EntreContos

Detox Literário.

O Cavalo de Nietzsche (Daniel Reis)

1 – Ichi (一)

Foi há algumas semanas.

Lembrei do que meu avô me disse um dia: “na vida, algumas vezes, a gente perde; mas, em outras, se é derrotado – até por si mesmo”.

Aconteceu enquanto eu olhava a paisagem passar rápido pela janela do trem-bala, na viagem de ida entre Yokohama e Nagoya. Sozinho no vagão, hipnotizado pela velocidade constante com que se sucediam à margem da ferrovia os postes de luz acesos e borrados pelo movimento, eu ruminava a intenção de contar à minha avó, sem rodeios, que havia fracassado miseravelmente na audição pública de final de semestre na faculdade de música. E que não estava mais disposto a continuar sofrendo sobre as teclas do piano por não ter o talento necessário para ser o grande concertista que ela tanto sonhara em ver nos palcos do mundo, um dia.

É verdade que eu poderia ter ido há dias tratar disso, ou mesmo antes, ao longo do semestre, só para ver como ela estava. Mas procrastinei o quanto pude, até os últimos dias de férias, para que a decisão chegasse a um ponto irreversível.

Eu tinha medo, mas era de decepcioná-la. A mulher que me criou na ausência de minha mãe, que abdicou da carreira de professora de piano para cumprir, junto com meu falecido avô, a sina a que pareciam predestinados ambos, por duas gerações. Assim foi com o filho deles, meu pai, que se perdeu no mundo e, um dia, apareceu do nada na minha frente, tão logo soube da morte do meu avô. Felizmente não permaneceu nem uma semana conosco e desapareceu de novo, levando consigo uma sede insaciável por aventuras e algum dinheiro da herança, o qual com certeza deve tê-lo colocado em alguma garrafa de saquê.

Na verdade, eu sentia vergonha de mim mesmo por fazê-la passar por isso, mais uma vez.

Nesta fase da vida, homem feito de vinte e tantos anos com esse fracasso na carreira, a alternativa seria encontrar um trabalho braçal e buscar outros caminhos. Não teria cabimento continuar a depender da minha avó para as despesas, morando em Yokohama, exaurindo o pouco dinheiro que lhe restava. Mas sabia que largar o curso agora, depois de tanto sacrifício que eles fizeram por mim, não seria honrado de minha parte.

Quando o trem entrou em um dos túneis da ferrovia, minha atenção se desviou para o interior do vagão:  no letreiro eletrônico de LED, instalado sobre a porta do vagão, corria um texto em letras garrafais anunciando outra novidade tecnológica como “a mais incrível dos últimos tempos”. A marca era Memorīmashin (メモリーマシン).  Achei interessante o nome, misturando tradição e modernidade, mas não entendi exatamente o que aquele equipamento seria capaz de fazer por mim.

2 – Ni  (二)

Cheguei em Nagoya já no início da noite, e fazia bastante frio. Bati três vezes à porta da casa onde nasci, e não tive resposta. Lá dentro, ouvi um barulho surdo e uma luz tênue acendeu no segundo pavimento, onde ficavam os quartos. Minutos depois, vi por trás da cortina na janela da frente o vulto franzino que se aproximava, com passinhos miúdos.

Já ao abrir a porta, percebi que ela estava mais frágil do que de costume. Baixei a cabeça e ela me abraçou, sem muita força nos braços, mas com todo o calor do coração.

Sentamos à mesa baixa, sem muitas palavras, e ela me serviu um chá bancha, bem simples. Sentou-se ao meu lado e esperou que eu iniciasse a conversa.

— Como estão os seus dedos da mão direita?

— Melhoraram bastante, desde o último verão — ela procurou novamente com os olhos o piano de parede no canto da sala, agora praticamente abandonado por ambos.

Reparando bem, ela não aparentava ter quase oitenta anos. De alma, eu sabia que ela tinha milhares de eras.

— Tem recebido o dinheiro? — ela foi direto ao ponto.

— Sim. É mais do que o necessário para as despesas que tenho lá. A senhora… não precisa desse dinheiro, para se manter? Sei que a pensão do avô é pequena, e a senhora se sacrifica todo mês…

— Não se preocupe. Seu avô foi um funcionário exemplar da companhia, e eles fazem questão de honrar o compromisso que assumiram com ele, enquanto eu estiver viva. Não preciso mais do que um tantinho, que é para manter nosso piano afinadinho.

Senti que ela queria que eu o tocasse, mas comecei a introduzir o assunto que me trouxe até ali:

— Estou de novo com uma inflamação no túnel do carpo, nos dois pulsos, a senhora sabe como é — não posso tocar nada agora…

Ela sabia muito bem, pois também havia passado por isso, só que acabou curada. Mudou de assunto:

— Não tive mais notícias do seu pai. Nem sei para onde mandar o dinheiro dele. Então, sobra até mais para eu mandar para você.

Ela ainda esperava, todo dia, alguém voltar para casa.

— Eu estava pensando — comecei a puxar o assunto que me trouxe até ela — eu  poderia voltar e procurar um emprego, quem sabe fazer outro curso, e ajudar com as despesas de casa…

— Você lutou tanto por essa vaga na universidade de Yokohama, precisamos até pedir a intercessão do patrão do seu avô,  Sr. Miyamoto, que deu essa bolsa paga pela empresa…

Baixei a cabeça por um momento e respirei fundo.  Mas não falei nada. Ela percebeu que eu estava cansado.

— Seu quarto está pronto. Quando quiser, fique à vontade para descansar da viagem.

3 – San  (三)

Deitado no tatame do cômodo amplo,  com o rosto iluminado só pela luz do celular aceso enquanto navegava por mensagens e notícias, eu tentava distrair a mente da conversa que havia adiado para o dia seguinte. Eis que surgiu de novo, agora no feed, uma publicidade insistente exaltando o tal do Memorīmashin:

“A nova Memorīmashin é a única máquina de inteligência artificial de sexta geração, que permite, além da construção personalística do avatar,  a customização integral e assertiva de dados fornecidos pelo próprio usuário, criando ou recriando o avatar desejado. É só inserir as informações básicas, vídeos, áudios e textos escaneados, que a Memorīmashin recria e vai além do básico, praticamente recriando uma nova realidade para você!”

“E mais:  a nova Memorīmashin vem com projetor dimensional e som imersivo 3D integrado, com tecnologia que reproduz não só as cores, tonalidade e nuance da persona escolhida, mas possibilita até criar novos movimentos, cores e sons compatíveis com o modelo escolhido. Tudo isso ao vivo, em tempo real!”

Clique no link e garanta…

Levantei-me e acendi o abajur. Fui até o velho baú de carvalho, onde estavam guardadas as minhas lembranças da infância, e comecei a fuçar: fotos antigas, fitas cassete do meu gravador de brinquedo, algumas fitas VHS feitas em viagens e aniversários, papéis e cartas ainda escritas à mão.

Separei o que podia ser útil e coloquei na mochila.

Saí ainda de madrugada, sem ao menos me despedir da minha avó, deixando apenas um bilhete lacônico. Inventei que havia recebido uma mensagem no meio da noite, e que precisava retornar a Yokohama no primeiro trem da madrugada.

4 – Shi (四)

Ao chegar no meu quarto do dormitório da faculdade, abri a mochila sobre a cama e separei o que poderia ser digitalizado ali mesmo, com fotos no celular, e o que precisaria levar ao laboratório de imagem e som do curso de Produção Audiovisual. Lá, nós tínhamos acesso a equipamentos jurássicos, como videocassetes para as mini-VHS, walkmans ou players de K7,  CD e DVD,  para as mídias digitais. Fotografei o que foi possível, seguindo as instruções do site, e o resto das coisas levei ao laboratório, que estava vazio e disponível naqueles últimos dias antes da retomada das aulas. Isso me permitiu assistir, mesmo que em modo fast forward, cenas que eu já tinha até esquecido.

Tudo salvo no HD externo, voltei ao quarto e fiz o upload para o site do fabricante do material mais significativo — fotos, vídeos, sons, tudo o que deixou de existir em outra era da minha vida.

Upload completo.

Selecione a opção de pagamento e endereço para o envio da sua unidade exclusiva Memorīmashin, que deve chegar nos próximos sete dias.

Apertei o enter, com o coração apertado pela expectativa.

5 – Go (五)

Dois dias depois, na recepção chegou uma caixa com meu nome, hermeticamente embalada. Estava tão ansioso por testar o novo equipamento que usei uma faca de cozinha para rasgar a fita adesiva e arranquei com as mãos o plástico bolha que envolvia as partes soltas do produto. Admirei como o design era simples, consistindo em uma base de som redonda e uma tela superior, inclinada, com função de projetar imagens à frente, em 3D.

Claro, não consegui fazê-lo funcionar por conta própria, usei o celular para consultar o PDF online do manual de instruções.

Dizia:

“Acople a tela projetora (A) à base sonora (B) na ranhura marcada em vermelho na ilustração 1, no sentido indicado, até ouvir um clique.”

Clique.

“ATENÇÃO: não obstrua as laterais do aparelho, pois nelas estão as câmaras detectoras de movimentos e expressões, que permitirão sua interação virtual com o avatar Memorīmashin. Projetá-lo em uma sala escura, ou semi-obscura, pode gerar resultados ainda melhores do que em ambientes muito iluminados.”

Desliguei a luz do quarto, mantendo apenas o brilho do celular à minha frente.

“Uma vez montada toda a estrutura de hardware da sua Memorīmashin, inicie pela primeira vez o sistema operacional pré-instalado pressionando a tecla cinza localizada na parte inferior da base (B) e respondendo, em voz alta, seu nome de usuário e senha cadastrados pelo site”.

Essa última parte foi bem rápida.  A tela piscou algumas vezes, e uma voz feminina neutra confirmou que eu havia pronunciado corretamente as informações do login.

A tela inclinada projetou uma luz suave à frente do aparelho, até uns 40 centímetros de distância, onde formou-se com foco nítido uma imagem.

Era o rosto do meu avô.

Sua fisionomia parecia um pouco mais jovem do que minhas lembranças, talvez porque no material que coletei,  tanto em vídeo e áudio como em fotos, ele estava mais novo do que nos últimos anos em que estivemos juntos. Mas a inteligência artificial fez um bom trabalho: reconstruiu detalhes de seu cabelo grisalho, sua barba aparada e o mesmo olhar profundo e inteligente que ainda existia em minhas lembranças.

A qualidade de síntese e reprodução da voz era impressionante. Praticamente idêntica, só que aprimorada sobre os áudios originais de outras décadas. Do alto falante saiu o timbre inconfundível, da voz potente e clara, que ele usava para me desafiar:

— E então, otokonoko (男の子 ), vamos jogar xadrez de novo?

6 – Roku (六)

Uma experiência surreal: ter à minha frente, numa luz holográfica, a projeção do que seria meu avô ainda vivo, olhando por sobre o tabuleiro de madeira machetada, com as peças de xadrez em formação inicial, entre nós. Tabuleiro que havíamos usado milhares de vezes, e onde ele me havia ensinado todos os movimentos das peças do jogo milenar.

Em tese, a capacidade mimética da inteligência artificial havia  conseguido não só trazer de volta a figura de uma pessoa morta há mais de dez anos, com seus maneirismos e memórias, capturados a partir das amostras enviadas; mas acrescentar a eles a capacidade de conversação e de emitir ideias coerentes com a personalidade original. Para isso, utilizou-se não só dos dados originais (as memórias que eu coletei do baú), mas de tudo o que estivesse disponível na rede mundial de computadores, para emular informações complementares ou inexistentes sobre meu avô.

Resolvi pô-la à prova, perguntando:

— Avô, você se lembra de mim?

7 – Shichi (七)

Os movimentos do jogo alternavam-se, com o avatar apontando a peça e casa de destino a cada vez que era seu turno; e todo lance trazia sua fala suave, pausada e calma, como quem conta casos que sua memória guardou para mim por tanto tempo — ou talvez os que recebera como programação binária.

Seria uma surpresa e tanto para minha avó. Esse era o presente que eu pretendia entregar a ela, muito em breve.

O avatar falou coisas que eu não tenho como lembrar ou comprovar, mas que acredito serem muito plausíveis de terem acontecido. Sobre como eu fui deixado aos cuidados dele e de minha avó,  após o falecimento da minha mãe biológica; de como meu pai se afastou de nós todos por não saber lidar com toda a sua dor; dos meus primeiros passos, dos meus problemas na escola, das coisas que eu fazia ou dizia na infância, das pescarias nas montanhas, dos conselhos que eu pedia a ele, sempre que estava em dúvida ou apuros.

Não sei como uma máquina dessa poderia inventar tudo aquilo. Meu entendimento racional admirava o modelo de linguagem desenvolvido, uma maravilha da ciência. Mas meu lado emocional não deixava de sentir-se tocado por tantas palavras que, mesmo não sendo de uma pessoa de verdade, em carne e osso, despertavam memórias esquecidas, e revelavam emoções que efetivamente vivemos, eu e meu avô, enquanto ele ainda estava conosco.

Num momento de distração, deixei o cavalo da dama vulnerável, exposto ao seu bispo. O holograma não vacilou, e apontou para que eu tomasse com este a peça desprotegida — colocando meu rei em xeque-mate.

— Preciso mais uma vez de um conselho seu sobre a minha vida — tomei coragem de perguntar, ao derrubar meu rei sobre o tabuleiro, em rendição ao avatar.

8 – Hachi (八)

Falei então sobre todas as minhas dores: a saudade de casa, as frustrações com os relacionamentos amorosos, a insegurança numa cidade hostil e estranha; o fato de morar distante da minha avó; e, sobretudo, a situação específica de ter de desistir de uma oportunidade de ouro, e que eu não soubera aproveitar por pura falta de confiança no meu esforço e talento como pianista. Eu me sentia oprimido e derrotado, sem saída, naquele momento.

Quando terminei de abrir meu coração ao holograma, a figura do meu avô sorriu, balançando a cabeça para cima e para baixo, exatamente como eu lembrava que ele fazia quando tinha uma parábola a contar sobre o assunto da conversa.

A luz da projeção holográfica piscou, e apagou, deixando o quarto na mais completa escuridão.

Falha de conexão.

Naquele momento, o Memorīmashin estava buscando na rede externa as informações adicionais necessárias para formular sua resposta. Tive receio que o shutdown houvesse corrompido a memória do aparelho.

Mas, em menos de um minuto, o avatar ressurgiu à minha frente, para prosseguir a conversa interrompida:

— Você já ouviu falar de um homem chamado Nietzsche?

 9 – Kyuu (九)

Foram estas as palavras do meu avô:

— Me contaram uma vez que ele era um filósofo alemão muito raivoso, que vociferava contra tudo e contra todos, que fazia questão de contrariar o senso comum e as pessoas, sempre que possível. E, conforme se dizia, era um sujeito irascível, intratável, que se considerava intelectualmente acima do resto da humanidade. Declarava-se o único responsável por suas decisões e por seu destino, sem depender de nenhum outro ser humano ou força espiritual.

— Pois esse mesmo homem, com o tempo, passou a duvidar de muitas coisas, de si mesmo e das suas verdades absolutas. Até que descobriu, e contou aos outros, que “Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha de volta para você”.

— Um dia, Nietzsche estava na Itália, passeando por uma rua movimentada, quando viu um cocheiro chicotear um cavalo magro com tanta violência que este arqueou os joelhos, desabando sobre o calçamento de pedra. Sem vacilar, ele correu até lá e abraçou o animal, protegendo-o e implorando o seu perdão, enquanto chorava como quem abraça definitivamente o abismo.

— Desse dia em diante, o filósofo nunca mais foi o mesmo. Acabou internado num hospício, sem emitir palavra ou mesmo se expressar de qualquer outra forma. Acabou morrendo alheio a tudo e a todos.

— Porém, diz-se que uma coisa muito estranha passou a acontecer no hospício, até o dia da sua morte: por vezes, o tabuleiro de xadrez mantido à disposição dos internos e funcionários, e muitas vezes abandonado ao final do dia tal como estava, em partidas incompletas, amanhecia com todas as peças perfeitamente alinhadas para o início de um novo jogo. Mas sem nenhum dos quatro cavalos, nas respectivas casas.

— A direção da instituição comprava então só essas peças avulsas para reposição.  Em questão de dias ou  semanas, os novos cavalos desapareciam de novo do tabuleiro.


— Mais um detalhe: desde que havia sido internado lá, ninguém nunca viu Nietzsche levantar de sua cama, onde permaneceu prostrado pelo resto de seus dias.

— E ele mesmo havia comentado, anos antes, que sempre se recusara a aprender como se joga xadrez, pois não gostaria de obedecer a tantas regras. Sequer sabia como arrumar as peças do jogo no tabuleiro, para iniciar uma partida.

(Hoje, me pergunto: seria tudo isso o que ele disse só a alucinação de mais uma inteligência artificial?)

10 – Juu (十)

Naquela noite o tempo passou muito rápido. Jogamos outras partidas, em silêncio, até o sol nascer. E em nenhuma delas usamos quaisquer cavalos sobre o tabuleiro, pretos ou brancos. Deixando seus espaços vazios, transformando essa restrição em possibilidades de novas saídas e estratégias, e causando desenlaces imprevisíveis.

E quer saber? Duas vezes seguidas ele me venceu, surpreendentemente sem muita vantagem — mesmo com todo o conhecimento disponível ao seu alcance pela rede mundial, e com seu acesso ilimitado ao registro dos grandes mestres, ao longo da história. Ao que parece, a Memorīmashin não foi capaz de localizar dados suficientes sobre jogos de xadrez nos quais se excluíram, desde o início, os cavalos de ambos os jogadores.

Já nas últimas três partidas, eu finalmente o venci — ou, se preferir, a máquina deixou que eu o vencesse.

Exatamente como fazia meu avô, quando eu era criança.

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Avatar de Desconhecido

19 comentários em “O Cavalo de Nietzsche (Daniel Reis)

  1. Andre Brizola
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de Andre Brizola

    Olá, M!

    Quando tive a minha primeira ideia para um conto envolvendo o xadrez, ela envolvia o jogo entre avô e neto. Não como você fez aqui, envolvendo a tecnologia, mas também envolvia a questão da morte. Penso que você criou algo bastante interessante no que diz respeito à ambientação, mas o resultado final me soou estranhou. Vou tentar especificar melhor abaixo.

    Técnica – Gosto muito e sou fã da divisão de capítulos. Essa proposta permite um desenvolvimento mais simples, garante organização do texto e, num enredo que envolve deslocamento físico do personagem, ele acaba auxiliando o leitor. Quando o autor consegue fazer essa divisão de forma inteligente, como foi o caso aqui, os capítulos funcionam muito bem. Entretanto, achei que no começo do conto, sobretudo na contextualização da situação do personagem, a opção pelo excesso de descrições não foi a melhor, e isso gerou algumas frases muito longas, algumas vezes confusas, que travam a leitura. Vou dar um exemplo: a mulher que me criou na ausência de minha mãe, que abdicou da carreira de professora de piano para cumprir, junto com meu falecido avô, a sina a que pareciam predestinados ambos, por duas gerações. Uma frase extremamente longa, cheia de orações menores, e com uma infinidade de informações. E é até difícil de organizar tudo isso enquanto se está lendo. Não digo que você deveria optar por dividir isso em construções mais curtas, mas entendo que você facilita para o leitor se o fizer. A frase seguinte, no mesmo parágrafo, vai no mesmo caminho, e algumas outras no decorrer do texto também. Quando entram os diálogos a coisa muda, e o texto flui. Então acho que faltou um pouco de equilíbrio.

    Enredo – Gostei, mas achei que está inacabado. A ideia da viagem, da descoberta, do paralelo entre o tradicional da cultura japonesa e da tecnologia ultra avançada capaz de reproduzir um holograma quase com o mesmo comportamento de alguém já falecido é interessante. E eu estava bastante envolvido com a história quando… ela acaba. Meio sem solução para o problema do personagem e sem solução para o problema criado no conto, que é a viagem e a preocupação com a avó, largada no meio da noite e sem nenhum tipo de satisfação a não ser um bilhete com uma mentira. Esse final me fez achar que o que li antes não é ajustado e, tal qual o aspecto técnico do conto, mostra desequilíbrio.

    Impacto – Gosto de escrever o comentário dias depois de ter lido o conto, para entender como ele vai se encaixar na minha cabeça. E, como tenho assistido a muitos animes esses dias, tenho tentado enxergar esse conto como uma história contada por um ponto de vista não ocidental. Pois existem diferenças. E isso fez com que eu acabasse lembrando d’O Cavalo de Nietzsche nesses dias. Mas ainda assim, não sei se gosto do desequilíbrio que apontei.

    Conclusão – Acho que há partes muito boas e algumas falhas a serem corrigidas. Muito potencial a ser explorado num conto com mais “espaço”, inclusive. O tema é atendido, com absoluta certeza. Mas acho que, num panorama geral, acabo meio decepcionado.

    Bom, é isso. Boa sorte no desafio!

  2. Rodrigo Ortiz Vinholo
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de Rodrigo Ortiz Vinholo

    Pensativo e inconclusivo… no bom e no mal sentido para ambos. Eu gosto de histórias filosóficas, de caminhos abertos, e da indecisão de personagens, já que a vida é cheia disso, mas fico em dúvida, aqui, se não faltou fechar com mais clareza alguns elementos da trama. Claro, há coisas decididas desde o começo e conflitos que caminham para certo fatalismo conforme a história avança, mas a impressão que ficou para mim é que a história seria melhor aproveitada com ainda mais espaço. De todo modo, excelente escrita e boa exploração dos temas propostos.

  3. leandrobarreiros
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de leandrobarreiros

    Eu acho que a narrativa está impecável, no que diz respeito a conduzir o leitor. Temos um cenário diferente que se passa no Japão, com um problema clássico de desejo x expectativas e ideias interessantes de ficção científica.

    O problema do texto para mim foi a sensação de ausência de resolução em diferentes partes da história.

    Entendi que, ao jogar sem os cavalos, o rapaz está se preparando para se libertar das escolhas que foram tomadas por ele, provavelmente daí a opção pela alusão a Nietzsche.

    Mas o que o rapaz vai fazer? Não sei. Como a sua avó reagiu à decisão dele de tomar as próprias decisões? Não sei. Como ela se sentiu ao ver a projeção do falecido marido, se é que viu ou verá? Não sei.

    E esses não são meio que elementos acidentais da trama em que eu, como leitor, estou exigindo resposta. Eles meio que foram propostos pelo autor e são o ponto de tensão do texto. Mas parece que o ponto de tensão não foi solucionado. Ou foi solucionado e não vemos os desdobramentos.

    É claro que posso ter entendido o texto completamente ao contrário também.

    Enfim, ainda vai ter uma nota minha razoável pela técnica narrativa, o que eu considero o mais importante, mas essa ausência final me incomodou, especialmente por se tratar de uma ótima narrativa.

  4. Kelly Hatanaka
    12 de dezembro de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Considerações

    Estudante de música se sente fracassado e não sabe como conduzir sua vida. Deve desistir da música e se concentrar em soluções práticas? Deve insistir para agradar sua avó? Ele vê propagandas de uma máquina que promete reconstruir avatares a partir de memórias e a usa para conversar com seu avô e se aconselhar.

    O avatar de seu avô o convida a jogar xadrez e, durante o jogo, o aconselha, usando a história do cavalo de Nietzsche.

    É um conto muito bom, com uma ambientação ao mesmo tempo dark e familiar. O clima futurístico casa muito bem com os demais elementos

    Gostei ou não gostei

     Gostei. Achei muito bonita a interação entre o rapaz e o avô e os detalhes não explorados sobre a vida dele, como o abandono paterno. Pensei que a qualquer momento o pai apareceria.

    Pitacos não solicitados

     O conselho do avô poderia ganhar mais destaque e clareza. Não sei se entendi a história do cavalo de Nietsche e como ele se relacionaria com as dúvidas do rapaz. No jogo, ok, a ausência dos cavalos, mais do que ausência, trouxe possibilidades. Mas, e quanto a história? O que o avô quis dizer com ela?

  5. Fabio D'Oliveira
    12 de dezembro de 2025
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas!

    O conto está muito bem escrito. E organizado. Eu adoro textos bem organizados. É como um bom prato de comida chegando na mesa do restaurante. Primeiro comemos com os olhos. Acabo tendo mais prazer durante a leitura de um texto organizado e bonito. Mandou bem demais, nisso. E no restante da história, também. Não posso dizer que o texto me cativou, mas a temática dele é muito interessante. Não é melodramático, trabalha com conflitos relevantes e entrega uma leitura prazerosa. 

    O ponto alto é o conceito do Memorīmashin (Memory Machine, gostei muito do nome e me lembra muito algumas propagandas japonesas, HAHAHAHA). O uso de referências físicas, como diários, fotos, provavelmente dados da Internet e de algum banco de dados governamental, para a criação de um holograma que age, pensa e fala como a pessoa amada.

    A história pode não ter me conquistado, não achei o protagonista interessante, tampouco seu conflito (muito retratado na cultura japonesa), mas é inegável a qualidade deste trabalho. Parabéns!

    Boa sorte no desafio!

  6. Suzy D. B. Pianucci
    9 de dezembro de 2025
    Avatar de Suzy D. B. Pianucci

    Me senti num dorama, visualizei a doçura do avó idosa e vi seus passos curtos. O texto é atual e com linguajar de fácil compreensão, com avatar e poesia , gostei do final quando o suposto avô o deixou vencer.

  7. Pedro Paulo
    9 de dezembro de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    Este é mais um conto bem escrito cuja história parece abarcar o xadrez como uma obrigatoriedade. É curioso que há múltiplas abordagens, mas não sinto que nenhuma funciona muito bem: o xadrez com o avô poderia ser sinuca. Não senti que o cavalo de Nietzsche se comunicar muito significativamente com o enredo e, assim, o final me veio abrupto. A catarse do conto é mesmo a falta de conclusão, mas não passa a sensação de que falta alguma coisa.

  8. claudiaangst
    8 de dezembro de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem?

    O conto aborda o tema proposto pelo desafio, trazendo o jogo de xadrez como metáfora relacionada a decisões quanto aos rumos da vida. As estações de trem também têm essa simbologia das direções tomadas.

    O texto aborda o contraste entre o moderno (futurismo) e o antigo (tradicional). O Japão funciona como pano de fundo para mostrar essa sobreposição: o país apresenta tecnologia moderna, mas também reverencia as tradições milenares.

    Os avós do protagonista representam o passado que deve ser respeitado, enquanto a IA mostra os caminhos que a modernidade oferece como, por exemplo, o uso do Memorīmashin.

    O passado aparece novamente na passagem: “[…] o velho baú de carvalho, onde estavam guardadas as minhas lembranças da infância, e comecei a fuçar: fotos antigas, fitas cassete do meu gravador de brinquedo, algumas fitas VHS feitas em viagens e aniversários, papéis e cartas ainda escritas à mão.”

    O avatar do avô, criado pela IA, representa a dualidade: memórias do passado e a tecnologia futurística. O quanto era real o passado ali representado? O quanto era tudo invenção de uma inteligência artificial com o rosto do simpático senhor?

    No geral, o conto está bem escrito, não apresentando entraves que prejudiquem a compreensão da narrativa. Encontrei poucas falhas de revisão:

    • […] o qual com certeza deve tê-lo colocado em […] > […] o qual com certeza deve ter colocado em […]
    • Apertei o enter, com o coração apertado > repetição de apertei/apertado
    • Repetição muito próxima de “acabou”

    O desfecho apresenta o tabuleiro sem cavalos, o que pode ser uma referência à história do cavalo maltratado que causou o colapso de Nietzche.

    Um bom conto que deve alcançar uma boa posição no rank.

    Parabéns pela sua participação nesta última rodada. Boa sorte!

  9. LEO AUGUSTO TARILONTE JUNIOR
    26 de novembro de 2025
    Avatar de LEO AUGUSTO TARILONTE JUNIOR

    Seu conto ficou excelente. Você conseguiu usar com maestria o jogo de xadrez como parte de sua trama. Gostei da ambientação em um futuro próximo, com leves toques de ficção científica. Sua narrativa é bastante emocionante e bem construída.. fiquei pessoalmente tocado pela abordagem da temática da projeção dos desejos dos mais velhos sobre as gerações mais jovens. Talvez o único problema seja a falta de conexão entre alguns trechos de sua narrativa. Isso quebrou o levemente minha imersão na história. Espero que a minha crítica ajude você a evoluir em sua escrita. Também agradeço por você dividir comigo um pouco do seu universo literário. E desejo ler outros contos seus nos próximos desafios.

  10. Sarah S Nascimento
    25 de novembro de 2025
    Avatar de Sarah S Nascimento

    Olá! Em primeiro lugar, eu adorei que seu conto tenha se passado no Japão. Eu amo a cultura japonesa, então de cara já curti a ambientação, os nomes, cidades, o trem bala. Muito legal!
    A temática é bem interessante, mais introspectiva, reflexiva, detalhes muito delicados e sentimentais, como a criação pelos avós, a falta que o avô faz e a decisão do rapaz de sair da faculdade de música.
    Sentimos o quanto ele se sente sufocado com a pressão de ser quem a avó sonha, achei excelente a conversa mostrando o quanto ela se sacrifica pra ele ter uma vida boa ali na faculdade, provavelmente pagando moradia pra ele e outras coisas.
    Achei muito legal a introdução da história sobre o Nietzsche e os cavalos que desapareciam. O próprio jogo de xadrez do neto com o avô holograma, eu adorei isso!
    A partida de xadrez, as reflexões e perguntas do neto ao holograma, mostra um apego, um carinho e uma necessidade de validação. Toda a interação é muito boa e interessante de assistir.
    dá pra compreender o amor e a saudade que o rapaz sente, o quanto ele era próximo do avô no passado e as boas intenções do neto em dar o holograma de presente ali pra avó dele. Achei isso fofinho.
    Apenas duas coisas me incomodaram. A primeira foi não saber qual foi a decisão final dele. Ficar na faculdade ou não.
    O segundo ponto foram as descrições da montagem do aparato ali pra ser feito o holograma. Digo as instruções sabe? Eu entendo que você tenha colocado isso para a questão do realismo da cena. Porém, trechos onde fica tudo muito… como posso dizer… com descrição de passos a seguir, isso me perde, me tira do conto, me desconecta dele.
    Mas como já falei foi muito bem escrito, tudo construído de forma muito bem feita.

  11. marco.saraiva
    23 de novembro de 2025
    Avatar de marco.saraiva

    Um conto bonito e profundo, onde acompanhamos o personagem principal em uma das muitas encruzilhadas pelas quais passamos na vida: qual carreira seguir? Qual oportunidade abraçar? Devo continuar tentando andar por este caminho que tenho andado, mesmo quando parece que não vai levar a lugar algum?

    A vida do personagem principal é pesada não só pela visão que tem de si mesmo como um fracassado, mas também pela expectativa da avó, que cuidou dele como mãe. Na falta de uma figura masculina, ele corre atrás de tecnologia de IA para refazer a imagem do avô e tenta se encontrar durante partidas de xadrez com o holograma.

    A chave do conto está nesta segunda parte, a conversa com o avô. Aqui, o personagem tenta se encontrar, usando a inteligência artificial como estímulo. Algo no fundo da sua mente diz que ele está falando apenas com um algoritmo, mas isso não importa, pois as palavras que saem da IA são, no mínimo, interessantes. E o fazem refletir. No final, a reflexão sobre Nietzsche o ajuda a tentar pensar sobre a vida fora da caixa, jogar o jogo com regras diferentes, tentar encontrar um caminho onde antes não havia passagem. E é nesta forma de pensar que ele se encontra, derrotando a inteligência artificial no final como símbolo para o próprio triunfo sobre o seu sofrimento. Não sabemos qual foi o caminho que seguiu: será que, diferente de Nietzsche, o personagem encontrou sentido na fé, em uma força externa a ele mesmo? Será que encontrou um novo significado ou objetivo para a sua vida? Não importa. A ideia é que ele, ao ver a vida de outro ângulo, ao “abraçar o cavalo caído ao invés de aceitar que este tipo de coisa acontece”, encontrou nova energia para seguir em frente.

    O conto também aborda sutilmente a terrível armadilha que é lidar com Inteligências Artificiais. Apesar de o personagem, no final, ter um desfecho positivo, ele não percebe o próprio sacrifício que faz. Afinal, ao invés de conversar com a própria avó para encontrar o seu caminho na vida – ou com um amigo ou qualquer outro ser humano que o apoie – ele encontra consolo na IA. É o fim da humanidade: onde todas as trocas entre seres humanos terminam. A efetiva substituição de uma conversa sincera por uma enxurrada de palavras calculadas por um robô, que se disfarça de gente.

    Além disso, o conto está muito bem escrito, e tem uma série de pequenos simbolismos interessantes, talvez até acidentais. Por exemplo, o capítulo cinco é escrito “GO” em japonês, e é justamente o capítulo onde começa a nova fase do conto, onde ele tomou uma decisão e agora vê os resultados. O “go” aqui também com um significado em inglês, ao meu ver. E o capítulo dez, no final, cujo diagrama parece uma cruz, simbolizando não só o fim da narrativa como também o avô falecido. Posso estar enxergando coisa onde não há nada? Claro que sim. Mas curti, de qualquer forma!

  12. leila patricia de sousa rodrigues
    22 de novembro de 2025
    Avatar de Leila Patrícia

    Esse texto poderia ter sido excelente, mas não foi. O autor escolheu um tema pesado, e depois  tratou como se estivesse pisando em ovos. A ideia é muito boa — luto e tecnologia misturados — mas faltou (coragem?) para ir até onde esse encontro realmente merecia. O texto trouxe a ferramenta tecnológica como um atalho emocional, mas pendeu para um quase truque, e isso enfraqueceu o conflito. Tudo se resolveu fácil demais, rápido demais, sem fricção.

    A fusão entre ficção científica e drama familiar também não se amarrou totalmente. Pareceu que o autor tinha dois contos nas mãos e não decidia qual queria contar. A camada filosófica, com Nietzsche e Cavalo de Turim, surge tarde e sem raiz no resto da narrativa, como se fosse uma tentativa de levantar o texto pela referência, e não pela construção.

    Para mim, o maior problema é que o conto promete impacto e entrega suavidade. O autor contorna o próprio tema em vez de enfrentá-lo. Falta desconforto, falta consequência, falta peso emocional real. A história chega perto de algo muito  incômodo e profundo, mas recua.

    Em resumo: um texto que poderia ser muito mais forte do que é porque o autor não aperta onde deveria.

    Acho que esse foi o comentário mais crítico que fiz. Isso porque o texto realmente pode se tornar imbatível. Espero que o autor o revisite, e gostaria muito de ler a reescrita. 

  13. toniluismc
    21 de novembro de 2025
    Avatar de toniluismc

    Olá, M. Bashô!

    Muito obrigado por trazer esse texto maravilhoso ao nosso desafio!

    Caso tenha acompanhado as minhas manifestações em nosso grupo no WhatsApp, deve ter percebido que fiquei bastante descontente com as produções desta rodada (creio eu que seja por causa do meu gosto pela tema, então esperava muito mais), mas você veio provar que é possível construir uma narrativa sólida mesmo com um tema que possa parecer chato ou desagradável em um primeiro momento.

    A seguir, apresento as minhas observações divididas por categoria:

    1. Técnica

    O conto apresenta um domínio técnico excepcional. Alguns aspectos que se destacam:

    Estrutura

    A divisão em capítulos numerados com algarismos japoneses (Ichi, Ni, San…) cria:

    • um ritmo muito bem estabelecido,
    • uma sensação de progresso ritualístico,
    • um paralelismo com a disciplina e a estética do xadrez e da cultura japonesa.

    A forma como a narrativa vai se desdobrando, alternando cenas internas (reflexões, memórias, emoções) e externas (a viagem, a casa da avó, o laboratório da faculdade, o quarto com a Memorīmashin), cria uma coreografia narrativa fluida e precisa.

    Estilo

    • Imagens densas e bem construídas (“postes borrados pela velocidade”, “olhar profundo e inteligente”, “luz holográfica piscando”).
    • Linguagem madura, introspectiva e coerente com o narrador.
    • Cadência equilibrada entre descrição, reflexão e diálogo.
    • O japonismo não é artificial: termos pontuais (bancha, tatame, okotonoko, senpai) surgem com naturalidade e função.

    Diálogos

    Sutis, realistas e afetivos. O diálogo com a avó é especialmente tocante pela economia de palavras — que revela mais do que diz.

    Ritmo

    O texto é longo, mas nunca arrastado. A tensão cresce de forma lenta e constante, como uma partida estratégica.

    Integração entre o mundano e o fantástico

    A entrada progressiva da Memorīmashin não rompe o realismo — ela o expande. Isso é tecnicamente muito difícil, e aqui ficou impecável.

    2. Criatividade

    Este é talvez o ponto mais brilhante.

    Conceito da Memorīmashin

    Um híbrido entre:

    • holografia,
    • IA generativa,
    • avatarização afetiva,
    • reconstrução emocional.

    Mas não como um “gadget futurista”: ele vira um tótem psicológico, uma peça narrativa que:

    • acessa traumas,
    • restaura vínculos,
    • questiona autenticidade,
    • reescreve memórias,
    • e, de modo sutil, joga com o medo da substituição emocional pelas máquinas.

    A metáfora dos cavalos ausentes

    Brilhante.
    O cavalo: peça que representa o movimento inesperado, o salto, o imprevisível.
    A ausência dele:

    • simboliza o colapso ou renúncia da criatividade,
    • ecoa a queda de Nietzsche (o cavalo real),
    • revela um jogo “mutilado”, mas possível,
    • representa a vida sem um dos seus elementos essenciais.

    É um símbolo forte, elegante e multifacetado.

    Uso profissional do xadrez

    O xadrez não é enfeite.
    Ele atua como:

    • vínculo afetivo,
    • espelho da vida,
    • gatilho narrativo,
    • metáfora do destino,
    • ponte entre passado e presente,
    • eixo temático na parábola do Nietzsche,
    • dispositivo para a redenção final.

    3. Impacto

    O impacto é emocional, filosófico e estético.

    Emocional

    A relação neto–avô–avó é calorosa, dolorida e profundamente humana.
    A sensação de perda, fracasso e busca por orientação é universal.

    Filosófico

    A discussão sobre autenticidade da memória e a parábola nietzschiana acrescentam uma camada de profundidade rara em contos curtos.

    Narrativo

    O desfecho — em que ele vence o avô da mesma forma que quando criança — é uma volta perfeita, fechando:

    • o arco emocional,
    • o arco simbólico,
    • e o arco do xadrez.

    E para não dizer que só falei das flores, deixo também algumas sugestões de “refinamento”. Desta vez, nada disso será considerado para questão de avaliação, pois realmente achei impecável, então é mais para não destoar das minhas outras avaliações:

    1. Ajustar levemente o ritmo na parte da Memorīmashin (cap. 5–6)

    Por alguns parágrafos, há uma sequência de procedimentos técnicos.
    Ele está bem escrito, mas um discreto corte ou compactação pode:

    • acelerar a ascensão dramática,
    • manter o foco emocional.

    Nada grave — apenas uma opção.

    2. Alguns trechos poderiam explorar mais tensão interna

    Por exemplo:

    • a motivação por trás da compra da máquina poderia ganhar uma microexploração a mais do conflito moral (é busca por consolo? fuga? desespero?).

    3. O subplot do pai

    Ele funciona bem como sombra, mas talvez pudesse:

    • reaparecer simbolicamente no final,
    • ou ser motivo para uma pergunta ao avatar.

    Mas isso depende do efeito desejado: deixá-lo ausente também comunica algo.

    4. Talvez adicionar um pequeno momento de dúvida ética

    Perguntas como:
    “Isso ainda é meu avô?”
    “Estou traindo sua memória ou honrando-a?”
    “Minha avó deveria mesmo ver isso?”

    Essas reflexões já estão implícitas, mas uma linha ou duas abririam espaço para uma camada ainda mais filosófica.

    Por hoje, é isso…mais uma vez, meus parabéns pela façanha! Espero que consiga um bom resultado (no que depender de mim, terá ^^).

  14. cyro eduardo fernandes
    17 de novembro de 2025
    Avatar de cyro eduardo fernandes

    Conto criativo e que instiga a reflexão. Muito boa técnica, personagens bem construídos. Merece destaque neste desafio. Parabéns.

  15. Alexandre Parisi
    15 de novembro de 2025
    Avatar de Alexandre Parisi

    Este foi o conto que mais gostei até agora — é bem escrito, sensível e cheio de atmosfera, mas também peca um pouco pelo excesso de exposição. A voz do narrador é íntima e convincente; dá para sentir o peso da culpa, o carinho pela avó e a melancolia do fracasso. O uso do trem, do túnel, da noite e da tecnologia cria um clima quase contemplativo, que casa muito bem com o tema. A Memorīmashin é uma ótima ideia: futurista, mas emocional, e o reencontro com o avô é de fato tocante.

    Por outro lado, o texto é longo e às vezes se alonga em detalhes desnecessários, o que dilui a força emocional. A história do Nietzsche é interessante, mas entra como um mini-ensaio e quebra um pouco o ritmo. O xadrez aparece de maneira simbólica — gostei disso — mas poderia ser mais integrado ao conflito central.

    Gramática muito boa, nada que chame atenção. No conjunto, é literariamente sólido, poético e original, embora um pouco verboso.

  16. Antonio Stegues Batista
    13 de novembro de 2025
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    Gostei da ambientação da história no Japão, embora poderia também ser no Rio de Janeiro que não muda a essência. Achei o enredo muito bom, com o gênero de SyFy. Só faltou a reviravolta no final, ou um final mais surpreendente, mas isso é gosto meu.

  17. Roberto Fernandes
    12 de novembro de 2025
    Avatar de Roberto Fernandes

    Um belo conto que trabalha o luto, o abandono, e as relações familiares com sucesso.

    Contudo, ao tratar do evento que dá título ao conto, vem uma sensação de algo faltando.

    O mítico evento do cavalo de Nietzsche parece so uma desculpa para subverter a regra do jogo, esse evento com a força metafórica e filosófica que tem poderia ser infinitamente melhor trabalhado.

  18. Martim Butcher Cury
    4 de novembro de 2025
    Avatar de Martim Butcher Cury

    Alguns contos me fazem desejar uma forma que se despoje de tudo que é acessório e revele apenas o imprescindível. Depois, penso que o que desejo não é um conto, mas um haicai de Bashô. Esse conto é um desses. Há um nexo bonito entre os elementos essenciais, mas tudo ficaria melhor dispensando muitas coisas. No diálogo entre o narrador e a avó, por exemplo, sobram explicações que as falas já deixam implícitas (exemplos: “Ela foi direto ao ponto” “comecei a introduzir o assunto que me trouxe até ali” e “Mudou de assunto”). Isso me leva a pensar que todo o esforço, que decerto não foi pequeno, por descrever o funcionamento do Memorīmashin é um tanto supérfluo. Se as descrições iluminassem, por metáfora ou caminhos ocultos de sentido, outras questões que afligem o personagem, vá lá. Mas não é isso que ocorre. A descrição, neste conto, apenas serve (e é provável que eu esteja exagerando, mas a crítica se exercita no exagero) para postergar o momento da ação: tudo o que desejo é que ela acabe logo. Enfim, a se pensar…

  19. Kauana Kempner Diogo
    4 de novembro de 2025
    Avatar de Kauana Kempner Diogo

    É uma obra que impressiona por sua densidade filosófica e possui maturidade literária, com prosa limpa e madura. O conto lembra um romance, mescla lirismo e ficção cientifica. O ritmo controlado, frases elegantes, com um tom melancólico, traz ao conto uma intensidade crescente. A metáfora final possui uma força poética.

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Publicado às 2 de novembro de 2025 por em Liga 2025 - 4A, Liga 2025 - Rodada 4 e marcado .