EntreContos

Detox Literário.

Jogada de Mestre (Fabio Baptista)

Quando acordou, o exército inimigo ainda estava lá.

Aurelio VIII chegou ao alto da torre e de lá contemplou a vastidão de seu reino, agora sitiado por um oceano de espadas, tendas e soldados entediados. Lembrou-se de sua última conquista, as casas em chamas, os gritos de desespero, as súplicas por uma misericórdia que não veio. Lembrou-se de ter bocejado enquanto a cabeça do antigo senhor daquele condado rolava no chão. Lembrou-se de ter se assombrado com a ideia de que quanto mais vencia, mais fácil se tornava vencer e quanto mais fácil se tornava vencer, mais aborrecidas se tornavam as vitórias. Observando as lanças que, apinhadas além de seus portões, brilhavam sob a luz do sol nascente como ferretes prontos para marcar um rebanho, pensou que talvez ter encontrado um adversário tão poderoso fosse um castigo divino para ensinar-lhe pela dor o que pais, tutores e livros não foram capazes pelo amor: cuidado com o que desejas… você pode conseguir.

Permitiu-se expirar o ar da manhã e sorrir fingindo que era um dragão de gelo baforando uma lufada glacial, como costumava fazer quando menino. Não lhe restava nada a não ser esperar. Esperar que suas tropas retornassem das incursões ao oeste com poucas baixas e ajudassem a guarda real a defenestrar os invasores, esperar que os inimigos perdessem a paciência primeiro e tentassem um ataque frontal às muralhas e portões, ou esperar que as provisões dos sitiadores acabassem ou, ainda melhor se o bom Deus assim permitisse, que uma praga de doença os assolasse e feito cães leprosos tivessem que voltar correndo para seus covis. Esperar. Esperar por eventos que estavam fora de seu controle no momento.

Angustiado com a realidade que sem o menor pudor lhe despiu o véu da soberba deixando-o nu em um mundo onde seus poderes não eram ilimitados, desceu os duzentos e vinte e cinco degraus de pedra que conduziam até a sala do trono onde uma fila de súditos o aguardava. O medo de um ataque cessou no terceiro dia de sítio, a guerra não causava mais espanto e os habitantes do reino seguiram com suas vidas breves e suas infinitas insatisfações. Cabras roubadas, maridos traídos, ouro para a igreja, ouro para a enfermaria, celeiros que não durariam até o inverno, dívidas de jogo que precisavam ser quitadas com prata ou com sangue, ouro para a cavalaria, ouro, ouro. Rostos diferentes, dias diferentes, as mesmas petições, as mesmas bajulações, a mesma convicção de que, houvesse ainda muitos aldeões aguardando por julgamento de suas causas banais, preferiria sair correndo dali com a espada em punho e enfrentar mil soldados sozinho, mesmo que terminasse o dia com a armadura fazendo vezes de almofada de alfinetes para as flechas inimigas.

A última da fila era uma senhora encurvada, vestida com uma mortalha de crochê. Tantos anos desenhados no rosto daquela mulher trouxeram certa estranheza ao rei. Aurelio VIII aprumou-se no trono e ofereceu à anciã a melhor voz que o cansaço do dia lhe permitiu:

— Em que posso ajudá-la, minha boa senhora? Espero que não seja ouro, pois, como teve o privilégio de acompanhar, muitos já pediram isso primeiro. – Os nobres, duques e duquesas presentes gargalharam como se tivessem acabado de escutar a melhor piada do bobo da corte mais talentoso. Aurelio IX, o jovem príncipe que em silêncio analisava as decisões do pai e ponderava o que faria igual ou diferente, apenas coçou o queixo e seguiu observando a velha.

— Os deuses me agraciaram com o dom de cerzir e com uma alma capaz de se satisfazer com uma vida simples. Então não é por ouro que venho aos teus salões, majestade. – A voz da mulher fez da sala do trono mausoléu.

— Então o que é? Diga logo, anciã. Minha paciência já está esgotada desde a segunda queixa por galinha roubada. — Aurelio VIII exasperou-se, tentando entender o motivo de estar tão incomodado com a presença daquela senhora.

— Os deuses também me deram algo que no início eu não entendia, depois considerei dádiva, mas, conforme os anos foram talhando seus caminhos em minha pele, percebi que na verdade era maldição – a velha seguiu no tom monótono de quem sabe que controla a situação. – Eu prevejo o futuro, vossa majestade.

— É mesmo? E o que o futuro me reserva, minha boa senhora? – Aurelio VIII perguntou com um misto de curiosidade e ironia. Alguns nobres deram uma risada discreta, outros beberam vinho e desejaram que aquela velha fosse embora logo. O príncipe, apenas observou.

— Hoje o senhor vai se engasgar no jantar.

— Ora, muito obrigado por ter se dado ao trabalho de vir até aqui me alertar sobre isso. Deixarei médicos de prontidão. – Nobres, duques, duquesas e bajuladores afins voltaram a gargalhar. — Mais alguma coisa?

— Duas. Hoje eu vou morrer. E amanhã o senhor será assassinado pelas mãos de quem menos espera.

— Prendam essa velha! – Aurelio ordenou, com mais ímpeto do que ordenaria para sua cavalaria avançar sobre a infantaria oponente. – Descubram de onde ela vem e o que ela sabe sobre esses planos de assassinato.

— Esperem! – o príncipe interveio. – E para mim, fiandeira? Há alguma previsão para mim?

— Você será o rei mais sábio que já caminhou sob o sol. Você será justo e fará o que tem que ser feito, tomará decisões importantes e mudará todas as coisas, para que elas sempre continuem as mesmas. E no final, retornará à mesma caixa para a qual voltam todos os reis, todas as rainhas e todos os peões.

O príncipe dispensou os soldados com um gesto e retomou suas reflexões.

***

Embora ninguém ousasse dizer em voz alta, estava palpável que cada garfada do rei era acompanhada com expectativa e cada pedaço de carne mastigado que chegava ao estômago sem tropeços gerava alívio em uns e decepção em outros. Aurelio VIII cogitou alegar alguma indisposição ou alguma urgência de guerra e não participar do banquete naquela noite, mas não queria ser tachado como um fraco que se deixava influenciar pelas insanidades de oráculos decrépitos soprando-lhe palavras de mau agouro aos ouvidos. Isso ele nunca haveria de confessar nem a si mesmo, mas comeu e bebeu com atenção redobrada naquela noite. Porém, conforme os pratos e taças se esvaziavam, a ameaça ia se dissipando, tornando-se parte de um passado que já nem parecia ter acontecido. E o excesso de confiança é inimigo da prudência. Ainda mais quando regado a álcool.

— O tempo melhorou e aves mensageiras puderam voar em segurança em direção ao sol poente! – Aurelio ergueu a taça, instigando todos a acompanhá-lo em mais um brinde. – Em breve tenho certeza de que elas retornarão, trazendo em suas asas boas notícias sobre nosso exército.

Enquanto todos aplaudiam e brindavam, um soldado chegou apressado e cochichou na orelha do rei:

— A velha está morta… algum capataz exagerou no interrogatório e ela não resistiu. Senhor? Senhor?

Aurelio tentou dar a ordem imediata para o capataz ser executado, mas sentiu a garganta fechar. Tomou mais um gole de vinho para ajudar, mas acabou agravando a situação. Em um átimo, a balbúrdia nababesca do salão de jantar deu lugar a um silêncio sepulcral quebrado apenas pela tosse desesperada de um rei incrédulo lutando para respirar como se o próprio diabo lhe espremesse o pescoço com suas garras.

***

No dia seguinte, Aurelio VIII não foi ao alto da torre. Todas as suas atenções estavam focadas em descobrir quem era o traidor que tentaria assassiná-lo, de modo que as dez mil lâminas espreitando lá fora, ávidas para lhe separar a cabeça do pescoço, tornaram-se um problema secundário, praticamente esquecido. Tentava se convencer de que não se engasgou, apenas teve a garganta fechada como acontecia ao comer frutos do mar, embora tivesse comido apenas carne de javali e uma ou duas coxas de faisão. Mas era coincidência demais para ser ignorada e tratada com desdém. Precisava sobreviver àquele dia para que as coisas voltassem ao normal e tivesse paz para retomar seus jogos de guerra. Por ora, se concentrava em decifrar quem seria “quem você menos espera”, afinal.

Enquanto pensava nisso, olhou para a rainha e recuou de modo instintivo.

— Então fui a primeira de sua lista de suspeitos, majestade? – a rainha se decepcionou ao notar a reação do marido. – Já pensei em te matar muitas vezes, meu amor. Pelo menos uma vez para cada um de seus bastardos… e sabes melhor do que eu que não são poucos. Mas que relevância teria uma rainha viúva? Teria que me recolher ao celibato em honra à tua memória, teria que ver meu filho seguir seu caminho e ter a alma consumida antes do tempo. Não, obrigada. Para mim a vida é mais conveniente com você vivo… alteza.

— Ordenarei que os bardos escrevam canções inspiradas nessa bela declaração de amor, minha doce rainha.

— O amor não costuma visitar os castelos, meu doce rei. Tens meu corpo, agraciado com o dom da beleza e da volúpia. Tens meu ventre fértil para propagar tua semente. Tens a minha lealdade e a minha sincera admiração. O mais é apenas vaidade. Passarei o dia afastada de ti. Se teu coração parar e eu estiver ao seu lado, certamente a culpa recairá sobre mim. Não está em meus planos dar trabalho ao carrasco da guilhotina, principalmente por algo que não fiz.

— É justo. Passemos o dia separados então.

Aurelio seguiu sua rotina tentando não demonstrar preocupação, mas era nítido o quanto a profecia o havia afetado. Entrava em estado de alerta a qualquer barulho, olhava com desconfiança para qualquer um que se aproximasse, buscava nos recônditos da memória quais motivações poderia ter dado aos nobres, que trafegavam pelo castelo como pulgas no corpo de um cão, para conspirarem sua morte. Um insulto mais agressivo? A negação de uma posse? Impossível lembrar de tudo, ainda mais impossível decifrar o que poderia ter magoado cada um deles, o que poderia ter ficado escondido por trás dos sorrisos falsos. De todo modo, se havia alguém de quem ele esperava esse tipo de traição era de um nobre. Só não saberia apontar exatamente qual.

— Vossa majestade, em nome do Deus-Vivo-Todo-Poderoso eu quebro a maldição rogada por aquela anciã — o bispo surgiu como uma sombra ao lado do rei.

— Maldição? Ah, sim… aquela velha. Agradeço pela bênção, bispo. Mas já nem sequer me lembrava disso — foram as palavras que saíram da boca do rei enquanto seu coração dizia “será que é esse desgraçado?”

— Vida longa ao rei! E em nome do Santo Padre agradeço por vossa generosidade com a igreja. Esperamos que com o tempo o príncipe adquira a mesma sabedoria, pois hoje – o bispo hesitou e escolheu as melhores palavras –, o herdeiro do trono não é tão receptivo aos assuntos da alma e da fé.

— Ele é jovem e ainda tem muito a aprender. E eu terei muito tempo para ensiná-lo.

— Com a graça de Deus, vossa majestade.

O bispo se retirou e o rei olhou para o príncipe. Não, essa punhalada nas costas era a mais esperada na história de todos os reinos. Aurelio VIII continuou em alerta, mas seus pensamentos começaram a enveredar por caminhos mais sinuosos. Haveria alguém no mundo que não o via apenas como um meio de obter benesses? Alguém que o quisesse vivo por amor, ou ao menos por considerá-lo uma companhia agradável, e não por medo de perder privilégios?

A ampulheta estava prestes a ser virada e o rei se recolheu aos aposentos. Só se lembrou da existência da rainha ao ver a cama vazia. Interpelou a aia que lhe trazia chá todas as noites:

— Encontre a rainha, diga a ela que o dia acabou e, com ele, todas as bobagens daquela velha maldita, que o diabo a tenha no mais pavoroso dos infernos.

— Sim, senhor, vossa majestade — a aia assentiu, enchendo a xícara dourada. — Senhor, quase me esqueci de uma coisa – ela continuou, buscando algo por baixo do avental.

— O quê?

— Isso! – a aia jogou o chá quente no rosto do rei e, ato contínuo, cravou-lhe um punhal na barriga, uma, duas, três, todas as vezes necessárias. Enquanto golpeava, repetia, em prantos de ódio: – você matou meu filho, você matou meu filho.

Ela só parou de perfurar o corpo inerte quando o cavaleiro da guarda real invadiu o quarto e ceifou sua vida com um golpe de alabarda. A serviçal anônima, invisível aos olhos nobres, insignificante o suficiente até para ser alvo de qualquer desconfiança. Depois que o filho morreu na guerra, não tinha mais nada a perder, não tinha mais como justificar a si mesma que valia a pena passar o resto da vida servindo chá e recolhendo penicos do homem que enviou seu filho ao encontro da morte.

***

O rei está morto, vida longa ao rei.

Aurelio IX, o jovem, assumiu o trono sem alarde. Era totalmente avesso a festas, cerimônias e tudo mais que não oferecesse resultados práticos. Logo nos primeiros dias com a coroa, recebeu o reforço das tropas do oeste que o pai esperava havia meses, mas, para desespero de seus generais, não ordenou um ataque imediato. Em vez disso, apenas posicionou suas peças no tabuleiro. E foi negociar com o rei inimigo.

Estava disposto a acabar com a guerra e cumprir a promessa que fizera à aia.

***

— Seu pai não esperava encontrar um cachorro tão grande quanto ele, não?

— Não.

— Ele jamais concordaria com uma trégua.

— Por isso ele está morto e eu estou aqui.

— Pois bem, garoto – o rei inimigo riu, lembrando de si próprio quando jovem. – Qual é a sua proposta?

— Encerrar essa guerra e procurar os outros cachorros grandes. Quando os encontrarmos, vamos unificar nossos reinos e abdicar de nossas coroas – Aurelio IX disse sem qualquer hesitação.

— Meu pai perguntaria se você está louco e o desafiaria para uma justa. Mas… é por isso que ele está morto e eu estou aqui. Você tem duas garrafas de vinho para me convencer.

— O que a coroa nos traz além de trabalho enfadonho e um alvo em nossas testas?

— Os melhores vinhos, as melhores mulheres, uma corja de puxa-sacos…

— Isso quem traz é o ouro, não a coroa. Do ouro jamais abriremos mão – Aurelio sorriu pela primeira vez em muito tempo.

— Talvez você tenha três garrafas para me convencer – o rei inimigo encheu as taças novamente.

— Eu percebia desde criança, quando meu avô ainda governava, que as pessoas não amam os reis, apenas os toleram e os temem. Isso não é necessariamente um problema, principalmente em tempos de bonança. Mas em tempos difíceis, os peões podem se questionar por que os reis têm os melhores vinhos e as melhores mulheres e eles têm apenas um chicote estalando nas costas e um cobrador de impostos batendo às suas portas. Nesse momento, os reis se tornam alvo de todo ódio e de toda frustração do povo. Eu não temo um exército de dez mil soldados sitiando meus portões, mas temo ser conhecido por dez aldeões que me consideram o principal responsável por seus infortúnios e se dão conta de que não têm nada a perder.

— E quem governaria de fato? – o rei inimigo estava intrigado e fascinado, como se escutasse ideias que sua mente sempre teve receio de lhe apresentar.

— Os detentores do ouro e da prata. Nós. Mas agiríamos nos bastidores, titereiros controlando fantoches.

— E esses fantoches seriam…

— Aposto minha melhor safra de vinho que não vão faltar candidatos para ocupar esse posto. A princípio, nobres, barões, duquesas. Com o tempo, isso deve evoluir para que a própria população escolha seus representantes e esses representantes sequer saibam que são fantoches.

— E se um desses fantoches que não sabe que é fantoche for contra nossos interesses?

— Daí nós puxamos as cordas para que percebam sua real condição. E se insistirem em ir contra nossas ordens, puxaremos a corda novamente, mas com ela amarrada no pescoço do fantoche rebelde dessa vez – Aurelio IX apreciou o vinho e deixou seu interlocutor assimilar as ideias. Após meia taça, continuou: — o sistema de reis e príncipes que se tornam reis depois deles dá uma sensação de continuidade, de legado. E isso é bom. Mas tira o que considero primordial para arrefecer os ânimos das ovelhas rebeldes: o sentimento de que é possível mudar. Se os “reis” se alternarem conforme a escolha deles, haverá a sensação de que basta esperar mais um pouco para que o governante certo esteja no poder. Enquanto isso o ódio é canalizado para o governante atual e para as ovelhas que o escolheram.

— E o que nós fazemos enquanto isso?

— Enquanto isso nós bebemos os melhores vinhos e nos deitamos com as melhores mulheres. Assim como fizeram nossos pais e nossos avós e assim como farão nossos filhos e nossos netos. Com a diferença de que poderemos andar por onde bem entendermos sem que um camponês revoltado tente furar nossos olhos com um ancinho. E que só acompanharemos as guerras bem de longe, sem nos preocupar com generais conspirando contra nós por nos tomarem por covardes. – Aurelio IX terminou a taça e negou que o anfitrião a enchesse novamente. Com um pesar inesperado na voz, falou: – pode soar um tanto hipócrita e talvez seja mesmo, mas a verdade é que no fundo do meu coração eu sinto que isso é o melhor tanto para nós quanto para eles. Acredito que a vida dos desafortunados terá mais propósito com a sensação ainda que ilusória de que têm algum controle sobre o que acontece no mundo. Nós somos reis. Temos que pensar no melhor para os nossos súditos.

— Acho que podemos tentar, meu amigo. Acho que podemos tentar…

***

Aurelio XXVII sorriu ao sair do estúdio de TV e entrar no Rolls-Royce que o conduziria de volta à mansão. O debate havia sido acalorado, um festival de frases feitas, vaias e aplausos. As redes sociais estavam borbulhando e as ruas divididas em azul e vermelho. Durante a semana, se reuniria com os principais candidatos e os parabenizaria pessoalmente antes de passar as próximas instruções. No rádio, especialistas explicavam a importância do voto.

Tudo conforme planejado há tanto, tanto tempo.

Xeque-mate.

Sobre Fabio Baptista

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18 comentários em “Jogada de Mestre (Fabio Baptista)

  1. Andre Brizola
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de Andre Brizola

    Olá, Aurélio!

    Seu conto tem uma ligação que pode ser feita com o xadrez pelo fato de citar alguns personagens que também são peças do jogo, e pelo fato de termos aí o príncipe, que aparece como um estrategista e, dentro do contexto, pode ser encarado como um jogador, que antecede seus movimentos e dá o xeque mate gerações antes. Ok, é uma linha tênue, mas é aceitável.

    Técnica – Acho que seu conto peca aqui, Aurelio. Não por ser mal escrito gramaticalmente, pois está longe disso. Mas por ter ido por um caminho de densidade de frases e orações que talvez tenha dificultado por demais a leitura. Temos um enredo que não é tão complexo, e escondê-lo atrás de parágrafos tão grandes, com orações seguidas de orações, me deixou com a impressão de que se buscou um rebuscamento um tanto quanto forçado. Temos explicações demais, para algo que pede um pouco mais de simplicidade. Uma separação melhor, por exemplo, auxiliaria o leitor, como em “esperar que suas tropas retornassem das incursões ao oeste com poucas baixas e ajudassem a guarda real a defenestrar os invasores, esperar que os inimigos perdessem a paciência primeiro e tentassem um ataque frontal às muralhas e portões, ou esperar que as provisões dos sitiadores acabassem ou, ainda melhor se o bom Deus assim permitisse, que uma praga de doença os assolasse e feito cães leprosos tivessem que voltar correndo para seus covis”. Veja o tamanho dessa construção. E você ainda optou por manter algumas coisas dentro dela maiores do que poderiam, como “ainda melhor” e “feito cães leprosos”, que poderiam vir entre vírgulas, mas que acabaram ficando diretas. Então, meu senão aqui nesse item é com relação à forma, a opção por concatenar ideias em frases, e orações muito longas, criando parágrafos densos, com informações que são até desnecessárias.

    Enredo – A história é interessante. Há alguns desvios forçados para dar suporte à adequação ao tema, mas que não comprometem a estrutura do que está sendo contado. Mas o interessante no enredo fica, realmente, dentro da parte que se refere ao rei. Quando Aurelio IX assume, o tom muda drasticamente e a estrutura do conto tem que se adaptar, convertendo-se em diálogos mais ágeis e menos descrições. Fomenta-se aí o cerne do que o conto trata, de fato e a conclusão é algo digno, embora a última frase seja desnecessária e tenha destoado.

    Impacto – Gosto de escrever essa parte do meu comentário dias depois de ler, para ver como o conto reverberou na minha cabeça. Se foi bom, ou ruim, se me causou dúvidas, o importante é que ele tenha gerado algum tipo de reação. Mas eu sinceramente não lembrava da história de Jogada de Mestre até sentar aqui para escrever o comentário. E foi relendo que fui relembrando os apontamentos que tive da primeira vez.

    Conclusão – Temos aqui um bom conto, com um roteiro interessante, mas um tanto desequilibrado. Muito texto para o início do conto, que é a parte menos importante do enredo, e uma adequação ao tema que beira a forçação de barra. Muita gente vai me criticar por questionar isso, mas, eu sinceramente acho que o tema deveria ser mais profundo. E aí da mesma forma que o autor opta por deixar isso mais superficial, eu posso optar por criticar isso, certo? Gostaria de ver o tema ser trabalhado de forma mais impactante no enredo.

    Bom, é isso. Boa sorte no desafio.

  2. Rodrigo Ortiz Vinholo
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de Rodrigo Ortiz Vinholo

    Interessante e bem escrito! O xadrez fica mais no campo das ideias, um tanto mais subjetivo em comparação com outros contos desta rodada da liga, mas ainda assim funciona. As relações de poder, estratégia e os paralelos com política e sociedade (afinal, isso nem é disfarçado no jogo de xadrez) funcionam e se traduzem bem para uma narrativa. Parabéns!

  3. leandrobarreiros
    13 de dezembro de 2025
    Avatar de leandrobarreiros

    Achei o conto bem sólido nos seus primeiros dois terços. O que não gostei é o que sinto que muita gente vai gostar: a crítica social no final da história.

    A questão aqui não é nem a historicidade, afinal é só um conto trazendo um ponto importante de manutenção de poder à literatura. O problema é a falta de espaço para o autor trabalhar a terça parte.

    A mudança de perspectiva para o Aurelinho acontece de forma muito abrupta, e por conta do limite de caracteres o personagem acaba impondo um ritmo muito rápido para a resolução da história de forma muito explícita.

    Não fosse esse fim que achei um pouco deslocado, esse seria um conto que estaria no universo das minhas notas 9.

    Ah, adorei a imagem indicando como o rei foi sufocado. Ficou criativo pra caramba.

  4. Kelly Hatanaka
    12 de dezembro de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Considerações

    Um conto que trata da criação do grupo Bilderberg? Ou dos Iluminatti?

    Ele começa como uma história de intriga, o povo ou a nobreza insatisfeito com um tirano, um rei que cai, outro que sobe. Os jogos de interesse se revelam, interesses que se unem para se perpetuar. Mas, quando o jovem rei assume o trono, há uma mudança de tom. O jovem rei é mais sagaz que seu pai e busca formar um novo tipo de poder, com mais segurança e conveniência. E o mesmo poder de sempre.

    Esse conto vai de encontro a teorias da conspiração diversas, que pensam num poder oculto regendo o mundo, a economia, a política. Eu, particularmente, gosto muito dessas teorias e quanto mais maluca melhor. Não sei se a ideia de uma elite secreta global dirigindo tudo me deixa mais preocupada ou tranquila. Ao menos, se tiver um bando de malucos governando tudo a gente não vai se explodir e destruir tudo, não é? Não é? Assim, seguiríamos, manipulados, mas vivos.

    Bom, nem sei se foi essa a intenção do autor, mas foi por esses caminhos que minha leitura foi.

    Gostei ou não gostei

     Gostei. Um conto interessante, com personagens bem desenhados e um enredo que faz sentido. No final, o Aurelio XXVII manipulando as eleições foi a cerejinha do bolo.

    Pitacos não solicitados

     Um bom conto, bem escrito e bom de ler. Mas senti falta de alguma coisa, nem sei dizer o que, mas algo que elevasse esse ótimo conto a um próximo nível. Sabe aquela sensação de que faltou um milímetro para o próximo passo? Foi isso.

  5. toniluismc
    11 de dezembro de 2025
    Avatar de toniluismc

    Olá, Aurélio 2025!

    Lamento dizer que não fizeste uma jogada de mestre com este conto. É uma pena porque claramente se percebe que a escrita é estilisticamente refinada, mas o conteúdo entregue ficou muito a desejar. Lembrando que essa avaliação é situada no contexto do desafio aqui proposto, então seguem as minhas impressões:

    1. Técnica

    a) Excesso de explicação e pouca sugestão

    Em vários momentos o texto explica demais o que poderia ser apenas sugerido:

    • A cena da aia vingativa é boa em ideia, mas a motivação é toda “mastigada”:“Depois que o filho morreu na guerra, não tinha mais nada a perder…”Isso tira a força do impacto. Seria bem mais poderoso deixar o leitor montar essa ligação com pistas anteriores (uma fala, um olhar, uma breve cena com ela). Aqui o texto confia pouco na inteligência do leitor.
    • O mesmo ocorre no diálogo de Aurelio IX com o rei inimigo: ele literalmente descreve o “plano histórico” de como surgirão sistemas representativos usados como fachada. É quase um ensaio travestido de diálogo. Falta subtexto, sobra exposição.

    b) Diálogos pouco verossímeis

    Os diálogos soam inteligentes e “bem escritos”, mas não muito naturais. Soam como discursos prontos:

    • A rainha faz um mini-monólogo sobre corpo, ventre fértil, lealdade, vaidade… Parece um manifesto, não uma conversa.
    • O bispo fala exatamente como o “clérigo cínico” que o leitor já espera; não há nuance ou surpresa.
    • A conversa final entre Aurelio IX e o rei inimigo é quase um TED Talk sobre política e poder. Eles não hesitam, não gaguejam, não erram, não vacilam. Fica artificial — são bocas servindo para despejar tese.

    Isso tira vida da cena e reforça a sensação de que o conto é mais veículo para uma crítica do que uma história viva.

    c) Ritmo irregular e gordura narrativa

    O texto é longo para o tipo de virada que propõe. Há:

    • Muita ornamentação no início (descrições do reino, súditos, fila, ouro, ouro, ouro).
    • A sequência do dia de paranoia do rei ocupa bastante espaço para chegar onde o leitor já supõe: alguém improvável vai matá-lo.

    Esse alongamento cria uma expectativa de uma virada mais complexa do que “a serva que perdeu o filho mata o rei”. Do jeito que está, parte da leitura parece “enrolação refinada” até o punch político.

    d) Personagens mais função que pessoa

    Quase todos são arquétipos, não indivíduos:

    • Aurelio VIII é o rei soberbo que vai aprender pela dor.
    • A velha é o oráculo de três frases:
      • engasga,
      • ela morre,
      • você morre por quem não espera.
    • A aia é a vingança do povo.
    • Aurelio IX é o “rei lúcido e frio” que entende o sistema.
    • O rei inimigo é o “outro poderoso que se converte pelo argumento racional”.

    Eles funcionam bem como peças de um esquema alegórico, mas isso cobra o preço de empatia. O conto até fala de “peões”, mas a única figura mais “popular” com voz é a própria aia — e ainda assim só explode no final. Falta fricção humana no meio de tanta tese.

    2. Criatividade

    a) A estrutura profecia-cumprida é bem batida

    A velha que prevê:

      1. pequeno incidente (engasgar),
      1. a própria morte,
      1. a morte do rei “por quem você menos espera”.

    Isso é um padrão narrativo bem conhecido. O texto até executa com competência, mas não oferece um desvio inesperado dessa estrutura. O leitor mais treinado já lê a frase:

    “por quem menos espera”

    e imediatamente pensa: não vai ser nobre, não vai ser a rainha, vai ser alguém “invisível”. Ou seja, a suposta “surpresa” da aia não surpreende tanto.

    b) A crítica política é interessante, mas pouco original

    A grande tese do conto é:

    “Os verdadeiros reis hoje são os detentores do capital, que governam por trás de sistemas representativos.”

    Isso é uma ideia forte… mas não exatamente nova. E o texto não traz um ângulo muito particular. A sequência:

    • rei absoluto medieval → rei que inventa a fachada democrática → magnata moderno sorrindo após debate político

    é eficaz, mas previsível. A última frase “Xeque-mate” vem como selo de “olha, era xadrez!”, só que:

    • A metáfora do xadrez (reis, peões, tabuleiro, peças) já é bem gasta como crítica de poder e classe.
    • O conto não explora o jogo em profundidade: não há estratégia comentada, não há tática, não há paralelo fino entre movimentos de guerra e lances de xadrez. O uso é mais superficial: “peças”, “tabuleiro”, “xeque-mate”.

    No fim, a crítica funciona, mas em termos de originalidade, fica mais no “reempacotar bem uma ideia que já circula” do que em realmente ampliar o tema.

    c) O salto temporal final é mais um carimbo do que uma revirada

    O trecho de Aurelio XXVII na TV é mais um “ah, tá, era sobre hoje” do que uma virada que force o leitor a reler mentalmente o conto inteiro com outros olhos.

    Como a conversa de Aurelio IX já explicitou quase tudo sobre o plano de transformar reis explícitos em “reis invisíveis” via sistemas de representação, quando chegamos ao presente:

    • Falta surpresa.
    • Falta ambiguidade.
    • Falta algo que nos faça pensar “espera, e se não for tão simples?”.

    O efeito é mais “didático” do que “perturbador”.

    3. Impacto e relação com o tema Xadrez

    a) O tema Xadrez é mais rótulo do que motor da narrativa

    Se alguém tirar:

    • “tabuleiro”,
    • “peças”,
    • “peões”,
    • “Xeque-mate”,

    o conto continua praticamente o mesmo. O xadrez é metáfora óbvia, mas:

    • não vemos paralelos finos com estratégias do jogo (sacrifício de peça, gambito, zugzwang, etc.);
    • a própria guerra não é descrita como uma partida em andamento, com planos a longo prazo, armadilhas, etc.;
    • Aurelio IX “posiciona suas peças” e depois… vai negociar. É quase uma piscadela para dizer “ó, o tema tá aqui”.

    Então, apesar de não estar fora do tema, o uso do xadrez acaba soando decorativo, não essencial.

    b) O texto “grita” a mensagem em vez de deixá-la queimar devagar

    Em termos de impacto:

    • O conto quer ser uma crítica à ilusão de escolha e ao poder real estar fora da política formal.
    • Mas ele explica tudo com muita clareza, deixando pouco espaço para desconforto interpretativo.

    Em vez de o leitor terminar pensando:

    “Nossa, será que é assim mesmo? Onde eu vejo isso hoje?”

    ele tende a terminar pensando:

    “Ok, entendi. É uma alegoria dizendo que quem manda é o dinheiro e que a democracia é fantoche.”

    É um impacto mais intelectual e imediato, menos sutil e duradouro.

    Enfim, acho que deixei claro o meu ponto de vista. De todo modo, parabéns pelo trabalho e espero ver-te em breve em mais uma produção literária.

    Abraço.

  6. Fabio D'Oliveira
    11 de dezembro de 2025
    Avatar de Fabio D'Oliveira

    Buenas!

    Li, li, li. E não achei o tema. Sério, realmente tentei. Tem uma guerra medieval, uma velhinha vidente, o assassinato do rei, um princípe ardiloso e uma estratégia pra dominar o mundo pelos bastidores. Seria essa estratégia a relação com o tema? Se for, desculpe, não convence. Se não for, estou igual cego no meio do tiroteio. Perdidão.

    O conto está bem escrito, no geral. E estava bem interessante até o assassinato do rei. A assassina realmente me surpreendeu. Mandou bem demais nesse fator. Não gostei do final, porém. O conto toma outro rumo, subitamente, tornando o desenvolvimento anterior irrelevante. Se o tema do conto é sobre a pessoa que teve a ideia de dominar o mundo pelos bastidores, por que diabos você desenvolve metade de um conto sobre a crise de um rei com medo de ser assassinado por causa de uma previsão? É perda de tempo e espaço, confunde o leitor, deixa ele frustrado. Tenha foco! Sei que a história de Aurélio VIII foi importante para a decisão de Aurélio IX, mas desperdiçar mais da metade do conto com o desenvolvimento da história dele não é o caminho correto. O leitor acha que a história é sobre ele, naturalmente. E, do nada, o rumo do conto muda, temos um diálogo chatíssimo entre dois reis jovens e um epílogo fraquinho. Talvez funcionaria melhor se focasse completamente no príncipe, e que colocasse o jogo de forma física na trama. Não sei.

    Contos são histórias curtas. Para funcionar, eles precisam de apenas um foco, um ponto central. Se você cria várias subtramas, é comum que o leitor se sinta confuso ou insatisfeito. É melhor fazer uma coisa bem feita do que duas ou três coisas de forma razoável.

    Boa sorte no desafio!

  7. Pedro Paulo
    10 de dezembro de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    O conto é bem legal, com uma ressalva ou outra. Achei que o personagem mais cativante entrou um pouco tarde demais. Toda a premissa é um clichê muito bem executado e, ainda nesse sentido, a perspectiva cínica quanto à política é muito bem representada num abandono de aristocracia por burguesia, monarquia por república, etc… mas talvez pelo espaço curto soa didático e fica sem catarse.

    O que desfavorece o conto é a abordagem fraca do tema. Mas bem, eu não estou pontuando.

  8. claudiaangst
    27 de novembro de 2025
    Avatar de claudiaangst

    Olá, autor(a), tudo bem?

    Temos aqui uma fantasia medieval que apresenta referências a vários termos ligados ao jogo de xadrez: reis, rainhas, peões, bispo, inclusive o xeque-mate dado no final. O tema do desafio foi abordado com sucesso.

    Aurelio XVIII, um rei assassinado não por exércitos, mas por uma aia, alguém sem poder, como se fosse um simples peão no tabuleiro de xadrez.

    O desfecho mostra a passagem do tempo apresentando a transição da monarquia para a democracia representativa, embora deixe claro que o poder continua nas mesmas mãos – de quem tem ouro e influência.

    O conto está muito bem escrito e não encontrei falhas de revisão. A leitura flui sem entraves, a linguagem é bastante clara, mas muito bem cuidada.

    Parabéns pela sua participação nesta última rodada. Boa sorte!

  9. Sarah S Nascimento
    25 de novembro de 2025
    Avatar de Sarah S Nascimento

    Olá! Gostei do início ali do conto, com a descrição das batalhas antigas do rei e foi a primeira vez que vi “defenestrar” num conto! Aprendi essa palavra a poucos anos e ainda não tinha visto por aí, risos, achei maneiro.
    Caraca, Aurélio fez a posição de rei parecer um saco. rs, as vezes era mesmo. Essas pessoas que veem o futuro viu! risos. O rei podia não acreditar, mas mandou prender a velhinha hein? Isso que dá alertar as pessoas viu? Mas também, do que adianta ver o futuro se não podemos mudar ele né? risos.
    Ei, quando o rei suspeita ali da rainha no dia em que seria a morte dele, achei a resposta dela um tapa na cara dele hein? kkkkkkk, adorei.
    Caramba, quem matou o rei foi a aia? Essa foi dá hora! E o rei achando que ia ser um dos nobres, é divertido quando os personagens estão completamente equivocados em suas percepções! kkkkk.
    Eita,entendi bem ou o Aurélio descreveu ali para o rei inimigo como funciona uma democracia, com votação, representantes e tal? Olha, esse Aurélio é espertinho. risos. O conto ficou mais interessante agora. Só depois da morte do rei, que coisa.
    Gente, que final absolutamente perfeito! Eu não gosto muito de coisas políticas, mas a construção de tudo nesse conto foi muito instigante. Os argumentos do Aurélio e esse final com o Aurélio XXVII foi fantástico! Gostei bastante do seu conto, muito inteligente!
    Minha fala favorita: “— Você será o rei mais sábio que já caminhou sob o sol. Você será justo e fará o que tem que ser feito, tomará decisões importantes e mudará todas as coisas, para que elas sempre continuem as mesmas. E no final, retornará à mesma caixa para a qual voltam todos os reis, todas as rainhas e todos os peões.”. Eu gostei porque me fez pensar ou no tabuleiro de xadrez ou no caixão né. rs. Ficou com esse sentido duplo, muito legal.
    único ponto “negativo” que eu queria citar é que sua escrita me incomodou um pouco. Não sei exatamente o que havia nela, mas não achei uma escrita leve sabe? Leve não no sentido do conteúdo, leve eu digo no sentido da leitura mesmo. Senti que haviam informações demais de uma vez só, o tempo inteiro.
    Ainda assim tá tudo bem feito. Parabéns!

  10. leila patricia de sousa rodrigues
    23 de novembro de 2025
    Avatar de Leila Patrícia

    O conto tem uma ambição grande e isso é um dos seus trunfos. A abertura segura, a figura do rei entediado pela própria crueldade, a velha que entra como ruptura — tudo isso funciona porque cria um fio de fatalismo bem conduzido. O texto cresce mesmo quando a profecia se cumpre: a sequência da aia é o ponto mais vivo da narrativa, o único momento em que o conto realmente corta, porque enfim aparece alguém que não está no jogo dos poderosos.

    Mas o conto carrega também um excesso. A virada para o discurso político-filosófico de Aurelio IX tem ideias fortes, só que o texto passa a operar mais como ensaio do que como ficção. A tensão construída até ali se dilui em explicações longas, e a conversa entre os dois reis vira uma conversa de tese — boa, articulada, mas destoada da carne narrativa inicial. O salto final para a contemporaneidade tem impacto, mas chega quase como moral da história, não como consequência orgânica do que veio antes.

    Há inteligência no projeto, há ímpeto, há momentos muito bons. Só faltou deixar que a história crescesse dentro da própria ficção em vez de se tornar explicação teórica de si mesma.

  11. marco.saraiva
    21 de novembro de 2025
    Avatar de marco.saraiva

    Apesar de o conto iniciar como uma típica história medieval de reis e guerras e cortes reais, o final surpreendeu, transformando-se em uma crítica social, criando uma origem fantástica para a teoria de que os bilionários são os titereiros da nossa sociedade e que os políticos lá estão apenas como meros peões. Apesar da ambição do conto, você conseguiu manter a história dentro das três mil palavras sem fazer o texto parecer corrido ou incompleto, o que é sempre louvável!

    Mesmo que o conto tenha essa pegada grandiosa e traga o tema para o mundo moderno e fale de problemas atuais, no final das contas achei que a narrativa tem um tom um pouco ingênuo, simplificando demais problemas complexos. Por exemplo, reduzir a vontade que alguém tem de ser rei a apenas “bons vinhos e mulheres” foi ignorar a sede por poder, reais intenções de mudança, a inflação do ego, etc. E o diálogo final, todo mastigadinho para o leitor, explicando os paralelos entre os reis da antiguidade e os bilionários de hoje, me soou um pouco infantil.

    No mais, a história é interessante. A técnica é boa, o texto é bem escrito, fácil de ler, não cansa e prende o leitor. Os personagens não tiveram muito espaço para serem trabalhados, então o conto me parece focar mais no enredo do que nos personagens, que assumem papéis mais genéricos, quase como se fossem a voz do próprio autor vestindo diferentes disfarces.

    Infelizmente o conto também não me parece estar muito de acordo com o tema do desafio. O texto faz duas ou três breves menções e referências ao xadrez, mas é só. Com certo esforço talvez eu possa ver que conto sugere que toda a trama foi uma grande jogada de xadrez de um rei no passado para garantir o futuro da sua prole, dando um “xeque-mate” em toda a humanidade… mas isto está mais para um rei com pensamento estratégico. Nem todo jogo de estratégia é xadrez.

    Enfim, uma boa leitura, que me entreteve bem, mas onde notei uma série de pequenos detalhes que, quando somados, trouxeram a leitura um pouco para o lado negativo.

  12. LEO AUGUSTO TARILONTE JUNIOR
    19 de novembro de 2025
    Avatar de LEO AUGUSTO TARILONTE JUNIOR

    Seu conto ficou interessante. A presença do rei, da rainha, do bispo, do cavaleiro, da Torre e a sutil alusão aos peões foram suficientes para adequar sua história ao tema. O diálogo ocorrido durante a assinatura do tratado de paz entre os dois reinos ficou muito bom. Gostei especialmente da alusão a teoria da conspiração. A preocupação do Rei com a profecia da anciã tornou um personagem bastante complexo e interessante. A presença do humor no diálogo entre o rei e a anciã quebrou minha imersão na narrativa. A história começou interessante mostrando uma guerra entre reinos, e no diálogo me senti assistindo a um daqueles seriados de comédia norte-americanos. Um outro fato que também tornou a história estranha para mim foi que a princípio pensei que fosse uma história nos tempos medievais e no final ela parece estar acontecendo nos tempos atuais. Também fiquei com a impressão que o primeiro rei seria o personagem principal, mas depois de sua morte o filho assume o protagonismo dois personagens principais deixou o conto um pouco confuso na minha opinião. Eu espero que meus comentários ajudo em você a melhorar cada vez mais em sua escrita. Agradeço por você compartilhar comigo um pouco e seu universo literário. Desejo ter a oportunidade de ler outros contos seus nos próximos desafios.

  13. cyro eduardo fernandes
    17 de novembro de 2025
    Avatar de cyro eduardo fernandes

    Excelente conto. A maldição rogada pela anciã ficou um pouco solta, mas o caráter crítico à monarquia está muito bem fundamentada.

  14. Alexandre Parisi
    15 de novembro de 2025
    Avatar de Alexandre Parisi

    Gostei bastante do conto. É fluido e bem escrito. A metáfora com o xadrez funciona como pano de fundo: poder, estratégia, inevitabilidade. O começo é envolvente e o tom irônico do rei segura bem a leitura. Mas senti que o texto às vezes se alonga demais em descrições e reflexões, o que freia a tensão. A melhor parte é a virada da aia: inesperada, cruel e perfeitamente plausível.

    Os personagens são interessantes, mas alguns funcionam mais como peças de enredo do que como pessoas — especialmente a rainha e o bispo, que parecem entrar e sair apenas para cumprir funções. O salto final para o presente é ótimo, mas abrupto; poderia ganhar um pouco mais de preparação.

    Gramática está sólida — só notei pequenas repetições de ideias, nada gritante.

    No geral, um conto forte, bem arquitetado e com um excelente desfecho.

  15. Antonio Stegues Batista
    12 de novembro de 2025
    Avatar de Antonio Stegues Batista

    Não sei, parece que a primeira frase faz alusão ao microconto de Augusto Monteroso: “ Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”.  O conto faz uma afirmação pessimistaa de que todo governo, seja monarquia, democracia, etc. haverá corrupção, desejo de poder, mentiras e vaidade, Os ricos, os poderosos explorando os pobres e mais fracos.

  16. Roberto Fernandes
    10 de novembro de 2025
    Avatar de Roberto Fernandes

    Ótimo texto, trabalha a ideia de imutabilidade do poder, de forma didática a ponto de tendermos a concordar com os reis.

    No fim a sensação é de vazio por nao poder combater o “status quo”.

    Boa transição entre a historia inicial e a verdadeira historia.

    Parabéns gostei muito!

  17. Martim Butcher
    4 de novembro de 2025
    Avatar de Martim Butcher

    Muito engenhoso! Gostei como o tema do xadrez não foi tomado de maneira literal, o que criou uma diferença em relação aos outros contos da série.É uma espécie de releitura de Lampedusa muito saborosa. O ponto alto é o diálogo entre o rei e a rainha, cheio de cinismo, e de modo geral as escolhas lexicais se adequam perfeitamente ao clima principesco sempre com ironia, sem cair no kitsch e na cafonaria, que estão sempre à espreita das histórias desse gênero. Muito bom.

  18. Kauana Kempner Diogo
    4 de novembro de 2025
    Avatar de Kauana Kempner Diogo

    O autor demonstra domínio técnico e visão estrutural, dividiu muito bem o conto em três atos como uma partida de xadrez. A mistura de uma fábula política, em um estilo medieval com comentários distópicos sobre o poder, deixa a proposta ainda mais notável. Há um equilíbrio da escrita e na alternância de tempos, muito bem executado. O impacto dessa obra é no sentido intelectual, levando o leitor a reflexão.

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Publicado às 2 de novembro de 2025 por em Liga 2025 - 4A, Liga 2025 - Rodada 4 e marcado .