“There ain’t no grave
Can hold my body down”.
(Johny Cash)
Lá na Colina Vermelha contava-se uma história sobre a planície de Redwood e da gente que habitava aquele povoado esquecido por Deus. Dizia-se que o povo de Redwood rezava todos os dias uma oração muito peculiar. Pediam a Deus um mundo sem justiça.
E nunca eram ouvidos.
Foi há muito tempo quando tudo isso começou. Num tempo muito antes do avô do meu avô. Redwood era uma terra de… como era mesmo que eles diziam… liberdade! Sim, uma terra de liberdade. Lá tudo era possível, uma pessoa podia fazer o que quisesse, desde que conseguisse. Então os homens fizeram coisas horríveis na liberdade que sua força lhes conferia sobre outros homens cuja sorte os havia abandonado.
Então alguém rezou.
E rezou com todas as forças do seu ser, que a Justiça descesse sobre Redwood e mostrasse que havia alguém a se importar com os pobres, justos e pios. E este alguém achou que foi ouvido. Mas não foi.
Foi quando Ele surgiu. Sem forma, sem corpo, sem coração. Apenas um desejo sombrio emergindo das profundezas das grutas do antigo bosque sagrado, matando tudo que encontrava vivo, absorvendo toda a vida num desejo ressentido de… como era mesmo que eles diziam… justiça?! Sim, era este nome que eles davam. Mas o que despertaram foi uma coisa bem diferente.
Um corpo. Era o que a coisa queria. Um corpo desprezado por todos para ele possuir e vagar pelas planícies. Os xamãs índios já falavam sobre isso há muito tempo ao redor de suas fogueiras baixas crepitando no silêncio das noites ancestrais. Eles aprenderam como encerrar a coisa nas profundezas da terra. Mas seus saberes se perderam. Junto com seus sábios, xamãs e contadores de histórias.
Mas isto é história antiga. “Uma lenda”, muitos disseram, “apenas uma lenda”. Allwood foi um dos que acreditou piamente que tudo não passava de uma lenda. Deu assim toda liberdade à fome de seu lobo interior. E passou por cima de tudo e de todos para construir o seu império. Houve sangue. Houve lágrimas.
E houve preces.
A chuva começara cedo, o sol ainda não alcançara os morros em que habitualmente se recolhia. Começou tímida, uma garoa dourada carregando os últimos raios de sol para as profundezas daquele chão lamacento. Apesar de cedo, não havia mais ninguém nas ruas do povoado. Não, não havia, não naquele dia. E todos tinham um motivo: Ele.
O mundo além das portas daquelas toscas casas fora abandonado como estava quando eles viram o sinal: a revoada de corvos no campanário e o estranho som das correntes. O vento abria e fechava com violência as janelas do casebre abandonado da esquina. A placa do saloon pendeu de um dos lados e balançava angustiada ao sabor da ventania, vulnerável. Seria arremessada ao longe a qualquer momento. A natureza estava agitada, confusa.
Portas fechadas com travas e correntes em forma de cruz – a superstição era o refúgio daquelas almas desamparadas. A cidade inteira rezando, cada verso do Pai Nosso finalizado por um trovão, uma lufada de vento ou o barulho de alguma coisa que a fúria dos elementos atirara com violência em alguma parede. A garoa se fora com a tarde, a torrente chegara com a noite. E com ela, veio Ele.
– Como posso saber que não é comigo – perguntou o garoto.
– Cale a boca! – disse a irmã mais velha dando um tapa na boca do irmão. – Não pare de rezar. O Senhor será por nós.
No bar:
– Esvaziei todas as garrafas no rio, mulher. Não venderemos mais whisky.
– Você disse isto da última vez, mas sua candura sempre se vai quando você vê que a coisa não é com você.
– Mas dessa vez, eu…
– Dessa vez você ficará quieto e vai esperar tudo isso passar. – disse a mulher olhando as ruas desertas pela janela – Não é com a gente. – sussurrou para si.
Eles temiam. Qualquer um que tivesse uma consciência – e sobre ela pesasse algum pecado – temia. Eles temiam o retorno da Justiça. Deus ouvira a oração de algum miserável e ignorara o pedido da comunidade. Não lhes dera um mundo sem justiça. Não havia corações puros em Redwood.
Longe dali, na saída da cidade, próximo às montanhas, ao pé de uma árvore morta que ninguém ousava cortar, uma rocha toda envolvida em correntes que terminavam em algum lugar debaixo da terra, deu um pequeno solavanco. A rocha e as correntes tentavam segurar um corpo. Um corpo de alguém que rezou com toda a força do seu ser que a justiça fosse feita diante do que fizeram de sua vida. A lenda estava fraca, mas o povo preferiu não arriscar. E prenderam o corpo daquele pobre diabo ali, com correntes e com uma pesada rocha sobre sua miserável sepultura.
Mas…
As correntes se partiram, estavam enferrujadas. Ninguém se preocupara de trocar, as pessoas esquecem de vigiar o mal quando ele fica muito tempo quieto.
O chão lamacento entre a rocha e a árvore morta começou a se mexer e um ruído estrepitoso rasgou a sinfonia violenta da tempestade. Um joelho emergiu, a carne podre rasgando a terra. Uma mão, depois outra. E depois… Ele.
O coração voltou numa batida explosiva e ele sentiu o calor retornando uma vez mais aos membros como um formigueiro se insinuando lentamente, vencendo a frieza da morte. A terra o vomitou de novo, ele, o inaceitável. Até mesmo para a morte.
Sorriu, o rosto cadavérico. Os olhos encovados varreram o mundo ao redor, buscando se localizar. O olfato começou a voltar, o cheiro de terra molhada se misturando ao cheiro da floresta morta que se estendia a perder de vista pelo sopé da montanha. Nada nascia ali, só havia a morte, imperturbável, silente, esquecida. Nenhum forasteiro se atrevia a passar onde o corpo dele descansava.
Redwood, um lugar amaldiçoado. Sua maldição? O lugar onde uma justiça além dos homens sempre retorna das profundezas, em busca dos corações que devem receber sua vingança. E não importa o quanto a soterrem, o quanto a acorrentem, ela sempre voltará.
Agora, Ele lhes faria uma visita. O Bandoleiro estava de volta. E seu voraz estômago podre aguardava ansioso por um coração pérfido.
***
Os passos lentos, pesados e convictos arrastavam as correntes enferrujadas pela velha estrada abandonada entre o bosque e o povoado. Ele conseguia ouvir as vozes trêmulas dos pecadores do povoado, sentia o cheiro do medo no suor dos devedores. Sorriu. Gargalhou. A carne podre e esburacada lentamente se reconstituindo, alimentada pelo desejo de vingança dos corações injustiçados daquele lamaçal humano.
“Eu falei que vocês deviam se entender, deviam buscar a justiça e a retidão”. – disse o pastor. – “Vocês disseram que o mundo é dos mais fortes. Que ‘o mundo é dos vivos’”!
Mas em Redwood o chão era sensível aos clamores dos injustiçados. A maldade sempre gritou, mas quando ela gritava muito alto… Ela acordava alguém que devia descansar em paz. Alguém que a morte vomitava.
Os olhos se tornaram mais vivazes, os cabelos mais espessos, a pele mais esticada, os passos mais firmes. Bandoleiro estava forte. Forte como naqueles tempos. Sorriu mais uma vez. Sob o tosco pórtico escrito “Bem-vindo a Redwood” correntes ruidosas passaram presas aos pés do Mal-que-a-morte-rejeita.
Ele parou e contemplou o cheiro do medo. Regozijou-se. Tirou das costas o banjo e dedilhou o primeiro acorde de sua melodia tétrica.
Ao longe, sentado numa cadeira de balanço, sufocado na fumaça do charuto e afogando-se numa garrafa de whisky, o velho sob o chapéu branco, rezava humilde. E ouvia a crescente melodia do banjo que o vento ora trazia, ora abafava. E então trazia de novo, traindo a promessa de piedoso silêncio.
Não precisou se levantar. A cadeira se balançou e ele mergulhou em mais um gole de lembranças:
“Arrependei-vos enquanto é tempo”, dizia o conselho que ele sempre ignorou e agora não tirava mais da mente. Queria se arrepender, mas não por retidão e sim por medo.
“Nossa cidade está mergulhada em miséria enquanto aqueles selvagens preguiçosos descansam confortáveis, com uma planície inteira pra viverem”. – ele lembrava seus discursos inflamados.
Redwood era um lugar miserável e, enquanto tal, um bom lugar para minerar esperanças. Allwood enriqueceu com isso. Um pouco com minério, mais ainda com política.
Os índios dali eram ferais, mas estavam contidos em seus lugares. As alianças certas, era o que havia. Uma intrincada teia de acordos escusos e alianças sombrias dando conta da imensa cobiça de cada desgraçado que vivia ali e lá, na planície. Branco ou índio. Definitivamente aquela não era uma terra de santos. Mas aqueles demônios estavam guardados…. Nas sombras da prefeitura… E nas sombras da igreja. Allwood era ambicioso, mas era sobretudo um idiota inconsequente. Ele desmoronou aquele castelo de cartas e as sombras se libertaram estendendo suas asas sobre tudo. E sobre todos.
Ele continuava entregue a suas memórias, talvez buscando um álibi.
(arrependei-vos…)
Mas a justiça que o encontraria não era do tipo que aceitava álibis. Era melhor esquecer os subornos e falácias de sempre.
A tempestade enfim desabou na propriedade de Jerry Allwood, a chuva chorando pelas paredes brancas do casarão. Por detrás das árvores angustiadas maltratadas pelo vento impiedoso, os capangas aquartelados divisaram alguma coisa.
– Ei você. Não dê mais nenhum passo. – gritou um. Mas não viram ninguém. Apenas ouviram: correntes.
No clarão de um raio que acertara uma árvore do quintal, os homens avistaram. O chapéu, o sobretudo, aquele ser feito de sombras. Todos conheciam a história. Os homens se benzeram, sabiam que o patrão estava condenado, mas tentariam cumprir seu dever.
Tiros.
Gritos.
Gemidos.
As correntes agora se moviam a passos vigorosos pelo chão sedento de sangue da estância Woodland. O braço sob a manga puída e suja de terra estendido para frente performando um gesto de estrangulamento. Metros à frente, o incauto capanga sentia uma força infernal apertando seu pescoço, cavando fundo no seu ser em busca de sua alma miserável. Alcançou-a facilmente e em seguida sorriu saciando sua sede de morte.
Apertou o passo, o coração outrora morto e corroído pelos vermes, agora batia vigoroso alimentado pelos inúmeros anseios de vingança que todos nutriam uns contra os outros naquele vale de almas miseráveis. O Bandoleiro ofegava, mas não interrompia sua marcha.
Os homens se escondiam e atiravam, mas o Bandoleiro não gostava de mortes simples. O último suspiro era seu deleite, sua arte. Fez desabar a pesada viga sobre o desgraçado atrás da carroça. Puxou o outro através da vidraça, fazendo o vidro rasgar seu corpo, do pescoço ao umbigo, largando-o pendurado pelas vísceras. Fez o fogo queimar no celeiro na mesma intensidade do ódio de seu coração infernal, as chamas consumindo o restante dos insignificantes soldados de Allwood. Nem a chuva impediu que o cheiro de carne queimada chegasse até as narinas do fazendeiro, se misturando à fumaça do charuto e ao cheiro de bebida.
E então os gritos de dor foram silenciados. Apenas a chuva, os trovões e o barulho das chamas consumindo a madeira do celeiro compunham a última melodia da Woodland.
O velho Allwood sabia que estava condenado. Ergueu o corpanzil da velha cadeira de balanço, foi até a porta e a deixou levemente aberta. Para além dela, o velho via apenas o longo corredor que terminava no pátio. Pelas janelas, as sombras das árvores se misturavam a outras sombras, entre elas, a de um homem encimado por um chapéu. Nas mãos dele, o banjo.
Ele voltou à velha cadeira, ainda balançando satisfeita, e largou o corpo sobre ela, aceitando seu destino. A cada passo do Bandoleiro, as memórias do fazendeiro o torturavam, com acusações de sua consciência inquisidora.
Ouviu o primeiro passo da pesada bota no chão do corredor, lembrou-se da distante infância e do pai que se fora na guerra. “O mundo é dos fortes”, era seu maior conselho, “seja forte”. Mas ele morreu na guerra, deixando para trás os filhos em miséria. Não fora forte o suficiente.
(Segundo passo)
Primeira morte. Briga de jogo. Dezesseis anos. Matou. Foi forte.
(Mais um passo, pesado, lento)
À mocinha que o rejeitou, ele fez aceitar sua luxúria. E a matou no espírito, entregando-a à avenida dos desesperados.
(Bandoleiro avança)
Primeiro discurso. “Nossa promessa é a planície dos índios. Terras e ouro”. Sua ganância inundou o coração dos homens.
(Passos curtos – Bandoleiro saboreava o cheiro do medo, a melodia torturando memórias).
Perdeu no voto, mas ganhou na bala a vitória que invejou. “Não aceito derrota, o mundo é dos fortes”.
(Passos firmes, implacáveis)
E os índios trouxeram a morte à gente de Deus. Mortes, mortes e mais mortes. De cristão e de índio; de homem, mulher e criança. E ele em seu torreão de promessas, contemplando seu campo de mortes, seu reino de mentiras. Livre, sem ninguém sobre ele a não ser o céu. (“O mundo é dos fortes”).
(Toc, toc, toc. – passos secos, surdos no assoalho do corredor.)
Fim da guerra, paz, riqueza, banquetes intermináveis para ele e os mais próximos, tudo como planejado. Miséria para todos. Miséria índia, miséria branca. Poeira, morte e devastação na outrora verdejante planície.
Os passos estancaram logo atrás da porta, depois do som das pesadas correntes se arrastarem sobre o assoalho por um tempo que pareceu uma vida. E fez-se uma eternidade silenciosa antes que a velha dobradiça da porta rangesse feito risada de bruxa maligna.
– Então é assim? – disse o velho – Este é o som da minha morte?
Não ouviu resposta. Em troca só o desamparo silencioso que ele fez o mundo inteiro sentir com sua impunidade.
– Também fiz coisas boas. – retomou. – Dei esperanças a essa gente miserável.
Mais silêncio.
– Eu tive uma família. Dei esmolas. E empregos.
A porta se abriu até o fim, lentamente como casca de ferida sendo arrancada devagar, doendo no âmago desesperado do velho.
– Como você é indulgente, Allwood! – disse a voz ao fundo da melodia melancólica do banjo. Os olhos desesperados do velho podiam contemplar a face da morte em todo seu pavor. Sob aquele chapéu, dentro daquele sobretudo, só havia escuridão e vingança.
– Eu me lembro de você. – disse o fazendeiro com voz trêmula – O escravo que tocava banjo, sentado na porta do saloon.
– Ex. – respondeu a voz cavalgando um trovão – Ex-escravo. Mas você nunca entendeu isto, não é, Allwood? Virava a cara para o outro lado, me chamava de vagabundo fedorento, cuspia. Você cuspiu em mim uma vez, você se lembra disso, Allwood?
O velho não lembrava. É claro que não lembrava. Ele era o protagonista daquele mundo medíocre, o bandoleiro era apenas um objeto do cenário que ele nem queria que estivesse lá.
– Nem você, nem sua gente. Nenhum de vocês nunca gostaram da minha presença. Mas eu sempre estava lá. Na porta do saloon onde os arruaceiros se matavam por putas. Na porta do banco onde os homens matavam por dinheiro. Na porta dos lares desfeitos, na porteira das fazendas, além das fendas das minas, atrás das árvores dos bosques escuros, na entrada das cavernas, onde quer que emanassem as sombras de seu mundo, eu estava lá, cantando a balada de vossas misérias.
– Eu nunca te fiz mal algum.
– Mas é claro que não. – respondeu a escuridão – Você nem notava o ex-escravo. Salvo aquele dia, não foi, Allwood? Naquele dia alguém se sentiu tão terrivelmente injustiçado que eu encontrei um corpo para mim. Eu acordei. Possuí o corpo daquele miserável que você desprezou.
– Não fui eu.
– Claro que não. Você sempre teve capangas – disse sorrindo. – Mas não se preocupe: se não fosse o caso cruel do ex-escravo, não faltariam injustiçados esquecidos sob este solo para eu possuir.
Allwood descia o abismo da insanidade. Sorria junto com seu algoz, enquanto seus olhos vertiam correntezas de lágrimas desesperadas.
– Achou que eu era como os índios miseráveis que você matou ou corrompeu? Que eu era como seus rivais no povoado? Achou que eu era o tipo de história que você pode botar um ponto final com chumbo, não é?
O velho não respondia mais. Apenas suava, chorava e tremia.
– Eu tenho uma balada para você, Allwood. – disse a voz, interrompendo secamente o dedilhado sombrio que fazia pano de fundo à pesarosa digressão de ressentimentos. – Mas ela não fala sobre um ponto final de chumbo na tua cabeça. Ela é… Um pouquinho mais lenta. Melodiosa eu diria. – e irrompeu num sorriso largo toda sua vingança.
O Bandoleiro prendeu uma corrente nos tornozelos do velho.
– Eu não sei que justiça você acha que está fazendo. Não vai tornar o mundo mais justo com isto.
– Mas eu não faço justiça, Allwood. Este bandoleiro nem sabe o que é isto. A vida inteira e ela nunca lhe foi apresentada. Eu vingo, Allwood. Eu cobro. E você me deve.
– Então é entre você e eu? – perguntou o velho já rolando abaixo o abismo do desespero.
– Sem dúvida.
– E toda essa conversa de que você vem para punir os homens quando eles se afastam da retidão, da justiça?
– Quando não há justiça, resta a vingança. – e puxou num movimento firme as correntes que agora prendiam o velho pelo pescoço e pelos pés ao corpo feito de sombras do Bandoleiro.
O velho ainda tentou se debater, mas como areia movediça, quanto mais se rebelava, mais os grilhões do Bandoleiro lhe roubavam as forças.
As correntes fizeram seu caminho de volta até o bosque podre. Mas dessa vez ele trouxe uma pá.
– Cave. – ordenou ao condenado, que obedeceu indefeso.
Horas se passaram sob a forte chuva e intervalos chuviscosos até que ele cavasse os sete palmos exigidos.
– Agora deite-se aí.
– Por favor, não. – implorou humilde o poderoso mandachuva – Por favor, por favor, eu te imploro, eu não quero morrer.
– Mas você não vai morrer, Allwood.
E depois da última pá de lama fétida aos pés daquela árvore cadavérica, o Bandoleiro bateu com as costas da ferramenta sobre aquela sepultura recém preenchida, um gesto pequeno, de quem estava satisfeito com o próprio trabalho. Debaixo daquelas várias pás de terra, um desgraçado morrera sufocado, com os pulmões cheios de lama. Sua mente, porém, permanecia insone, agora parte do exército fantasmagórico de lacaios do Bandoleiro, presos a suas correntes, vagando com fome, sede e sem ar por vastidões de pesadelos, esperando o momento de ser recrutado através da melodia daquele banjo.
O Bandoleiro se sentou sobre uma pedra e contemplou o trabalho terminado de um lado e o povoado iluminado aos relâmpagos do outro. Estava forte e vigoroso. E aquela gente ainda tinha muito ressentimento para alimentá-lo.
Os primeiros raios da manhã já lutavam medrosamente contra as últimas sombras da noite chuvosa. Ele largou a pá sobre aquela cova que nunca mais seria sua. Ainda tinha muitos acertos naquele povoado, mas precisava da escuridão da noite e do medo que seu manto sombrio trazia. Pôs o chapéu na cabeça e levantou-se vigoroso. Depois pegou o rumo das profundezas do bosque podre, rumo às grutas infernais, a melodia tétrica desaparecendo lentamente entre os vapores mórbidos e os caules retorcidos, tecendo sua sinistra harmonia com as correntes que se arrastavam na escuridão.
Este é o melhor castigo para facínoras! Uma execução simples e rápida, apenas matá-los, não é a meu ver o mais justo que se pode fazer contra eles. Eles causaram sofrimento gratuito a muita gente, e uma morte rápida de forma alguma é um troco aceitável! Eles precisariam na verdade de séculos de sobrevivência miserável para compensar a dor que causaram!
Sempre lamentei o fato de Hitler ter se matado fugindo assim de castigos mais aceitáveis. Ao contrário, eu gostaria que ele tivesse vivido muito tempo, mas em situações deploráveis!
Olá Welington. FC como pano de fundo para retratar dramas humanos. Afinal, toda tecnologia descrita nada representaria se não propiciasse o contar de uma história, objetivo maior da literatura, independentemente do gênero. Aqui vemos todo o cuidado e estilo lírico característicos de sua pena, a descrever um terror psicológico de tensão crescente, demonstrando a eclosão gradual de uma psicopatia delirante grave e homicida, com raízes inspiradas no folclore amazonense (talvez) e que bebe na fonte eterna do abusado que se torna agressivo e perpetuador da cadeia macabra de violência e discriminação (parabéns pela preocupação social). Texto que evidencia o grande esforço necessário à produção, cuja coesão e impacto crescente captura o leitor, o qual vai sendo imerso na loucura do protagonista, passando a ter a percepção da mente doentia do astronauta. O espectro do monstro persegue Roddy, não importa onde esteja e vem à tona em momentos de stress. Uma espécie de Alien, o Oitavo Passageiro em forma humana. Um abraço do Max Rocha (O Fantasma).