Agostinho, ao fim da sua masturbação mental, diz a si no meio da vigésima dose: “A vida não tem sentido sem minha Zefa… Ela é o cume e o precipício dos meus dias!”. Resolvido, vai-se ao aparte da ex para propor-lhe um recomeço. Afinal, os três dias de solteiro só lhe trouxeram a certeza do seu sentimento. Moído de remorsos, ele pensa e chora ao volante. Decide, surdamente, nunca mais tocar num fio de cabelo da sua musa, senão para a boa paquera, a que valoriza o sexo frágil com todas as flores da sua merecida importância.
Em ziguezague, não demora a guarda interrompê-lo. Às luzes dos faróis que anunciam o seu acesso, Agostinho serpenteia entre a fileira de autos e carros grandes; exaspera a sua quilometragem feito quem se despede dos neurônios; berra a sua paixão suprema para os demais condutores, realmente pasmos com o estado da máquina espoletada, bem parecida com tantas outras dos noticiários.
A sirene do motociclista multiplica-se rapidamente. Agora são três ou quatro viaturas no reforço ao detentor do flagrante infracional. “Vão se fu… seus cornos!”, Agostinho pragueja à medida que acelera ainda mais; dois policiais o apertam lateralmente e insistem que ele encoste o mais depressa possível, antes que seja muito tarde. Mas Agostinho se culpa; sabe que a razão de Zefa ter se ido é dele. Sopesa as evidências e, sim, ela deve ter um a mais!… Pode estar com esse no momento; por isso morrer será alívio para quem ama a própria desgraça. Um maldito a menos no mundo!… Quero mais é que tudo se dane… Zefa, se você não voltar pra mim, oh! vida cruel… Leve-me ao inferno que mereço, por favor!
Enquanto a cuca girava tudo bem. O motorista descolado tira de letra alguns bobocas no seu encalço, mesmo sob a anestesia vodcânica. Mas o breu repentino só se desfaz à pista. Meio embaçado, Agostinho observa uma roda de pernas e rostos anônimos; pisca-pisca avermelhado do teto da ambulância; burburinhos maldizentes; gente da lei tomando nota das devidas providências. Aturdido, ele tenta erguer-se a fim de desempacotar as ocorrências: misturadas à sua bateria craniana. Mas a carcaça tonta puxa o arrego. Agostinho delira aos seus detalhes com Zefa, à proporção da sua rubra testa destilada; se dispersa pela roupa social amarrotada. Os dias perdidos de emprego sufocarão pela estima, ainda mais, a carreira manca de Agostinho. Um advogado beira de cadeia, com carteira cheia de 171.
Em poucos minutos de atendimento, Agostinho já liberara meio mundo dos seus particulares com a morena: ex-rainha das esquinas. Um polícia até pensa em retumbar a voz de sol quadrado, mas não tem argumentos suficientes. Atado à maca, Agostinho continua a ressoar sua prosa Rodriguiana. Saliva espuma às bordas da boca confessa; juramenta muitas vezes as suas condicionais: Se Zefa isso, se Zefa aquilo!…
Numa diligência, pareada a de Agostinho, segue outra vítima. No asfalto da batida, muitos abutres ainda lamentam a sobrevivência. Inclusive um dos atuais de Zefa, bem dedicado nos seus afagos à fêmea liberal atingida, antes do SAMU.
O trajeto atulhado, mais faz bem a Agostinho do que o contrário. Os efeitos da destilaria arrefecem-se. Tal permite uma coordenação quase perfeita no responsável pelos capotamentos, visto nele restar só arranhões da gravação ao vivo. Na boca do Pronto Socorro, Agostinho se rebela. Solta uma penca de xingamentos aos seus atendentes e se bota de pé; até as mães são rebarbadas. Quando quase de retorno, uma das acudidas lhe vem inusitada. Coincidência? Destino? Projeto divino? Conluio diabólico?
É ela! A causa dos seus despejos, projetos, protuberâncias testadas, dores e dores de cotovelo, mas sempre de volta ao repique das bordoadas: entre lençóis. Mas de uns tempos pra cá, ela digeriu esse troço de Maria da Penha e me exigiu respeito. Daí só subiu a concorrência.
Ela! Bem mais fraturada… Inerte no leito móvel guiado. Até respirador no narizinho desconjuntado. A morena o reconhece de pronto. Ofega em escala ao céu. Agostinho, no afã de tê-la normal aos braços, abunda do peito o nome mais doce: Zefa! Zefa! Interrompe o transporte por abates claros nos enfermeiros e esmurra, com veemência, a paciente esbugalhada. Zefa! Levanta… Levanta meu amor! Bate no tronco debilitado, bate, bate até as suas mãos fechadas serem suspensas por fardados. Agostinho se estrebucha para desfazer-se da presilha. Todo lacrimoso e dramático, ele mantém os seus chamados de trovão à querida até receber o comunicado. Um dos profissionais examina-a e notifica: Zefa respirava. Após relaxamento proposital de Agostinho, um dos grandões afrouxa a gravata. O agressor escorrega até o Porta Pistola mais próximo. Corre para ganhar a distância adequada e desintestina-se com um toque. Prejuízo ao pátio dos visitantes. Pelo menos a bateria craniana mudou-se. Se não de corpo, alma.
Valeu, Fábio. Tenho outra versão desse conto que eu simplifico a sua dúvida. Pode curtir o texto e compartilhar? Abraço!
Gostei da dinâmica do conto, sem pausa para respirar, meio que imerso na bebedeira/dor-de-corno do personagem.
Em alguns momentos a leitura deu uma travada, creio eu que por um certo regionalismo empregado.
Não entendi muito bem a “bateria craniana”.
Mas gostei, no geral.
Abraço!
Valeu, Fábio. Tenho outra versão desse conto que eu simplifico a sua dúvida. Pode curtir o texto e compartilhar? Abraço!