EntreContos

Detox Literário.

Cumplicidade (Lucas Rezende)

Sentada no ônibus com o olhar perdido na paisagem movimentando-se no lado de fora, repousava o rosto sobre o punho cerrado e mexia os pés discretamente, com os fones no ouvido. Outra parada em um novo ponto e mais passageiros começam a subir. De soslaio observa uma idosa entrar acompanhada de três crianças. Desvia os olhos de volta para o lado de fora. Ao olhar novamente segura a respiração: um rapaz de cabelos curtos e barba desenhada está passando na roleta. Ela imediatamente endireita-se no assento, retira os fones, ajeita os cabelos negros e compridos com uma das mãos, umedece os lábios carnudos e cruza as belas pernas favorecidas pela calça justa.

O rapaz vem caminhando em sua direção com o cenho franzido. Ao vê-la, ergue as sobrancelhas e esboça um sorriso. Ela sorri de volta com energia e com um pequeno sinal de cabeça indica o assento vazio ao seu lado. Ele aceita o convite.

– Saudade de você, parça.

– Nossa! Tinha até esquecido disso, parça – ela responde virando o corpo para seu acompanhante.

– Você sumiu, o que tá fazendo de bom?

– Ah! Nada – riu. – Eu fiquei com o seu filme, tenho que devolver pra você.

– Fica com ele, pra lembrar de mim.

Ela imediatamente desviou o olhar enquanto seu rosto corava. Voltou o assunto:

– Você que sumiu – ainda sem encará-lo diretamente por muito tempo – arrumou namorada e esqueceu a amiga, ?

– Eu não ter falado mais com você não quer dizer que te esqueci. – O jovem repousa a mão na coxa da moça erguendo as sobrancelhas e arqueando para baixo o canto do lábio. Ela respira fundo e observa a mão com a aliança prateada do rapaz. Com delicadeza, põe sua sobre a dele, a afasta aos poucos e oferece um sorriso forçado antes de voltar a olhar para as casas passando pela janela do veículo.

O jovem entrelaça os dedos e os estala, olhar fixo no chão. Ela bate o pé a todo instante e o espia colocando os cabelos por trás da orelha.

– Vou descer aqui, parça. Muito bom te ver de novo. – Ela vira o rosto para um beijo, mas ele a beija no canto da boca. Agora completamente ofegante, apressa-se para sair do ônibus, ele a acompanha com os olhos. Antes de descer, a moça ainda troca olhares uma última vez com o rapaz.

Uma vez fora do ônibus, sons de passos rápidos e firmes vindos de onde saíra faz com que ela olhe para trás. O jovem está diante dela, igualmente ofegante e olhar fixo em seus lábios.

7 comentários em “Cumplicidade (Lucas Rezende)

  1. Anorkinda Neide
    5 de setembro de 2015
    Avatar de Anorkinda Neide

    óinnn …como menina romântica que sempre fui, identifiquei-me completamente.

    Somentea primeira frase, soou pra mim, um pouco truncada.
    No mais, fluiu.
    Gostei bastante!
    Parabéns… é um cotidiano, pois não?
    rsrsrs
    Abraço

    • Lucas
      5 de setembro de 2015
      Avatar de Lucas

      Obrigado por ler e comentar, Anorkinda 😉
      Então, realmente é cotidiano, só percebi agora que você comentou. Já tinha o conto pronto pro desafio e ele tem um gancho para continuação. HAHAHAHA
      Paciência, né.
      Abraço!!!

  2. Fabio Baptista
    4 de setembro de 2015
    Avatar de Fabio Baptista

    Fala aí, Lucas!

    O primeiro parágrafo me deixou com uma péssima impressão, mas no decorrer da (rápida) leitura a coisa mudou e eu gostei do conto.

    Achei bacana as várias coisas que ficaram nas entrelinhas… diferente do meu xará D’Oliveira, gostei desse encontro inesperado entre os personagens deixando para o leitor imaginar o que rolou no passado desses dois. Friendzone? Amizade colorida? Um romance que não deu certo sabe Deus porque…

    Enfim,essa parte “emocional” ficou bem a contento para mim. Quanto à técnica, acredito que você precise treinar um pouco em certos aspectos (é só minha opinião, por favor não encare como uma crítica destrutiva). Aqui o que mais me incomodou foi o uso excessivo dos adjetivos, por exemplo:

    – ajeita os cabelos *negros* e *compridos* com uma das mãos, umedece os lábios *carnudos* e cruza as *belas* pernas favorecidas pela calça *justa*
    >>> 5 adjetivos numa única frase… é muito, deixa o texto pesado.

    Também o “PDV” da narrativa, oscilando muito entre o “ele” e o “ela” não caiu legal em alguns trechos.

    Mas, no geral o efeito foi bem positivo!

    Abraço.

    • Lucas
      5 de setembro de 2015
      Avatar de Lucas

      Grande Fábio.
      Valeu pelo comentário. Eu optei por essa construção para evitar criar uma parte do texto só para descrição dos personagens. Na minha singela opinião tira o ritmo da história. Alguma sugestão?
      Abraço!

      • Fabio Baptista
        5 de setembro de 2015
        Avatar de Fabio Baptista

        Eu não daria detalhe nenhum. Deixe o leitor imaginar.
        Não faz diferença para história saber se o cabelo dela é preto ou amarelo, certo?

        Na minha opinião, ao se desviar das descrições mais detalhadas dos personagens (que realmente tira o ritmo), você acabou caindo em outra armadilha que dá uma quebrada também… o excesso de adjetivos.

        Vi uma dica de um cara bem mais gabaritado, que era a seguinte: “Adjetivos? Corte todos eles!”

        kkkkkkkk

        Não sei se precisa chegar nesse nível de radicalismo, mas hoje sou da opinião que quanto menos, melhor.

        Abraço!

  3. Fabio D'Oliveira
    1 de setembro de 2015
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    ☬ Cumplicidade
    ☫ Lucas Rezende

    ஒ Físico: O conto possui uma estrutura simples. A leitura não é complicada, sendo possível notar uma leve tendência à narrativa singela. Isso é bom, já que é um estilo que abrange muitíssimos leitores. No entanto, o autor precisa refinar sua técnica. Precisa tomar cuidado com a construção de algumas frases e com o tempo verbal.

    ண Intelecto: A estória não impressiona. E também não é muito real. O ser humano é mais complexo do que isso. O conto não tem um desenvolvimento bom. Seria necessário a exploração da relação anterior dos personagens para explicar o que está acontecendo. Da forma como a ideia foi apresentada, bem isolada do restante da história deles, faz com que tudo se torne pouco crível. Não sabemos o que aconteceu no passado. Então como podemos julgar o que está acontecendo no presente?

    ஜ Alma: A alma do autor ficou oculta nas sombras. Sua potência também. Como tudo ficou borrado, irei me prender à estória. E ela não representa nada mais do que o banal. Uma história de amor foi apresentada, mas de forma superficial. Os personagens são marionetes controladas pelo autor, sem vida. O conteúdo não revela nada proveitoso para nossa vida. É impossível admirar esse conto.

    ௰ Egocentrismo: Trata-se de um assunto banal. E, bem no fundo, feio. O egoísmo do ser humano sendo exaltado, mais uma vez. Gostaria de ver mais textos do autor, para poder defini-lo como escritor, mas esse texto não é admirável.

    Ω Final: Um texto que precisa ser refinado, mas que representa um estilo singelo e admirável. A estória e os personagens deixaram a desejar. E o autor não se mostrou por completo. No final das contas, se o conto não for apresentado com uma narrativa espetacular, todo o conteúdo pode ser descartado. Proponha ao leitor, pelo menos, uma leitura excelente.

    ௫ Nota: 5.

    • Lucas Rezende
      2 de setembro de 2015
      Avatar de Lucas Rezende

      Obrigado pelas palavras sinceras Fábio.
      Vou continuar trabalhando 😉

Deixar mensagem para Lucas Rezende Cancelar resposta

Informação

Publicado às 1 de setembro de 2015 por em Contos Off-Desafio e marcado .