisava preparar os compatriotas para os tempos brutos de privação que se avizinhavam.

Nem bem começara a falar quando os irmãos se agitaram gritando ao mesmo tempo

– Ele vai jogar bombas em Londres e duas cidades da França que ainda não decidiu quais serão.

Ainda naquela noite Londres, Lion e Marselha sofriam os terríveis efeitos de bombas uma centena de vezes mais potentes do que aquelas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.

Os siameses eram uma arma incrível e, apesar do sigilo absoluto, não se podia correr riscos com eles. A Noruega, país pequeno, pacífico e pouco militarizado não era um bom lugar para eles. Era preciso retirá-los rápido de lá. Uma operação secreta, cercada de mil cuidados, foi montada e Martim e Malcolm levados para Bletchley.

Na Inglaterra, os irmãos não eram mais acompanhados pelos cientistas. Militares dos serviços de inteligência aliados tomaram a primazia e se revezavam com eles. Tratados como soldados lhes era cobrada a disciplina e sentiram demais as mudanças. Eles que viam o que lhes acontecia como diversão, agora trabalhavam duro e por muitas horas. A nova tarefa era a de assistir, inúmeras vezes, os mesmos vídeos buscando informações sobre o funcionamento das suas mentes.

A guerra, tal como fogo se alastrando no mato seco, se fez total. Os mortos já eram contatos em centenas de milhões quando a internet apagou e o mundo se viu perdido no escuro da desinformação.

Armas e tecnologias que nunca se pensou que os chineses tivessem e dominassem, assombravam ao serem utilizadas nas batalhas. O arsenal atômico do mundo, logo se viu também, era muito maior do que os acordos de regulação de armas e desarmamento, preconizavam.

A pressão terrível exercida pelos militares, fez com que a temperatura do conflito entre Malcolm e Martim escalasse ao ponto próximo da fervura. Exigiam uma mulher e Martim queria exatamente uma que estava distante. A norueguesa que considerava amiga. Mas as regras eram claras. Ninguém podia vir de fora, muito menos prostitutas. Estavam em guerra pela liberdade e o esforço exigia sacrifícios de todos. “Aquela não era, definitivamente, a hora de foder”, afirmou em tom de ordem do dia o general francês que liderava o grupo naquela tarde.

Avançavam na noite e Martim se desesperava gemendo como criancinha abandonada a chamar pela mãe. De repente, a mão esquerda puxou do coldre a automática do Coronel Hanley Saunders, o americano sentado ao seu lado. Virou o cano contra o peito e atirou. O irmão só teve tempo de perguntar bem no ouvido, baixinho e parecendo sorrir:

– Você apronta todas, não é, Martim?

 Livres, os siameses voavam ao encontro de Kauane.

Sobre Fabio Baptista

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25 comentários em “Siameses (Bruna Francielle, Rubem Cabral e Fernando Cyrino)

  1. Fabio D'Oliveira
    30 de setembro de 2024
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas!

    Dessa vez farei uma avaliação mais pessoal, apontando o impacto do conto em mim.

    Que viagem foi essa? HAHAHAHAHAHAHA. De certa forma, adorei a ousadia dos autores e a forma como conduziram a trama. Admito que é um conto que não tem tanta coesão, mas a loucura de cada autor funcionou bem. O tom macabro do início se manteve até o início da terceira parte, apesar do segundo autor tentar inclinar o conto para um caminho diferente do sugerido inicialmente. Apesar da terceira parte perder o tom macabro e pular para a política e para uma situação numa escala bem maior, ele tocou fogo no parquinho, o que adoro.

    E viva o caos! Esse vai ser dez, pra mim, apenas pela ousadia e criatividade loucona, HAHAHAHAHA.

  2. Renato Puliafico da Silva
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Renato Puliafico da Silva

    A história começa com o nascimento de dois irmãos siameses que dividiam um corpo e que precisavam sempre estar em acordo para realizarem seus atos.  Durante a narrativa, é nítido o caminho para a autodestruição de ambos por conta do uso de drogas e até mesmo pela violência praticada um contra o outro. No entanto, a história começa a tomar rumos estranhos. Os irmãos são aprisionados em um experimento, nisso eles se mostram grande gênios (???). Por fim, foram para a Noruega, se envolveram em um conflito mundial e, por fim, um dos irmãos se matou e levou o outro junto.
    Por mais bizarra e desconexa que pareça esta história, eu gostei. Achei bizarra, mas divertida. Eu gosto de umas “bobeiras” desse tipo. Em relação à originalidade, não teria mesmo o que reclamar.
    Pra falar a verdade, esse início na Cracolândia não me agradou muito. Eu não gosto muito de histórias ambientadas nesses ambientes, já basta ver isso toda vez que vou ao centro de Campinas e São Paulo. Mas o lance deles serem “geniais”, aí forçou também.
    O conto pode não ser uma obra-prima e ter sérios problemas de coesão, mas no quesito “divertimento”, valeu a pena ler.

  3. Sílvio Vinhal
    21 de setembro de 2024
    Avatar de Sílvio Vinhal

    Reconheço que houve um esforço de escrita e, talvez, até de manter alguma coerência num conto que se alongou e se mimetizou à medida que mudava de mãos.
    Não bastava o mundo cão, era preciso meter mais fundo o dedo na ferida e partir para um envolvimento com cientistas controladores e militares interessados em transformar “talento” em arma de guerra.
    Ok. Siameses acabou se tornando mais uma vítima do desafio Frankenstein. Passou com louvor.
    Parabéns pela participação no desafio. Desejo sorte!

  4. Priscila Pereira
    19 de setembro de 2024
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, autores! Tudo bem com vocês?
    Começo: Interessante e inusitado. Bem mundo real e cruel. Narrativa pé no chão. Os irmãos foram bem retratados, mostrando as inclinações de cada um e pelo que eram movidos.
    Meio: Imagino que começou com o instituto, uma ideia inovadora que acredito que não passava pela cabeça do primeiro autor. De qualquer forma o enredo foi bem conduzido, e tudo parecia coerente, dentro da trama da segunda parte.
    Final: Aí o autor aumentou a expectativa e já pegou o gancho levemente megalomaníaco do segundo autor e extrapolou de vez. E os gêmeos ganharam super inteligência (tá, ok), e depois superpoderes (o quê??)!! Apesar de tudo o final foi diferente do que eu imaginava.. um suicídio meio eutanásia…
    Coesão: Não vi muita diferença de estilo mas muita diferença de narrativa!
    Visão grande: foi uma leitura dinâmica que foi aos poucos perdendo a narrativa pé no chão e foi crescendo até o caos absoluto com previsões sinistras do futuro do planeta.
    Parabéns aos autores!
    Boa sorte no desafio!
    Até mais!

  5. vlaferrari
    19 de setembro de 2024
    Avatar de vlaferrari

    Tive de voltar até o ponto do ataque à menina no ponto de ônibus. “Não teve chance de se defender quando uma pedrada na cabeça a atingiu em cheio” é uma composição estranha. Ficaria mais clara com “Foi atingida em cheio na cabeça, por uma pedra, sem chances de se defender”, ou algo do tipo. Tão estranho como o texto todo em si. Particularmente, não vejo um ser humano normal fumando crack por toda a sua vida. Ok, é fantasia, releve. Não. Tudo tem limites. No caso, não tem. É nessas horas que uma frase muito em voga no final dos anos 80 aqui na minha cidade, se faz “apropriada”: parece que bebe!Porque ao beber, a verdade aparece e nesse caso, o autor/autora 1 viu o futuro (do conto) e soltou a bomba atômica na mão do autor/autora 2, que resolveu esfaquear o autor/autora 3 kkkk Ou algo assim.

  6. Victor Viegas
    18 de setembro de 2024
    Avatar de Victor Viegas

    Olá, Frankensteiners!

    ✨ Destaque: “Logo na saída do hospital ambos estavam desesperados para cheirar alguma coisa”

    📚 Resumo:  E é nessa cheiração lascada que inicia a trajetória de Malcolm (X ?) e Martim. Filhos de Kauane, os siameses cresceram nas ruas com uma mão na frente e outra atrás, e faziam pequenos roubos para trocar pela cheiradinha de uns, digamos, ilícitos. As caras pareciam ser mais assustadoras que mãe descobrindo suas fotos no celular e, embora os siameses fossem igualmente a mistura de cruz-credo e sangue de Cristo tem poder, as personalidades eram diferentes, com Martim sendo aquele que não conseguia controlar o siricutico pela pedrinha mágica. 

    Descobertos pela Dra. Maria Schwanstein, que, cá entre nós, não parece ser a das mais boazinhas, os gêmeos foram abduzidos contra a própria vontade, mas deram o braço a torcer e fizeram o tratamento até a sua libertação. Mas o tremelique pelo crack foi mais forte e eles voltaram às drogas para tentar acalmar o faniquito. Presos, eles voltaram ao instituto. Lá eles se desenvolveram e foram para a Noruega. Poderiam ser grandes gênios, porém a relação conflituosa dos siameses era muito forte e só sossegavam na base de uma metelança desenfreada.

    Num frio de grudar as aguinhas do olho mais forte que Super Bonder, os cientistas descobriram um poder dos gêmeos: não eram só feios, eles também previam o futuro, explosões, o apocalipse e o escambau. O conflito externo estava aumentando na mesma intensidade dos desentendimentos dos siameses. No final, Malcom aponta a arma e acaba com toda a pressão que sofriam, sendo levados ao encontro da mãe.

    🗣️ Comentário: Acho que é melhor falar sobre… Não. Eu entendi que… Na verdade, texto está tão confuso que não sei nem por onde começar. Primeiramente, que jabirosca medonha foi essa que eu acabei de ler?? Não me levem a mal, o texto seria incrível se fossem três estórias diferentes sem relação entre si. O conto parece levar o título a sério e emendou, na base da força, três rumos que não têm ligação nenhuma. Ficou pobre, artificial e ilógico.

    O conto possui muitos elementos que não são desenvolvidos. A mãe, embora presente no começo, poderia aparecer como um contraponto à tragédia que os siameses estavam vivendo, alguma forma de flashback para poder justificar a falta dela escrita no final. Ficou sem nexo. 

    A doutora queria tratar os gêmeos, os obrigou a entrar no instituto para depois soltá-los e prendê-los novamente. Qual a importância da primeira prisão? Se foi à força não é caridade, se não foi caridade não teve o porquê de soltar sem as habilidades, como citadas por outros internos. E eu nem vou me atentar ao fato deles terem assinado um termo de compromisso estando, aparentemente, dopados. Posso ter entendido errado, mas soou irreal demais. Qual a função da doutora? Levá-los para Noruega?

    Do nada a doutora aparece com câncer e, sem explicação, ela simplesmente morre. Que? A sequência de eventos é muito frenética, com pouco desenvolvimento e não lembra em nada o começo dos gêmeos na Cracolândia, que eu imagino que era onde a estória seria desenvolvida. A segunda parte até seria possível aguentar, se fizesse sentido, mas a terceira eu só lamento. Mas, o que mais me irritou, mesmo, foi a doutora chamada Maria Schwanstein (o sobrenome podia ser mais fácil, hein!) falar que Joberson e Deolaine são nomes quase impronunciáveis. Ah! Faça-me o favor…

    💬.Considerações finais: Este conto é a verdadeira essência de um Pinscher com seus 50% de tremelique e os outros 50% no puro suco do ódio. Sentimento esse que o leitor também compartilha no decorrer do texto. Parabéns pelo Frankenstein e boa sorte!

  7. Luis Guilherme Banzi Florido
    18 de setembro de 2024
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Olá, autores! Tudo bem? Primeiramente, parabéns pela participação num desafio tão dificil e maluco quanto esse!

    Início: muito bom! gêmeos siameses assassinos estupradores malucos renegados pela sociedade, ufa. Quantas possibilidades! O que teremos? Um terror (espero que sim!), uma discussão social sobre oportunidades e injustiça social? Tô ansioso pra ver o que vem. Ah, essa parte também tá muito bem escrita e gostosa de ler. Queria ter pego esse pra continuar.

    Meio: aqui, acontece uma mudança bastante acentuada. De repente, temos o instituto, os estudos, as motivações científicas (ou apenas ganaciosas)… não considero que foi uma mudança ruim, mas foi inesperada. Eu realmente queria um terrorzinho pra chamar de meu, mas uma boa FC também é sempre bem vindo, vamos ver o que vem pela frente. Ah, também muito bem escrito, e, tirando o enredo, a coesão na escrita é boa.

    Fim: Uau! hahahahaha. Olha, vou te dizer que eu não achei completamente ruim essa parte, mas não dá pra negar que o nível cai muito, especialmente em relação à parte 1. Não sei se foi uma escolha muito acertada transformar os dois em heróis de guerra meio X-men. Pelo menos não com tao poucas palavras. Ficou bastante destoante e corrido, e o final não impactou nem teve clímax. É uma pena, pois sinto que o autor teve a intenção de surpreender, o que costuma ser bem vindo, mas nesse caso deixou um gosto amargo na boca.

    Coesão entre os autores: o autor 1 é a cabeça esquerda, o autor dois é a cabeça direita. Os dois são bem diferentes, mas funcionam bem até certo ponto. O autor 3 é uma cabecinha minúscula e maligna, que apareceu de repente nas costas dos rapazes, e que fica sussurando obscenidades e predizendo o apocalipse. Em outras palavras: na transição entre o autor 1 e 2, ainda que haja uma guinada um tanto acentuada, ainda dá pra aceitar e manter um certo interesse e curiosidade. Porém, infelizmente, a parte 3 é bastante diferente e leva pra caminhos que não funcionaram bem.

    Nota final: razoável.

  8. claudiaangst
    18 de setembro de 2024
    Avatar de claudiaangst

    Meus cumprimentos e vamos ao que interessa.

    Neste desafio, usarei o sistema TÁ FEITO para avaliação de cada conto.

    ◊ Título = SIAMESES – Gêmeos xifópagos?

    ◊ Amálgama = Pela escolha dos(as) autores(as), dá para perceber a troca de caneta (ou de teclado). Não estavam muito a fim de fazer o trabalho em grupo, né, amiguinhos?

    ◊ Fins = Os fins justificam os meios? Talvez… E a ordem dos fatores altera o produto? Permita-me começar pelo fim, observando o impacto causado na leitura.

    O desfecho parece ter sido escolhido para causar impacto, mas me soou um tanto estranho, fora do lugar. A terceira parte do conto muda todo o contexto anterior, o conflito parece ser levado às últimas consequências, mas em outro cenário (mundial?). Achei muito complexo e caótico, mas pode ter sido incompetência de leitura mesmo.

    ◊ Entremeio = O (A) segundo(a) autor(a) apresentou um texto bem elaborado, com a inclusão de novos personagens. Parece ter desviado um pouco da proposta apresentada pelo(a) autor(a) 1.

    ◊ Início = Apresentação de um cenário caótico, o cotidiano dos excluídos (os gêmeos, a cracolândia), os vícios, os crimes, o mundo cão. Triste quadro, mas narrativa bem conduzida.

    ◊ Técnica e revisão = Narrativa feita em terceira pessoa, linguagem direta, às vezes cruel, mas bem construída.  Poucos deslizes no quesito revisão.  

    Era comum ouvirem essas frases. Já foram até […] > Era comum ouvirem essas frases. Já haviam sido até […]

    […]faces nada fotogênicas porém[…] > […]faces nada fotogênicas, porém[…]

    Tentou gritar mas […]> Tentou gritar, mas […]

    ◊ O que ficou = Uma sensação de peso, de desgraceira e ao mesmo tempo um gosto de humor negro. Não sei, fiquei confusa.

    Parabéns pela participação e boa sorte!

  9. Gustavo Araujo
    17 de setembro de 2024
    Avatar de Gustavo Araujo

    Honestamente, não sei como classificar este conto… Talvez seja o de coesão mais fraca entre todos os do desafio. Não só pelos estilos diferentes dos três autores, mas pelos rumos que a história toma de um para outro e para o seguinte. É um tanto frustrante, ainda mais quando se percebe que todos os três escrevem muito bem. Mas é evidente que faltou adequação com a proposta original.

    De início temos uma situação bizarra e muito interessante, dos irmãos siameses que na verdade dividem um só corpo. A narração aqui é crua, emulando muito bem a atmosfera de desespero e desamparo associada às cracolândias. Escravos do vício, arremedos de pessoas vivem para o momento, buscando pontos de fuga, cometendo delitos sem se importar com mais nada. Isso é muito bem descrito, culminando com uma cena de quase-estupro. Excelente material para o segundo ato.

    O autor seguinte, embora seja um dos mais hábeis em criar histórias, termina por dar ao drama dos irmãos outra pegada, mais científica talvez, no momento em que traz a lume o tal instituto Schweinstein e seus experimentos. O clima de sobrevivência urbana, que até então dominava a narração, se esvai, e a história pousa em personagens diversos, com uma pegada diferente. Os irmãos se tornam cobaias de uma série de experimentos. Como disse, bem escrito, interessante até, mas muito distante da proposta original. Seria uma fuga?

    Bem, de todo modo, caímos na terceira parte. E aqui o negócio degringola de vez. Acelerando a pegada científica, o terceiro autor chuta o pau da barraca. Todo o clima criado habilmente pelo primeiro se desfaz no momento em que os gêmeos tornam-se uma espécie de oráculo, uma arma de guerra disputada entre as nações mais poderosas da Terra. Parágrafos se sucedem a um fôlego só, sem sutileza, sem preparação alguma. É como se o autor quisesse se livrar de uma história cujo tema lhe desagrada. Enfim, não ficou legal.

    Creio que este conto tem bastante potencial — digo, a primeira parte. Espero que o autor original retome a ideia do início e desenvolva a partir daí, falando da vida como ela é, das dificuldades e dos dramas das pessoas comuns ou quase comuns, que se veem presas pelos braços invisíveis de um destino terrível.

    Por fim quero dizer que aprecio muito ficção científica e mesmo de temas que tocam o panorama político mundial, mas não creio que falar desses assuntos neste conto tenha sido a saída mais interessante. Não para mim, pelo menos. Acho que o grande objetivo da literatura — para além de entreter, é provocar reflexões. Este conto tinha um grande potencial para isso. Pena que essa expectativa não se concretizou.

    Em suma, apesar de tecnicamente muito bom, o conto como um todo deixou bastante a desejar. De qualquer forma, parabenizo os autores de desejo boa sorte no desafio.

  10. Leo Jardim
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Leo Jardim

    🗒 Resumo: dois gêmeos siameses dividem um corpo com duas cabeças. Abandonados nas ruas, viciados em crack, roubam para se drogar. São escolhidos como caso de exemplo de uma clínica de tratamento de drogados. Não deu certo por muito tempo até que começou a dar e viraram gênios que previam o futuro e generais de uma terceira guerra mundial. 

    📜 Trama (⭐⭐▫▫▫): difícil até de resumir essa escalada. O conto muda completamente duas vezes. De um estudo de personagens crackudos e párias, o conto vai para a recuperação deles. Apesar de ser uma mudança brusca de narrativa e tom, eu aceitei e achei que ficou bom. Mas quando eles do nada se mostram com vontade de prosperar, viram superdotados, começam a prever o futuro, ficou ruim de engolir. Além disso, a narrativa, que os acompanhava bem de perto, vai cada vez mais se distanciando deles para, no terceiro ato, virar uma página da Wikipedia sobre os dois, de tão distante dos fatos que ficou. 

    📝 Técnica (⭐⭐⭐▫▫): embora haja uma mudança de tom e de estilo da narrativa, os três autores fizeram um bom trabalho na parte da escrita. Em nenhum momento o conto trava ou confunde. 

    ▪ era capaz de Malcolm ter sido bem sucedido em *arranjar* uma parte do braço esquerdo (arrancar?)

    🧵 Coesão (▫▫): achei a pior que li até agora. O conto parece feito por trigêmeos siameses, que compartilharam a escrita, mas que brigaram pelo resto. Parecem três contos distintos sobre os mesmos personagens. 

    💡 Criatividade (⭐⭐▫): a premissa é criativa e até o desenvolvimento e o fim não perdem muitos pontos nesse quesito. 

    🎭 Impacto (⭐⭐▫▫▫): já ficou óbvio até aqui que não curti nem um pouco a conclusão do conto, mas o principal motivo é que contou muito e mostrou quase nada. No fim, tentou dar um encerramento, mas estava há tanto tempo só ouvido falar dos protagonistas, que mal os conhecia quando morreram.

  11. Jorge Santos
    15 de setembro de 2024
    Avatar de Jorge Santos

    Olá, trio.

    Ainda não li todos os textos deste desafio, mas parece-me ser um dos mais fortes. Creio que não cumpriu a ideia inicial, que deveria ter sido uma viagem pelo submundo feita por irmãos siameses. Uma premissa já de si interessante. O segundo autor, no entanto, deve ter considerado que isso seria um clichê e mudou o sentido do texto, encerrando os irmãos num instituto. Passa o tempo e os dois irmãos tornam-se conhecidos pelos poderes de previsão. No final surge um clima de confronto entre os dois (que poderia ter sido melhor explorado ao longo do texto) que termina da pior forma.

    Em termos de coerência da narrativa nas suas três partes, creio não ter sido bem sucedida. Senti que estava a ler três histórias diferentes, o que não era o objetivo do desafio. Mesmo assim, não defrauda as expetativas do leitor pela diversidade de situações, prendendo-o ao texto e à conclusão.

  12. JP Felix da Costa
    12 de setembro de 2024
    Avatar de JP Felix da Costa

    Conclusão da leitura. Não gostei.

    A primeira parte tem uma tonalidade negra, podre, degradante. Apesar de não ser perfeita, é muito boa na criação de personagens e ambientes, e puxa-nos para um mundo de decadência total.

    na segunda parte achei muito interessante a criação de um mundo branco, limpo e asséptico, cheio de certezas e pessoas confiantes, que contrastava em pleno com o mundo cão da primeira parte. Os dois mundo cruzam-se e estavam lançadas as bases para o conflito entre os dois.

    Entra a terceira parte, vai tu às urtigas, e vamos escalar isto aos trambolhões para um conflito global. Percebi a ideia por trás do texto: a chegada dos gémeos a um patamar inimaginável, mas nada interessava para além de afogar o ganso. Achei é que foi muito mal executado. Muito apressado, tentando englobar uma vastidão que não cabia no escopo da história. O mesmo efeito podia ter sido alcançado mantendo a dimensão que a história trazia dos dois autores anteriores. Acredito que continuar este texto não era tarefa fácil, mas, no fundo, era essa a natureza do desafio.

  13. Fernando Cyrino
    10 de setembro de 2024
    Avatar de Fernando Cyrino

    Olá, amigos/amigas do desafio. Pois é, cá estou eu nessa viagem louca da Cracolândia (paulista?) até a Noruega tentando acompanhar os siameses. Caramba, muita loucura isso tudo. Conto-lhes que curti o conto. Os autores um e dois seguiram na mesma direção e o terceiro autor deu uma gingada, fingiu que levaria a bola para um lado e partiu para o outro e trouxe uma nova dimensão para a história. Eu confesso que isto me deixou meio atônito. Será que podia mudar assim a narrativa? Será que era realmente algo exigido que houvesse uma coesão total entre os autores? Ou a subversão seria bem-vinda? Bem, disso não tenho certezas, ou mesmo muito pouco eu sei. Só sei mesmo que a história mudou totalmente de figura. O que era uma criação mais intimista, mais para o lado pessoal do drama dos dois irmãos, foi crescendo, tornou-se enorme e no final se encontrava envolvida com super poderes numa grande guerra. Caramba, que viagem!!! No fritar dos ovos do jantar dos siameses, eu digo que gostei da história. Bem, é isto. Grande abraço aos autores e muito sucesso no desafio.

  14. André Lima
    9 de setembro de 2024
    Avatar de André Lima

    Bom, vamos lá. Eu devo ser LOUCO, devo ter tomado uma porra na cabeça ou devo estar sofrende algum transtorno mental, pois vou dizer o que ninguém mais disse: eu gostei do conto e gostei do final. E, acalmem-se, eu vou justificar!!!

    Primeiro, preciso frisar algo: o conto não é brilhante. Há alguns problemas de revisão, uma repetição de palavras na primeira parte e, principalmente, uma clara mudança de autoria. Foi abrupta, nem um pouco sutil. Há uma incongruência no início também: é dito que os gêmeos sofrem de hemorragia e por isso estão cansados, quase desmaiando. Mas poucas linhas depois já estão correndo e fazendo esforços físicos de alta intensidade.

    Agora, por que eu gostei, no fim das contas?

    Esse tipo de história é o chamado “narrativa em escala crescente”, onde um pequeno evento (ou personagem) vai escalando através da trama até tornar a própria narrativa em algo grandioso, muito maior do que se esperava. Há muuuuuitos escritores e poetas que utilizam esse artifício. O poeta americano Robert Frost é um deles. Aqui, temos um poema que foi escrito e musicado pelo Rogério Skylab que se chama “Mictório” que se assemelha MUITO com o estilo proposto aqui. Sugiro até que os autores o leiam.

    Dito isto, qual é o grande problema do conto e que, talvez por isso, não tenha capturado os outros leitores?

    Isso tudo não foi estabelecido com clareza durante a narrativa. Esse é o ponto. Claro, isso se dá por motivos óbvios: os 3 autores não sabem quem é quem e tampouco se comunicaram.

    As narrativas em escala crescente geralmente estão ligadas ou À Teoria do Caos ou com elementos fantásticos que justifiquem a escalada. Aqui temos um pouco dos dois, mas nada é muito claro. O texto não se propõe, DE FATO, a ter um elemento fantasioso que seja o propulsor da história. Inclusive, o tom imprimido no início é totalmente distoante dos demais.

    Por isso, Siameses não é um conto “ótimo” e com certeza vai fazer muita gente achar absurdo ou que “o final estragou tudo”. Não podemos culpar o leitor.

    Mas eu me esforcei e captei a intenção do último autor. E gostei! Para mim é o inverso do que vem sendo dito: o final elevou o conto.

    Mas… Talvez eu tenha batido a minha cabeça…

    • André Lima
      9 de setembro de 2024
      Avatar de André Lima

      porrada na cabeça***

      É. Agora o Thalles não perdoa.

  15. Thales Soares
    1 de setembro de 2024
    Avatar de Thales Soares

    Acredito que aqui aconteceu a maior destruição de conto que eu já presenciei neste desafio (e em todos os outros que foram e que virão). Li as duas primeiras partes hoje de tarde, e eu estava adorando. Me divertir verdadeiramente com os gêmeos Martim e Malcolm. Então eu dormi, e fiquei sonhando com o conto, na tentativa de imaginar o final… foi uma experiência bem divertida. No entanto, quando acordei, as coisas degringolaram por completo. Mas vamos falar por partes.

    No início da história vemos uma mulher bem gata que mora na Bahia e que todo mundo diz que ela deveria ser modelo. Ela resolve seguir esse sonho, e se mudar para São Paulo. Mas lá ela não consegue nada, e acaba se tornando uma cracuda. Ela então dá a luz a gêmeos siameses, e os bebês são cracudos também.

    Em seguida ela morre, e os siameses começam a roubar para poder comprar drogas e manter seu estilo de vida. Aqui a história mostra com maestria a dinâmica entre os dois irmãos. Me diverti como se eu estivesse assistindo a um episódio de Beaves and Butthead. Teve até um momento em que os dois começaram a lutar entre si, que me lembrou bastante uma cena em que o Jim Carry luta consigo mesmo no filme Eu, Eu mesmo e Irene. O conto não parecia ser de comédia, mas um humor bem dosado, singelo, estava permeando a narrativa, e fazendo um ótimo trabalho ao guiar o leitor.

    Então chegou o segundo autor, e continuou com a maestria do primeiro. Nem consegui perceber exatamente onde foi a mudança, mas acredito que tenha sido quando surgiu a personagem da doutora. Essa apresentação de personagem foi incrível, deixando o leitor bastante ansioso para o momento em que essa prestigiada doutora, com investidores noruegueses, tivesse o seu embate com os gêmeos mais porra loucas do mundo. A história estava com esse estilo de Sessão da Tarde. Os gêmeos então foram capturados de forma bastante divertida, e conheceram essa talentosa doutora.

    A partir daqui, eu comecei a gostar menos da história. Eu gostaria de ter visto mais sobre como foram os primeiros dias de desintoxicação dos gêmeos, vendo as crises de abstinência deles, e a forma agressiva e divertida como eles lidariam com a situação, tentando fugir, talvez. Mas então chegou o terceiro autor, e… bem, já sabemos o resultado.

    O maior ponto fraco da terceira parte é a mudança do escopo da história. Essa foi a falha gravíssima e imperdoável. Antes, tratando de uma história mais micro, no sentido de escopo, lidando com os gêmeos siameses e a vida descontraída deles. Depois, tudo passou para uma escola macro, com direito a super poderes e guerra mundial. Meu deus! Sinto como se o autor que finalizou a história não compreendeu nada a respeito da alma deste conto! Era uma história sobre um bizarro mais controlado, e não do tipo que a gente taca tudo no ventilador e olha o resultado. Mas enfim… voltando a falar sobre o principal erro, que foi a grave mudança de escopo… senti como se eu estivesse com uma lupa na mão, observando a vida cotidiana de formiguinhas… e de repente o terceiro autor jogou fora a minha lupa, e me deu um telescópio, e disse “Agora olhe as estrelas”. Definitivamente, não era o que eu, como leitor, queria. O que eu gostaria era que tudo continuasse com aquele estilo micro, com problemas mundanos, e não globais, e eu queria MUITO continuar observando o cotidiano daqueles gêmeos barra pesada.

    Outro problema da terceira parte foram os diálogo, que pararam de ser com “aspas”, e começaram a ser com “travessão”, tirando a coesão, e deixando visível a mudança de autoria da história.

    Enfim… na hora que acordei de minha soneca, senti como se eu estivesse lendo outra história, que não tinha nada a ver com a que eu estava lendo antes de começar a sonhar. Mesmo assim, achei que o terceiro autor escreve muito bem, e tem um pleno domínio da escrita… só falhou mesmo na hora de trabalhar em equipe.

    • Thales Soares
      1 de setembro de 2024
      Avatar de Thales Soares

      Gostaria de acrescentar que, apesar da minha revolta em meu comentário, eu não desgostei completamente deste conto. Apesar das minhas fortes ressalvar, acabei me divertindo e ficando preso em diversos momentos. E também admiro a coragem do terceiro autor, em tentar fazer algo inovador e mais viajado… a intenção foi nobre, mas a execução, ao meu ver, não foi das melhores…

      De qualquer forma, boa sorte no desafio para vocês!

  16. Pedro Paulo
    1 de setembro de 2024
    Avatar de Pedro Paulo

    COMENTÁRIO: Um conto que se perdeu do meio para o fim. As duas primeiras seções me intrigaram o tanto quanto assombraram, com uma escrita competente que nos aclimata ao contexto bruto das ruas pelas quais andam e os personagens tão violentos quanto suas vidas os pressionam a ser. A transição para a segunda seção, já iniciada com uma célebre citação de Rosseau, tem um toque de ironia e já deixa prenunciado o conflito iminente entre sistema e homens, o que é aplicado pelo que imagino ser a segunda autoria, quando os dois são institucionalizados e o mesmo cinismo é mantido pela narrativa quando encontram a doutora e são apresentados aos caminhos sem escolha por onde devem trilhar, seu captor sugerindo “religião” como quem sugere pôr uma cereja no bolo. É daí que o texto degringola. A grande questão do texto, que empresta das palavras iluministas, é da origem do mal, fora ou dentro de nós, encontrado tanto nos gêmeos como no mundo em que vivem… por que aplicar o clichê de “armas secretas” e exportar essa trama para a geopolítica mundial? Vide que na primeira seção, os personagens são apresentados pelo que pensam, sentem e escolhem, a segunda transferindo essa abordagem mais intimista para a cientista… isso fica totalmente abandonado quando chegamos mais próximos do fim e os gêmeos são meramente mencionados em um contexto amplo que é diametralmente oposto ao cenário mais terreno e cotidiano da vida nas ruas… Este é um exemplo em que vejo que a terceira parte se desencontrou por completo das predecessoras.

  17. Antonio Stegues Batista
    29 de agosto de 2024
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    Não sei qual era a ideia do primeiro autor quando criou os siameses, se era terror, ficção científica, policial ou comédia. Bizarro e surreal. A palavra bizarro parece um insulto, mas tem vários significados, menos falta de respeito e desprezo. A partir do meio para o final, a narrativa começou a acelerar, introduzindo elementos aleatórios, mas com certa conexão com os siameses, mas deixando-os em segundo plano. A doutora Maria e seu projeto revolucionário, meio nebuloso, é abandonado e Maria some no limbo. Os noruegueses os levam para Trondheim e eles aparecem novamente desta vez com o dom da premonição, avisam que a Rússia vai dar inicio a terceira guerra mundial e é o que acontece, então, os siameses são considerados uma arma incrível e isso é incrível! Numa operação secreta eles são levados para a Inglaterra. São levados de um lado para outro afim de descobrir sua habilidades paranormais. Enquanto a Terceira Guerra Mundial começa, as duas cabeças só pensam em satisfazer os desejos da Terceira Cabeça. Achei uma história engraçada, surreal e vou dar uma boa nota.

  18. Leandro B.
    29 de agosto de 2024
    Avatar de leandrobarreiros

    Eu… o que?

    Não vou mentir, o resultado final me deixou completamente dividido. Mas antes disso, vamos por partes:

    Uma história brutal com uma pesada crítica social, misturando elementos de fantasia urbana e realismo fantástico. Vários temas sérios se cruzam aqui, desde o sempre polêmico aborto, até o abandono social e a exploração dos invisíveis, que só existem quando podem ser explorados.

    A história problematiza a origem do “mau” e a faz de maneira brutal e muito bem escrita e criativa. Os personagens e os conflitos são bem estruturados. Não tenho nada além de elogios aqui.

    Seguimos para a segunda parte, que explora uma nova personagem a doutora Maria. O autor tenta manter a pegada do original e o faz de maneira mais do que satisfatória. Eu gostei da introdução da médica e do instituto, contudo, poucos parágrafos depois senti que as coisas ficaram um pouco caricatas demais. No que diz respeito a construção de cenas, contudo, este autor foi muito bem.

    Imagino que, como muitos outros autores, incluindo eu mesmo, o autor da segunda parte teve dificuldade em equilibrar a história mas fez um trabalho sóbrio e lançou as ideias para o arremate final.

    E então veio a terceira parte.

    Como disse acima, admito que estou completamente dividido. Por um lado, houve quebra tanto de estilo quanto de enredo e isso certamente vai afetar duramente minha nota do conto. Por outro lado, achei o final engraçado demais e li avidamente para saber onde essa história maluca estava indo. O final me fez rir, e não digo isso para diminuir o autor. Literalmente me fez rir sozinho. Mas não sei se era isso que o autor estava mirando.

    Eu realmente não sei especialmente porque o final, apesar de completamente nonsense e deslocado da proposta original está bem escrito. Então não parece que foi um amador que escreveu.

    Se o efeito cômico não era o esperado, aqui está minha sugestão para o terceiro autor:

    cuidado para não extrapolar os limites de palavras de um conto, especialmente em desafio. Parte das dificuldades que temos que lidar como autores está em tornar uma história interessante ainda que os riscos não alcancem escala global.

    A impressão que eu fiquei (de novo se a tentativa estava no drama e não na comédia) foi que o terceiro autor pensou na história como um triologia de 400 páginas cada livro, escreveu não a história, mas o outline e postou aqui.

    Em suma, ao invés de criar as cenas, apenas apresentou o que aconteceria nessas cenas, indicando um mapa de história mais ou menos elaborado.

    Eu vejo isso acontecer muito com autores iniciantes. Contudo, como já disse, esse outline está bem escrito então não sei se é, de fato um autor iniciante, ou alguém que mirou na comédia.

    Porém, contudo, entretanto, não da pra ignorar que a história seguia um rumo que foi completamente modificado. Então eu certamente vou dar um pontinho extra pelo entretenimento, mas preciso punir essa quebra.

    • Leandro B.
      29 de agosto de 2024
      Avatar de leandrobarreiros

      “homem mau”

  19. rubem cabral
    29 de agosto de 2024
    Avatar de rubem cabral
    • Enredo: melhor dividir em partes aqui. A 1a é bastante boa, introduz os personagens gêmeos siameses que cresceram na Cracolândia, sobrevivendo de roubos para sustentarem seu vício. Os personagens são amorais e apenas querem sobreviver. A 2a é muito boa também, com uma virada com a captura dos rapazes numa clínica suspeita, onde a exposição midiática é o mais importante e a Dra. Maria é uma vilã interessante. A 3a parte, infelizmente, é louca demais. Os rapazes se mostram superdotados e com poderes paranormais “do nada”, ainda temos uma 3a guerra mundial e o final é decepcionante.
    • Escrita: Os 3 autores escrevem bem. O 1o é mais cru e direto, o 2o é um pouco mais sofisticado e o 3o manteve o bom nível de escrita.
    • Personagens: muito bons na 1a e 2a parte do conto. a 3a parte é corrida, mata a Dra. Maria e “somem” com o turco, alguns personagens terciários só são citados, feito o general francês sem nome.
    • Coesão: a 1a e a 2a parte, embora com algumas diferenças de estilo, foram razoavelmente coesas. A 3a é uma corrida que atira para todos os lados, infelizmente.
  20. Fabio Baptista
    28 de agosto de 2024
    Avatar de Fabio Baptista

    X Sensação após a leitura: Que final horrível, Santa mãe do céu…

    X Alguns pontos para uma revisão mais atenta:

    Não encontrei erros, erros… mas, principalmente na primeira parte, tem frases que poderiam ser melhor estruturadas. Destaco a seguinte:
    x pegaram a maior pedra que encontraram. A menor não havia se dado conta da presença
    Foi uma má escolha chamar garota de “a menor” logo depois de se referenciar a uma pedra como “maior”. Porque a primeira interpretação era de que uma outra pedra não havia se dado conta da presença… Sim, é rápido pra entender o sentido correto, mas essa “paradinha” que o cérebro precisa fazer quebra o ritmo da leitura e a imersão. Detalhes…

    X Conclusões:
    Durante a leitura e releitura, fiquei pensando em algumas coisas…
    A primeira parte me levou a pensar “o que é escrever bem?” O texto está longe dos padrões que eu considero uma boa escrita, linguagem crua, escolha estranha de palavras em algumas frases, sem metáforas, sem tiradas, recorrendo a chavões tipo “afogar o ganso”. Ao mesmo tempo, essa simplicidade/simploriedade acabam contribundo para prender a atenção, a focar na história que inegavelmente é interessante. Os simaeses é/são ótimos personagens. O mundo cão é descrito sem pudores, sem politicamente corretos. O mundo é o que é. Excelente nesse ponto.

    A segunda parte me lembrou o que é um texto bem escrito. Tudo flui melhor aqui, os personagens e acontecimentos são bem mais nítidos. Eu preferiria, acho, ter visto essa escrita continuando o mundo cão, das desventuras dos gêmeos nos becos e sarjetas. Mas entendo a escolha. Dois ótimos personagens foram incluídos na trama, a dra. e o turco. Fugiu da proposta incial, mas ofereceu todos os elementos para um desfecho, seja ele de redenção, perdição, tragédia…

    Daí, veio a terceira parte.

    Quando pensei no formato do desafio, uma das coisas que imaginei “desafiantes” seria que os autores tentassem emular os estilos anteriores. Não só os estilos, mas, principalmente talvez, tentar continuar o raciocínio dos colegas, entender os personagens que foram criados, os dilemas, conflitos… esse desfecho foi na direção totalmente oposta a isso. Se a competição fosse de quem subverte mais a história original, esse conto estaria nas cabeças (sem trocadilho com o protagonista). Mas, não era…

    Da cracolândia pra guerra mundial? Voltando pra mãe desparecida há mili duque? (gíria que provavelmente os gêmeos usavam). Santa mãe do céu…

    É uma pena para os dois primeiros autores, mas a nota é para o conto como um todo… e a última impressão é a que pesa mais, não tem jeito.

    RUIM

  21. Kelly Hatanaka
    27 de agosto de 2024
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Olá, caro colega entrecontista!

    Primeiramente, parabéns pela participação corajosa e desapegada.

    Vou avaliar e comentar de acordo com meu gosto, não tem muito jeito, afinal não tenho conhecimento nem competência para avaliar de forma mais “técnica”. Ou seja, vou avaliar como leitora mesmo. Primeiro, cada parte separadamente, valendo 1 ponto cada. Depois, a integridade do resultado, valendo 3 e, por último, o impacto da leitura, valendo 4.

    Começo

    Um começo bem mundo cão e uma escrita cheia de personalidade. Os gêmeos sobrevivem como por milagre e vivem como podem. Gostei desta ambientação crua, da violência explícita, tudo muito claro e direto.

    Meio

    O ambiente muda, e a violência não é mais tão direta. Agora ela é cínica, na figura da dra. Maria e do Turco. O segundo autor criou um bom conflito. Agora uma “benfeitora” de araque resolve usar os siameses para provar que seus métodos funcionam. Gostei deste andamento, achei que tinha caldo aqui pra fazer uma boa história.

    Fim

    Aqui houve uma quebra abrupta no estilo. As coisas ficaram mais explicadinhas e a violência se diluiu. Além disso, do nada, os gêmeos se mostram super talentosos para idiomas e para identificar mentiras, fazem previsões. De onde veio isso? Quando isso acontece em um filme, como Identidade Bourne, por exemplo, eu fico intrigada para entender de onde veio isso. No caso de Identidade Bourne, faz parte do treinamento desumano dos agentes. No caso dos gêmeos, que vimos nascer, a coisa fica largada. Foi um efeito colateral do crack? Mandem o professor Xavier para a Cracolândia, urgente. E o final, com os militares e Martim se matando me pareceu um final… preguiçoso (desculpe, mas me pareceu). Tipo, e agora, faço o que? Ah, sei lá, o cara se mata e pronto.

    Coesão

    O começo e o meio foram bem integrados, pareciam escritos pela mesma pessoa. A terceira parte destoou um bocado.

    Impacto

    O começo foi muito impactante, mas a força foi se diluindo, foi minha impressão. Começou com a porrada de um mundo cão e terminou com um Deus Ex-Machina e uma saída apressada.

  22. Fabiano Dexter
    26 de agosto de 2024
    Avatar de Fabiano Dexter

    Primeiramente digo que gostei do Conto, mas achei a ideia original mais brutal, direta, e isso acabou se perdendo ao longo do Conto. O que iniciou como uma fantasia urbana acabou virando ficção cientifica e acho que a história acabou se perdendo um pouco. (Não que dar continuidade ao que foi escrito inicialmente fosse fácil, longe disso)

    Com essas quebras a história acabou ficando um pouco confusa e cada vez mais corrida. No inicio era o dia-a-dia na rua, enquanto rapidamente não apenas a história mas o ritma da narrativa também foi se alterando e aquela linha do que iria acontecer com os irmãos cresceu, pelo menos para mim, se perdeu um pouco.

    A ideia de se justificar a possibilidade deles viverem com a existência de um terceiro pulmão foi bem bolada, assim como a ideia de uma internação compulsória para o tratamento em uma instituição, digamos, suspeita. Visitas de Oslo canceladas, um projeto que não ia bem, a história caminhava para longe das ruas mas ainda algo mais bruto, físico. O final do Conto deixou essa ideia um pouco de lado na ânsia de dar um fim a uma história complexa e acabou se perdendo um pouco. Inclusive ao final, ao citar o nome da mãe dos meninos, que eles mal conheceram. Não vi sentido nesse encontro póstumo.

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Publicado às 30 de junho de 2024 por em Começo, meio e fim e marcado , , .