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Jesus e Javé, os Nomes Divinos – Harold Bloom – Resenha (Angelo Rodrigues)

Jesus e Javé – Os Nomes Divinos, de Harold Bloom, talvez seja um dos livros mais difíceis que pude ler. Ele não é, em essência, um livro religioso, mas sobre as religiões tomadas sob o ponto de vista da Literatura que requer para si, como foco dissertativo, algum viés religioso.

O livro de Bloom transita pelos Livros Sagrados do Judaísmo, do Cristianismo, do Islamismo, chegando até mesmo ao Mormorismo, fazendo paradas importantes no que foi abordado por Emerson, Shakespeare, Whitman, Freud, Kafka, Chaucer etc. etc., numa quase infinidade de mestres, intelectuais e artistas que em suas obras manifestaram seu ponto de vista acerca do Divino ou do Sagrado.

As ideias que esses autores propõem, analisadas por Bloom, abarcam, no imaginário humano, a presença de Deus, YHWH, Yeshuá, Javé, Jesus, Jesus Cristo, Maria Madalena, o Espírito Santo, e mais, observadas pelas letras de grandes escritores que ousaram dizer algo sobre religiões e seus respectivos deuses, sua gênese, queda, alegoria e ânimo imagético para se projetarem em direção ao público, e, em última análise, ao indivíduo propenso a crer nessa oferta divina de trajetória de vida e salvação de uma alma tomada como imortal, o seu tempo de acontecer e a forma de o fazer sob o crivo das crenças.

Após a leitura de Jesus e Javé…, é possível ter a presunção de que nos é praticamente impossível certificar algo acerca de quaisquer religiões, tamanha a inconsistência fática que as ampara, de seus frágeis e pragmáticos ‘Livros’. Isso não é mal, pois Bloom não pretende levar ao leitor qualquer viés destrutivo de suas crenças, ao contrário, busca evidenciar que a fé é um poderoso elemento de amálgama que a tudo reúne, ajeita e clarifica esse enorme caos que nunca será  capaz de clarificar o bastante para aqueles que necessitam de fatos ou, ao menos, estar de posse de explicações que tenham base em algum elemento lógico e pragmático.

Religião ‘é’ para os que potencialmente se dispõem a crer, para os que prescindem da lógica ou da ilógica de um Deus, capazes de um objetivo alheamento em relação àquilo que não pode ser provado.

Por observações, evidencia-se o fato de que sendo comuns e singulares os cristãos, judeus, muçulmanos, etc. têm eles em suas mãos umas poucas dezenas de conceitos, nada mais que isso, que flutuam de forma desencontrada, movidos por ventos selvagens até serem aglutinados em algo bastante ‘sólido’ ao ponto de se tornar um culto, uma crença pessoal, uma religião, uma obsessão, uma vontade de matar ou de salvar vidas.

Para o agnóstico, cujo deus seja a concorrência entre o Acaso e a Necessidade Universal, ler o livro de Bloom não deixa de ser um conforto, ainda que triste, dado que este (o conforto) se anima, talvez, pela razão que preferiria não ter: o despropósito das religiões pelo despropósito do humano sobre o mundo, seu acaso e suas consequências. A grande solidão.

Algumas abordagens são magistrais, como postas por Bloom ao dizer que na leitura dos Testamentos se pode achar pelo menos sete Jesus, cada um saído da verve de um Apóstolo: há um Jesus vingativo, um outro contemplativo, um furioso, outro pacífico quando não caberia ser, às vezes resignado, funcionando como muitos homens, ou como apenas um homem com múltiplas personalidades. Freud, particularmente Freud,  e outros cuidaram desse viés, que talvez não seja de Jesus Cristo, se de fato tenha ele existido, mas daqueles que projetaram em sua duvidosa figura a própria imagem ou a maneira como viam que deveria ele (Jesus Cristo) agir segundo uma necessidade que só caberia a esse Apóstolo.

Jesus e Javé… é um livro provocativo quando sua primeira frase nos diz:

“Não há fatos comprovados acerca de Jesus de Nazaré”. O que se segue, quando não parece, não é um ataque ao cristianismo ou à figura de Jesus, mas a evidenciação da incoerência construtiva de todas as religiões e seus arranjos literários para formação de um conjunto de apontamentos que as substancie, seus Livros de base.

Não é prudente, ao ler o livro, esquecer que Bloom é um crítico de Literatura, judeu, e não tem como objetivo lançar qualquer cruzada contra as crenças estruturadas pelas religiões, mas, tão-somente, levantar pontos críticos e bem fundamentados de como as grandes religiões apresentam seus textos ‘sagrados’, seus arranjos, suas incongruências literárias, suas contradições que chegam a atingir patamares absurdos, quando, muitas vezes, despejam acidez por sobre naturais discórdias entre homens.

Não é um livro para aqueles que ex ante, se vexam com abordagens críticas aos dogmas por milênios fundamentados. Trata-se de uma leitura que busca clarificar a tolice dos desacordos entre homens por conta de religiões, o que só se pode explicar pelo Homem, pelo humano, e não pelas diferenças entre credos, talvez – e mais uma vez – explicado por Freud quando nos fala desse impulso pela morte do próprio homem (Além do Princípio do Prazer).

Um livro magnífico sobre o qual Bloom trabalhou por trina e quatro anos para o escrever. Não obstante a dificuldade que é acompanhar a lógica referencial à qual Bloom recorre, fica-nos o imenso prazer na leitura quando compreendemos, talvez como o próprio autor, a complexidade, a imensa teia na qual se enredou o ser humano para explicar aquilo cuja chance de ser explicado possivelmente seja infinitamente pequena: o Deus Exilado. Por onde ele anda? Por que nos deixou? Por que nunca se manifesta? Qual o objetivo desse tão longo exílio?

Diante de tão complexas perguntas, se pode concluir que a via até esse Deus Exilado podem ser muitas, podendo-se, inclusive, descobrir que uma delas é nenhuma, onde não há via ou sequer há um Deus que nunca se exilou, porque nunca existiu e toda realidade perceptível é decorrente do Acaso ou da Necessidade, também elas inexplicáveis.

 

Algumas provocações propostas por Bloom:

‘Nossas preces são enfermidades da vontade, e nossas crenças, enfermidades do intelecto’. (Emerson);

‘É muito difícil se tornar cristão quando se vive na cristandade, tamanha as idiossincrasias estabelecidas pela própria religião’. (Kierkgaard);

‘A Bíblia cristã é uma drogaria. O estoque é sempre o mesmo, o que muda é a prática médica’. (Mark Twain);

‘Todos os deuses envelhecem, inclusive Javé, embora a agonia de Javé talvez não seja terminal, pois o islã ainda poderá vencer’. (Bloom);

‘Os norte-americanos que abraçam a religião, forem pentecostais ou católicos, conversam com Jesus; se forem pentecostais, sentem-se imbuídos do Espírito Santo’. (Bloom);

‘Somos um pensamento de Deus, surgido em um momento de mau humor’. (Kafka);

‘Deplorar a religião é tão inútil quanto celebrá-la’. (Bloom).

 

Jesus e Javé – Os Nomes Divinos, como disse, é um livro difícil, provocativo, descendo a detalhes referenciais de difícil acesso, mas o que deixa após a sua leitura é algo magnífico e, ao mesmo tempo, motivo de grande perplexidade.

É  um livro para os que não desistem facilmente de compreender um pouco mais do humano.

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Sobre o autor:

Harold Bloom, professor Sterling de Humanidades na Universidade de Yale, é autor de 27 livros. Seus inúmeros prêmios incluem um MacArthur, a Medalha de Ouro por Belas Letras e Crítica da Academia Americana de Artes e Letras, o Prêmio Internacional da Catalunha, o Prêmio Afonso Reyes, do México, e o Prêmio Hans Christian Andersen da Dinamarca. É considerado mundialmente pelos best-sellers Shakespeare: A Invenção do Humano, O Cânone Ocidental e O livro de J, além do clássico A Angústia da Influência.

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Resumo do livro:

Capa comum, 274 páginas,

Editora Objetiva

Idioma Português (Pt-Br)

 

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Informação

Publicado às 24 de setembro de 2019 por em Resenhas e marcado , , .
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