Acho ingrato esse meu ofício. O primeiro anjo, do primeiro túmulo, o que dá as boas-vindas aos que fazem a passagem. Não a eles realmente, mas sim ao que restou de seus corpos. Muitos deles vitimados por acidentes pavorosos, os doentes terminais, os que sucumbiram de repente, eliminados por vírus ou bactérias, seres infinitamente minúsculos e infinitamente poderosos, transformando humanos em pó. Dou meu alô também aos suicidas, pobres almas de triste fim, covardemente (ou corajosamente, sei lá) ceifando suas próprias vidas como semi-deuses. Canso de bater minhas asas, fechá-las e abrí-las sem parar, sem descanso. Vez ou outra consigo dar uma cochilada, mas logo escuto o bater dos sinos anunciando um novo corpo, um novo assassinato, um novo membro do grupo dos sem futuro na Terra (pelo menos por hora).
Se eu me incomodo com o choro dos familiares, dos amigos? Eu não. Meu trabalho e receber os corpos em sua nova morada. Sou um host, aquele que recebe os convidados para a ceia. Aquele que mostra o novo caminho (ou seria o velho caminho?). O DJ dos sepulcros, o ser alado e com cara de paisagem.
Perdoem-me o humor negro, mas não consigo ver outro sentido no meu ofício sem ele. O humor mórbido. Eu sou o despachante de cargas. Aquele que sempre existiu desde que esse mundo é mundo, desde que o Bing Bang eclodiu, e eis-me aqui desde quando Deus inventou de fazer esse planeta em sete dias.
Ando cansado, se não fosse um anjo, diria que estou ficando velho e sem paciência. Mas fui ensinado a pensar que os anjos são seres celestiais, dotados de paciência extraordinária, compaixão e compreensão pelas vicissitudes humanas. Pois sim, minha paciência só não se esgota porque é infinita …. infinitamente cansativa essa minha vida de mestre de cerimônias.
Já ví de tudo por aqui: almas confusas, soltas pelas vielas da necrópole, ávidas por atenção. Senhores feudais, princesas, prostitutas, desempregados, viciados, freiras, aleijados, jovens desnorteados, mães desoladas, pedófilos, justiceiros, médicos, cientistas, ladrões. Todos acabam no mesmo lugar, na última morada da Terra, a sete palmos, em belos caixões de mogno ou simples caixetas de pinho. Todos sem exceção, acabam ali sozinhos, se decompondo pouco a pouco, tornando ao pó.
Os que ainda tem a sorte (ou seria azar ?) de estarem vivos, murmuram, se lamentam, se revoltam. Alguns se desesperam e querem ir junto ao falecido. Outros fingem chorar, mas eu posso ver (não sem sentir um pouco de nojo) seus corações pululando de alegria pela morte do outro, talvez pensando na herança, na viúva, no carro, na casa, no apartamento de cobertura que o pobre deixou.
Desculpem-me o desabafo. É que não vejo a hora de subir de posto. Há séculos almejo por uma nova função. Ficar no posto de estátua da morte não me privilegia em nada. Sorte têm os risonhos querubins, com suas asas de pavão anunciando a onisciência divina. Melhor ainda, os serafins, os mais próximos de Deus. As potências com suas espadas flamejantes à serviço da proteção do meio-ambiente. As dominações, aclamados governadores do Universo.
A mim resta a incumbência de ciceronear os zumbis do além. Um dia minha paciência angelical há de se esgotar. Depositarei minhas asas num túmulo qualquer, vestirei umas sandálias e vagarei pelo mundo, ou pensando melhor, me transfiro para a Catedral de Notre Dame, travestido de gárgula. Vou inspirar os pesadelos dos humanos enquanto ainda exalam um sopro de vida, afinal, como eu já disse, humor sardônico é a minha especialidade. Mas, por enquanto, sejam todos bem-vindos.
Eu sou bem suspeita para comentar pois conheço bem os trabalhos da escritora. Eu achei muito interessante e nada convencional a narrativa, rssss, adorei a parte que o anjo se revolta e quer ir morar travestido de gárgula na catedral de Notre Dame, e como bem escreveu alguns colegas em seus comentários, é um texto muito diferente e que merece ser cuidado com muito carinho, já que em tempos de tantos vampiros, lobisomens, bruxas etc etc etc, pq não falar de um anjo e suas agruras ? Parabéns Lucia Almeida, a cada dia que passa eu me orgulho mais e mais com seus trabalhos ! continue a escrever, você tem um futuro brilhante, eu nunca duvidei disto !
Adorei a escolha do protagonista; pelo que me lembre, nunca li nada tomado o ponto de vista de uma estátua/anjo de um cemitério. Já o desenvolvimento não foi dos melhores. Reescrevendo, dá para fazer coisa bem melhor com o que tem em mãos.
Faltou jogar umas pedrinhas e agitar a superfície do lago. O ritmo encerra em si a estruturação de um e-mail ou algo do tipo.
Uma dica, escrever o conto a partir do ponto de vista do que os olhos de um anjo (estático) conseguem captar no cemitério, colocando as imagens na sequência, fazendo depois um mix de histórias. Achei e ideia fantástica, mas faltou esmero na execução.
A ideia de um anjo ‘recepcionista’ é bem legal. As impressões dele com relação ao seu ofício bacanas… Mas e aí?! Ficou faltando um conflito, algo que desse uma acelerada na pulsação. Um texto que merece uma reformulação.
Uma introdução bem interessante, mas sem conflito não há conto… Tut mir leid.
eu achei que om pobre anjo merece um desabafo! a ideia de que são perfeitos, puros, etc., é meio enjoativa, então vale o anjo abrir a boca! poderia haver mais historia, mas achei boa, diferente. eu gostei.
Sinceramente, não achei que faltou algo. Claro, você poderia desenvolver melhor a história, seria até interessante, mas para mim não faltou. Por ler e escrever muito sobre anjos, as descrições dele me incomodaram um pouco, pois sabemos que anjos não tem livre arbítrio, é o que os diferencia de nós. Mas como estamos nos tempos “modernos” de anjos e vampiros que podem até se apaixonar, eu gostei muito!! Parabéns!!
Pô, cara. Não faz assim. Desenvolve esse texto, a ideia é boa. Depois posta aqui e detona a gente.
Como disseram, um texto que funciona como introdução, e que ainda assim, carece ser revisto, modificando algumas passagens. Quem sabe depois dessa introdução, não viesse algo que o anjo presenciou, e que acabou por marcá-lo? Não sei, acho que ele deveria ter essa continuidade, onde aí sim teríamos o desenrolar de uma história… =)
Concordo com o Emerson: não é um conto. É um texto legal, sem dúvida, mas não é um conto. Não tem enredo, não tem início nem fim. É uma narrativa interessante.
Eu tenho algumas críticas como leitor, mas nada a ver com a forma da escrita e sim com o texto em si. Me senti obrigado a falar, apesar de não saber se estas coisas foram propositais ou não:
1) O anjo fala que esteve sempre presente desde o big bang. Você sabe que o big bang meio que vai contra o princípio da criação de Deus, não é?
2) Em certo momento o anjo fala “Mas fui ensinado a pensar que os anjos são seres celestiais, dotados de paciência extraordinária…” … se ele é um anjo, por que ele deveria ser ensinado a saber como ele mesmo é?
Conclusão: não fosse um concurso de contos, este texto seria mais chamativo. Como vim esperando uma história, acabei meio decepcionado.
Piscies, bom, não sei como dizer isso aqui, mas fiquei com vontade de falar quanto a sua primeira observação: não sei qual a sua religião ( eu sou católica), mas quando fazemos um estudo Bíblico, descobrimos que a parte da Bíblia que vai de Adão e Eva até o Dilúvio não aconteceu de verdade. A verdade é que não há certeza, mas esses textos estão lá para nos dar uma ideia – tanto é que eles são cheios de mensagens subliminares. O correto, para nós, seria o ponto de vista de que Deus criou o Big Bang e assim o conto estaria correto. Mas cada um tem suas crenças…
Oi Thais =)
Sim cada um tem suas crenças, mas é de consenso geral que os cristãos vão contra a teoria do big bang. Cristão, por definição, acredita na bíblia. E a bíblia fala que Deus criou a terra em sete dias, e não que ela surgiu de uma explosão.
Não estou criticando nenhuma crença nem nada, por favor (rs). Só estou dizendo que anjos são figuras bíblicas (ao menos o anjo descrito no conto é) e que a bíblia é contra o Big Bang. É claro que existem as interpretações… mas o consenso geral é que a crença da criação vai contra a teoria do Big Bang.
Mas enfim, por isso falei que eu me senti na obrigação de falar, “mesmo sabendo que ele pode ter feito isso de propósito”: vai que ele colocou esta ideia no texto justamente para fazer este tipo de crítica… ; )
O que houve? Onde está a história?! Você nos deu uma introdução maravilhosa e parou por aí… Prometeu e não cumpriu! Uma pena… Estava muito bom.
Este texto é um magnífico exemplo de como ter uma ótima ideia e não fazer absolutamente nada com ela.
Achei bem interessante, mas a mim parece mais uma introdução. A impressão que me deu foi de que após a apresentação do anjo é que se seguiria a história. Só que não, rs. Confesso que esperava mais, não sentido da escrita em si, mas da história que não existiu. Está bem escrito e tem boas qualidades – sobretudo a ironia – mas, a meu ver, faltou alguma coisa.
Ideia original o ponto de vista do anjo de cemitério. O final com o seu desejo de fuga, deixando o seu lugar como host do cemitério revela humor e certa ironia ao dar as boas vindas a todos – leitores(?)
Boa narrativa e excelente ponto de vista. Parabéns.
Apesar da originalidade ficou vago. E uma revisão um pouco mais detalhada fez falta.
Gostei muito da narrativa. Um abraço!
Gostei muito da narrativa. Parabéns pela escrita.
Grande conto, o ponto de vista é inegavelmente original. Bela narrativa.
Gostei da narrativa! Muito bem escrito.