EntreContos

Detox Literário.

A Queda – Conto (Angelo Rodrigues)

Foi Miguelzim quem trouxe aquela notícia tão inesperada:

Caiu um viaduto, dona Valquíria, gente que não acaba mais. Tudo morto. Chamaram o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. O povo todo do Rio de Janeiro já está doando sangue pros que saíram vivos na desgraça.

Marinha, Miguelzim? Aeronáutica? Tudo isso prum viaduto só?

É sério, dona Valquíria, ouvi no rádio… agorinha…

Sei não, Miguelzim. Marinha e Aeronáutica?

Não estou mentindo, dona Valquíria disse Miguelzim, quase ofendido.

Ê, Miguelzim, desabamento de viaduto com Marinha e Aeronáutica?

Valquíria cuidava do filho Tavinho e ouvia o rapaz enquanto ia conferindo as compras que chegavam no triciclo. Ele tirava os caixotes e falava das novidades, empolgado com o espanto que causava. Verdade ou mentira, não importava, gostava de falar, de ver o assombro nos olhos dos que pouco ou muito se assombravam.

Contador de casos, Miguelzim entregava as compras e inventava histórias quando não tinha certeza, mas, quando tinha, era firme, embora poucas vezes fosse firme.

Vem chuva por aí, Miguelzim. Se cubra.

Das grossas, dona Valquíria.

Marinha e Aeronáutica? Só mesmo você, Miguelzim.

O rapaz colocou os caixotes vazios no triciclo, ajeitou o chapéu de feltro sobre a cabeça e ameaçou pedalar de volta para a venda de seu Gianotti.

Pode não ter Marinha nem Aeronáutica, dona Valquíria, mas o Exército eu lembro, tenho certeza. Não estou mentindo.

Vai, Miguelzim, conta outra que essa não valeu.

 

As cenouras pareciam os dedos de uma bruxa, magras e enrugadas, molengas; os abacates estavam mirrados, careciam ainda de quatro ou cinco dias para ficarem maduros. Enrolou-os em jornal, um a um, e os pôs na base da fruteira. As couves estavam boas. Faria um viradinho à paulista para servir à noite, quando Eduardo chegasse do trabalho. Tinha planejamento e tempo.

De longe, sentia o cheiro das laranjas maduras. Haveria entre elas uma ou duas que logo estariam podres. Seu Gianotti… uma desgraça aquele homem, esperto que só, comprando sobras de grandes supermercados e vendendo aos que nunca reclamam. Imaginava um dia não voltar à venda de seu Gianotti, iria direto ao Rio de Janeiro e por lá faria suas compras de mês. Nem que para isso gastasse algumas horas. Mas por enquanto não podia. Tinha que aguentar as trapaças de seu Gianotti.

— Um dia vamos morar no Grajaú, Tavinho, no Grajaú — disse ao filho.

Eduardo dizia que tudo ia bem na companhia de seguro em que trabalhava, que estava a um dedo de distância de uma boa promoção. Era ainda atuário júnior, só estava começando.

— Se tudo der certo vamos morar no Grajaú, meu querido, lugar de gente civilizada.

 

Já na rua, o rapaz abordava quem cruzasse seu caminho, divulgando notícias mal apuradas. Gesticulava exageradamente, imitando o desabamento da estrutura. Isso, no Rio de Janeiro, na Tijuca. Caiu. Inteirinho. Gente que não acaba mais. Tudo morto, dona… Gostava de ver o espanto que produzia nos desavisados, aumentava a desgraça. Às vezes tremia a voz e quase chorava ao falar de tantos mortos, tantos feridos, e todos sob o peso das lajes. Ainda não tinha números exatos, mas logo teria. Estimava com certeza que fossem mais de quinhentos os mortos naquela desgraça toda. Dos feridos nada sabia, mas garantia que eram em número maior que o dos mortos. Depois seguia de volta à venda de seu Gianotti, pedalando o triciclo até encontrar alguém a quem pudesse contar a sua história, causar espanto, sempre aumentando.

 

No rádio, o locutor repetia as notícias do desastre. A cada dois minutos, anunciava-se o colapso de um viaduto na Tijuca. Valquíria, aliviada, lembrou que Eduardo não passava por lá — especialmente aos sábados, durante seu horário de almoço. Sentia uma ponta de culpa por agradecer a Deus por Ele poupar o marido e aceitar que tanto horror caísse sobre a cabeça de outros. Mas fazer o quê, se era vontade dEle?

Deixou de querer saber do viaduto caído, de tantos mortos e feridos, sobre qualquer coisa ligada àquilo, principalmente por estarem tão longe dos seus. Esperava por Eduardo e pensava no viradinho à paulista que faria à noite. Só a prima Olinta vive na Tijuca. Mas que caiam viadutos sobre a cabeça de Olinta, que com essa eu nem me importo.

Retornou a organização da cozinha: geladeira, formas de gelo, congelador. Até os puxadores ganharam brilho sob o pano úmido. Tavinho voltava a tossir e Dinorah, a prima querida, chegava para uma visita inesperada. Ela pegou o menino no colo e fez a festa de sempre. Tavinho tinha no peito um ronco forte e dificuldades para respirar.

— Soube do viaduto?

— Caiu. Pros lados da Tijuca.

— Pertinho de Olinta. E Tavinho, como está?

— Uma tosse… não vai embora.

Dinorah ligou o rádio e se sentou numa poltrona com o menino no colo.

— Não diz novidades. Só fala da queda… desgraça pura — disse Valquíria. — Desliga.

— Não. Quero saber mais.

— Bobagem. Vai ficar sofrendo pelos outros, é tudo gente desconhecida.

O rádio continuou ligado. Valquíria trouxe até a sala uma cesta com linhas e agulhas, sentou-se ao lado de Dinorah e deu continuidade à colcha de crochê que já andava pela metade.

— Conhece esse ponto? — disse Valquíria.

Dinorah olhou sem interesse o tal ponto. Não entendia nada de tricô, crochê, bordados, coisas que achava antigas, coisas de mães, de avós, de bisas. Achava um tédio perder tempo com aquilo; era moderna. Notou que as mãos de Valquíria tremiam enquanto tratava dos nós e dos pontos na construção das tramas, e mais ainda quando sacolejava os braços querendo que a linha fluísse do novelo.

— Não sei como você aguenta…

— O quê, santo Deus?

— Crochê, falo do crochê. Morreria de tédio se perdesse meu tempo com isso.

— Ah, distrai.

Enquanto o menino tossia no colo de Dinorah, Valquíria remoía a possibilidade de uma tragédia envolvendo o marido. Não tirava da cabeça a ideia de que algo tão terrível pudesse acontecer com aqueles inocentes. Definitivamente não queria saber daquilo.

— Eduardo não está por lá, não está. Não faz caminho pela Tijuca. Desliga esse rádio, Dinorah. Me desesperam essas notícias — disse Valquíria.

— Miguelzim falou que já estão lá as três forças.

— Miguelzim é um mentiroso. O que têm Marinha e Aeronáutica com isso?

— É. Não têm nada. Está fazendo o que com tanto empenho?

— Uma colcha de casal. Um presente pra tia Sebastiana.

— Mamãe não precisa de colchas, Valquíria. Tem muitas e dorme numa cama de viúva. Talvez queira uma toalha redonda que cubra a mesa da copa. Mas você pegou essa mania de dar a ela colchas de casal…

— Sei que ela gosta. Depois farei uma pro Zaquias, outra pra Emiliana e outra pra você.

— Zaquias não quer saber de colcha, dorme em qualquer canto. Emiliana também não. Eu só quero um vestido bonito pra viajar pro Rio de Janeiro e conhecer muitos rapazes. Aqui em Diamante só tem matuto e bandido…

— Faço um vestido você. Mas não tenho as tuas medidas.

— E pra Olinta? Não faz nada?

— Ah, pra Olinta não dou nada, vive arrastando as asas pra Eduardo, uma sem-vergonha aquela tua irmã. Não gosto dela nem um pouco.

— Olinta é como é, gosta de rapazes. Quem sabe um dia ela foge com o teu marido. Quem vai saber o que pensa Olinta? Ou o que pensa Eduardo, que, aliás, é bem bonitão.

— De Olinta não sei, mas sei de Eduardo, que tem a mim e a Tavinho. Ele tem um filho pra criar, uma casa pra manter. Não vai ficar dando bola pra tua irmã oferecida.

— Não ponho minha mão no fogo. Quem sabe o que pensa um homem acerca de uma mulher bonita como Olinta, que oferece aquilo de que eles mais gostam?

— Sobre homens não sei muito, Dinorah, mas sei muito bem de Eduardo, que não é um sem-vergonha como aqueles que andam atrás de Olinta. Você conhece bem a tua irmã. Ela sempre foi uma vadia. Dá pra qualquer um.

— E por que não daria também pra Eduardo?

Tavinho voltava a tossir e Valquíria fazia correr pela goela do filho um xarope de agrião com mel e poejo. Logo chegou Zaquias, outro primo querido, perguntando das novidades, falando do viaduto. Tomou um café amargo e tirou o menino do colo de Dinorah.

— Vamos passear, garoto… — disse e saiu.

 

Zaquias acavalou o menino sobre os ombros e foi ao quintal mostrar as árvores.

— O que é aquilo? — disse Tavinho.

O menino achava que no quintal só havia mangueiras.

— Um sapotizeiro, a árvore dos morcegos.

Zaquias falou da floração, da época dos frutos e do interesse que tinham os morcegos quando a árvore cheirava ao doce das frutas. O menino tossia, apontava em direção a outra árvore e Zaquias caminhava até ela para decifrá-la.

— Aquele é um pau-d’alho. Só dá mau cheiro e sombra, ainda assim, pouca. Árvore de maus presságios. Não gosto. Aquele é um…

O menino mudava de interesse e apontava na direção de outra árvore. Tossia e ronronava o peito com jeito de gato sonolento, perdia novamente o interesse e apontava em outra direção. Zaquias se voltava na direção em que apontava o dedo do menino e decifrava mais uma árvore.

— Aquela é uma amendoeira. Seu avô tinha medo de árvores, sabia? Cortou o pendão de crescimento dessa que agora só cresce pros lados, com braços imensos e pouca altura.

O menino virava o dedo novamente.

— Aquele é um jenipapeiro. Dá frutos que deixam bêbados os que deles muito comem, mas é uma farmácia feita de pau em pé. Seu avô podou ele com medo que caísse sobre a casa num dia de temporal. O coitado está desistindo de viver, não seu avô, que esse já morreu faz tempo, falo da árvore, que envelhece e seca por conta do corte excessivo. Nem sombra ela dá.

O menino ria, entupido de catarro. Zaquias observava as árvores, mas não perdia de vista o movimento da casa. Conhecia os segredos entre Olinta e Eduardo — os encontros, os acertos, a atração mútua. Retornou com o menino dormindo em seu ombro. Quando chegou a casa também chegava a outra irmã, Emiliana.

— Souberam do viaduto? — ela perguntou.

— Caiu — disse Valquíria, se antecipando. — Na Tijuca.

— Chove no Rio.

— Ouvi que chove.

— Alguém sabe de Olinta? — perguntou Emiliana quando na cozinha já iniciava o preparo de um bolo de fubá com raspas de coco queimado.

Ninguém sabia. Queriam saber coisas, notícias de Olinta ou o que Olinta pudesse falar sobre o viaduto que despencara. Vivia agora na Tijuca, bem pertinho do desastre. Telefonaram para Olinta, que não atendeu.

— Deve estar ocupada — disse Dinorah.

A sala escurecia com o sol se pondo por trás de grandes pés de eucaliptos nascidos sobre o alto de um outeiro, e nuvens espessas de chuva que ajudavam a antecipar a noite.

— Eduardo logo chega. Vai ser bom ver vocês todos aqui. Conseguiram falar com Olinta? — disse Valquíria.

Ninguém conseguira falar com Olinta.

— Alguém já ligou pra Eduardo? — perguntou Zaquias.

— Não precisa — justificou Valquíria. — É hora do corre-corre no escritório, e nem vale perder tempo. Pegaram um novo contrato. Ninguém atende ao telefone por essas horas. Fazem um tal fechamento de não sei o quê, coisas dos atuários, que só eles entendem.

Tavinho acordou e ardia em febre. Zaquias cuidava do menino dando a ele colheres de mel e panos frios na testa. Deitado, o menino apontava para o alto como se visse árvores à sua frente quando o que via era o teto branco da sala.

— Muita febre.

Valquíria já havia preparado o viradinho à paulista. Era só esperar por Eduardo, que não chegava.

— Preparei um viradinho, queridos. Se todos ficam pro jantar, aumento com um suflê, umas fritas e alguns bifes de panela de pressão. Vocês aceitam?

— Não se preocupe… — disseram todos e voltaram ao rádio.

Emiliana pôs sobre a mesa um bolo e uma garrafa térmica com café recém passado no coador. Valquíria, contornando o desespero pelo atraso do marido, deixou de lado a colcha que fazia e pôs nos pés os sapatos de ir à rua.

— Vai sair? Vem muita chuva por aí.

— Volto logo. Olhem por Tavinho — ela disse. — Preciso saber de Eduardo.

Apressou-se pela rua na direção da estação de trens. Seu Horacinho, o chefe da estação, jogava cartas com o bilheteiro por trás das grades do guichê de passagens, às moscas, como quase sempre. Nada de anormal. Os trens chegavam e partiam com incerta regularidade.

— Soube do viaduto, dona Valquíria? — disse seu Horacinho.

Sem nada responder, Valquíria tomou de volta o caminho de casa até concluir que Eduardo poderia chegar numa lancha que trazia os passageiros do Rio de Janeiro. Ele tinha o hábito de variar. A maré não estava boa, muito alta, balançava demais os barcos no cais, mas as lanchas saíam e chegavam bem na hora acertada, nenhum atraso ou cancelamento de embarques.

Quando retornou a casa já tinha os olhos crescidos, tomados pelas incertezas quanto à segurança do marido Eduardo. O que Eduardo poderia andar fazendo na Tijuca?, era no que pensava.

Emiliana ouvia o rádio despejar na sala notícias sem interesse. Haveriam de esperar terminar a Voz do Brasil até que pudessem ter notícias do viaduto que desabara. O locutor falava sobre as grandezas do país que crescia em mãos competentes quando repercutia notícias sobre a decisão de construírem a primeira usina nuclear brasileira, falavam ainda da despedida de Pelé da seleção de futebol e ainda detalhes da festejada morte de Carlos Lamarca. Era o que dizia o rádio.

 

Na sala, todos continuavam reunidos.

— Eduardo telefonou? Alguém falou com Olinta? — Valquíria perguntou

— Olinta não atende.

Eduardo também não havia telefonado. Valquíria ligou para o escritório de Eduardo e ninguém atendeu. Não havia ninguém por lá. Passava muito das horas de trabalhar num sábado chuvoso. Desculpou-se em voz alta Muito tarde, lá não deve haver ninguém a essa hora.

Zaquias olhava nos olhos das irmãs Dinorah e Emiliana enquanto passeava com o menino pela sala: ouvia dizer pelo vento que haveria tempos de dor trazidos pela irmã Olinta e por Eduardo. Perto da meia-noite a casa estava tomada por parentes, que foram chegando aos poucos. Perguntavam da febre de Tavinho, falavam do viaduto que despencara, ouviam o rádio em busca dos nomes das vítimas, mas não falavam mais de Eduardo, e nem tocavam no nome de Olinta.

Dona Sebastiana Albuquerque inspecionava a colcha que Valquíria lhe prometera. Falou do tamanho da cama das viúvas, mas não se importava que as colchas que ganhava fossem maiores do que o necessário. Gostou da cor, falou da beleza dos pontos e prometeu que faria lençóis e fronhas que combinassem com ela. As mulheres faziam café e bolinhos de chuva quando não estavam cuidando de preparar um novo chá pra Tavinho, ou ouvindo as inutilidades do rádio.

Valquíria esperava.

Quando voltava a calçar os sapatos para ir até a estação de trens, dona Sebastiana lembrou de ter visto seu Horacinho cuidando da vida no Bar São Pedro, bebendo cervejas à larga com seu João Corvini. A estação já estava fechada. Mas Eduardo poderia chegar numa lancha regular, mesmo àquela hora, mas foi novamente contida quando os sapatos já estavam em seus pés e a bolsa nas mãos.

— Acalme-se, Valquíria, tudo logo se resolve… — disse Emiliana.

O menino tossia e Zaquias voltava a cuidar para que ele dormisse. Deitou-se com o menino na cama dos pais e arrefecia sua febre com panos úmidos e frios. Alguém voltou a ligar discretamente para a casa de Olinta, que não dava sinais. O rádio despejava notícias, sempre as mesmas, de tristezas e espantos, de providências que seriam imediatamente tomadas pelas autoridades competentes.

Por volta de três horas da manhã o locutor da rádio que ouviam leu a lista das vítimas, as que puderam apurar. Todas lá, vinte e nove mortos e dezoito feridos. Um a um foram sendo ditos pelo locutor com sua voz de lamento, quase chorosa, pela perda ou pelo dano sofrido. Dos muitos nomes, nenhum deles era o de Olinta, ferida ou morta, e um só era de Eduardo, que não era Amarante, mas Feitosa, era outro o Eduardo, não o de Valquíria. Nenhum nome conhecido numa lista tão longa. Nem Eduardo Amarante nem Olinta Albuquerque. Valquíria esperava enquanto se dava conta do que acontecia a ela e ao filho, e a evidência era toda aquela gente ali a acudi-la no princípio de um desespero que se avizinhava: Eduardo não voltaria. Agarrou-se ao filho trazido da cama, febril e arfante.

— Alguém ligou pra Olinta? — disse Valquíria.

— Olinta não atende.

— E Eduardo?

— Nada, ainda.

18 comentários em “A Queda – Conto (Angelo Rodrigues)

  1. Pedro Paulo
    15 de julho de 2025
    Avatar de Pedro Paulo

    É um conto de suspense em roupagem cotidiana. A tensão consiste em duas tragédias possíveis, a morte e a traição, qualquer uma das duas bem dolorosas, cada personagem que chega, à sua maneira, contribuindo para esse cenário de crescente desespero e desolação. Foi uma decisão enriquecedora delinear a protagonista a partir do seu egoísmo: a tragédia do viaduto não a interessa portanto que não afete a sua vida, mas conforme essa possibilidade se consolida e contrasta com outra tão ruim quanto, a preocupação e o desespero vão assumindo. Muito bem escrito, com a dosagem certa nas perspectivas dos vários personagens, de modo que cada um fica bem caracterizado e ao mesmo tempo acrescentam mais camadas ao drama familiar que partilha espaço com a tragédia urbana.

    Ótimo conto, Ângelo. Por favor, participe dos próximos desafios. Principalmente agora que não estarei disputando diretamente com o senhor!

    • Angelo Rodrigues
      15 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Grande e querido Pedro Paulo. Bom falar novamente com você.

      Obrigado pela leitura e comentários.

      Você realmente capturou a ideia que eu quis passar no conto. Essa coisa lenta e mofina do quotidiano convivendo com um drama bem significativo ao fundo. Esse jogo, a dualidade entre duas ideias: uma bastante particular, outra bastante ampla que, ao menos aqui no Rio de Janeiro, foi bem marcante.

      Lembro das repercussões da queda do viaduto. Até porque, como comentei abaixo, houve uma baixa na minha rua: um pai e marido ficou por lá. Sob os escombros. Isso foi marcante, lembro bem.

      Essa movimentação de pessoas entrando e saindo da casa, do quintal, das árvores, das podas equivocadas, foram bem presentes na minha vida de garoto de família grande e muitas mulheres se movimentando por todos os lados. O relógio de corda sobre a geladeira fazendo tique-taque, o rádio tocando A Hora do Brasil e tal, criando um clima bem bucólico, às vezes mofina, como falei — que às vezes tem as cores da iminência de algo que transforma tudo, dá um novo rumo às vidas de muitos.

      Tudo isso veio ao escrever o conto, o que lembro de haver ocorrido na queda do Viaduto Paulo de Frontin.

      Valeu mesmo, amigo, e novamente, obrigado pelo comentário e incentivo à voltar a participar.

  2. Priscila Pereira
    11 de julho de 2025
    Avatar de Priscila Pereira

    Olá, Angelo! Tudo bem?

    Mais um ótimo contos! Gosto desse cotidiano, um recorte perfeitos de apenas algumas horas que disseram tanto sobre uma família. A escrita impecável, o narrador invisível que permite que a história deslize suavemente na imaginação sem nada que atrapalhe é coisa muito difícil de fazer, mas você consegue perfeitamente!

    Parece que Eduardo e Olinta escolheram um dia muito ruim para fugir… Se é que fugiram… Coitada da Valquíria…

    Parabéns pelo conto!

    Até mais!

    • Angelo Rodrigues
      11 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, Priscila,

      obrigado pela leitura e pelos comentários.

      Eram uma família unida… até Olinta resolver… e Eduardo resolver também… dar outro rumo às suas vidas.

      Como disse o Gustavo, é algo mesmo meio rodrigueano, onde a realidade está sempre disposta nos dar uma pancada ou quebrar uma harmonia.

      Valeu, Priscila!!

  3. Luis Guilherme Banzi Florido
    8 de julho de 2025
    Avatar de Luis Guilherme Banzi Florido

    Fala, Angelo! Tudo bem? Muito bom te ver por aqui!

    Cara, que contaço! Bem sua cara, se isso foi um desafio anonimo, eu provavelmente imaginaria que é seu, pq vc tem um jeito muito unico de retratar o cotidiano, de desenvolver personagens e dialogos, de modo a dosar com perfeição a monotonia do cotidiano e o interesse que a leitura causa. Quero dizer, o cotidiano apresentar uma monotonia, um tédio, uma rotina, que a literatura costuma evitar. Eu mesmo tenho muita dificuldade nisso, quero escrever sobre coisas estranhas, bizarras, surpreendentes, pois nao consigo encontrare no cotidiano formas de torna-lo estranho, bizarro, surpreendente, como voce faz tao bem. Parabens! Falando mais sobre o conto em si, gostei muito da tensao escalante, sobre como a protagonista meio que passa pelas fases do luto ja antes da noticia chegar, de alguma noticia chegar. Negação, medo, aceitação. Tudo ao decorrer de um unico dia. E aos poucos, indicios de que o marido e a outra familiar morreram juntos no acidente, de que ele saiu do trabalho pra ir pra casa dela, que voce brilhantemente avisa de forma enfatica que mora perto do acidente, só para criar no leitor a certeza do desfecho. Eu mesmo, admito, li pensando “ah, ele entregou cedo demais, agora eu ja sei que o marido morreu no acidente com a amante, e isso vai estragar o impacto final”. E voce me enganou, como planejou direitinho. E no final fica um gosto amargo na boca, vendo a angustia da mulher, cujo mundo desmorona, como a ponte. Tudo fechadinho. Trabalho primoroso, parabens!

    • Angelo Rodrigues
      9 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, Guilherme,

      Obrigado pela leitura e comentário.

      Legal que tenha gostado.

      Certa vez ouvi alguém dizer que “se queres ser universal, seja regional”. É isso, a mim, em princípio, o que me espanta é o quotidiano, as coisas simples que, no fundo, podem conter a apoteoses das almas, transformações que podem nos fazer de sujeitos comuns a deuses: a alma humana.

      Sempre haverá um drama profundo por trás de uma singularidade.
      Quando escrevo, de modo geral corro atrás disso, do humano mais profundo. Nem sempre sou feliz, dado que essa percepção, de modo geral, vem em frestas às vezes bem estreitas. Mas essa busca vale a pena.

      Grande abraço e, mais uma vez, obrigado pela leitura e comentários tão gentis.

  4. Angelo Rodrigues
    4 de julho de 2025
    Avatar de Angelo Rodrigues

    Olá, André! Obrigado pela leitura e pelos comentários. Você foi muito perspicaz na sua análise. Muito obrigado mais uma vez.

  5. Angelo Rodrigues
    4 de julho de 2025
    Avatar de Angelo Rodrigues

    Olá, André! Obrigado pela leitura e pelos comentários. Você foi muito perspicaz na sua análise. Muito obrigado mais uma vez.

  6. Kelly Hatanaka
    3 de julho de 2025
    Avatar de Kelly Hatanaka

    Que conto maravilhoso!

    O viaduto caiu e a vida de Valquíria está desmoronando. A história vai evoluindo sem pressa, os personagens apresentando pedaços de uma história maior dessa família. Primeiro, vem a impressão de que Eduardo morreu, vitimado pelo acidente. No final, a compreensão de que não voltará, vitimado pela paixão mesmo. Toda a história entre ele e Olinda foi revelada pouco a pouco, sem certezas, através dos pensamentos de vários personagens.

    Interessante essa família tão próxima, enchendo a casa, cuidando da criança que precisa de cuidados imediatos e da mãe que, parecem saber, vai precisar muito em breve.

    Amei. Uma linguagem clara e simples e uma história que se desenrola com maestria.

    • Angelo Rodrigues
      4 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, Kelly!!

      Obrigado pela leitura e pelo comentário.

      Muito delicado de sua parte a análise sobre os fatos. Busquei exatamente isso. Essa lentidão, esse dizer sem falar, o amparo sem explicitar a necessidade de proteger ao mesmo tempo em que forma uma firme rede de proteção em torno de quem logo será ferido.

      Valquíria era aquela a quem logo chegariam as dores, e todos sabiam do seu destino, e todos foram até ela para que sua queda não fosse tão devastadora quando em meio a uma solidão ao lado do filho que também sofria.

      Isso é tão raro que resolvi abordar o texto dessa maneira, talvez a maneira anacrônica de se ver o outro, de se cuidar do outro, mesmo quando o cuidado ainda não é exigido, formando essa trama de crochê em torno de Valquíria, enredando-a aos poucos para que sua queda não seja tão dolorosa.

      Talvez seja pertinente ler meu comentário no post do Anderson, logo abaixo, onde explico a origem – pelo menos a origem forma – do conto A Queda.

      Foi isso que me passou. E obrigado por ser tão perspicaz nessas percepções.

      Obrigado mais uma vez, agora pelas suas percepções tão sutis.

  7. andersondopradosilva
    3 de julho de 2025
    Avatar de andersondopradosilva

    Olá, Ângelo! Que felicidade ter passado por aqui e lido este seu texto! Felicidade por ser tudo tão fácil, tão fluido; linguagem contemporânea, cotidiana; personagens cativantes, diálogos verossímeis. A felicidade vem pela escrita correta, pelo narrar competente. Mas é aí que a felicidade se acaba. Porque a história é de dor. Dores sutiz, suaves, escorendo pelas entrelinhas do narrar comedido. Estou doído, amigo. Por essa família que se alimenta de uma espécie de sobra, por esse garoto negligenciado pela saúde pública que não funciona, sufocado pelo catarro tratado a mato. Doído por essa mulher abandonada. Mais uma dentre tantas desse nosso país de mulheres abandonadas, criando seus filhos sozinhas em meio às tragédias da vida, da fome, da desnutrição ou das sobras, da doença, do abandono, das distâncias dos lugares onde só se chega a barco ou em linhas de trem longínquas. Aqui, a tragédia coletiva serve de pano de fundo pruma tragédia íntima… Eu queria ter achado graça no seu desfecho, mas saio com o coração profundamente partido por esse drama real e tão palpável, drama de todo dia e de logo ali. Amigo, seu estilo e temática me remeteram ao Thiago Castro… Lembra dele? Saudade… Abraço! Parabéns pelo texto! Amei!

    • Angelo Rodrigues
      4 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, Anderson!!

      Quanto tempo!! Tenho acompanhado sua família, sua linda menininha crescendo pouco a pouco. Parabéns!!

      Obrigado pela leitura e pelos comentários.

      Este conto foi, de alguma forma sendo construído desde os anos em que realmente o Viaduto Paulo de Frontin caiu. Uma família de minha rua deixou por lá o pai de uma criança com poucos anos de nascida. Confesso que já não lembro o nome dele, do morto, do pai. Lembro-me apenas da esposa, dona Marlene, que por muito tempo arrastou pela mão o filho sem pai. Lembro-me que ela era uma mulher esguia, viçosa e tal, que ao longo do tempo foi definhando. Essas coisas que vêm com a melancolia. Daí veio o conto. Curioso. O resto é história contada, imaginada. O cerne é o morto, o “Eduardo”, que não era de Valquíria, mas de Marlene, um “Eduardo” que realmente morreu sob as vigas do Viaduto Paulo de Frontin, na Tijuca.

      Grande abraço, meu querido!

  8. Givago Domingues Thimoti
    2 de julho de 2025
    Avatar de Givago Domingues Thimoti

    Boa noite, Ângelo!

    Tudo bem?

    Primeira vez que ouvi falar nessa queda do Elevado Paulo de Frontin na década de 1970 foi recentemente, num documentário sobre a Glória Maria. Ela foi uma das primeiras jornalistas a fazer a cobertura ao vivo de uma tragédia.

    Sobre o conto, achei interessante a forma como foi abordada a tragédia da forma macro e micro, essa dicotomia entre a tragédia vista a partir de indivíduos que não se envolvem diretamente com aquele que está no centro do furacão. Além disso, de positivo, creio que a ansiedade/a negação da protagonista foi bem retratada, de uma forma real, sem ser apelativa.

    No mais, não sei dizer porque esse conto não me conquistou. Sem dúvidas, é um bom conto e que ensina ao escritor/à escritora como abordar de forma diferente uma história.. Do ponto de vista técnico e/ou gramatical, é um conto muito bem executado. Contudo, talvez, ao optar por dar mais atenção a esse fator técnico e a negação do óbvio problema que a protagonista passa, a corda emotiva tenha se esticado e arrebentado (pelo menos para mim). 

    Além disso, penso que Dinorah (irmã de Olinta) some repentinamente da história depois de fazer sua defesa da irmã. Achei que teve pouco espaço para ela e isso foi um pouco estranho. Afinal, sua irmã some e você nada faz? Mas enfim, pode ser um erro de leitura meu também.

    Enfim, reitero que é um bom conto, apesar do que apontei! 

    Parabéns pelo trabalho!

    • Angelo Rodrigues
      4 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, Givago!

      Obrigado pela leitura e pelos comentários.

      Vou dar atenção aos seus senões, e lamento que depois de tantas considerações positivas, você não se tenha deixado conquistar pelo conto. É só um conto. Apenas um conto.

      Um abraço e, mais uma vez, obrigado.

  9. Gustavo Araujo
    2 de julho de 2025
    Avatar de Gustavo Araujo

    Gosto dessa prosa casual, quase televisiva. Dá para imaginar um quadro do tipo “A vida como ela é” sem grandes dificuldades. Os diálogos ágeis combinam muito bem com essa atmosfera em que o mistério e o suspense vão dando lugar ao estarrecimento e à percepção de que, afinal, Eduardo e Olinta estavam eles mesmo protagonizando outro tipo de cataclismo.

    Parabéns e bo… quer dizer, valeu pelo conto, Angelo!

    Ah, quando vi o nome do Zaquias cheguei a pensar que era o Zacarias fazendo uma ponta.

    • Angelo Rodrigues
      4 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, Gustavo!

      Obrigado pela leitura e comentários.

      Deliciosos os textos do Nelson Rodrigues, essa coisa popular que ele tinha. Li todos as as crônicas que ele publicou em A Vida Como Ela É. Infelizmente não encontrei por lá o querido Zeca.

      Mas posso informar que Zacarias e Zaquias são primos em segundo grau, e que este último trabalha num Jardim Botânico e todos os das sai em plantão para inspecionar se as árvores continuam em seus lugares habituais depois de alguma ventania.

      Grande abraço, meu caro!!

  10. André Lima
    1 de julho de 2025
    Avatar de André Lima

    Muito interessante como a história é abordada aqui. Eu, particularmente, não sou muito fã do Realismo e da enxurrada de traições na literatura brasileira que veio com este movimento (Questão de gosto mesmo), mas este texto “machadiano” até que me fisgou.

    O conto é construído com muita sutileza e controle de tensão. Esse controle, por vezes, perigou cair no desinteresse. O “primeiro ato” da história, nessa narração quase descompromissada, se alonga bastante, de modo que fiquei perdido sobre o que se tratava a trama. E já havia lido metade do texto. Mas a recompensa veio depois, com a habilidade do autor de brincar com os símbolos, o viaduto, a queda, etc. A escolha do ponto de vista, próximo de Valquíria, mas com incursões ao pensamento de outros personagens como Zaquias, cria um efeito de antecipação: sabemos mais do que ela, ou pelo menos suspeitamos. E isso nos envolve emocionalmente. Torci para não ser o final óbvio da morte de Eduardo. E este final não veio. Ainda bem!

    O uso do tempo é contido e concentrado: tudo se passa em um único dia, mas o ritmo vai se intensificando conforme o atraso de Eduardo se torna mais suspeito. As ações triviais (fazer crochê, preparar o jantar, cuidar do filho) são o pano de fundo de uma ansiedade crescente, que chega ao auge na madrugada, com a leitura dos nomes das vítimas. E aí penso sobre uma ironia: será que a protagonista, no fundo, não torceu para ouvir o nome de Eduardo na lista?

    Se a ideia em si não é tão original, a abordagem é. E isso é o mais importante para mim. Por isso, mesmo não sendo consumidor assíduo desse tipo de conto, este em específico me fisgou. Gosto da brincadeira, do jogo entre o trágico coletivo e o trágico pessoal: a queda do viaduto causa mortes e mobiliza o país, mas a dor mais profunda se dá em silêncio, no íntimo da casa.

    Como falei dos símbolos, esta “brincadeira” é simbólica e também conversa com o título. A queda de Valquíria em um abismo emocional, ao perceber que o marido não voltará; a possível queda moral de Eduardo; a queda da confiança familiar, uma vez que a traição vem da irmã, de dentro da casa; e até a queda simbólica da própria estabilidade do lar. Tudo isso dialoga com a queda do viaduto.

    Parabéns pelo trabalho! Gostei!

    • Angelo Rodrigues
      4 de julho de 2025
      Avatar de Angelo Rodrigues

      Olá, André! Obrigado pela leitura e pelos comentários. Você foi muito perspicaz na sua análise. Muito obrigado mais uma vez.

Deixar mensagem para Givago Domingues Thimoti Cancelar resposta

Informação

Publicado às 30 de junho de 2025 por em Contos Off-Desafio e marcado .