
A existência, como existência, era questionável. Fisicamente, existia, mas não da forma como deveria. E a forma, como forma, também era questionável. Não pensava. Mas a consciência estava lá, rondando, ciente da amorfia em que se encontrava, buscando em sensações a gana para continuar um, para continuar a ser. Para continuar ser.
E as sensações impediam que a lógica ditasse o caminho ao rumo mais fácil. Para a desistência, o fraquejar, que fizesse com que todo o aramado de nervos, expostos às luzes exploratórias daquela máquina biológica intricada, sucumbisse ao alheamento. Não, ele permaneceria ele, e era essa a sensação que o mantinha ao redor, rondando os equipamentos alienígenas que pulsavam em cores indescritíveis. E o dispositivo nunca cessava, sempre puxando pelos extremos cada nervo e átomo de sua matéria, coletando, analisando e registrando.
Era impossível precisar o lapso de tempo desde que olhara para cima, naquele facho de luz pálida que o seduzira e o encantara com vozes retumbantes e metratônicas, e o levantara como se seu corpo não pesasse mais do que alguns gramas de açúcar trefilado. Mas sabia, desde aquele momento, que os visitantes o haviam convidado para um passeio para o qual não tinham intenção de se apressar, de modo que assim que suas roupas foram retiradas por dedos longuíssimos, carregadas e guardadas por ventosas cefalópodes, e fora convidado a se recostar em uma espécie de poltrona extremamente confortável, tivera a certeza de que só voltaria a ver sua camisa de flores, a calça de brim com bocas de sino, os colares de concha, e o violão, quando a curiosidade de seus anfitriões estivesse sanada.
E agora, tendo a sensação que estava espalhado além daquela poltrona, ocupando diversos outros receptáculos da curiosidade forasteira, desconstruído, fragmentado, ele quase sentia o fim próximo. Que a exploração havia chegado ao ápice, e o próximo passo seria o dissipar daquela quase consciência, ou o retorno ao princípio, como num círculo mitológico. Um ciclo que se fecha e outro com potencial de se abrir. Talvez fim, talvez recomeço.
E, não muito depois, aconteceu. Todo aquele estiramento de ligamentos e tendões foi retrocedendo às suas posições originais. Alguns metros de intestino foram se encaracolando num espaço miraculoso. Nervos óticos puxavam devagar as duas pelotas delicadas para dentro de uma cabeça que se recompunha de peles e pelos, encaixando-as em suas cavidades com dois sonoros plops melequentos. Sinapses reconstruídas começavam a pulsar energia e alimentar a massa cinzenta. O cérebro zumbia de eletricidade, e logo passou a registrar sensações em formato de memória. E a primeira delas foi a de areia úmida entre os dedos.
Jonas abriu os olhos e viu a lua, enorme e linda. Ouviu o mar noturno, cuja maré, regida pelo satélite, avançava continente adentro, buscando os pés descalços do jovem cabeludo deitado na areia. O violão, mais próximo do atrevimento das ondas, ora boiava, ora encalhava, mas sempre se adiantando um pouco mais, fugitivo, em direção ao oceano. O calor era intenso, e o vento era fresco. E tudo, a não ser a falta de um céu mais estrelado do que aquele que via, parecia exatamente idêntico ao do momento em que tinha se sentado naquela praia para contemplar a poder da natureza, espairecer e meditar. O que, invariavelmente, envolvia alguma celebração violonística aos seus heróis tropicalistas e alguma maconha.
Com alguns vislumbres de memórias estranhas, envolvendo máquinas absurdas, voos espaciais e criaturas improváveis, Jonas sentou-se cruzando as pernas e limpou as mãos da areia no jeans das pernas. Viu o violão boiar incauto, mas duvidou de sua capacidade de fugir mar adentro. Procurou nos bolsos o isqueiro e os cigarros improvisados com o produto herbáceo barato que havia adquirido pouco antes de seu passeio litorâneo, e suspirou aliviado ao notar que estavam todos lá, amassados, e algo úmidos, no bolso de trás da calça, junto com o restinho de seu dinheiro. Olhou ao redor e não viu absolutamente ninguém. Nem mesmo a nave espacial excêntrica de aparência cachalotesca que rondava o céu atrás das poucas nuvens disponíveis, e cujos ocupantes aguardavam a ver se aquele espécime que haviam devolvido ao habitat natural reagiria positivamente à reintrodução.
Acendendo um dos cigarros malcheirosos, mas bem-intencionados, como gostava de dizer, Jonas levantou-se com alguma dificuldade. De pé, espreguiçou-se como recém acordado de um sono de muitos e muitos anos. As memórias estranhas ainda indo e vindo em forma de mosaico. Assoviou baixinho.
– Mas que viagem, meu…
Começou a caminhar pela praia, capturando no meio do caminho o violão fugitivo, na direção que pareceu mais lógica, confiando no instinto, na memória dos músculos e na inspiração do bagulho. A nave zarpou no sentido contrário.
* * *
Jonas não precisou de muito caminhar para encontrar civilização. Ao longe avistou alguns barcos de pesca na areia, redes esticadas sobre grandes estacas de madeira, e o que parecia uma vila de pescadores muito bem-sucedidos, já que todas as casas pareciam ser feitas de telhas e tijolos, ao contrário das de sapé e barro que estava acostumado a perceber naquela região.
Conforme foi se aproximando, ficou surpreso ao notar um garoto, sentado na varanda de uma das casas, realmente muito interessado em algo que fazia numa calculadora. Era noite, e o moleque estava lá, aparentemente estudando matemática com aquela máquina brilhante. E ele se divertia com as contas, pois olhava fixamente, e ria, e teclava, somava, e ria de novo. Devia ser um gênio dos cálculos, pensou.
Mais à frente viu a movimentação familiar de um bar. E a sede de alguém que ficou anos sem beber algo o atingiu de uma vez, acabando com qualquer efeito que o tal cigarro bem-intencionado tinha lhe dado. E foi, então, se aconchegar entre os pescadores de peles curtidas e assadas pelo sol, com o cotovelo amparado pelo balcão de madeira maciça que já havia sido popa, pedindo um copo de água e uma pinga qualquer ao dono careca e bigodudo que, antes de servir qualquer coisa, olhou para a freguesia diária para saber se todos viam a mesma coisa que ele.
Ciente da estranheza que causara no ambiente do estabelecimento, Jonas tratou de se justificar. – Calma, meu, eu tenho dinheiro. – Então tirou do bolso algumas notas amassadas e colocou no balcão. – Não é muito, mas paga uma pinga e um pouquinho de água, não paga? Vocês tão grilados comigo?
O dono do bar pegou o dinheiro e viu as notas de dez cruzeiros. Amassadas, mas novas. Dois dos pescadores que também estavam no balcão viram as notas e não entenderam o que era aquilo.
– Isso é euro?
– Não, – disse o careca – isso aqui é cruzeiro. Rapaz, isso não vale mais desde os anos oitenta.
– Anos oitenta? Como assim, anos oitenta?
– Oxe, ele tá chapado, Bastião. Dá uma pinga pro cara e deixa ele seguir o caminho dele.
– Sempre aparece maconheiro perdido por aqui.
– Pessoal, olha essa nota aqui! Tá novinha. Tá amassada, mas tá novinha.
Jonas olhava para os pescadores sem entender direito o que acontecia. Eles não queriam aceitar o dinheiro, ou queriam aceitar o dinheiro? Bastião, o que tinha o poder de conceder as bebidas, parecia inclinado a aceitar.
– Moçada, o que vai ser? Vou ter a minha bebida?
Então o careca decidiu. Guardou o dinheiro numa gaveta, colocou uma garrafinha de plástico suada com água mineral gelada e outra grande, de vidro e pela metade, com pinga, no balcão.
– Aí está, moço. Pode levar, seja lá pra onde estiver indo.
O cabeludo pensou duas, três vezes, e aceitou as bebidas. Começou pela água. Fresca, rejuvenescedora, imputadora de intrepidez no caminhante. O meio litro desceu em pouco menos de um minuto, parte pela garganta, parte pela barba, pingando no chão de concreto queimado e escorrendo no peito magro, dentro da camisa florida.
Sorridente, Jonas devolveu a garrafinha ao balcão, pegou a de vidro e foi saindo do bar sob o olhar um tanto abismado do Bastião e dos pescadores.
– Pra que lado encontro uma estrada, bicho?
Bastião apenas apontou para a saída da vila, e Jonas seguiu caminhando, cantarolando algo que o dono do bar não compreendeu bem, mas versava sobre a geleia geral. Não conseguiu evitar de pensar que o rapaz não passava de um maluco beleza vindo do passado distante.
* * *
O sol já começava a despertar quando o ônibus escolar parou ao sinal do polegar de Jonas, parado na beira do asfalto. Barro e terra se desprendiam da lataria envelhecida e caíam de todas as partes do veículo. O som da porta abrindo poderia muito bem anunciar Vincent Price atrás dos vidros foscos pelo pó vermelho acumulado do trânsito na ruralidade da região, mas quem surgiu foi um motorista idoso e preto, que dispensou ao rapaz a mesma curiosidade que dispensaria a uma pedra.
– Vai pra onde, meu rei?
– Vou pra onde o senhor me deixar, bicho.
– Deixo a turma na cidade. Entra, acha um banco, mas tenta não acordar o pessoal.
Jonas se recostou logo na primeira fileira e a viagem recomeçou. Seus companheiros de trajeto, figuras diversas, vestidas como quem volta de um trabalho pesado, buscavam algum conforto nos bancos duros e no sacolejar do transporte. Alguns roncos, um cheiro forte de suor, mas era boa a sensação de estar entre seres humanos da maior autenticidade, exemplares dignos da massa brasileira.
– E esse violão aí? Você toca mesmo?
Duas fileiras atrás, um guri moreno de cabelo acinzentado, que não devia passar dos quinze anos, olhava fascinado para o instrumento.
– Bicho, é com ele que eu faço as minhas homenagens aos meus heróis nacionais. Que eu canto as mensagens de liberdade que eles criaram e que me guiam. Que me fazem quem sou.
O garoto não reagiu à declamação, mas olhava Jonas fixamente. Perscrutando, tentando encontrar uma resposta sem ter que fazer a pergunta. E, depois de alguns segundos de silêncio constrangedor, decidiu que não conseguiria.
– Você sabe cantar alguma do Safadão?
Mas antes que o embaraço tomasse conta e transformasse o rosto de Jonas em um misto de interrogação e exclamação, uma voz mais grave vinda de outro banco intrometeu-se na conversa.
– Oxe, filhote de Xibum, tá vendo não que o cabeludo aí é do rock? – Um negro mais velho, extremamente simpático, com um sorriso que ia de uma orelha à outra, acenava com a cabeça, concordando com a retórica de sua pergunta. – Toca um rock aí pra gente, toca? Sabe uma da Pitty?
– Posso tocar pra vocês um hino do meu guru, Gilberto Gil.
– O ex-ministro, né? Pode ser, toca aí.
– Não, não. Não. Não! Gilberto não foi ministro. Gilberto prega o amor e a liberdade! Ele é perseguido por ministros, isso sim.
– Oxe, precisa se avexar não. Mas foi ministro sim. Lulinha colocou ele lá, foi. Acho que no comecinho do século.
Jonas, então, não conseguia colocar o raciocínio em ordem. Anos oitenta. Gilberto Gil ministro, Pitty, Safadão. Comecinho de que século? O que não fazia sentido em tudo aquilo? Qual era a peça que estava fora do lugar? Numa das mãos segurava o violão pelo braço. Na outra a garrafa de pinga, já em seu final. O que é que estava acontecendo?
– Chegamos turma. Até amanhã!
O ônibus parou em uma rua pouco movimentada e os trabalhadores começaram a desembarcar. Poucos se interessaram pela figura desolada que desceu junto com eles, mas que ficou ali na calçada, sentada no meio fio, encarando o asfalto, tentando entender o erro, a lacuna. Provavelmente a pinga, ou a maconha. Na dúvida, colocou a garrafa de lado e jogou os dois cigarros restantes para longe. Pouco depois estava totalmente sozinho na cidade que começava a acordar.
* * *
Uma moça jovem, de cabelos em tranças e olhos amendoados entrou na sala com um bom dia que equilibrava formalidade e cordialidade tentando parecer profissional, mas sem assustar o seu objeto de trabalho, Jonas.
– Olá, meu nome é Karina. Seu nome é Jonas, certo? Quero tentar te ajudar. Meus colegas disseram que você não tem nenhum documento e que não sabe onde mora, é isso mesmo? Você tomou o café da manhã?
– Tomei sim, agradecido. – Jonas olhava fixamente para o calendário da mesa de trabalho da moça, com o círculo em vermelho na data de nove de janeiro. De 2024. – Olha, eu sei onde eu moro. Mas lá não é onde eu vivo, sabe? Eu vivo por aí. Ou vivia… Já não sei mais.
Karina sentiu a confusão, e a tristeza, das palavras. Jonas era jovem, mas parecia estar envelhecendo diversos anos a cada minuto. Era alto, mas encolhido, parecia baixo, corcunda. Os olhos brilhavam, mas desfocados. O cabelo, longo, reduzido a um feixe estrangulado, humilhado. Foi recolhido em uma grande rua no centro da cidade, sem esboçar nenhuma reação. Sem reagir, sem reclamar. E agora estava ali, diante da assistente social como uma criança, na frente da avó, esperando o castigo por alguma travessura que cometera por ingenuidade, não por malvadeza.
– Jonas, meu papel aqui é bem claro. Ajudo pessoas semelhantes a você, que estão sem rumo em suas vidas, a retomarem seus caminhos. A retomar os estudos, o trabalho. A viver, enfim. Encontrar seu papel digno dentro da sociedade.
– Moça, acho que meu papel na sociedade deixou de existir muitos anos atrás.
– Pois então. É parte do meu trabalho perceber isso, também. Recomeçar é difícil, muito difícil, mas é possível para a maioria das pessoas. Mas existe uma minoria. E, para essa minoria, recomeçar não é uma opção. Nesse caso, eu tenho que te ajudar a continuar.
– Continuar?
– Sim, continuar. Vamos, pegue esse violão e venha comigo.
Jonas viu a moça pular da cadeira para um caminhar desenfreado que levou ambos a um estacionamento de carros brancos idênticos, onde ela entrou em um, acionou o motor e gritou para que o cabeludo a acompanhasse na frente. Logo estavam deixando a cidade em direção à estrada.
Ela falava bastante, discorrendo sobre suas atividades, enquanto ele escutava sem ouvir, com pensamentos que eram entremeados com memórias do que agora entendia serem um passado bastante distante, lembranças metálicas e frias de lapsos descontruídos que poderiam, ou não, ser verdade, e aquele momento divisor de águas, quando seus olhos abriram e enxergaram a lua.
– Chegamos! Temos que andar um pouco, na verdade.
Os dois caminharam por um caminho de areia batida até uma placa onde se lia Arembepe. Jonas olhava ao redor e reconhecia, ao mesmo tempo em que conhecia, o seu recomeço e o seu continuar. Vindo em direção a eles, um homem moreno, provavelmente em seus setenta anos, de óculos escuros de lentes redondas, cabelo grisalho num rabo de cavalo, e um sorriso familiar. Estendeu dois dedos num paz e amor simpático e disse:
– E aí, bicho? Pronto pra continuar de onde paramos?
7,5
Olá, Grünning! Tudo bem?
Seu conto não está na minha lista de obrigatórios então não poderei avaliá-lo, mas mesmo assim quero deixar meu comentário.
Bixo, que viagem! Muito bom o seu conto! Gostei bastante, pena não poder dar uma nota…
A escrita está muito boa, bem estilística, cheia das paradas… Achei muito legal!
O conto é bem visual… o protagonista foi muito bem escrito, passa veracidade, talvez só um pouquinho menos confuso do que se esperaria de alguém que foi abduzido e reintroduzido.
Tive que procurar o que era Arembepe e descobri que é tipo uma aldeia hippie. Então o coitado do Jonas pode voltar a viver quase que normalmente, se é que isso é possível.
Ótimo conto! Parabéns!
Boa sorte no desafio!
Até mais!
Oi, Priscila! Valeu pelos comentários! A ideia era que Jonas fosse ficando cada vez mais confuso conforme fosse descobrindo que o mundo estava completamente mudado. Mas eu me perdi no tamanho do texto, e quando vi estava quase atingindo o limite de palavras e nada de terminar, haha. Mas fico feliz que tenha gostado e comentado, mesmo sem estar entre os seus obrigatíorios!
Quando as sombras fogem de si mesmas
Primeiramente, gostaria de parabenizar o autor (ou a autora) por ter participado do Desafio Recomeço – 2024! É sempre necessária muita coragem e disposição expor nosso trabalho ao crivo de outras pessoas, em especial, de outros autores, que tem a tendência de serem bem mais rigorosos do que leitores “comuns”. Dito isso, peço desculpas antecipadamente caso minha crítica não lhe pareça construtiva. Creio que o objetivo seja sempre contribuir com o desenvolvimento dos participantes enquanto escritores e é pensando nisso que escrevo meu comentário.
Como eu já avaliei todos os 12 contos mínimos, chegou o momento de comentar “no amor”. Não terá nota, tampouco vou comentar sobre questões gramaticais. Irei escrever apenas sobre minhas impressões e o que tocou ou não o leitor nesse conto.
Impressões iniciais
– Que viagem, bicho!
– Uma ficção científica, um recomeço de um sangue bom.
– Um pix de um centavo de real se o autor/ a autora não se baseou em Watchmen
Alma
Bom, se eu falar que eu gostei do conto, eu estaria mentindo. Até gosto de ficção científica, mas num conto restrito a 2.500 palavras, a tendência é que sobre perguntas e falte respostas. Essa falta e estranhamento me causaram tanto incômodo que impossibilitou uma conexão do conto com o leitor.
Ainda assim, creio que o conto está bem escrito, em termos de estética e escolha de palavras e vocabulários, especialmente o início, no qual o personagem parece surgir numa praia ao maior estilo Watchmen. Então, infelizmente, o estilo de escrita muda, focando-se num tom mais humorístico, a tentativa do personagem em se adaptar à realidade de um novo tempo.
Ao final, sobram mais perguntas do que respostas. Um bom conto, mas que não me conquista, no mais famoso caso da picanha que cai no prato do vegano.
Olá, Givago! Valeu pelos comentários! Eu sou fã de Watchmen, mas devo dizer que não foi uma inspiração aqui, haha. A ideia nunca foi, realmente, fazer uma ficção científica. Mas eu não queria simplesmente contar uma história de recomeço “comum”, queria algo no meu texto que tivesse uma conexão maior com minhas influências e preferências, pois isso a abdução e o tom mais leve e humorístico.
Quando as Sombras Fogem de si Mesmas (Grünning)
Quando fiz a primeira leitura deste texto, percebendo que se tratava de um personagem “maluco beleza”, de imediato, fui atrás de minhas memórias das décadas 60/70. E pesquisei o local do desfecho da trama.
“A vila de Arembepe, que fica na Bahia, é mesmo a aldeia hippie situada entre as dunas que separam o mar do rio Capivara. Abriga a geração “paz e amor” que ainda hoje vende trabalhos manuais no Centro de Artesanato para sobreviver, preserva a vegetação e vive em casas de barro e palha sem energia elétrica. O cenário intacto da comunidade é o mesmo que encantou e abrigou Mick Jagger e Keith Richards em 1968, e a roqueira Janes Joplin em 1970.”
Um conto “saudosista” (FC?), bem escrito. Interessante o recurso que o autor implementou, fazendo uma urdidura entre o mundo futurista e os costumes do século passado. E o que é louvável neste trabalho é a riqueza da descrição. Tudo é contado com minúcias. Basta observar o “refazer” do corpo e a narração de quando é deixado e “acorda” na praia. A gente “sente” a areia úmida entre os dedos, “acompanha” o movimento do violão sendo tocado pela água, “vê” a ondulação quase a levá-lo mar adentro. Subjetiva e objetivamente, a descrição é impecável.
A linguagem foi muito bem elaborada. Os diálogos levam o leitor para uma viagem no tempo.
Parabéns pelo trabalho!
Boa sorte no desafio!
Abração…
Olá, Regina! Valeu pelos comentários! Meus contos costumam ter um pouco de saudosismo mesmo e, quando li sobre Arembepe um tempo atrás, sabia que seria o um lugar a ser incluído no meu conto sobre abdução de um hippie (que já rondava minha cabeça). Quando veio o desafio do recomeço, juntei todas as ideias. Fico feliz que tenha gostado!
Menino, viajei no texto! Tudo isso fez parte da minha juventude. Parabéns pelo trabalho! Abração…
O conto começa com Jonas tendo a sensação de estar sendo examinado por seres alienígenas, depois de ser abduzido para dentro de uma nave espacial nos anos 80. Após eles o devolverem ao mesmo lugar, Jonas não tem muitas lembranças do que se passou, se aquilo foi real, ou uma alucinação produzida pelo cigarro de maconha. Ele percebe que a vila tinha mudado. Entra num bar para comprar bebida e quando paga, o dono diz que o dinheiro não tem mais valor, mesmo assim o homem vende a bebida. Jonas vai para a cidade de ônibus e se perde. Alguém o leva para uma assistente social, onde ele percebe que está no ano de 2024, mais de 30 anos no futuro. A assistente social o leva para uma comunidade filantrópica que ajuda viajantes no tempo a se adaptar. O enredo é bom, daria até para explorar um pouco mais a vida de Jonas no futuro, construindo novas ações, mas creio que passaria do limite de palavras. Achei boa a escrita, as descrições do ambiente e o início também é interessante.
Olá, Antônio! Valeu pelos comentários! Arembepe existe de verdade, é uma comunidade hippie na Bahia, e não uma comunidade filantrópica que ajuda viajantes no tempo (embora esse seja um enredo bom para outro conto). E o conto tinha sim outras situações de interação de Jonas com situações do presente, mas que tiveram que ser suprimidas pelo limite de palavras.
Olá Grünning, gostei do seu texto da segunda parte para o fim. Toda a primeira parte pareceu um pouco truncada, inclusive, para mim, os dois primeiros parágrafos são confusos e desnecessários.
Parece que são autores diferentes, um na primeira parte e outro nas demais.
Já a partir da segunda parte, a leitura fluiu, a linguagem é mais leve, apesar de manter algumas literatices, como “ imputadora de intrepidez no caminhante”.
Ouso sugerir que elimine toda a primeira parte. Para mim, ela não explicou nada mesmo.
A partir da segunda parte, o leitor já percebe um mistério. Você pode dar mais pistas no desenrolar do texto e deixar o final mais compreensível. Mas isso é um pitaco bem ousado. Só minha opinião.
Algumas construções muito boas, como “o violão, mais próximo do atrevimento das ondas”, “a mesma curiosidade que dispensaria a uma pedra”
Não sei se entendi o final. Foram deixadas muitas lacunas no enredo. Mas talvez seja uma falha minha.
“as casas pareciam ser feitas de telhas e tijolos, ao contrário das de sapé e barro que estava acostumado a perceber naquela região” – acostumado? Ele não acabou de chegar? Foi dito que ele não caminhou muito para achar civilização, onde ele viu tantas casas que o tornaram acostumado a elas?
“tendo a sensação (de) que estava”
“contemplar a (o) poder”
“cigarro bem-intencionado” – ?
– Não, – disse o careca – isso aqui é cruzeiro. (colocar no outro parágrafo) Rapaz, isso não vale mais desde os anos oitenta.
“longo, reduzido a um feixe estrangulado, humilhado” – tiraria o humilhado, não fez sentido para mim e o estrangulado ficou tão bom.
“divisor de águas” – cliché
Olá, Fernanda! Valeu pelos comentários! Sugestões e correções devidamente anotadas! Sobre Jonas estar acostumado a perceber casas na região é porque ele foi devolvido exatamente no mesmo lugar em que foi sequestrado mais de cinquenta anos atrás. E o final foi um pouco aberto mesmo, para que o encontro de Jonas com o hippie em Arembepe ficasse mais ao gosto do leitor. Acho que qualquer explicação que o leitor encontrasse funcionaria pra mim.
Um texto bom, sem erros. A não ser um leve “queísmo”, que corrigido, poderia prover o leitor de frases tão boas quanto “Nem mesmo a nave espacial excêntrica de aparência cachalotesca que rondava o céu atrás das poucas nuvens disponíveis”. Se bem que, aqui, caberia um “rondando um céu” no lugar do que foi escrito. A narrativa é interessante, atrai o leitor. Achei estranho uma pessoa abduzida desejar água e cachaça na mesma medida, mas nunca fui abduzido e nem conversei com alguém que tenha sido para saber se é assim que acontece. A premissa de recomeço está ali, ainda que o protagonista esteja “em viagem”, quase não se dando conta do que acontece. Terá nota alta, é certo. Sucesso.
Olá, Vladimir! Valeu pelos comentários! Eu tenho mesmo um problema com os “ques”. Ando tentando resolver isso mas, por enquanto, eles ainda teimam em surgir aqui e ali. Olha, a coisa já foi pior! hehe
Quando as Sombras Fogem de si Mesmas (Grünning)
Comentário:
Um conto hippie-psicodélico-nostálgico! Gostei, logo depois em que isso se revelou: o que a princípio parecia uma ficção científica-teleológica convencional, se transformou numa narrativa intrigante sobre um “perdido no tempo”. Destaque positivo para o modo de falar dos personagens – uma técnica muito difícil de se tornar natural, mas aqui o autor foi muito hábil. Pelo léxico, percebe-se que é um autor com amplo vocabulário, que me obrigou várias vezes a consultar o dicionário (especialmente, metratônicas me quebrou!). Também a ambientação faz com que a gente se imagine nos cenários, mas o descritivo do personagens eu achei um tanto confuso (estava imaginando ele muito diferente).
Critérios de avaliação:
Olá, Daniel! Valeu pelos comentários! Metratônicas te quebrou porque mandei a palavra errada na versão final do texto (veja a resposta que dei para o comentário do Marco Aurélio Saraiva, que expliquei o que houve, haha). Peço perdão por isso. E o final ficou meio apressado mesmo. Acabei sofrendo um pouco com a limitação de palavras e não tive tempo hábil de equilibrar o texto todo.
Fiquei intrigado com o conto. Para mim ele pode ser lido como uma grande alusão à recuperação de um viciado. A forma como ele perde anos de sua vida, e então tem o momento divisor de águas onde olha a lua, tenta entender o mundo e larga o cigarro e a bebida. Então, encontra a assistente social, que fala que para ele a solução não era recomeçar, mas continuar. Então o leva para uma versão de si mesmo, só que mais velha, falando para continuar de onde parou, como se o vício o tivesse roubado aqueles anos, mas agora ele estava bem para prosseguir com a vida. Nesta leitura, toda a experiência de abdução alienígena é apenas uma alusão a este “borrão” de anos esquecidos e afogados pelo álcool e pelas drogas. Interessante! Mas ao mesmo tempo fico com uma sensação de que estou forçando um pouco a barra nesta interpretação.
A leitura seria um pouco monótona, não fossem algumas construções interessantes no texto e algumas tiradas cômicas. Gostei muito de como um homem de outra geração vê uma criança usando um smartphone: como se fosse um garoto brincando com uma calculadora. Genial!
Gostei muito também como o autor não declara o ano de onde o homem vem, mas o descreve com sua forma de vestir e mostra pela forma de falar e agir.
O que não gostei: reconheci no texto muito uso de palavras e construções que eu fazia no passado, e que com o tempo notei que (ao menos ao meu ver), não fazem muito sentido. Por exemplo:
“…em uma espécie de poltrona extremamente confortável…”. Como leitor, este trecho só me remete à imagem de uma poltrona, mesmo. Não a uma “espécie de poltrona”. Tanto que logo depois o texto já se refere à coisa como “poltrona”, e só. Se é para ser um artefato alienígena que “lembra uma poltrona”, então a descrição teria que ser um pouco mais extensa do que apenas “uma espécie de poltrona extremamente confortável”.
Outra: “…ele quase sentia o fim próximo…”. Note como a palavra “quase” aqui não significa nada, e se você removê-la, o impacto da frase fica muito maior! “Ele sentia o fim próximo”.
Outra: “…já que todas as casas pareciam ser feitas de telhas e tijolos…”. Note que o “pareciam ser” é algo que não é necessário aqui também. Você poderia simplesmente escrever “…já que todas as casas eram feitas de telhas de tijolos…”.
Por fim, temos que falar desta frase aqui:
“…e o encantara com vozes retumbantes e metratônicas, e o levantara como se seu corpo não pesasse mais do que alguns gramas de açúcar trefilado”
Primeiro: O que significa a palavra metratônicas? Seria talvez uma alusão a Metatron, o anjo? Mas aí a palavra não deveria ser deveria ser “metatrônicas“?
E o corpo pesa mais do que algumas gramas “de açúcar perfilado”? Por que não só “algumas gramas”? O açúcar pode sumir aqui, não pesa nada no texto!
Olá, Marco! Valeu pelos comentários! Sugestões devidamente anotadas. Acho que serão muito úteis nos próximos e tentarei pensar dessa maneira. É algo realmente lógico. E, sobre o metratônicas, é lógico, você está certo, hahaha. Era para ter ido metatrônicas na versão final, mas eu e minha esposa (e minha fiel revisora), acabamos nos confundindo na versão final e, antes de enviar o e-mail, ficou aquela sensação de que a palavra tinha ficado errada e eu “corrigi”. E acabou indo com o R invertido, haha. Paciência, o deadline tava apertado e isso faz a gente cometer erros bestas. Virou piada interna aqui em casa.
Buenas!
Irei usar dois critérios para avaliar os textos deste desafio: técnica e criatividade. A parte técnica abrange toda a estrutura do conto, desde o básico até o estilo do autor. E a parte criativa abrange o enredo, personagens e tudo que envolve a imaginação do autor.
Vamos lá!
TÉCNICA
Se pudesse resumir a escrita deste conto numa única palavra, sem hesitar, resumiria em primoroso.
Bem lapidado, bem executado, bem cadenciado. Nota-se que o autor é bastante experiente. Logo, minha avaliação na parte técnica vai ser bem rápida. Se tivesse como sugerir algo, diria que o método usado para descrever a abdução pode afastar muitos leitores e causar confusão. Entendo que o intuito foi mostrar como todo o processo foi confuso para Jonas e transferir essa sensação para o leitor, no entanto, a densidade das informações acaba por ter alguns efeitos negativos. Acabei ficando cansado nos primeiros parágrafos, relendo-os, e isso afetou um pouco a minha experiência geral, pois, assim que a narrativa deu uma aliviada, eu já estava cansado. Entende?
CRIATIVIDADE
Só li três contos, até o momento, mas esse é de longe o mais criativo. E acredito que continuará no meu top 3, pelo que andei fuxicando. Gosto de textos que saem da expectativa padrão do tema.
Apesar do início denso e cansativo, a construção do retorno de Jonas para o mundo, quarenta anos depois de sua abdução, foi bem feita. Senti que o limite atrapalhou um pouco, tendo um grande salto de desenvolvimento perto do final e um fechamento um pouco fraco, na minha opinião, sem acompanhar a grandeza apresentada até então. Finais são difíceis, mesmo. Inícios também.
Devo elogiar a abertura do conto. Muito bem feita, bonita de se ler e incita algumas reflexões legais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Gostei bastante do conto. Se o início fosse mais leve, utilizando outras técnicas para manter a confusão do leitor, poderia ter me ganhado 100%. Mas quem quer agradar o chato aqui, né. Parabéns!
E depois me explica o título, que, juro, tentei entender, mas não consegui, HAHAHAHAHA.
Olá, Fábio! Valeu pelos comentários! De fato o limite de palavras acabou sendo um problema conforme o conto foi chegando na metade. Tive que cortar uma das cenas e mudar algumas outras para que ele coubesse dentro do limite. E, como terminei as revisões faltando poucos minutos para o deadline, achei que ficou aquém do que poderia. E o lance do título é o seguinte, é uma frase da musica White Room, do Cream, que adaptei para ser o título. Queria algo relacionado a música e à época da abdução, ou que Jonas curtisse para batizar o conto. E as sombras aí fazem alusão às memórias da abdução,. Sabe-se que existem, tentam se encontrar, mas fogem de si mesmas, impedindo que ele lembre do que aconteceu.
Estou avaliando os contos de acordo com os seguintes quesitos: adequação ao tema, valendo 1 ponto, escrita, valendo 2, enredo, valendo 3 e impacto valendo 4.
Adequação ao tema
Nossa, não sei. O conto fala mais sobre uma retomada do que um recomeço. Jonas não recomeça sua vida. Ele volta para o ponto onde parou. Acho que ele resvala no tema, mas não atende totalmente.
Escrita
Excelente, muito correta e segura, agradável de ler. O começo destoa do resto do texto, um bocado arrastado. Li os dois primeiros parágrafos e achei que não ia gostar. Mas me enganei. Quando Jonas retorna à Terra e a narrativa mostra seu olhar sobre o novo tempo, a história ganha dinamismo e humor.
Enredo
Interessante. Jonas é abduzido e, ao voltar à Terra, mais de 50 anos se passaram e ele se sente perdido. Uma assistente social muito sagaz o leva para Arembepe, onde ele vai se sentir em casa. Um final criativo para uma ideia clichê: abdução alienígena.
Impacto
Gostei. É uma história divertida e bem desenvolvida. Causou um imenso impacto? Não, não causou. Mas foi uma leitura prazerosa e interessante. O tratamento bem humorado dado a Arembepe, como uma espécie de santuário hippie foi genial. Agora, estranho mesmo é, numa história de abdução alienígena, achar que o elemento inverossímil é a assistente social ultra engajada em seu trabalho.
Parabéns pela participação.
Oi, Kelly! Obrigado pelos comentários! Eu achei mesmo que a atitude da assistente social causaria estranhamento. Mas, curiosamente, ela foi inspirada em uma amiga, que é exatamente assim, fora do comum. E, talvez, você tenha sido a única a acertar o lapso de tempo correto da abdução, pois Jonas passou mais de cinquenta anos sendo estudado, antes de ser devolvido. E, sobre o tema, acho que sob o ponto de vista do personagem não seja um recomeço mesmo, mas para o leitor, que sabe pelo o que ele vai passar, numa sociedade nova, sabe que ele terá que recomeçar, e gostei de “perverter” um pouco esse ponto de vista do tema.
Uma viagem intrigante neste conto que mistura tempos e espaços. Enredo que prende a atenção do leitor. O leitor procura decifrar os acontecimentos. Numa segunda leitura percebemos mais os detalhes. Confesso que o final ficou um pouco confuso para mim, mas não poderia ser diferente pela natureza da narrativa. Gostei muito da alternância entre cena e sumário. O tema recomeço está bem abordado e também a linguagem. Não há clichês. O final que compreendi é o encontro com um duplo, ou algo assim. Contos assim nos fazem pensar bastante, não esquecemos facilmente. Parabéns!
Oi, Simone. Valeu pelos comentários! Eu quis realmente deixar o final meio aberto, para que cada leitor tirasse do encontro com o outro hippie a explicação que lhe coubesse melhor. Jonas foi tirado de seu mundo e devolvido mais de cinquenta anos depois, sem saber o que ocorreu de fato, então eu quis que a confusão do personagem se refletisse um pouco no texto também.
Um bom conto. Achei muito original a abordagem do tema usando a abdução alienígena. O primeiro parágrafo é meio viajante, parece uma filosofada de botequim. A narrativa é boa, segura. Não percebi erros gramaticais e nem ortográfico. A trama é simples, apesar da escolha da história. Um homem é abduzido, provavelmente no fim dos anos sessenta ou começo dos anos setenta e retorna nos dias atuais e começa a recomeçar a viver sentindo a estranheza do passar do tempo. Acho que deveria ter explorado mais as diferenças entre as épocas, principalmente a evolução tecnológica. Em qualquer lugar que se vá, na menor das cidades, todo mundo tem e não larga o celular, por exemplo. A primeira parte é mais interessante que a segunda, quando ele retorna da nave. As descrições dos alienígenas, a forma como ele foi desmembrado e depois reestruturado, formaram cenas bem legais. No final, me pareceu que ele foi levado até uma pessoa que o conhecia antes, talvez na tentativa de criar um impacto. Comigo o impacto não foi grande, Boa sorte no desafio.
E aí, Jowilton. Valeu pelos comentários! A ideia inicial era, sim, apresentar mais do contraste entre o que Jonas conhecia do seu mundo e do atual, mas o limite de palavras me limitou mais do que imaginava. Cortei, por exemplo, uma cena inteira onde ele repara nos veículos atuais, na estrada, todos parecidos, e de cores acinzentadas, pretos ou brancos, e se pergunta para onde foram todas as cores.
O final, com o encontro com o outro hippie em Arembepe, era para ser meio aberto mesmo, para que o próprio leitor encontrasse seu própria explicação. Poderia ser o responsável pela comunidade hippie, contatado antecipadamente pela assistente social, poderia ser alguém conhecido de Jonas antes da abdução, ou qualquer outra explicação.
Ninguém há de passar incólume por este conto. A narrativa é repleta de duplos significados, ou mesmo significados ocultos. Isso pode ser uma qualidade – se proposital –, levando o leitor a uma espécie de enlevo, ou um defeito, conduzindo a experiência à danação. Experimentei ambos durante o processo, devo confessar.
O início é bastante imagético, com cenas que permitem identificar o nascimento de Jonas. Não um nascimento, logo vamos perceber, mas um renascimento. Jonas fora abduzido, sequestrado por alienígenas e depois devolvido à civilização terráquea, onde terá de se readaptar. Não demora para percebermos que Jonas está desmemoriado. Para ele, é como se ainda fosse os anos 1980, ou seja, ele não percebe e nem tem ideia de que mais de 40 anos se passaram desde que fora sequestrado por uma nave que se assemelhava a uma baleia (daí o nome Jonas, aquele que, segundo a Bíblia, fora engolido por um grande peixe, um cachalote).
Ele se percebe numa praia, junta seu violão e caminha até uma vila de pescadores. Apanha um ônibus e vai parar numa cidade maior, ao que tudo indica na Bahia, onde é resgatado por uma assistente social e reconduzido a Arembepe, local em que é reconhecido por um sujeito que fica feliz em vê-lo.
O despertar na praia me levou a uma atmosfera meio Garcia-Marquez, parecida com a do Afogado Mais Bonito do Mundo, um tanto onírica, poética até. O protagonista, ao contrário do famoso conto do Gabo, não está morto, mas talvez tenha estado, e de qualquer forma parece contente por caminhar por aquelas areias, pelo contato com o mar e com os pescadores, por tocar seu violão junto a trabalhadores braçais em um ônibus cheio. Sim, há um tipo de maravilhamento ali e, devo dizer, isso me fez sorrir durante a leitura, identificado que fiquei com a felicidade de alguém que (talvez) sem saber ganhou uma segunda chance.
Quando o jovem aparece na grande cidade, porém, essa alegria desaparece do nada. Um tanto sem motivo, ele está corcunda, depressivo, infeliz. Pelo menos é essa a descrição que a assistente social faz dele. Essa mudança não me convenceu e fiquei pensando o que teria acontecido para aquela atmosfera de sonho desaparecer. A chegada a Arembepe poderia ter recuperado esse clima, mas o fim do conto acabou um tanto aberto para mim. Não há, pelo menos até a segunda leitura, uma explicação plausível ou mesmo nítida para a recepção de Jonas daquela forma. Não sabemos se o tal homem moreno é alguém que acabou influenciando na experiência de abdução com os alienígenas, ou se é alguém que simplesmente conhecia Jonas em sua juventude.
Claro, nenhum conto precisa ser fechado e eu estaria sendo muito egoísta se cobrasse esse tipo de arremate, mas, para o meu gosto, essa falta de maiores elementos acabou frustrando um tanto a experiência.
Enfim, achei que o texto é majoritariamente bem escrito – eu tiraria expressões que se assemelham a gírias, como “cabeludo”, “careca” e “bigodudo” porque elas não combinam com o estilo de narrar –, a história é interessante, mas a mudança de humores de Jonas não ficou clara para mim, assim como o fim do conto. Talvez, com a liberação dos comentários, o(a) autor(a) possa esclarecer esses pontos. Talvez, assim, eu perceba que essas lacunas se devam à minha limitação enquanto leitor. Em todo caso, boa sorte no desafio!
E aí, Gustavo. Valeu pelos comentários. Essa transição para a infelicidade do personagem ficou meio abrupta mesmo. Tive que cortar uma parte grande do conto, antes da cena no ônibus, para caber no limite de palavras, e reajustar todas as outras para tentar me ajustar. E já não tinha mais tempo hábil para deixar tudo mais equilibrado, pois acho que tinha apenas mais alguns minutos para enviar o conto, rs
De qualquer maneira, eu quis mesmo deixar o homem em Arembepe sem muitas explicações, deixando para o leitor absorver sua própria explicação. O hippie responsável pela comunidade, contatado antecipadamente pela assistente social, um conhecido de Jonas, antes da abdução, alguém envolvido com a abdução… acho que todas essas explicações são válidas e validam o final que imaginei.