Sílvio acordou meio sonolento, efeito dos comprimidos que tomara antes do embarque. O cobertor quentinho, o ar gelado, o ruido constante dos motores e a máscara de dormir sobre os olhos também convidavam a mais um cochilo. Com a mão direita, suspendeu delicadamente a máscara, revelando a seus olhos castanhos uma cabine escura. Os passageiros sentados na mesma fileira dormiam profundamente. Alguns mexiam a cabeça, outros roncavam, a senhora na janela ajeitava o cobertor. Concluiu que ainda era madrugada e havia muito tempo para dormir. Abaixou a cabeça e ia tapar os olhos, quando um detalhe no relógio em seu braço esquerdo chamou sua atenção. Perdeu o sono.
“Por que está marcando 13 horas?”. Por um momento, achou que havia enxergado errado pelo sono. Mas a hora no mostrador digital era realmente aquela. Pegou o celular, para conferir se o relógio não estaria quebrado. Espantou-se novamente ao ver os dois aparelhos em perfeita sincronia. Resolveu chamar a comissária, de pé no final do corredor. Quando ela chegou, questionou-a discretamente, de modo a não acordar os demais passageiros:
— Por favor, poderia me dizer que horas são?
— Senhor, ainda é madrugada. Pode voltar a dormir, está tudo bem.
Sílvio percebeu um olhar desconfortável na mulher. Algo estava errado. Parecia uma tentativa de acobertar algo sério para não criar pânico. Se a hora marcada por seu relógio estivesse certa, isso significaria que o voo estaria horas atrasado. Por que a insistência em manter os passageiros dormindo, se obviamente já havia de ter clareado o dia?
Ele esperou a aeromoça se afastar. Então, levantou-se discretamente, e com delicadeza, foi até a ponta da fileira em que estava sentado e abriu um filete da cortina da janela, esperando entrar alguma luz exterior. Mas nada iluminou a cabine, se não a fez mais escura. O espanto do homem foi tanto que, de supetão, abriu toda a cortina, revelando um profundo breu. Seu movimento brusco acabou por acordar a senhora da última poltrona.
— O que está fazendo? — era perceptível seu incômodo.
— Nada … mil desculpas, senhora.
Bastante confuso e constrangido, Sílvio retornou a seu assento. Agora, não sabia se era apenas um mal-entendido, um efeito adverso dos remédios para dormir ou se algo estava acontecendo. Decidiu que era melhor se acalmar e esperar um pouco. Talvez, com a cabeça fria e com o tempo, as coisas se encaixassem melhor.
Após alguns minutos, outros passageiros começaram a acordar. O mesmo ritual se repetiu mecanicamente, com sucesso por um certo tempo, até que um homem sentado umas cinco fileiras a frente levantou-se gritando que seu relógio marcava quase 14 horas. A cabine de passageiros foi se enchendo de um burburinho cada vez mais agitado de passageiros confusos. Ate que alguém mais desesperado, gritou:
— Meu deus, a gente vai morrer!
Quase no mesmo instante, instaurou-se o pânico, tornando todos os esforços anteriores de Sílvio e das comissárias em vão. Este, viajante experiente, sabia como o pânico se alastrava facilmente em voo, dada a aerofobia generalizada na população. Tomado de boa vontade, decidiu intervir na situação, mesmo sem esperar bons frutos:
— Acalmem-se, por favor. Deve haver uma explicação para isso. Se estivéssemos passando perigo, seríamos avisados. — Silêncio.
Sílvio ficou surpreso com o silêncio inesperado. Não conseguia acreditar que seu breve discurso surtira efeito. Mas logo viu que não era o caso. Indiretamente, causou o silêncio ao esquecer a cortina aberta, que agora exibia um estranho brilho azul, forte ao ponto de iluminar a cabine por apenas uma janela. Todos os passageiros olhavam atônitos o que parecia um bizarro nascer do sol tardio. Mais bizarro ainda era o fato de nada ser visível do lado de fora além do brilho, como se o avião atravessasse uma densa névoa.
Aos poucos, o brilho aumentava mais e mais, e mudava para uma cor alaranjada. E o caos retornava, muito mais amplificado. O desespero dava lugar a uma espécie de delírio coletivo, onde os gritos de socorro eram suplantados por grunhidos e vocalizações macabras, acompanhadas de movimentos corporais violentos e descoordenados, com amplitudes que deixariam pasmos os mais habilidosos contorcionistas.
Sílvio, segurando-se para não ser contagiado pela catarse coletiva, foi até a área dos banheiros, logo atrás da cabine onde se localizava seu assento. Frustrando sua vontade de ficar um instante sozinho para se recompor, encontrava-se ali uma espécie de assombração: a comissária que lhe atendera tentava falar em um interfone, trêmula, pálida como um fantasma. Em seu peito, um crachá a nomeava: Sophia. Ao vê-lo, ela colocou o aparelho de volta no gancho, sendo imediatamente questionada por Sílvio:
— Agora não dá mais para esconder. Quero saber o que está acontecendo.
— De verdade, eu não sei. Ninguém sabe. Não conseguimos fazer contato com os pilotos há horas.
— Não pode ser. Não tem como acessar o cockpit?
— A porta é blindada e precisa de uma senha para abrir. Só quem tem a senha é a supervisora dos comissários.
— E por que ela não usa?
— Iríamos nos reunir agora para decidir o que fazer, mas fomos pegos de surpresa por esse caos. Estou com medo de passar sozinha no meio dos passageiros nesse estado.
— Eu vou contigo. Não se preocupe.
No caminho até a proa da aeronave, as cabines de passageiros pareciam uma mistura macabra de manicômio com hospital de guerra. Sem distinção de classe, a confusão era igualmente distribuída. Telas eram quebradas e objetos eram arremessados enquanto alguns se sentavam no chão, rezavam e soluçavam. Em seus pensamentos, Sílvio pedia para que algo o acordasse daquele pesadelo.
Chegaram então na porta do cockpit, onde se encontravam alguns comissários e a supervisora. Eles discutiam sobre mais um problema que surgira: alguns membros da tripulação haviam simplesmente desaparecido.
— Não estão na área de descanso? — Sophia indagou sua supervisora.
— Já olhamos tudo. Não estão em lugar algum.
— Talvez estejam no cockpit, resolvendo alguma emergência. Mas esse tempo todo? — Os comissários estavam quase tão aflitos e confusos quanto os passageiros. Ninguém sabia o que fazer. Foi quando Sílvio interveio, impaciente:
— Porra, já viu o estado disso aqui? Vão esperar alguém morrer?
— Ele tem razão — Sophia reforçou — temos que dar algum parecer, por pior que seja.
O resto da equipe concordou. Afinal, qualquer má notícia seria menos pior do que aquele suspense. A supervisora dirigiu-se à porta. Enquanto seus dedos trêmulos digitavam os números em um pequeno teclado, Sílvio torcia para que, a par dos fatos, fosse possível chegar até uma solução que os pusesse em segurança. Torceu em vão.
O cockpit estava vazio. Nenhum sinal dos pilotos. As janelas e as telas do painel emanavam um brilho amarelo, que chegava a cegar. Sílvio, apesar de nervoso, agora começava a perder a compostura, assim como os outros passageiros. A bizarrice já era demais. Correu de volta à cabine, que estava estranhamente esvaziada. Cerca de metade dos passageiros não estavam mais ali. O homem então se meteu em um corredor vazio e, deitando-se em posição fetal, se pôs a chorar.
— Ei! — Sophia correu atrás de Sílvio — Você é um dos únicos que ainda tem alguma cabeça aqui. Não podemos te perder também.
— O que você quer que eu faça. Que porra está acontecendo aqui?
— Deve haver alguma explicação. Mas você precisa se acalmar. Quem é você? Como se chama? Por que está nesse avião?
— Me chamo Sílvio. Sou músico. Estava indo participar de um festival e visitar minha filha que estuda na Europa.
— Ótimo, Sílvio. Eu juro que você vai poder ver sua filha em breve. — Sophia usava habilidosamente as técnicas que aprendera no treinamento de comissária — Mas precisamos cooperar aqui.
— Tem alguma ideia, Sophia?
— Deixa eu ver. O ambiente está se acalmando. Talvez a gente consiga mais ajuda.
Os dois se levantaram. A enorme cabine da classe econômica, que comportava mais de cento e cinquenta passageiros, abrigava apenas cerca de uma dúzia de almas àquela altura. Era impossível olhar para as janelas, de onde saía uma luz branca extremamente forte, mais forte que qualquer coisa já vista até o momento. Sophia analisou rapidamente o estado dos demais passageiros.
— O que você acha daquele senhor? — Ela apontou para um homem de meia idade, que parecia ser o menos agitado entre as pessoas da cabine.
Sílvio aproximou-se do senhor. A aparente calma, na verdade, escondia um pânico catatônico. Olhos vidrados, impossibilidade de qualquer foco e uma fala balbuciante e repetitiva:
— Ele… ele está… está levando
— Quem é ele? Levando pra onde?
— Levando todos… Ele…
A princípio, Sílvio não levou a sério aquela tentativa de conversa. Apenas considerou que o homem estava alucinando. Porém, ao olhar para o fundo da aeronave, uma figura medonha e sombria apareceu em sua visão periférica, como que saindo do corredor em sua direção. Ao olhar diretamente, não viu nada mais lá.
— Sophia, você viu aquilo?
— Vi. Para onde ele foi? — sofia tinha os olhos vidrados e as pupilas dilatadas. Não parecia mais a mesma pessoa. A calma anterior esvaiu-se.
— Não consegui ver, quando eu…
— Ele deve estar fazendo alguma coisa com os outros passageiros. Tenho que impedir!
A mulher se levantou em um pulo e correu pela cabine. Os gritos de Sílvio não tinham o menor impacto sobre ela. Parecia estar em transe, como a outra meia-dúzia de passageiros que ainda podiam ser vistos na cabine. Ao chegar no final do corredor, Sophia se trancou no banheiro. Sílvio, do lado de fora, batia a porta freneticamente, gritando para que a comissária abrisse, sem resposta. Com o canto do olho, ele voltou a ver a figura sombria. Esmurrava a porta, cada vez mais desesperado. Até que ela se abriu repentinamente, revelando o banheiro vazio.
Fechando a porta, o homem curvou-se sobre a pia, já sem forças físicas e mentais, À beira do colapso. Envolveu a cabeça com os braços e suspirou. Não havia mais lógica, não havia mais sentido. O jeito era respirar fundo e esperar o sonho bizarro acabar. Lentamente, ergueu a cabeça e olhou-se no espelho. Não viu seu reflexo, porém. A imagem refletida era a da criatura sombria.
O desespero voltou a tomar conta. Abrindo a porta do banheiro, Sílvio correu até o meio da cabine vazia, agora estranhamente escura. Agora, a criatura sombria o encarava, bem na sua frente.
— O que você quer? — O grito do homem não obteve resposta. — Pelo amor de Deus, eu só quero ver minha filha de novo.
Então, lentamente, a criatura começou a mudar de forma. O medo foi dando lugar à surpresa: a criatura transfigurou-se na mãe falecida de Sílvio. Agora, as coisas faziam sentido em sua mente. Entendeu que veria novamente a filha, mas demoraria algum tempo. A figura reconfortante da mãe, o qual sentia tanta saudade, o acalmava. De súbito, a cabine começou a se encher com uma água gélida. A surpresa aguçou-lhe novamente o medo, mas aos poucos, a água congelante parecia trazer um estranho conforto. A calmaria e o silêncio eram cada vez mais profundos. Agora, completamente submerso, se sentia flutuando em um oceano de paz. Sílvio fechou os olhos. Finalmente, entregou sua alma.
Falaaa entrecontista, tudo na paz?
Esse conto nao faz parte das minhasleituras obrigatorias.
Temos aqui a historia de um homem que tem um ultimo delirio antes de sua morte, na queda de uma aviao. Voce consegue disfarçar bem tudo, deixando a revelação bem escondida para a reviravolta final. Sendo totalmente sincero, é um conto interessante mas que, para mim, careceu de um impacto maior para se tornar um terror melhor. Note que eu nao to dizendo que o conto nao é terror. Nao to dizendo que o tema não está ali, pois claramente é um terror. Mas algo na tecnica ficou devendo pra tornar a situação mais impactante e fazer o conto brilhar mais. Parece que as coisas só vão acontecendo e o caos se instaurando sem que haja muita profundidade, o que não me deixou ansioso e nem torcendo pelo protagonista, sabe?
O final é a melhor parte, onde entendemos que o avião caiu e aquilo é uma delirio da mente do protagonista, que procura lidar com a morte iminente. E sua mãe aparece nos momentos finais para acalma-lo e ajuda-lo na travessia. Provavelmente os personagens que iam desaparecendo eram as pessoas que iam morrendo, o que sugere que o protagonista foi o ultimo a morrer.
Enfim, um bom conto, mas que careceu de maior impacto para ser mais marcante.
Escrita: De forma geral, é uma escrita limpa, sem muitos erros. Passou uma ou outra coisinha na revisão, mas nada que desabone o conto. Mas a técnica ainda deixa um pouco a desejar. Diversas vezes o texto cai na armadilha de contar ao invés de mostrar. Exemplos:
— O que está fazendo? — era perceptível seu incômodo.
Tomado de boa vontade, decidiu intervir na situação, mesmo sem esperar bons frutos:
as cabines de passageiros pareciam uma mistura macabra de manicômio com hospital de guerra
Sophia usava habilidosamente as técnicas
O texto funcionaria de forma muito mais eficiente se você conduzisse o leitor, através da sua escrita, para que ele percebesse que a senhora estava incomodada, que Sílvio estava tomado de boa vontade, que a situação era macabra ou que Sophia era habilidosa. Quando você diz essas coisas diretamente, você não deixa espaço para que o leitor chegue às próprias conclusões, o que enfraquece bastante o texto. É muito mais interessante que você descreva uma situação que faça o leitor sentir que aquilo é macabro do que tomar esse atalho de adjetivar e tentar “impor” esse sentimento – o qual, inclusive, o leitor pode nem mesmo estar compartilhando, o que pode até gerar um conflito entre quem está lendo e o que está sendo lido.
Algumas frases têm uma construção algo estranha, como essa:
apesar de nervoso, agora começava a perder a compostura
Por que apesar? Faz muito sentido que alguém que esteja nervoso perca a compostura.
Ou essa:
Este, viajante experiente, sabia como o pânico se alastrava facilmente em voo, dada a aerofobia generalizada na população
Dá a entender que é normal que haja situações de pânico geral em voos. Bom, não sou um viajante tão experiente, mas não acho que seja assim tão comum.
Noutros momentos, o texto é algo tautológico. Exemplo:
Decidiu que era melhor se acalmar e esperar um pouco. Talvez, com a cabeça fria e com o tempo, as coisas se encaixassem melhor.
Essas duas frases meio que dizem a mesma coisa.
Há também um certo vício em usar de expressões que dão a ideia de transições abruptas para emprestar ritmo à narrativa. Exemplos:
Quase no mesmo instante, instaurou-se o pânico,
Até que ela se abriu repentinamente, revelando o banheiro vazio.
Sophia analisou rapidamente o estado dos demais passageiros.
Aliás, são muitos os advérbios de modo. Observe os dois primeiros parágrafos:
Sílvio acordou meio sonolento, efeito dos comprimidos que tomara antes do embarque. O cobertor quentinho, o ar gelado, o ruido constante dos motores e a máscara de dormir sobre os olhos também convidavam a mais um cochilo. Com a mão direita, suspendeu delicadamente a máscara, revelando a seus olhos castanhos uma cabine escura. Os passageiros sentados na mesma fileira dormiam profundamente. Alguns mexiam a cabeça, outros roncavam, a senhora na janela ajeitava o cobertor. Concluiu que ainda era madrugada e havia muito tempo para dormir. Abaixou a cabeça e ia tapar os olhos, quando um detalhe no relógio em seu braço esquerdo chamou sua atenção. Perdeu o sono.
“Por que está marcando 13 horas?”. Por um momento, achou que havia enxergado errado pelo sono. Mas a hora no mostrador digital era realmente aquela. Pegou o celular, para conferir se o relógio não estaria quebrado. Espantou-se novamente ao ver os dois aparelhos em perfeita sincronia. Resolveu chamar a comissária, de pé no final do corredor. Quando ela chegou, questionou-a discretamente, de modo a não acordar os demais passageiros:
São cinco advérbios de modo já no início do texto.
São várias pequenas questões que mostram uma escrita ainda imatura. O que não é ruim: o EC é um ótimo lugar para nos desenvolvermos.
Enredo:
Confesso que o enredo não me cativou. Na tentativa de desenvolver um mistério, o texto pareceu mais confuso do que intrigante, o que é uma armadilha comum em contos de horror. Também não há muito desenvolvimento de personagens. Numa situação de perigo, é fundamental que o leitor se importe com os personagens, com o que vai acontecer com eles. Mas, como não sabemos quase nada sobre o Sílvio, fica difícil temer pelo seu destino. Não há envolvimento emocional. O conto ganharia bastante se houvesse menos descrições do pandemônio e mais espaço para um mergulho na mente e nas motivações do protagonista. A história não chega a ser exatamente ruim, mas é um bocado rasa.
Conclusão: Saio com a impressão de ter lido um conto cujo autor ou autora ainda está em desenvolvimento e, por conta disso, recorre a atalhos na escrita e acaba caindo em alguns vícios narrativos comuns. Mas é um texto imaginativo e, de forma geral, correto. Há bastante espaço para evolução. Espero que meu comentário possa ajudar um pouquinho nesse processo.
Voo Noturno
Esse conto, de certa forma, ilustra o debate que ocorreu hoje (dia 27.03) no grupo de WhatsApp: técnica ou narrativa? Esse conto tem uma narrativa boa (simples, mas boa), mas a execução peca. Pessoalmente, penso que a execução, a técnica de escrita, etcetera, etcetera… é algo importante demais para “ignorar”. O conto tem seus deslizes: algumas repetições de palavras, Sophia, virando Sofia, algumas construções frasais estranhas (Sílvio, apesar de nervoso, agora começava a perder a compostura, assim como os outros passageiros)… Faltou uma boa revisão nesse sentido.
O conto, em termos de história, está boa. Talvez seria interessante colocar um pouco mais de aspectos de terror mesmo (embora pessoalmente, a história de terror que fala sobre queda de avião já é o suficiente para me amedrontar). Sensação que tive foi que faltou apostar mais nesses momentos de terror; do jeito que está, está mais para um suspense, com um desfecho dramático. Sempre penso que o terror precisa de uma inversão da lógica racional, algo surreal ou, até mesmo, com algum elemento mais sobrenatural. E eu senti que ficou mais no nível de citar, ao invés de se aproximar.
No mais, boa sorte!
Que conto espetacular! A atmosfera de tensão e o clima de fantasia e terror se entrelaçam habilidosamente, enganchando o leitor desde as primeiras linhas. A estrutura narrativa flui suavemente, levando-nos a experimentar a confusão e o medo que Sílvio sente ao despertar em um ambiente tão surreal.
A transição de um simples viajante para alguém imerso em uma realidade distorcida é surpreendente. Os detalhes, como o relógio marcando horas impossíveis e a resposta evasiva da comissária, agem como provadores da descida de Sílvio ao delírio. A progressão do caos entre os passageiros, cheia de gritos e trevas, propicia uma construção tensa que provoca preocupação e curiosidade.
O uso da figura sombria como antítese traz uma sacada interessante e poderosa, representando medos interiores e anseios não resolvidos. O fechamento, onde Sílvio encontra paz nas águas geladas e a reconciliação com a figura da mãe, embora dramático, é poético e oferecido de maneira resignada.
Trivialidades da introdução poderiam ser reformuladas para amplificar o clima de agonia. Além disso, as pistas e mistérios podem ser ainda mais intrigantes, explorando mais esses aspectos sobrenaturais.
Olá, Sr Autor! Tudo bem?
Seu conto tem uma tensão e um suspense ótimos! Muito interessante, e bem fluido, li rapidinho. Muito bom!
Só não entendi direito o final… Tá aberto demais… Então o avião caiu no mar e tudo aquilo era tipo um delírio pré morte?
Desejo sorte!
Até mais!
Esse conto é um suspense psicológico se passa num avião, com boa ambientação e uma construção lenta de tensão que culmina em um delírio místico, fantástico, onírico. A narrativa começa forte, com um mistério crescente e um bom uso do cenário claustrofóbico. Os elementos fantásticos, porém, tornam-se confusos na segunda metade, e o desfecho com a criatura assumindo a forma da mãe do protagonista soa um pouco abrupto e deslocado. A técnica de escrita é boa, com descrições sensoriais e diálogos naturais, mas o plot final não entrega todo o potencial sugerido no início. Ainda assim, o conto mantém um clima instigante e mostra que o autor é bom em criar atmosferas de inquietação. Gostei, mas a expectativa foi um pouco frustrada. Boa sorte no desafio.
Erratas do meu comentário anterior:
“(…) mas tudo estava ainda à noite.”
“vista somente por canto de olhos – mas que depois se manifesta.”
Olá, Passageiro.
Tendo em vista as minhas limitações técnicas para apreciar melhor o seu conto e de modo a tentar esquentar meus comentários que acho um tanto insossos, decidi convocar, por meio de um ritual de fervura de miojo de tomate com leite coalhado e digitação de Zerinho-um no MS-DOS, a FRIACA® (Falsa Ruiva Inteligente Auxiliar para Comentários e Avaliações) para me ajudar nessa bela empreitada e proporcionar a melhor avaliação possível acerca do seu texto (dentro da minha perspectiva de leitor).
FRIACA: Do que se trata o conto?
R.: Um voo que parecia normal até que Silvio, um dos passageiros, nota que o tempo (a linha temporal) não estava de acordo: era para ser o início da tarde, mas tudo estava aida à noite. A desconfiança vira pânico quando outros passageiros começam a perceber a estranheza do fato – e se desesperarem com isso. Os eventos seguintes irão impulsionar o medo e consequências desastrosas internas do avião poderão surgir.
FRIACA: Como você vê a narração, o estilo, a estrutura, a técnica?
R.: No primeiro bloco de texto (digamos que o prefácio para introduzir os acontecimentos posteriores), creio que o(a) autor(a) se saiu bem em criar expectativas no leitor (quanto ao estranho evento que ocorria e as possíveis implicações/caminhos da história em face dele). Nesse sentido, rememorou em mim uma história que o Stephen King escreveu em roteiro (não o conto que inspirou o filme Voo Noturno, de que gosto também, mas Uma Fenda no Tempo, que tem efeitos visuais datados…). Os acontecimentos seguintes me lembraram também, porém de maneira leve, O Nevoeiro, também do Stephen King (mas nesse caso mais quanto ao filme feito do que quanto ao conto do autor – bom, vamos deixar de falar do King).
FRIACA: E quanto à adequação ao tema, à criatividade e ao impacto?
R.: Adequado ao tema do terror pelo ambiente de caos e medo criados, e pelos eventos externos ao avião. Não sei dizer se o substrato da sua história vem de um clichê – no fundo, o medo do desconhecido, o medo de aviões etc. -, mas sua perspectiva para escrever esta história, Passageiro, é interessante. Em meio à tensão, sempre um indivíduo se destaca para tentar acalmar ou guiar os demais, alguém com alguma bagagem de experiência nas costas, ou falsa experiência (olha eu aludindo ao King de novo… prometo que não faço mais), papel que coube ao Silvio. Que também em algum momento irá sucumbir ao medo (como quem pega impulso para recobrar a coragem).
FRIACA: Indo um pouco mais a fundo nesse particular e apesar do aspecto subjetivo do que a história pode causar no leitor, é um conto para dar risadas ou aterrorizar-se?
R.: O conto tem elementos plenos para tentar inocular medo no leitor, e creio que alguns sentirão, sim. É uma situação de caos e uma figura estranha aparece e desaparece, vista somente por canto de olhos – mas que depois de manifesta. E isso em meio à balbúrdia que acomete os passageiros por conta dos eventos exteriores à aeronave.
FRIACA: Qual sua posição final sobre esse conto?
R.: Apesar da sua prosa induzir para a tensão, o suspense, Silvio, creio que não me atraiu com a intensidade que gostaria de ter apreciado. Gosto de histórias assim, que narram um evento aparentemente sem nexo e sem deixar explicações, apenas suposições que o leitor fará ao desfechar a leitura. Uma pena, pois você me parece um(a) escritor(a) de mão cheia, por assim dizer.
Parabéns pela estória e boa sorte neste desafio.
A leitura que flui sem turbulências (não resisti ao trocadilho) durante todo o tempo, mas infelizmente a história é ingênua demais e o jeito de contar essa história muito simples. Essa simplicidade contribui para a fluidez, esse é o ponto positivo. Mas é pouco para um texto literário.
A ingenuidade que me referi na história é que tudo acontece de modo muito conveniente para que a narrativa seja conduzida do ponto A ao B. Tipo, um horário errado no relógio causaria toda aquela celeuma?
Quando o vulto aparece, a coisa parece que vai para um lado mais assustador (e toda a “ingenuidade” anterior teria contribuído para que o terror tivesse mais impacto nesse ponto), mas daí vem um oceano de água fria (trocadilho 2) e descobrimos que era o espírito da mãe que veio guiar a alma do filho afogado após o acidente aéreo.
MÉDIO
Gostei, muito bom, ele prende bastante durante todo o relato. Achei legal não ter uma explicação para o sumiço das pessoas.
No final, acho que eu cortaria bastante esse último parágrafo, para deixar algo mais misterioso, para que o terror ecoe mais um pouquinho, e não se perca com o encerramento. Não digo que seja uma proposta, mas imagina se ele terminasse, por exemplo, em “a criatura começou a mudar de forma”. Ponto, algo assim, faz o leitor se envolver mais porque ele precisa imaginar o que acontece a seguir, o que significa aquilo. Mas é só uma sugestão que poderia se testar, de repente não funciona para quem escreveu.
Um bom conto, em que o terror vem do mistério. Muitas coisas ocorrem sem explicação lógica. A figura misteriosa parece ser a morte e ela vem buscar todos os que estão no voo. Por que? Não se sabe, mas cumpre o propósito de trazer medo e inquietação;
Passageiro,
Li o seu conto duas vezes. Como eu gostei dessa atmosfera de suspense e terror dentro do avião. Eu acho que o terror funciona muito bem nesses ambientes sem saída, em que não se pode correr para buscar segurança. Seu conto me lembrou um romance de terror do Guilhermo Del Toro, Noturno, que também se passa dentro de um avião. Gostei também do seu protagonista, que não é um herói cheio de perfeição, pois também sente medo frente ao evidente perigo. Você o construiu muito bem.
Alguns pontos que acho que poderiam melhorar, pois, para mim, não funcionou:
a) alguns adjetivos e advérbios foram usados para economizar descrição e nem sempre me pareceu tão efetivo.
Exemplo: “O mesmo ritual se repetiu mecanicamente” – o advérbio ‘mecanicamente’ indica algo que é feito de modo automático, sem nem pensar de tão repetido, assim como uma máquina industrial. Não me parece se encaixar no processo de pessoas diferentes acordando e olhando as horas.
O adjetivo ‘sombria’ apareceu 4 vezes no texto para indicar a criatura: “figura medonha e sombria”, “voltou a ver a figura sombria”, “A imagem refletida era a da criatura sombria”, “Agora, a criatura sombria o encarava”. Esses acessos de adjetivação acabam pegando o leitor em algum momento. Claro, sua escrita ainda assim é prazerosa, mas o resultado ficaria melhor evitando o excesso de adjetivação.
b) a descrição da luz me deixou confuso. De início se diz que era ‘um brilho azul’, depois diz que das janelas saía uma luz branca.
c) algumas situações me pareceram um tanto forçadas. A já mencionada das pessoas acordando, até que alguém entra em pânico e sai gritando. É verdade que há pessoas que trabalham com público bastante escalafobéticas, mas sei lá, acho que todo o mundo pensaria antes em alguma solução, mesmo que seja alguém com pânico de voar. Mas isso pode falar mais das minha expectativas do que o que de fato ocorre na realidade.
Por fim, o final (rsrsrs), você consegue fechar a história o que é muito melhor do que deixá-la aberta, mas não me deliciei pela sua escolha. Achei o início e o meio muito superior, muito mais divertido de ler – mesmo com os detalhes apresentados -, do que o final, que me pareceu apressado como se, sem tempo ou espaço, tivesse criado o parágrafo apenas para finalizar algo aparentemente mais ambicioso.
De qualquer modo, no cômputo final, o saldo foi positivo e gostei de acompanhar a viagem de Sílvio pelo avião.
O conto começa com uma premissa intrigante, embora careça, no meu entendimento, de uma técnica um pouquinho mais refinada.
Há uma facilitação narrativa logo no início do conto que me incomodou:
“Abaixou a cabeça e ia tapar os olhos, quando um detalhe no relógio em seu braço esquerdo chamou sua atenção. Perdeu o sono.
“Por que está marcando 13 horas?”.”
Ora, se a realidade a minha volta me diz que está de noite e meu relógio diz que está de dia, eu com certeza duvidarei da precisão do meu relógio, imaginando que algo ocorreu com ele enquanto eu dormia ou que eu sequer havia reparado que ele já não estava funcionando corretamente.
O personagem já assumir que há algo errado ou sobrenatural ocorrendo é uma forçação do roteiro.
“— Por favor, poderia me dizer que horas são?
— Senhor, ainda é madrugada. Pode voltar a dormir, está tudo bem.
Sílvio percebeu um olhar desconfortável na mulher. Algo estava errado. Parecia uma tentativa de acobertar algo sério para não criar pânico.”
Aqui se evidencia a facilitação narrativa para se adentrar no “incidente incitante” do enredo. Embora essa facilitação tenha me incomodado, não comprometeu a experiência total.
“o desespero dava lugar a uma espécie de delírio coletivo, onde os gritos de socorro eram suplantados por grunhidos e vocalizações macabras, acompanhadas de movimentos corporais violentos e descoordenados, com amplitudes que deixariam pasmos os mais habilidosos contorcionistas.
Sílvio, segurando-se para não ser contagiado pela catarse coletiva”
Acredito que o termo “catarse” tenha sido mal utilizado. Mesmo por analogia ou por qualquer outra figura de linguagem, não traz o verdadeiro sentido que o autor descreveu anteriormente.
O conto vai desenvolvendo um suspense interessante, embora levante perguntas demais, tais como: o pânico generalizado tem um fator místico? Por que a tripulação não sofreu essa influência? Por que Sílvio foi o único passageiro a não sofrer?
Logo após, vem a figura do homem de meia-idade catatônico.
“Sílvio aproximou-se do senhor. A aparente calma, na verdade, escondia um pânico catatônico. Olhos vidrados, impossibilidade de qualquer foco e uma fala balbuciante e repetitiva:
— Ele… ele está… está levando
— Quem é ele? Levando pra onde?
— Levando todos… Ele…”
É um clichê de gênero que poderia ter sido evitado. É uma situação extremamente batida para movimentar o enredo através do suspense. Aqui, considero uma falha técnica. Há outras maneiras de se movimentar o enredo com mais criatividade.
“— Sophia, você viu aquilo?
— Vi. Para onde ele foi? — sofia tinha os olhos vidrados e as pupilas dilatadas. Não parecia mais a mesma pessoa. A calma anterior esvaiu-se.”
Aqui há um erro de revisão na escrita do nome Sophia/Sofia.
“O desespero voltou a tomar conta. Abrindo a porta do banheiro, Sílvio correu até o meio da cabine vazia, agora estranhamente escura. Agora, a criatura sombria o encarava, bem na sua frente.”
Repetição da palavra “agora”.
Até que finalmente vemos a revelação final e…
… mais um clichê. Uma versão alternativa de “foi tudo um sonho” (No caso, tudo uma experiência de morte).
Destaco o parágrafo final que possui um brilho poético bem interessante.
Bom, vamos ao resumo da minha análise:
Sinto aqui que é um texto de técnica interessante, mas com pouco brilho, que precisa de uma revisão melhor. É possível contar essa mesma história, com um impacto maior, trabalhando melhor os elementos narrativos da trama, evitando alguns clichês e dando uma linguagem mais imersiva, de modo que o leitor compre o terror e se impacte com o final, embora eu ache que finais desse tipo já não causem mais tanto impacto.
É um trabalho digno, mas com um aspecto de “rascunho”, de técnica que pode ser mais bem elaborada. Acho que o autor pode dar mais atenção à obra para lapidá-la melhor, num futuro.
De todo modo, fica o bom suspense criado e a beleza do parágrafo final.
Parabéns pelo trabalho!